MANCOMUNHÃO: QUANTA DISCUSSÃO! – Por Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali

*Wendell Jones Fioravante Salomão e Isabel Novembre Sangali

O presente artigo se inicia com a seguinte observação: “Mancomunhão não está especificada em lei, confunde-se com condomínio, e é vivida diariamente no ordenamento jurídico brasileiro”.

Assim sendo, pode-se começar a explicar onde nasce a famosa e tão discutida mancomunhão, conhecida pela doutrina e por muitos operadores do direito.

Após uma separação ou divórcio, os bens não partilhados, em comum ao casal, são semelhantes à herança (saisine), considerando, em regra, que o casal não pode alienar ou gravar seus direitos, antes da partilha, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível.

Os bens ficam numa situação denominada pela doutrina como mancomunhão, onde não se podem identificar o “quantum” pertence a cada um, sem haver expressa definição.

Então, trazidos os bens à partilha, e com divisão em 50% para cada um ou qualquer outra fração, o casal migra ao estado de condomínio de cada bem imóvel, podendo alienar ou gravar sua fração ideal.

Nascido o condomínio, os bens ganham o respaldo dos dispositivos legais do Código Civil que regulam, por exemplo, o direito de preferência do ex-cônjuge ao alienar ou gravar o bem imóvel, podendo ainda requerer a extinção do condomínio por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.

Então, diante deste posicionamento, a Segunda Seção do STJ fixou entendimento no sentido de que: “convencionado na separação do casal que o imóvel seria partilhado, tocando metade para cada cônjuge, e permanecendo em comum até a alienação, o fato de o marido deter a posse exclusiva dá à mulher o direito à indenização correspondente ao uso da propriedade comum, devida a partir da citação. Trata-se de condomínio, regulado pelas regras que lhe são próprias, desfazendo-se desde a partilha a mancomunhão que decorria do direito de família” (EREsp 130.605/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 23/4/2001).

