Pessoa com deficiência mental não pode ser declarada absolutamente incapaz

TJ/SP também decidiu que a curatela é restrita a atos de natureza patrimonial e negocial.

A incapacidade de pessoa acometida de enfermidade mental, que a impeça de exprimir sua vontade, é sempre relativa, nunca absoluta, devendo eventual definição de curatela ser limitada a atos de natureza patrimonial e negocial – sem interferência aos direitos de livre desenvolvimento da personalidade.

Com esse entendimento, a 3ª câmara de Direto Privado do TJ/SP deu provimento parcial a recurso da Defensoria Pública de SP contra sentença que declarou absolutamente incapaz um homem com doença psíquica irreversível, nomeando sua irmã como curadora.

Relator, o desembargador Donegá Morandini explicou que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15) modificou o CC (arts. 3º e 4º), que passou a “restringir a incapacidade absoluta a uma única hipótese: as pessoas menores de 16 anos”.

Ressaltou o magistrado que a enfermidade mental é “causa transitória ou permanente”, por isso, se enquadra sempre em causa de incapacidade relativa (art. 4º, III, CC).

Além disso, ressaltou que “a curatela se restringe aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, consoante expressa disposição do artigo 85, caput e §1º, da Lei 13.146/15, preservando a esfera existencial ao livre domínio da pessoa, assistindo razão ao recorrente também neste ponto”.

Assim, decidiu reformar em parte a sentença para “decretar a incapacidade relativa do apelante, restringindo a curatela a todos os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”.

Veja o acórdão.

Fonte: Migalhas | 02/03/2017.

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A prática notarial em Portugal: 800 anos de tradição e foco na desmaterialização de processos

Em Portugal, o notariado está inclinado para a desmaterialização de processos e os critérios para a divisão notarial são fixados por Lei. Confira a entrevista de João Ricardo da Costa Menezes, notário no País.

CNB-CF – Como é o acesso à profissão notarial em seu País? Necessita de prática ou algum exame de admissão?

João Ricardo da Costa Menezes – Em Portugal o acesso à profissão requer, desde logo, a reunião de vários requisitos prévios. A saber: ser português ou nacional de um Estado membro da União Europeia ou de outro Estado signatário de acordo com Portugal visando o reconhecimento mútuo de qualificações profissionais para o exercício da função notarial em regime de reciprocidade; ser maior de idade; não estar inibido do exercício de funções públicas e possuir, pelo menos, o grau de licenciatura em Direito. Verificados estes pressupostos o candidato a notário terá de percorrer três etapas. A primeira etapa é o estágio notarial com duração máxima de 18 meses e é realizado sob a orientação de um notário com pelo menos cinco anos de exercício de funções. O estágio tem uma fase inicial com a duração de seis meses e destina-se a garantir a apreensão dos aspetos técnicos da profissão, o conhecimento das regras e exigências deontológicas, assim como o aprofundamento de determinados institutos jurídicos. A fase complementar do estágio dura 12 meses e visa o desenvolvimento e aprofundamento das exigências práticas e deontológicas da profissão através da promoção do contato pessoal do estagiário com o funcionamento do cartório, seus utentes e trabalhadores. Nesta fase, o estagiário poderá praticar certos atos ou categorias de atos que lhe sejam autorizados pelo patrono. Concluído o estágio com aproveitamento, o candidato a notário está legitimado a avançar para a segunda etapa, isto é, a propor-se a concurso para atribuição de título de notário. Este concurso é público e é aberto pelo Ministério da Justiça. Consiste na prestação de provas públicas, escritas e orais, que incidem sobre vários temas de Direito. A terceira etapa consiste em novo concurso público para atribuição de licença para instalação de cartório notarial consoante as vagas existentes e que serão preenchidas de acordo com a graduação dos candidatos e as referências de localização dos cartórios manifestadas no respetivo pedido de licença.

CNB-CF – Qual é o nível de utilização da tecnologia na atividade prática diária? As escrituras notariais já são realizadas eletronicamente?

João Ricardo da Costa Menezes – O notariado português está extremamente sensibilizado para a desmaterialização de processos. Praticamente todos os atos notariais são produzidos em suporte electrónico e a comunicação com as entidades de registo é feita por via eletrônica. As escrituras públicas que servem de base à qualificação do conservador de registo predial e comercial são enviadas, com assinatura digital qualificada, através de um portal próprio que garante integralidade, autenticidade e inviolabilidade do documento. As demais comunicações, no âmbito da função de apoio da atividade notarial, nomeadamente com a administração tributária, gabinete de politica e legislação do Ministério da Justiça e estatística são realizadas eletronicamente. O próprio processo de inventário litigioso, competência exclusiva dos cartórios notariais desde o ano de 2013 é tramitado preferencialmente de forma electrónica em plataforma informática desenvolvida pela Ordem dos Notários.

CNB-CF – Qual é a imagem que a população tem da atividade notarial em seu País? A população vê a importância dessa área para a sociedade?

