Decisão concretiza tese firmada pelo STF sobre a multiparentalidade

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou nesta semana uma importante decisão sobre a socioafetividade. Foi garantido a um idoso de quase 70 anos o direito a receber herança do pai biológico em ação de reconhecimento recente, mesmo já tendo recebido o patrimônio de seu pai socioafetivo. A parte contrária chegou a alegar que, embora tivesse ciência do vínculo biológico há mais de 30 anos, o homem só procurou reconhecimento da paternidade para obter vantagem financeira. Porém, o argumento não foi aceito.

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo, lembrou em seu voto o julgamento do Recurso Extraordinário (898.060) em que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) foi amicus curiae no Superior Tribunal Federal (STF), sendo definido que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

De acordo com o advogado e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Flávio Tartuce, a decisão do STJ foi correta. “Ela concretiza a tese firmada pelo STF no julgamento sobre a repercussão geral da parentalidade socioafetiva, publicada no Informativo 840 da Corte. Pela premissa ali firmada, a existência de vínculo socioafetivo não afasta a possibilidade de ingresso de ação visando a filiação em face do pai biológico, para todos os fins jurídicos, inclusive alimentares e sucessórios”, afirma.

Deste modo, o Ministro Cueva ponderou que é possível atribuir efeitos amplos, jurídicos e patrimoniais ao reconhecimento da paternidade biológica, ainda que o recorrente, já com 70 anos, tenha vivido ao abrigo da família que o adotou. Ainda conforme o STJ, a Ministra Nancy Andrighi afirmou que pode-se especular o porquê da demora do autor na busca pelo reconhecimento da paternidade biológica, mas não se pode negar os efeitos dela, uma vez comprovada.

Flávio Tartuce lembra que a decisão unânime da Terceira Turma foi importante, pois teve três aspectos fundamentais. “Em primeiro lugar, foi reconhecido que a afetividade tem valor jurídico, sendo um dos princípios do Direito de Família Contemporâneo. Segundo, a parentalidade socioafetiva está em posição de igualdade frente à biológica e, por fim, houve o reconhecimento de amplos efeitos jurídicos para a multiparentalidade, para todos os fins jurídicos”, detalha.

Fonte: Anoreg/BR – Migalhas | 30/03/2017.

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Debatedores divergem sobre forma de consentimento no uso de dados pessoais

Representantes de centro de pesquisa e de empresas discordaram sobre como deve ser a forma de consentimento do cidadão sobre o compartilhamento de dados pessoais por empresas ou pelo governo. Entre esses dados estão endereço, preferências políticas ou mesmo histórico de navegação na internet.

Eles participaram de audiência da Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais (PL 4060/12), nesta quarta-feira (29), sobre o tema.

A proposta, do deputado Milton Monti (PR-SP), estabelece regras para tratamento e proteção de dados pessoais e tramita apensada ao Projeto de Lei 5276/16, do Executivo. Este é resultado de um debate público online promovido pelo Ministério da Justiça durante quase seis meses.

Certeza da informação
O diretor do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio (ITS), Carlos Affonso Souza, defendeu a necessidade de se garantir ao consumidor a certeza de informação sobre os direitos e os ônus da decisão em repassar os dados.

“Uma futura lei geral deve estimular um ambiente em que o consentimento tenha significado. Momento de reflexão sobre como esses dados pessoais serão utilizados dali em diante”, disse. Segundo Souza, atualmente o consentimento sobre o uso de dados é “irrefletido e automatizado” e parece mais um obstáculo para o usuário ter acesso a uma rede social ou um aplicativo, por exemplo.

Souza também afirmou que a definição da proposta sobre consentimento deva ser replicada no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). A lei prevê aceitação expressa do usuário para acesso de dados, mas sem maiores detalhamentos.