Senão vejamos:Processo 1048935-26.2015.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Marcio da Silva Geraldo – Marcio da Silva Geraldo – Dúvida – divórcio sem partilha de bens – intenção dos ex-cônjuges em dividir o valor do imóvel na sentença homologada – condomínio, e não mancomunhão – possibilidade de venda de parte ideal – improcedência Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de MARCIO DA SILVA GERALDO, após negativa em proceder ao registro Escritura de Compra e Venda em que Denise Freitas transmite parte ideal do imóvel objeto da matricula nº 42.469 daquela serventia. O óbice ocorreu pois, segundo o Registrador, a transmitente e o adquirente eram casados em regime de comunhão parcial de bens, e a sentença de divórcio não acarreta que os bens passem automaticamente ao regime de condomínio, permanecendo em mancomunhão. Assim, não há disponibilidade em ser vendida parte ideal, pois o regime de mancomunhão é sui generis, no sentido de que o bem não é divisível entre as partes. Para regularizar a situação, o Oficial entende imprescindível a partilha dos bens. Juntou documentos às fls. 07/23. Em impugnação às fls. 24/25, o suscitado alega que na sentença de divórcio restou claro que o imóvel foi mantido em condomínio entre as partes, afastando assim os argumentos do Oficial. Apresentou documentos adicionais às fls. 37/45. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 29/30). É o relatório. Decido. É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha. Há entendimento no sentido de que, antes da partilha, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos. Para essa corrente, até a partilha prevalece o estado de mancomunhão; depois, caso se estabeleça um quinhão a cada um dos cônjuges, passaria para o regime de condomínio. Já a segunda corrente sustenta que, mesmo antes da partilha, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio. Os documentos apresentados inicialmente ao Registrador embasam o seu entendimento de que o bem permaneceu em mancomunhão. Contudo, no acordo homologado no divórcio, apresentado apenas após requerimento deste Juízo, mostra a possibilidade de que o bem tenha passado ao regime de condomínio. Destaco (fl. 41): “o valor [da venda do imóvel] será dividido em partes iguais aos Requerentes, ficando ressalvado o direito de preferência de qualquer das partes em adquirir a parte ideal de 50%” (grifo nosso) A segunda parte (direito de preferência) pressupõe que o bem está no regime de condomínio, e decorre diretamente do art. 504 do Código Civil, sendo apenas cláusula expressa do que já definido em lei. Porém, é a parte em destaque que traz solução ao caso, sobretudo devido a sua correspondência com os seguintes julgados: STJ/RE 983.450 Rel. Ministra Nancy Andrighi “Como se vê, as bases fáticas firmadas no acórdão recorrido são claras no sentido de que ainda não houve a partilha de bens do casal que, por acordo homologado em Juízo, relegou a divisão do patrimônio comum para momento posterior. Todavia, o recorrente e a recorrida fizeram constar do mencionado acordo de separação consensual, que o imóvel, objeto deste litígio, seria vendido e que a divisão do produto se daria em partes iguais, estabelecendo inclusive preço mínimo. Dimas Messias de Carvalho (in Direito de Família, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 211/212) distingue o estado de mancomunhão do estado de condomínio, com as seguintes considerações:’Os bens não partilhados após a separação ou divórcio, pertencem ao casal, semelhante ao que ocorre com a herança, entretanto, nenhum deles pode alienar ou gravar seus direitos na comunhão antes da partilha, sendo ineficaz a cessão, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível, ficando os bens numa situação que a doutrina denomina de estado de mancomunhão. Não raras vezes, entretanto, quando os bens estão identificados na ação de separação ou divórcio, são partilhados na fração ideal de 50% (cinquenta por cento) para cada um, em razão da meação, importa em estado de condomínio entre o casal e não mais estado de mancomunhão. Tratando-se de condomínio, pode qualquer um dos cônjuges alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro, podendo ainda requerer a extinção por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.’Como se percebe, no processo em julgamento, constou do acordo homologado em Juízo a manifestação expressa da vontade de ambos os ex-cônjuges no sentido de vender o referido imóvel, sendo o produto dessa venda dividido na fração ideal de 50% para cada um, o que, por consequência, importa em reconhecer o estado de condomínio entre o casal quanto ao bem que pretende o recorrente receber valor correspondente a locativos.Dessa forma, cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio, enquanto não ultimada a partilha. Nesse sentido, o REsp 254.190/SP, de minha relatoria, DJ de 4/2/2002.” CSMSP/APELAÇÃO CÍVEL:079158-0/3 – Rel:Luís de Macedo “O recurso merece provimento. A recorrente, após sua separação judicial, adquiriu de seu ex-marido a metade ideal do imóvel residencial matriculado sob nº 41.629 no 8º Registro de Imóveis da Capital, havido em comum. Apresentada a registro a respectiva escritura pública de venda e compra instruída com certidão de casamento mencionando a separação judicial consensual, o Oficial exigiu o prévio ingresso no registro imobiliário da partilha dos bens comuns, providência, no seu entender, necessária à extinção da comunhão oriunda do regime matrimonial de bens, tese essa acolhida na sentença, ora atacada. Sem razão, porém. A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura atualmente é no sentido de que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio, permitindo a alienação dos bens pelos coproprietários, desde que averbada a alteração no estado civil, independentemente de prévio ingresso no fólio real da partilha dos bens comuns.” Na Apelação Cível, percebe-se uma interpretação mais ampla, no sentido que sempre que houver o divórcio, há a transformação da comunhão em condomínio. Já no Recurso Especial, há um entendimento mais restrito, onde a Eminente Ministra exige a existência de acordo homologado que divida a parte ideal. Assim, a inexistência desta cláusula manteria o regime de mancomunhão. Neste sentido: 1VRPSP – PROCESSO:0026408-39.2011.8.26.0100 MMº Gustavo Henrique Bretas Marzagão “No caso em exame, nenhuma informação há nos autos no sentido de que a intenção dos titulares de domínio era vender o imóvel e dividir em 50% o produto da venda. Inviável, à luz do v acórdão supra, falar-se em condomínio, prevalecendo o estado da mancomunhão.” Portando, tanto o entendimento mais amplo como o mais restrito se aplicam ao caso em análise, ou seja, o bem passou ao regime de condomínio entre os ex-cônjuges. Assim, entendo ser possível o registro da Escritura de Compra e Venda, sendo contudo ainda exigível o ITBI sobre a parte ideal transmitida, que deve ser conferido pelo Oficial. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital…”

Em análise à presente questão, agora, sobre outro prisma, deixaremos de comparar o patrimônio comum ao casal com a herança, tendo em vista que o casal encontra-se vivo, com a disponibilidade dos bens em razão da capacidade e de suas vontades, diferentemente do espólio. Podemos dizer, que a mediação e conciliação, tão comentada nos últimos anos, favorece ao casal, em comum acordo dispor do patrimônio, em concordância, sem a necessidade de partilha.