João Ricardo da Costa Menezes – Em 2014 comemoramos os 800 anos do notariado em Portugal o que por si só é revelador do peso da instituição no nosso País. No entanto, só depois da grande reforma de 2004 com a “desfuncionarização” do notariado português foi possível acolher o sistema de Direito vigente de matriz romano-germânica num novo modelo de notariado latino. E, apesar de não conhecer estudos sobre a matéria, a minha percepção é a de que a imagem que a população tem da atividade notarial é muito positiva. Na verdade, hoje, o notário é um profissional liberal, dotado de fé pública, cuja atividade tem como fim último a paz social. E tem intervenção decisiva na resposta aos atuais desafios das sociedades plurais, democráticas e hiper-complexas, que demandam um elevado grau de conhecimento técnico-jurídico, bem como capacidade de adaptação à permanente inovação tecnológica, informática e jurídica. Por outro lado, é um profissional que, por força da rede de Cartórios Notariais distribuídos por todo o País, está muito próximo dos cidadãos e das empresas garantindo-lhes informação especializada, segurança do comércio jurídico e proteção dos cidadãos contribuindo, assim, para o crescimento da sociedade.

CNB-CF – Quais são os critérios para a divisão notarial em seu País? Por população, serviço de demanda ou por lei?

João Ricardo da Costa Menezes – Os critérios para a divisão notarial em Portugal são fixados por Lei. A atividade está sujeita ao principio do numerus clausus, pelo que na sede de cada município existe, pelo menos um notário, cuja atividade está dependente da atribuição de licença. O número de notários e a área de localização dos respetivos cartórios constam de mapa notarial aprovado por decreto-lei. A atividade está ainda sujeita a critérios de competência territorial. Assim, a competência do notário é exercida na circunscrição territorial do município em que está instalado o respetivo cartório. No entanto, o notário pode praticar todos os atos da sua competência ainda que respeitem a pessoas domiciliadas ou a bens situados fora da circunscrição territorial. É a consagração do principio da livre escolha do notário.

CNB-CF Quais os principais atos praticados pelos notários em seu País?

João Ricardo da Costa Menezes – Hoje, depois da reforma de 2008, são poucos os atos que devem especialmente celebrar-se por escritura pública. Assumem relevância as justificações notariais, os atos de constituição de associações e de fundações, bem como os respetivos estatutos suas alterações e revogações. Também as típicas escrituras públicas de compras e vendas, mútuos, hipotecas, permutas, habilitações de herdeiros e partilhas de patrimônio conjugal e hereditário, continuam a ter um peso significativo na vida notarial. Significativa é ainda a importância do processo litigioso de inventário que foi transferido dos Tribunais para a competência exclusiva dos Cartórios Notariais num reconhecimento expresso, por parte do poder político e da sociedade, da confiança nos Cartórios Notariais e do especial estatuto do notário no ordenamento jurídico português.

Fonte: CNB/CF | 06/03/2017.

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Esposa e amante terão de dividir pensão por morte

Ficou demonstrado que o homem, apesar de casado, manteve entidade familiar com a companheira por mais de 20 anos.

O Judiciário não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do caráter de entidade familiar. Este foi o entendimento da 6ª câmara Cível do TJ/MT ao acolher os argumentos de apelação interposta por uma mulher que manteve relacionamento por 20 anos com um homem já casado. Com a decisão, a esposa e a companheira dividirão a pensão por morte deixada pelo falecido. A decisão foi unânime.

Em 1ª instância, a ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem foi julgada improcedente. Inconformada, a mulher interpôs recurso alegando que o companheiro, apesar de casado, mantinha as duas famílias ao mesmo tempo. Afirmou que tiveram uma vida juntos por mais de 20 anos, e que todas as despesas de sua família eram custeadas por ele; que sempre cuidaram um do outro e que ele ajudou a criar e educar seus filhos.

A amante afirmou que há prova nos autos da convivência pública, contínua, duradoura e com intuito de constituir família. Assim, pugnou para que fosse reconhecida a união estável com o falecido nos últimos 20 anos, que teria se encerrado apenas com o falecimento dele, em 2015.

Conforme informações contidas nos autos, o falecido era casado com a esposa oficial, desde 1982. Eles nunca se separaram. No entanto, ficou demonstrado, para o relator do recurso, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, que ele também formava com a ora apelante uma “verdadeira entidade familiar, na verdadeira acepção da palavra, até a data do seu óbito”.

De acordo com o magistrado, além das testemunhas ouvidas em juízo, corroboram as alegações da apelante os documentos juntados ao processo comprovando que o homem também fornecia o endereço dela como seu local de residência; prova de que ele conduzia o veículo dela; declaração da cirurgiã-dentista de que ele a acompanhava nas consultas e custeava as despesas (de 2002 até 2014); fotos do casal em festas, cerimônias e momentos em família; além de uma foto deles juntos no hospital na véspera do falecimento dele.

“Durante tempo considerável ele se dividiu entre as duas mulheres, as duas famílias, as duas residências, apesar de dormir com mais frequência na casa da apelada, segundo confessado pela própria autora, mas com esta passava boa parte do dia e também pernoitava. Ademais, diversamente do que diz a apelada, a ausência de coabitação, por si só, não descaracteriza a união estável, uma vez que esse requisito não consta na antiga legislação, muito menos no atual Código Civil.”

Segundo o desembargador, o ordenamento civil não reconhece efeitos à união estável quando um do par ainda mantém íntegro o casamento. “Contudo, a realidade que se apresenta é diversa, porquanto comprovada a duplicidade de células familiares”, destacou.

“Conferir tratamento desigual importaria grave violação ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. (…) Logo, o Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas no afeto, não obstante as formalidades muitas vezes impingidas pela sociedade para que uma união seja ‘digna’ de reconhecimento judicial.”

Acompanharam voto do relator os desembargadores Guiomar Teodoro Borges e Dirceu dos Santos.

O número do processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: Migalhas | 06/03/2017.

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