Para o presidente da Associação Brasileira de Marketing Direto (ABEMD), Efraim Kapulski, o consentimento deve ser exclusivo do cidadão titular dos dados, sem interferência externa. “Parece que muitas vezes há pessoas que acham que é preciso exercer em nome do cidadão um direito de escolha que é dele”, criticou. Segundo ele, o titular também deve poder encerrar o compartilhamento dos seus dados sempre que desejar.

Princípios
Os debatedores defenderam a necessidade de que a proposta trate de princípios gerais para não correr o risco de, ao detalhar demais, se tornar velha muito rapidamente. Para Souza, a lei não pode ter apenas princípios, mas entrar no detalhe em temas como o vazamento de dados.

Para o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), é importante a lei apresentar princípios gerais sobre a proteção de dados, mas sem ficar abstrata demais. “A ideia é justa, mas não pode ser apenas uma declaração abstrata de intenções sob pena do ativismo judicial de um lado e de não cumprirmos com nossa obrigação.”

O coordenador Institucional da associação de consumidores Proteste, Henrique Lian, afirmou que o consumidor deveria ter mais voz na nova economia movida por dados com produtos e serviços modelados a partir de suas informações individuais. “O consumidor precisa ter um papel central nos debates, falar como ele espera ser protegido e recompensado.”

Lian também defendeu a criação de uma agência regulatória para fiscalizar a proteção de dados.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Fonte: Agência Câmara Notícias | 29/03/2017.

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Jurisprudência mineira – Apelação cível – Ação de usucapião familiar – Usucapião urbana – Dissolução da sociedade conjugal – Não preenchimento dos requisitos legais para usucapiar

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO FAMILIAR – USUCAPIÃO URBANA – PEDIDO ALTERNATIVO – DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA USUCAPIR

– Aquele que exercer, por dois anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (Código Civil, art. 1.240-A). Por conseguinte, não preenche os requisitos legais para a usucapião familiar o requerente (ex-cônjuge) que não é coproprietário do imóvel de que pretende usucapir a integralidade.

– A usucapião urbana possui requisitos legais distintos da usucapião familiar e não viabiliza a exceção à regra de que não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal (Código Civil, art. 197, I). Logo, inexiste transcurso do prazo para a prescrição aquisitiva a partir da separação de fato, porque esta hipótese não é prevista pela lei civil para dissolução da sociedade conjugal (Código Civil, art. 1.571), permanecendo hígida a regra de não fluência de prazo prescricional entre cônjuges.

Apelação Cível nº 1.0694.14.003695-5/001 – Comarca de Três Pontas – Apelante: Cleide Elena Luz Reis – Apelado: Veber Luiz Reis – Relator: Des. José Flávio de Almeida

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2017. – José Flávio de Almeida – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA – Cleide Elena Luz Reis apela da sentença (f. 147/148) destes autos de ação de usucapião ajuizada em face de Veber Luiz Reis, que julgou improcedente o pedido inicial.