Se prevalecer este entendimento e levá-lo a demais casos práticos, numa venda e compra, onde se adquire um bem por diversas pessoas, sem a denominação das frações de cada adquirente, de acordo com as Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, por exemplo, entender-se-á a divisão igualitária das frações.

Por qual razão então, em nosso ordenamento jurídico, não se pode aplicar esta forma ao casal no estado da mancomunhão?

Ademais, inexiste o prejuízo, uma vez que o casal está de comum acordo comparecendo na alienação ou onerarão, afastando-se a situação do direito de preferência ou condomínio ali existente.

Em defesa desta segunda corrente, temos a seguinte decisão: “1ª VRP|SP: Compra e venda. Vendedores que comparecem na escritura como divorciados. Não ultimada a partilha. Condomínio. Princípio da continuidade não ofendido – desnecessário se faz a requerida partilha de bens. Dúvida improcedente. DECISÃO – Processo nº: 100.10.014617-0 – Dúvida – Requerente: Décimo Quarto Registro de Imóveis – Conclusão. “…Apresentada para registro, a escritura de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 67.068, do 14º Registro de Imóveis, foi devolvida pelo Oficial com a exigência de prévio registro da partilha dos bens do casal vendedor Luciano Valney Melo Figueiredo e Denizia Maria Silva Cardoso.

É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha.

Há entendimento no sentido de que, antes da partilha, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos. Para essa corrente, até a partilha prevalece o estado de mancomunhão; depois, caso se estabeleça um quinhão a cada um dos cônjuges, estar-se-á diante do condomínio.

Já a segunda corrente sustenta que, mesmo antes da partilha, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio.

Essa questão foi recentemente enfrentada pelo E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do recurso especial nº 983.450, publicado em 10.02.10. A eminente Relatora Ministra Nancy Andrighi assinalou que:“O TJ/RS tratou a questão sob o viés do estado de mancomunhão, que somente cederia lugar ao estado de condomínio, depois de operada a partilha dos bens do casal. Eis a fundamentação contida no acórdão impugnado: (fl. 159 e v.) “Com efeito, a dissolução do casamento ocorreu em 6 de março de 2002 (fl. 12), tendo sido proposta a ação de separação litigiosa, que foi convertida em consensual, sendo acordada a partilha de um dos bens pertencentes ao casal. Restou relegada para momento posterior a partilha do imóvel onde atualmente vivem a virago e os filhos comuns do casal. A decisão que pôs fim ao casamento havido entre as partes transitou em julgado, mas, ao que consta, ainda não foi efetuada a partilha desse imóvel.Vê-se que o recorrente alega estar a recorrida usufruindo com exclusividade do imóvel do casal, desde a separação em 2002, e permanecendo esse imóvel em condomínio, entende devido o pagamento de locativos. No entanto, tenho que, enquanto não for procedida a efetiva partilha dos bens comuns, estes pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, sendo em regra descabida a fixação de indenização em favor da parte que não faz uso dos bens comuns. E, no caso, tal pretensão se mostra mais descabida quando está claro que o imóvel serve de residência não apenas para a virago mas também para os filhos, que vivem em sua companhia, sendo de destacar, também, que tal condição permanece desde quando foi ajustada a separação judicial do casal. Ademais, não restou demonstrado nos autos que a recorrida esteja fazendo uso comercial do bem comum do casal, nem que dele tenha qualquer renda, nem que esteja sonegando valores ou, ainda, que, de qualquer forma, esteja postergando a partilha desse bem comum. E o mero fato de persistir este estado de indivisão não é suficiente para se cogitar de enriquecimento sem causa, nada justificando o estabelecimento de qualquer indenização ou a fixação de qualquer encargo. Friso que a situação é de mancomunhão até que seja elaborada a partilha; um (sic) vez formalizada a divisão dos bens, estabelecendo-se o quinhão patrimonial de cada ex-cônjuge, é que se poderá cogitar de condomínio. Finalmente, lembro que, para que a questão patrimonial seja resolvida, basta que o recorrente promova a efetiva partilha dos bens.”Como se vê, as bases fáticas firmadas no acórdão recorrido são claras no sentido de que ainda não houve a partilha de bens do casal que, por acordo homologado em Juízo, relegou a divisão do patrimônio comum para momento posterior. Todavia, o recorrente e a recorrida fizeram constar do mencionado acordo de separação consensual, que o imóvel, objeto deste litígio, seria vendido e que a divisão do produto se daria em partes iguais, estabelecendo inclusive preço mínimo.

