CSM/SP: Registro de Imóveis – Desqualificação de escritura de compra e venda – Documentação apresentada juntamente com a apelação interposta contra a sentença que julgou procedente a dúvida, com a finalidade de cumprir a exigência – Impossibilidade – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise da exigência a fim de orientar futura prenotação – Hipoteca cedular decorrente de cédula de crédito industrial – Necessidade de prévia anuência do credor para a venda do bem onerado – Artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69 – Alienação forçada em execução trabalhista – Inaplicabilidade do artigo 51 – Adjudicação em que, em princípio, o credor hipotecário não foi notificado – Aplicabilidade do artigo 1.501 do Código Civil, mantendo-se íntegra a hipoteca – Venda que sucede a adjudicação – Necessidade de prévia concordância do credor hipotecário, nos moldes do artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69, ou do cancelamento do gravame.


  
 

Apelação nº 0011588-49.2015.8.26.0302

Espécie: Apelação
Número: 0011588-49.2015.8.26.0302
Comarca: JAÚ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0011588-49.2015.8.26.0302

Registro: 2017.0000100578

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0011588-49.2015.8.26.0302, da Comarca de Jaú, em que são partes são apelantesANGELO GIGLIOTI e SUELI APARECIDA AIZZA GIGLIOTI, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAÚ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0011588-49.2015.8.26.0302

Apelantes: Angelo Giglioti e Sueli Aparecida Aizza Giglioti

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaú

VOTO Nº 29.629

Registro de Imóveis – Desqualificação de escritura de compra e venda – Documentação apresentada juntamente com a apelação interposta contra a sentença que julgou procedente a dúvida, com a finalidade de cumprir a exigência – Impossibilidade – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise da exigência a fim de orientar futura prenotação – Hipoteca cedular decorrente de cédula de crédito industrial – Necessidade de prévia anuência do credor para a venda do bem onerado – Artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69 – Alienação forçada em execução trabalhista – Inaplicabilidade do artigo 51 – Adjudicação em que, em princípio, o credor hipotecário não foi notificado – Aplicabilidade do artigo 1.501 do Código Civil, mantendo-se íntegra a hipoteca – Venda que sucede a adjudicação – Necessidade de prévia concordância do credor hipotecário, nos moldes do artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69, ou do cancelamento do gravame.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Angelo Giglioti e Sueli Aparecida Aizza Gigliotti contra a sentença de fls. 42/43, que julgou procedente dúvida, condicionando o ingresso registral de escritura pública de compra e venda: a) à anuência expressa do credor hipotecário, b) ao cancelamento desse ônus ou c) à comprovação de que, no processo em que ocorreu a adjudicação, o credor hipotecário foi intimado.

Sustentam, em síntese, que, no bojo de processo trabalhista em que o imóvel foi adjudicado, o credor hipotecário foi devidamente intimado, de modo que o óbice ao ingresso do título não mais se justifica (fls. 51/52).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 102/105).

É o relatório.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

E foi justamente o que o aconteceu no caso em análise, no qual os apelantes, no momento da interposição do recurso, apresentaram diversos documentos (fls. 54/72) com o objetivo único de cumprir a exigência que lhes foi imposta, comprovando a notificação do credor hipotecário na execução trabalhista que deu origem à adjudicação, registrada sob o nº 7 na matrícula 6.316 (fls. 24).

Desse modo, a dúvida está prejudicada, o que não impede o exame – em tese – da exigência, a fim de orientar futura prenotação.

A análise da matrícula nº 6.316 do 2º Registro de Imóveis de Jaú revela a cronologia dos fatos que aqui interessam: a) em janeiro de 1988, por meio de cédula de crédito industrial, o imóvel foi dado em hipoteca cedular de primeiro grau ao Banco do Estado de São Paulo (R.2 fls. 23); b) entre janeiro de 1991 e janeiro de 1992, o bem foi penhorado em quatro execuções distintas (R.3, R.4, R.5 e R.6 fls. 23/24); c) em junho de 1995, em uma das execuções (R.6 – fls. 24), o imóvel foi adjudicado a Terezinha de Lourdes Marafão Bonafe e outros (R.7 – fls. 23/24), que, em novembro de 1996, transmitiram o imóvel a Luiz Roberto Poliani (R.8 – fls. 25), que, por sua vez, em janeiro de 1998, o doou a Everton César Poliani (R.9 fls. 25).

O artigo 51 da do Decreto-Lei nº 413/69, ao tratar da hipoteca decorrente de cédula de crédito industrial, dispõe:

Art. 51. A venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito.

Nota-se que a regra que prevalece para as hipotecas em geral – segundo a qual o imóvel hipotecado pode ser livremente alienado [1], não obstante a aderência do ônus à coisa , não se aplica à hipoteca cedular, cujos bens somente podem ser vendidos com a prévia anuência do credor.