A apelante alega que “foi casada com o réu/apelado, sr. Veber Luiz Reis, união esta que, por comportamento desrespeitoso deste último, culminou na separação fática do casal, ocorrida em 03.07.2009, quando o requerido abandonou o antigo lar conjugal, situado na Rua Professora Judith Correa Dias, 188, Vila São Paulo, Três Pontas-MG, CEP 37190-000, deixando a autora e a prole constituída à própria sorte” (f. 152v); “continuou residindo no imóvel em comento, situação esta que perdura até os dias atuais, de sorte que cuidou da referida res com se sua fosse” (f. 152v); “tendo cuidado do mesmo como se dona fosse, promovendo reformas, reparos e melhorias na res, bem como pagando as contas de água, energia elétrica do imóvel e o IPTU incidente, conforme farta documentação” (f. 152.v); “a posse da autora sobre o imóvel em comento foi mansa, pacífica, ininterrupta e ostensiva” (f. 153); “a documentação juntada demonstrou que o imóvel usucapiendo possui 240 m2 , ou seja, é menor do que a dimensão limite expressa no art. 1.240-A do Código Civil. Além disso, a prova carreada revelou que A autora/apelante, de forma exclusiva, exerce a posse mansa, pacífica a ininterrupta sobre o imóvel, com animus domini, há mais de dois anos, uma vez que em 03.07.2009 o réu abandonou o antigo lar conjugal” (f. 153v); “a autora/requerente não é proprietária de outro imóvel urbano ou rural e não foi beneficiada pelo instituto anteriormente, de sorte que, salvo melhor juízo, presentes estavam nos autos os elementos de enquadramento do caso ao instituto previsto no art. 1.240-A do Código Civil, de forma que o lógico e justo do ponto de vista jurídico seria a declaração de propriedade, em favor da autora/apelante, pela via da usucapião familiar, sobre o imóvel” (f. 154); “o argumento vertido pela r. sentença em vergasto derivou da forma de redação utilizada pelo magistrado prolator da decisão de f. 14/19, redação esta que não foi fiel ao conteúdo da petição inicial da ação de separação 0694.10.000.006-6, na medida em que a requerente jamais afirmou que a saída do requerido do antigo lar conjugal teria sido com mutuo consentimento. Aliás, o argumento em rechaço mostra-se também descontextualizado em relação às demais provas colhidas nestes autos” (f. 154); “a prova carreada aos autos não autoriza a descontextualizada análise feita pela r. sentença monocrática aqui recorrida, mormente porque a separação fática não foi fruto de mútuo acordo entre as partes, mas sim de decisão unilateral do requerido, que preferiu abandonar o antigo lar conjugal e deixar sua família à própria sorte” (f. 155); “ante a correta interpretação da locução ‘abandonou o lar’, aposta no art. 1.240-A do Código Civil, deve o juiz perquirir se o réu, durante os anos que se seguiram à separação fática, verteu medidas no sentido de cuidar e zelar pelo imóvel usucapiendo, que servia como lar conjugal” (f. 156v); “a prova produzida, seja pela via documental, seja pela via oral, foi robusta no sentido de que a requerente/apelante, há mais de cinco anos, vem arcando sozinha com as despesas e manutenção do imóvel usucapiendo, que, simplesmente, foi abandonado pelo sr. Veber Luiz Reis” (f. 156v); “Ad argumentandum tantum, caso este Egrégio Tribunal entenda que os requisitos específicos para a usucapião familiar não restem presentes na presente ação, o que se admite apenas por amor ao debate, tem-se que andou mal a r. sentença de f. 147/148, ao indeferir o pedido alternativo de usucapião especial urbana, formulado pela autora/apelante. Com efeito, conforme já resumido anteriormente, para indeferir o pedido de usucapião especial urbano, a decisão recorrida afirmou que, por força do art. 197, I, do Código Civil, a prescrição não correria entre consortes durante a constância na sociedade conjugal, o que, no presente caso, obstaria a implementação do prazo de cinco anos exigido em lei. Além disso, segundo afirmou a decisão em vergasto, a posse da autora não seria mansa e pacifica, com animus domini, afirmação que fez ao argumento de que, a discussão sobre a propriedade do bem e sua partilha, vertida no processo de separação 0694.10.000.006-6, indicaria que a posse exercida pela requerente não foi sem oposição. Ademais, afirmou que, ao ter sido declarado, em favor da autora, direito a 50% das benfeitorias feitas no imóvel, faltaria à posse vontade de dono” (f. 158v); “neste