Dimas Messias de Carvalho (in Direito de Família, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 211/212) distingue o estado de mancomunhão do estado de condomínio, com as seguintes considerações:“Os bens não partilhados após a separação ou divórcio, pertencem ao casal, semelhante ao que ocorre com a herança, entretanto, nenhum deles pode alienar ou gravar seus direitos na comunhão antes da partilha, sendo ineficaz a cessão, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível, ficando os bens numa situação que a doutrina denomina de estado de mancomunhão. Não raras vezes, entretanto, quando os bens estão identificados na ação de separação ou divórcio, são partilhados na fração ideal de 50% (cinqüenta por cento) para cada um, em razão da meação, importa em estado de condomínio entre o casal e não mais estado de mancomunhão. Tratando-se de condomínio, pode qualquer um dos cônjuges alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro, podendo ainda requerer a extinção por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário.”

Como se percebe, no processo em julgamento, constou do acordo homologado em Juízo a manifestação expressa da vontade de ambos os ex-cônjuges no sentido de vender o referido imóvel, sendo o produto dessa venda dividido na fração ideal de 50% para cada um, o que, por consequência, importa em reconhecer o estado de condomínio entre o casal quanto ao bem que pretende o recorrente receber valor correspondente a locativos.

Dessa forma, cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio, enquanto não ultimada a partilha. Nesse sentido, o REsp 254.190/SP, de minha relatoria, DJ de 4/2/2002.

Assim, enquanto não dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio, notadamente aquela que estabelece que cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, nos termos do art. 1.319 do CC/02. Assim, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se encontra privado da fruição da coisa, indenização essa que pode se dar mediante o pagamento de valor correspondente a metade do valor estimado do aluguel do imóvel. “

Independentemente da posição que se adote – até porque não há maiores detalhes dos termos da separação e divórcio nos autos – o deslinde do presente caso é o mesmo, porque as diferenças jurídicas entre o estado de mancomunhão e de condomínio não interferem na continuidade registral ora examinada.

Os ex-cônjuges, ora vendedores, são os únicos titulares de domínio do imóvel, e ambos participaram do ato (v. Matrícula fls. 29/30 e escritura pública de compra e venda de fls. 07/09).

Destarte, no que diz respeito ao princípio da continuidade, a venda do imóvel feita depois do divórcio, mas antes da partilha, em nada se diferencia da realizada durante a constância do casamento, porque em ambas os titulares de domínio são os mesmos e participaram do ato.

De acordo com Afrânio de Carvalho, o princípio da continuidade:“…quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).

Na mesma senda, Narciso Orlandi Neto, in Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56, observa que:“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet”.

O princípio da continuidade é tratado pela Lei nº 6015/73 em seus arts. 195 e 237, in verbis: “Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”; e “Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Portanto, da mesma forma que, juntos, poderiam alienar o imóvel durante a constância do casamento, podem fazê-lo depois de separação mas antes da partilha, pois, repita-se, os titulares de domínio continuaram a ser os mesmos.

Diversa seria a hipótese se apenas um deles figurasse como vendedor no título. Nesse caso, seria indispensável a prévia partilha, e seu respectivo registro, para que o destino do imóvel e a forma de divisão entre os ex-cônjuges fossem conhecidos.

Assim, para o caso ora examinado, mostra-se prescindível o prévio registro da partilha dos bens do casal o que, na prática, seria redundante e implicaria custos desnecessários aos interessados, fato já consignado nos autos da dúvida nº 100.10.000215-2, suscitada também pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis, e que, portanto, deveria ser observado pelo Oficial, dada a similitude dos fatos.

Não bastasse o precedente desta Corregedoria Permanente, há ainda os colacionados pelo Ministério Público no r parecer de fls. 44/46, em especial a apelação cível nº 079158-0/3, assim ementada: “Registro de Imóveis – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de parte ideal de imóvel. Possibilidade, após a averbação da separação judicial. Desnecessidade de ingresso prévio na matrícula da partilha dos bens comuns.”