Essa particularidade, qual seja, a prévia concordância do credor para a alienação do bem onerado, não foi observada na adjudicação registrada sob o nº 7 na matrícula nº 6.316. E há razão para isso, pois se tratava de alienação forçada decorrente de execução trabalhista, hipótese em que, segundo precedentes deste Conselho, a prévia concordância do credor não se faz necessária:

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Pretendido registro de carta de adjudicação – Antecedente registro de hipotecas cedulares – Crédito trabalhista – Precedentes – Registro viável” (Apelação nº 088044-0/4, Rel. Des. Luiz Tâmbara, j. em 12/8/2002).

A adjudicação levada a efeito, no mais das vezes, acarretaria a extinção da hipoteca, na forma do artigo 1.499, VI, do Código Civil [2]. Essa regra, porém, não é absoluta, pois o artigo 1.501 do Código Civil preceitua que “não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ouadjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução”. No mesmo sentido o artigo 804 do Código de Processo Civil [3].

Se a hipoteca continua a produzir seus efeitos no caso de ausência de notificação do credor hipotecário a respeito da arrematação ou adjudicação, isso deve ser considerado como um todo, ou seja, todas as características que lhe são próprias devem ser preservadas. Desse modo, não tendo havido a notificação do credor hipotecário de hipoteca cedular – fato que induz a incidência do artigo 1.501 do Código Civil – permanece aplicável o artigo 51 da do Decreto-Lei nº 413/69 para eventuais vendas que sucederem a adjudicação.

Em outros termos: não comprovada a notificação do credor hipotecário no processo de execução que originou a adjudicação, a anuência prevista no artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69 continua a ser exigível nas alienações posteriores à venda forçada.

Nem se argumente que a arrematação e a adjudicação constituem modo originário de aquisição de propriedade.

Embora essa tese tenha prevalecido neste Conselho Superior por um breve período, já no último biênio retomou-se o entendimento consolidado de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS CARTA DE ARREMATAÇÃO MODO DERIVADO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE FERIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA CONTINUIDADE E DA ESPECIALIDADE OBJETIVA RECURSO DESPROVIDO” (apelação nº 9000002-19.2013.8.26.0531, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 02/09/2014).

Assim, por não se tratar de modo originário de aquisição da propriedade, a adjudicação não tem o condão de, por si só, apagar os ônus e restrições que lhe são anteriores.

E o fato de o domínio do imóvel ter sido transferido duas vezes após a adjudicação (R.8 e R.9 – fls. 25) não serve de fundamento para autorizar o ingresso do título apresentado pelos apelantes. Com efeito, como já se observou em reiterados pareceres aprovados da Corregedoria-Geral, assim como em decisões deste Conselho Superior, erros registrários pretéritos não justificam que outros se perpetrem.

Assim, para o ingresso do título, a interessada tem duas opções: ou (1) obtém a prévia anuência do credor, por escrito, na forma do artigo 51 do Decreto-Lei nº 413/69; ou (2) promove o prévio cancelamento da hipoteca, na forma do artigo 251 da Lei nº 6.015/73 [4], dispositivo que abrange, considerando a remissão ao artigo 698 do CPC de 1973 feita pelo seu inciso II, a comprovação da notificação do credor hipotecário no processo de execução que deu origem à adjudicação.

No caso em análise, pelo teor dos documentos acostados a fls. 51/70, os quais acabaram por prejudicar a dúvida, pretendem os interessados comprovar que o credor hipotecário foi notificado da adjudicação registrada sob nº 7 na matrícula nº 6.316.

Caso obtenha sucesso, seu problema estará resolvido, uma vez que a notificação do credor hipotecário a respeito da adjudicação ocasionará, por si só, o cancelamento da hipoteca (artigo 1.499, VI do Código Civil e artigo 251, II, da Lei nº 6.015/73). Nesse sentido:

Registro de Imóveis – pretensão de cancelamento de hipoteca, à vista de arrematação ocorrida em ação trabalhista – ausência de comprovação da notificação do credor hipotecário – impossibilidade do cancelamento, por força do art. 1.501 do Código Civil” (CGJSP – Processo nº 19.760/2014 DJ 22/4/2014).

Todavia, o exame dessa documentação não pode ser aqui realizado, cabendo ao Oficial apreciá-la em caso de reapresentação por parte dos interessados.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0011588-49.2015.8.26.0302 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 45.620 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.

[2] Art. 1.499. A hipoteca extingue-se:

(…)

VI – pela arrematação ou adjudicação.

[3] Art. 804. A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não intimado.

[4] Art. 251 – O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:

I – à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular;

II – em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil);

III – na conformidade da legislação referente às cédulas hipotecárias. (DJe de 31.03.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações

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