contexto, tem-se que o art. 197, I, do Código Civil, neste caso, seria inaplicável. Com o devido respeito, a sociedade conjugal e a comunhão patrimonial entre autora e réu já restavam desfeitas desde o abandono de lar, pelo sr. Veber Luiz Reis, ocorrido em 03.07.2009. No momento em que o réu saiu de casa, deixando a requerente e suas filhas à própria sorte, fazendo cessar a vida comum e a convivência marital, deixando de existir a sociedade conjugal entre ele a sra. Cleide Elena Luz. Por conseguinte, cessada a sociedade conjugal por força da separação fática, inequívoca é a conclusão de que, naquele instante, teve início a contagem do prazo para usucapião especial urbana do imóvel” (f.159v); “por ser ontologicamente uma medida de cunho meramente patrimonial e afeta ao desfazimento de um eventual patrimônio comum por força da separação ou divórcio, a partilha não se constitui como ato capaz de afetar a mansidão e pacificidade de uma determinada posse. Para ser capaz de retirar tais atributos da posse, a partilha realizada em sede de divórcio deve vir acompanhada de pedido de fixação de alugueres ou de desocupação do imóvel, medidas sem as quais permanece ela, a partilha, circunscrita às questões patrimoniais, sem capacidade de representar, por si só, irresignação possessória” (f. 161); “uma análise do caderno processual revela que a discussão patrimonial havida no processo 0694.10.000.006-6, em momento algum, fez-se acompanhar de atos de combate à posse da sra. Cleide Elena Luz sobre o imóvel [usucapiendo]. O sr. Veber Luiz Reis, naquele feito, limitou-se a requerer a exclusão do bem do monte-mor a ser partilhado, alegando tratar-se de imóvel particular, não formulando qualquer pedido específico contra a posse exercida por sua ex-esposa. Pelo contrario: a partilha vertida no processo 0694.10.000.006-6, cuja sentença consta às f. 14/19, de maneira tácita, apontou para a justeza da posse exercida pela sra. Cleide Elena Luz, visto ser ela titular de 50% das benfeitorias existentes no imóvel” (f. 161); “jamais poderia a MM. Magistrada a quo ter desconsiderado o fato de que o próprio réu não alegou a partilha do processo 0694.10.000.006-6 como ato de oposição à posse da autora. Conforme mencionado, o requerido, em sua defesa, não lançou qualquer argumento sobre a posse da autora, que permaneceu inconteste. Neste diapasão, se não houve qualquer tipo de oposição do requerido, em sua defesa, contra a posse da autora, tem-se como desarrazoado o argumento sentencial que considerou a partilha em comento como ato capaz de retirar o caráter manso e pacífico da posse da autora, constituindo tal argumento decisório uma verdadeira violação ao conteúdo expresso do art. 341 do CPC” (f. 162); “todas as provas e depoimentos testemunhais colhidos foram uníssonos em afirmar que a requerente cuidava do imóvel como seu. Além das declarações de f. 132 e 139, cujo conteúdo já foi transcrito anteriormente, e dos inúmeros de f. 28/55 e as testemunhas ouvidas declararam que a requerida jamais sofreu qualquer ato de oposição à posse, cuidando do imóvel como se dela fosse, o que, de forma insofismável, não deixa dúvidas quanto ao efetivo animus domini alegado na exordial” (f. 162v). Pede “seja dado provimento à vertente apelação, para: a) Reformando-se a sentença de f. 147/148, ser julgado procedente o pedido de usucapião familiar formulado na inicial, declarando-se a suplicante como legítima proprietária da íntegra do imóvel constituído pelo lote 30 do loteamento São Paulo, cuja matricula junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Três Pontas seria a de nº 4.930, e cujo atual endereço é Rua Professora Judith Correa Dias, 188, Bairro Vila São Paulo, Três Pontas, assim como da edificação nele existente: b) Caso não acolhido o pleito recursal anterior, reformar-se a sentença de f. 147/148, para, julgando-se procedente o pedido alternativo de usucapião especial urbano formulado na exordial, declarar a suplicante como legítima proprietária da íntegra do imóvel constituído pelo lote 30 do loteamento São Paulo, cuja matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Três Pontas seria a de nº 4.930, e cujo atual endereço é Rua Professora Judith Correa Dias, 188, Bairro Vila São Paulo, Três Pontas, assim como da edificação nele existente; c) Condenar o requerido nos ônus sucumbenciais aplicáveis à espécie” (f. 162v/163).