Constou do voto do eminente relator que: “A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura atualmente é no sentido de que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio, permitindo a alienação dos bens pelos co-proprietários, desde que averbada a alteração no estado civil, independentemente de prévio ingresso no fólio real da partilha dos bens comuns. Lembre-se com Ademar Fioranelli, um dos estudiosos das questões registrarias, ser “pacífico que nas separações, ou divórcios, inexistindo a partilha dos imóveis, nada impede que, mantida a comunhão dos imóveis agora “pro indiviso”, ambos os condôminos alienem a propriedade a terceiros, com preferência do outro condômino. Aos Oficiais basta atentar para a averbação obrigatória, antes da prática dos registros, das alterações do estado civil, exigindo o documento hábil consubstanciado em certidão do assento civil das alterações a teor do que dispõe o art. 167, II, n. 5, c.c. o parágrafo único do art. 246 da Lei 6.015/73″, observando que “julgados recentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura paulista, no sentido de que nada obsta que, averbada a alteração do estado civil de separado ou divorciado, com a mudança do estado de comunhão para condomínio, ambos promovam a alienação o bem a terceiros, sem necessidade de exibição de formal de partilha para exame e eventual partilha ou atribuição a eventual prole, já que não cabe ao registrador estabelecer raciocínios hipotéticos” (Ap. Cív. nº 23.866-0/0-Catanduva- SP, Ap. Cív. nº 23.756-0/8-Campinas-SP)” (in “Direito Registral Imobiliário”, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001, pág. 92)” (grifou-se).

No caso em foco, tanto a separação judicial quanto o divórcio foram averbados, sob os nºs 04 e 05, na matrícula, restando inteiramente cumpridas as exigências delineadas no precedente supra.

Infundada, por conseguinte, a recusa do Oficial quanto a este aspecto, na linha do primoroso parecer do Ministério Público.

A dispensa da partilha implica a da exigência de se exigir o recolhimento de ITBI porque partilha não houve nem haverá.

Consigne-se, por fim, que a invocação da nota do item 1,”a”, 25, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, pelo Oficial, é indevida porque se refere às sentenças que decidem sobre partilha de bens imóveis, situação não incidente no presente caso.

Posto isso, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis, para determinar o registro do título prenotado sob o nº 540.704…”

Pois bem, sem pretensão de aventar os aspectos de controvérsia sobre o tema, resta buscar soluções práticas e reais aos entraves que corriqueiramente se observam no cotidiano de quem pretende alienar um bem imóvel, mas esbarra na situação da chamada mancomunhão.

Nesse contexto, seria mesmo imprescindível apresentar previamente a registro a partilha de um imóvel em separação/divórcio judicial ou extrajudicial, antes de alienar o bem?

Salvo melhor juízo, acredita-se que tal imposição não é sempre necessária. Deve-se evitar generalizações e tratar cada caso de forma específica, atendendo às suas peculiaridades.

Por qual razão se exigiria o registro da partilha prévia de bens, se ficou acordado nesta que o produto da alienação seria dividido entre os ex-cônjuges ou que o imóvel permaneceu na titularidade de ambos?

Curiosamente, ressalvados os regimes de bens para os quais isso não é possível, tem-se o velho jargão: “é do casal, é dos dois, metade/metade, meio a meio”. Indo mais longe, basta fazer referência ao termo “meação”, que vem de metade.

Isto é, se levada em conta esta lógica jurídica, não haveria motivos para não se reconhecer esta “também” construção doutrinária de que o bem pertence ao casal, ao menos e a princípio, em partes iguais.

Então indaga-se várias hipóteses: qual prejuízo há se ambos comparecem em uma escritura de alienação do bem ou junto desta firmam uma declaração ou ata, assinam o documento e atestam, sob sua responsabilidade, que são titulares do imóvel, seja por que não houve partilha, seja por que houve e restou X% para cada um?

Como já foi dito alhures, qualquer prejudicado poderá alegar ineficácia ou até mesmo nulidade do ato, caso verificada fraude ou desrespeito àquilo que o extinto casal estabeleceu em partilha ou tinha como objetivo final para seus bens.

Há diversos instrumentos judiciais e extrajudiciais que garantem os direitos de eventuais terceiros prejudicados, basta dar publicidade e bem utilizar as medidas assecuratórias, inclusive, com observância do princípio da concentração. Só não se pode aguardar que o Direito socorra a quem durma.