Recurso com dispensa de preparo, pois a apelante é beneficiária da justiça gratuita.

O apelado assinala que, “não correndo prazo prescricional durante a constância do casamento, somente com o decreto do divórcio terá início a contagem do lapso temporal” (f. 168); “a própria exordial qualifica a autora apelante como casada, o que por si só retira dela o direito de pleitear o Usucapião Familiar” (f. 168); “pela certidão de casamento datada de 21.11.2014, continuam eles casados. Considerando que o início da contagem do prazo de dois anos deve obedecer a data do trânsito em julgado da sentença, não existe lapso temporal nem mesmo para o reconhecimento do pedido alternativo formulado nas razões do apelo” (f. 168). Pede seja confirmada a sentença (f.169).

Conheço da apelação, porque estão presentes os pressupostos de admissibilidade.

A apelante ajuizou ação de usucapião em face do apelado, com base no art. 1.240-A do Código Civil (usucapião familiar) e também, como pedido alternativo, com base no art. 1.240 do mesmo codex: usucapião urbana.

O art. 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei 12.424/2011, prevê que aquele que exercer, por dois anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A chamada usucapião familiar, introduzida pela Lei 12.424/2011, traz, em primeiro plano, para o caso de “ex-cônjuge”, hipótese excepcional em que se admite que entre cônjuges corra prazo prescricional (CC art. 197, I). Lado outro, também permite que se possa usucapir a integralidade de imóvel de que o requerente já seja coproprietário.

A recente modalidade de usucapião não prescinde do preenchimento dos demais requisitos elencados no art. 1.240-A do Código Civil, como a posse exclusiva, com função social de moradia e com animus domini, sobre a área integral do imóvel em que o requerente seja coproprietário com o outro cônjuge ou companheiro. O imóvel em sua integralidade não pode exceder a 250 m².

O requerente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural e nem ter sido beneficiado antes por igual direito, como impõe referido dispositivo legal.

O art. 1.240-A do Código Civil claramente exige o lapso temporal de dois anos, contados do abandono pelo ex-cônjuge ou excompanheiro, com o qual o requerente divida a propriedade do imóvel.

E sobre o conceito de “abandono” inserido no art. 1.240-A do Código Civil, o Enunciado nº 595 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal descreve que “o requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Em justificativa, “o enunciado proposto tem o objetivo de esclarecer a interpretação do art. 1.240-A, facilitando a sua aplicação. Afasta-se, com a redação adotada, a investigação da culpa na dissolução do vínculo convivencial e marital, objetivo este também buscado pelo legislador constitucional com a Emenda Constitucional 66/10. Não há razão para introduzir na usucapião um requisito que diz respeito ao direito de família, sendo certo que a doutrina especializada no direito de família também tem procurado afastar tal análise”.

Em que pese a apelante incansavelmente discorrer sobre a caracterização da sua posse exclusiva, mansa e integral sobre o imóvel usucapiendo, com atendimento de função social e para fins de moradia da família, também repisando o abandono do lar pelo apelado desde 03.07.2009 (antes mesmo da entrada em vigor do art. 1.240-A do Código Civil!), a questão desatadora da lide e que diz respeito ao requisito específico para a usucapião familiar é a copropriedade do requerente.

Na situação concreta dos autos, o bem imóvel usucapiendo foi adquirido exclusivamente pelo apelado em 16.10.1985 (f. 20v), antes de contrair matrimônio com a apelante, ocorrido em 26.04.1986 (f. 13).

O imóvel descrito na petição inicial foi objeto de decisão na sentença proferida nos autos da separação litigiosa dos ex-cônjuges, nos seguintes termos:

“b) Imóvel residencial da Rua Professora Judith Corrêa Dias, 188, bairro Cohab Ouro Verde, nesta cidade, e seu respectivo terreno:

Sobre tal imóvel, a autora não trouxe aos autos qualquer documento, tendo o requerido, em sua contestação, alegado que o mesmo lhe pertence com exclusividade, uma vez que adquirido antes do casamento.