Criar discussões sobre um instrumento em que o aludido casal comparece e, voluntariamente, faz a alienação de um bem que lhe pertence, é, no mínimo, desarrazoado. Viver no mundo das hipóteses não condiz com a eficácia do Direito, nem com a realização da vida, pois não é possível tornar realidade aquilo que permanece no “e se”.

Não se dá valor à vontade das partes e, de certa maneira, faz-se uma intervenção de grande monta na vida e patrimônio do extinto casal.

E tudo isso em virtude do alegado estado de mancomunhão. Uma criação doutrinária em detrimento dos direitos de quem titulariza um bem e pretende destiná-lo àquilo que melhor entender. Mais liberdade e dinamismo, por favor!

Se fossem levantadas hipóteses sobre possíveis danos ou problemas que pudessem surgir em cada documento que adentra o mundo notarial e registral, nada se faria, ter-se-ia a estagnação total, pura desconfiança.

Obviamente, não se pretende vulnerar a segurança jurídica e a continuidade registral, mas, estes casos que envolvem a chamada mancomunhão carecem de uma análise mais delicada, adequada a cada caso concreto, sem generalizações.

Neste contexto, compete a cada um dos operadores do Direito adotar medidas modernas, efetivas e pertinentes em relação a cada caso concreto, sob pena de subtrair-se o espírito das leis e a real vontade das partes.

* Wendell Jones Fioravante Salomão
Escrevente do 5º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto/SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Qualificador Registral pela ARPEN/SP. Membro Diretor do IBDFAM/RP. Membro Diretor do Notariado Jovem Brasileiro. Autor de artigos. Ministro de aulas e palestras.
Endereço profissional: Rua Mariana Junqueira, n.º 494, Centro, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.015-010.
Tel.: (16) 3611-1190
E-mail: wendell@quintotabeliao.com.br

* Isabel Novembre Sangali
Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP); aprovada nos quadros da OAB/SP; especialista em Direito Empresarial pelo MBA- FUNDACE – FEA/USP-RP; aluna do curso de extensão Contratos Imobiliários pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais; participante do High Performance Executive/Net Profit – Coaching; associada IBDFAM; e Escrevente Autorizada do 2º Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, SP.
Endereço profissional: Avenida Antônio Diederichsen, 400, térreo, Jardim América, CEP 14020250 – Ribeirão Preto, SP
Telefone: (16) 2111-9200
E-mail: isabelsangali@terra.com.br

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STJ: Mesmo sem registro público, contratos de união estável podem discutir regime patrimonial

Cumpridos os requisitos de legitimidade do negócio jurídico, são válidos, ainda que sem registro público, os contratos de convivência que dispõem sobre o regime de união estável e regulam relações patrimoniais, inclusive aqueles que se assemelham ao regime de comunhão universal de bens.

O entendimento foi formado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para acolher recurso especial e restabelecer sentença que reconheceu a dissolução de uma união estável e, conforme contrato estabelecido entre os conviventes, determinou a realização de partilha de bens pelo regime da comunhão universal.

Em julgamento de apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) havia reformado a sentença para afastar a validade do pacto nupcial por entender, entre outros fundamentos, que os contratos de convivência devem ser restritos à regulação dos bens adquiridos na constância da relação.

No mesmo sentido, o tribunal também entendeu que a simples vontade das partes, por meio de contrato particular, não é capaz de modificar os direitos reais sobre bens imóveis preexistentes à união, inviabilizando a escolha pelo regime da comunhão universal.

Liberdade aos conviventes

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, reafirmou seu entendimento de que as regulações restritivas próprias do casamento não podem atingir indistintamente as uniões estáveis, caso não haja razão baseada em princípios jurídicos ou na “proteção de valores socialmente benquistos”.

Dessa forma, a relatora apontou que a liberdade conferida aos conviventes para definir questões patrimoniais deve se pautar apenas nos requisitos de validade dos negócios jurídicos, conforme regula o artigo 104 do Código Civil.

“Quanto ao ponto, é de se anotar que, diferentemente do que ocorreu na regulação do regime de bens dentro do casamento, o Código Civil, no que toca aos conviventes, laconicamente fixou a exigência de contrato escrito para fazer a vontade dos conviventes, ou a incidência do regime da comunhão parcial de bens, na hipótese de se quedarem silentes quanto à regulação das relações patrimoniais”, afirmou a relatora.