O documento de f. 105 comprova que o requerido adquiriu o imóvel, por meio de escritura pública, em 11.09.1985, com registro junto ao CRI em 16.10.1985, ou seja, antes do casamento.

Nesse passo, em que pese a real possibilidade de o imóvel ter sido adquirido já visando o casamento que se aproximava, deve ser observada a norma do art. 1.659, I, do Código Civil, abaixo transcrito.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

Dessa forma, referido imóvel pertence, com exclusividade, ao requerido (f. 16)”.

Nestes autos, a MM. Juíza de Direito, ao julgar improcedente o pedido inicial, fundamentou:

Ocorre que, no presente caso, a ora autora não é condômina do imóvel, ou seja, não divide a propriedade do imóvel em tela com o ex-cônjuge, sendo que, conforme se observa da documentação juntada, o imóvel já pertencia ao requerido antes do casamento. Tanto é assim, que referido imóvel foi excluído da partilha quando do divórcio do casal (f. 14/19), fazendo jus a autora apenas e tão somente ao valor correspondente às benfeitorias realizadas após o casamento.

A usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe que haja copropriedade, de modo que o seu objeto, certamente, refere-se à aquisição da fração da propriedade que pertence àquele cônjuge que abandonou o lar e não a sua integralidade. Logo, se o usucapiente não é proprietário de 50% do bem, não há que se falar em usucapião familiar no caso. (f. 147v)

De fato, não preenche os requisitos legais para a usucapião familiar o ex-cônjuge que não é coproprietário do imóvel de que pretende usucapir a integralidade.

E, no que diz respeito ao pedido alternativo para usucapião urbana, o art. 1.240 do Código Civil prevê que aquele que possuir, como sua, área urbana de até 250 m², por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, sendo que este direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Como se vê, a usucapião urbana possui requisitos legais distintos da usucapião familiar e não viabiliza a exceção à regra de que não corre a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal (CC, art. 197, I).

O art. 1.571 do Código Civil estabelece que a sociedade conjugal termina pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial, pelo divórcio. No § 1º do referido dispositivo legal existe regra de reforço de que o casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

Examinando o pedido alternativo de usucapião urbana pelo viés do lapso temporal da posse da apelante, certo é que, pela dicção legal, não se admite a prescrição aquisitiva na constância da sociedade conjugal, porquanto a sentença de separação litigiosa do casal é datada de 09.04.2012 (f. 14/19). Como a ação de usucapião foi ajuizada em 31.07.2014 (f. 02v), e tendo o apelado contestado os pedidos em 15.12.2014 (f. 102/103), não houve cumprimento do prazo prescricional de cinco anos exigido pelo art. 1.240 do Código Civil.

Logo, inexistindo transcurso do prazo para a prescrição aquisitiva a partir da separação de fato (03.07.2009), porque esta hipótese não é prevista pela lei civil para dissolução da sociedade conjugal, permanece hígida a regra de não fluência de prazo prescricional entre cônjuges, como determina o art. 197, I, do Código Civil.

Nesse ponto, também deve ser confirmada a sentença recorrida ao julgar o pedido alternativo, uma vez que consignou que “na constância da sociedade conjugal, não corre a prescrição (art. 197, I, do Código Civil de 2002), pelo que […] somente com o divórcio das partes é que tem início a contagem do prazo prescricional” (f. 147v).

Restam, portanto, sem sustentação as demais questões relacionadas à discussão quanto ao caráter pacífico e sem oposição da posse da apelante, nem há que se falar em violação ao art. 341 do Código de Processo Civil/2015.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso e condeno a apelante ao pagamento das custas recursais e de honorários advocatícios recursais de R$500,00 (CPC/2015, art. 85, § 11), suspensa a exigibilidade porque litiga sob o pálio da justiça gratuita.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Augusto Lourenço dos Santos e Juliana Campos Horta.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 30/03/2017.

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