Formalização por escrito

A ministra também lembrou que nem mesmo a regulação do registro de uniões estáveis, realizada por meio do Provimento 37/14 do Conselho Nacional de Justiça, exige que a união estável seja averbada no registro imobiliário correspondente ao dos bens dos conviventes. Por consequência, no caso concreto a relatora entendeu que foi cumprido o único requisito exigido para a validade do contrato – a formalização por escrito.

“É dizer: o próprio subscritor do contrato de convivência, sem alegar nenhum vício de vontade, vem posteriormente brandir uma possível nulidade, por não observância da forma que agora entende deveria ter sido observada, e que ele mesmo ignorou, tanto na elaboração do contrato, quanto no período em que as partes conviveram em harmonia”, concluiu a ministra ao restabelecer a sentença.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 02/02/2017.

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TRF1: DECISÃO – Desnecessária a coabitação em comprovação de união estável para receber pensão por morte

2ª Turma do TRF1 mantém sentença que julgou improcedente o pedido de percepção integral da pensão por morte ao filho que não comprovou a inexistência da relação entre o pai e uma mulher, considerada também como dependente.

O caso chegou ao TRF1 após o requerente, inconformado com a decisão da primeira instância, apresentar recurso ao Tribunal insistindo pelo seu direito ao recebimento integral da pensão, alegando que a mulher reconhecida como companheira do pai não mantinha mais qualquer relação com ele à época do falecimento, não podendo, portanto, ser considerada como dependente e continuar recebendo valores referentes ao benefício.

Para tanto, na apelação contra a sentença da 3ª Vara da Comarca de Barbacena/MG o filho argumentou que os documentos que embasaram a concessão do benefício à companheira eram anteriores à data em que havia ocorrido a separação do casal. Além disso, segundo o apelante, de acordo com prova testemunhal colhida, bem como com escrituras públicas declaratórias, ficou comprovado que o pai havia se mudado sozinho para um sítio e que foi visitado pela mulher apenas duas vezes durante um período de cinco anos.

No voto, o relator do processo, desembargador federal João Luiz de Sousa, esclareceu ser necessário aplicar a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor nos casos de concessão de benefício de pensão por morte, segundo orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na presente questão, a lei vigente à época do óbito é a Lei nº 8.213/91 que classificava como beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (na condição dos dependentes do segurado) o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, dentre outros.

“Para que os dependentes do segurado tenham direito à percepção do benefício de pensão por morte é necessária a presença de alguns requisitos, como o óbito do segurado, a qualidade de dependente e a dependência econômica, presumida ou comprovada”, frisou o desembargador. Na hipótese dos dependentes citados no inciso I da referida lei, que inclui, entre eles, a companheira do segurado, a dependência econômica é presumida.

Para o desembargador federal João Luiz, o autor não foi capaz de comprovar que a união estável entre o pai e a corré não mais existia à época do óbito. Esclareceu, também, que a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acompanhada pelo TRF1, é a de que a união estável não necessita de coabitação para ser comprovada, sendo suficientes outros elementos probatórios que caracterizem o intuito de constituir família. E, no entendimento do relator, houve documentos suficientes para provar a existência da união estável entre o instituidor do benefício e a corré.

O magistrado destacou elementos probatórios da união estável que foram juntados aos autos, como escrituras públicas declaratórias e certidões do Cartório de Registros de Imóveis informando a aquisição de um apartamento residencial pela corré e a instituição de usufruto em nome do instituidor da pensão, por exemplo, bem como outros elementos. “Não é possível concluir nem pela ruptura da união estável, nem pela sua continuidade até a data do óbito do instituidor do benefício, não havendo, contudo, controvérsia quanto à existência de prévio compartilhamento de vidas entre os companheiros, com mútua cooperação e irrestrito apoio moral e material”, asseverou o desembargador. Sendo assim, a mulher foi reconhecida como companheira e, portanto, dependente legal do segurado.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação do autor.

Processo nº: 0032322-68.2014.4.01.9199/MG

Data de julgamento: 23/11/2016
Data de publicação: 13/12/2016

AL

Assessoria de Comunicação
Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Fonte: TRF1 | 01/02/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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