CGJ/SP: Registro de imóveis – Cancelamento de averbação de caução, ligada a contrato de locação – Instrumento de quitação passado por dois dos locadores – Solidariedade – Desnecessidade, no caso concreto, da presença, no instrumento, de todos que participaram do ato – Recurso provido

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2016/11930
(25/2016-E)

Registro de imóveis – Cancelamento de averbação de caução, ligada a contrato de locação – Instrumento de quitação passado por dois dos locadores – Solidariedade – Desnecessidade, no caso concreto, da presença, no instrumento, de todos que participaram do ato – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto em face de sentença que, mantendo o entendimento da Oficial do Primeiro Registro de Imóveis de Santo André, negou pedido de cancelamento de averbação de caução sobre o imóvel da matrícula 17.583 (fl. 23).

Entendeu-se que, tratando-se de caução ligada a contrato de locação e sendo três os locadores, o instrumento de quitação teria de ser dado por todos. Assim, a teor do art. 250, II, da Lei de Registros Públicos, a presença do terceiro (que não firmou o instrumento) seria necessária.

A recorrente alega que fez o pedido de cancelamento baseada no inciso III, do mencionado art. 250 e que, por isso, o Oficial desbordou da análise que lhe cabia. Diz, também, que existe prova suficiente de quitação em relação à locação – juntou certidões negativas – e que a exigência do Oficial denota extremado formalismo.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

Passo a opinar.

O recurso comporta provimento.

Não obstante o zelo demonstrado pelo Oficial, o fato é que, em face da natureza da obrigação assegurada pela caução, não havia necessidade de que a quitação fosse firmada por todos os credores – locadores.

Dispõe o art. 2º da Lei de Locações: Havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende-se que são solidários se o contrário não se estipulou.

Aqui, embora não tenha sido exibido o contrato, não há notícia de que se tenha estipulado o contrário. Ou seja, presume-se a solidariedade.

Ora, se os credores-locadores são solidários, vige a regra do art. 272 do Código Civil: O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba.

Logo, se a recorrente-locatória obteve instrumento de quitação de dois dos três locadores, cabe àquele que não firmou o instrumento, caso haja dívida em aberto, cobrar dos demais credores solidários. A devedora está liberada e, por conseguinte, não há razão para manter a garantia traduzida pela caução do imóvel.

Portanto, incidia mesmo ao caso o inciso III, do art. 250, da Lei de Registros Públicos: cancelamento, a requerimento do interessado, instruído por título hábil – o instrumento de quitação. Some-se a isso o fato de que o instrumento foi acompanhado de certidões negativas do ajuizamento de ações em face da locatária.

Pelo exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de se dar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 28 de janeiro de 2016.

Swarai Cervone de Oliveira.

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 02.02.2016. – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedoria Geral.

Diário da Justiça Eletrônico de 05.02.2016
Decisão reproduzida na página 17 do Classificador II – 2016

Fonte: INR Publicações | 14/07/2016.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel – Cancelamento do registro da anterior promessa de compra e venda por força de resolução contratual operada judicialmente – Ausência de deliberação judicial sobre o direito da promitente compradora à restituição das parcelas pagas – Inaplicabilidade da regra do art. 35 da Lei nº 6.766/1979 – Desqualificação registral afastada – Sentença reformada – Recurso provido.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1004974-30.2015.8.26.0037

Registro: 2016.0000447033

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1004974-30.2015.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante COMPANHIA DE HABITAÇÃO POPULAR DE BAURU, é apelado 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do contrato de promessa de compra e venda, v.u. Declarará voto o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 21 de junho de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1004974-30.2015.8.26.0037

Apelante: Companhia de Habitação Popular de Bauru

Apelado: 2º Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 29.179

Registro de Imóveis – Contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel – Cancelamento do registro da anterior promessa de compra e venda por força de resolução contratual operada judicialmente – Ausência de deliberação judicial sobre o direito da promitente compradora à restituição das parcelas pagas – Inaplicabilidade da regra do art. 35 da Lei nº 6.766/1979 – Desqualificação registral afastada – Sentença reformada – Recurso provido.

O Oficial de Registro, ao suscitar dúvida e justificar a desqualificação do contrato de promessa de compra e vendaapresentado para registro, escorou-se na regra do art. 35 da Lei nº 6.766/1979. Afirmou, então, que a interessada não comprovou a restituição do valor que recebeu da anterior promitente compradora, tampouco, junto ao Registro de Imóveis, realizou depósito em dinheiro, colocando-o, no caso, à disposição da titular do registro cancelado. [1]

A recorrente, promitente vendedora, na sua impugnação, sustentou a inaplicabilidade do dispositivo legal invocado pelo Registrador, pois a resolução contratual e o cancelamento decorreram de decisões judiciais. Além disso, ponderou que a questão relativa à restituição apenas judicialmente poderia ser enfrentada. No mais, prosseguiu, impõe impedir o locupletamento injusto da anterior promitente compradora, que, dando causa à extinção do contrato, permaneceu no bem imóvel por longos dezessete anos, muitos deles sem desembolsar qualquer pagamento. [2]

Após o parecer do Ministério Público [3], a dúvida foi julgada procedente [4], razão pela qual a interessada, com reiteração de sua manifestação anterior, interpôs recurso de apelação [5], recebido no duplo efeito [6]. Encaminhados os autos ao C. Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso. [7]

É o relatório.

A recorrente é a proprietária do bem imóvel identificado na matrícula nº 11.505 do 2º RI da Comarca de Araraquara. [8]Nessa condição, comprometeu-se a vendê-lo a Idalina Aparecida Moraes Martins. [9] O registro correspondente a esse negócio jurídico, entretanto, restou cancelado por força de ordem judicial. [10] Agora, então, a interessada, promitente vendedora, requer o registro de nova promessa de compra e venda, relativa ao mesmo imóvel, ajustada com Vicente Batista Godoy. [11]

O cancelamento noticiado, contudo, de acordo com o Oficial, seria insuficiente para permitir o ingresso do novo título. A inscrição dessa promessa de compra e venda dependeria da observação do comando emergente do art. 35, caput, da Lei nº 6.766/1979. [12] Em outras palavras, a recorrente, antes do registro, deveria provar a restituição do valor pago por Idalina Aparecida Moraes Martins ou seu depósito em dinheiro, à disposição dessa promitente compradora, perante o Registro de Imóveis. E isso porque desembolsado, ao longo da execução contratual, mais de um terço do preço pactuado.

Sem razão, entretanto, o suscitante, nada obstante o recente precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura, expresso no v. acórdão proferido na Apelação nº 0030776-22.2013.8.26.0068, rel. Des. Elliot Akel, j. 2.9.2015. Dito de outra forma, a dúvida é improcedente, comportando reforma a r. sentença impugnada.

A promessa de compra e venda aperfeiçoada entre a recorrente e Idalina Aparecida Moraes Martins, porque típica relação de consumo, exige a compatibilização do art. 35, caput, da Lei nº 6.766/1979, com a regra do art. 53, caput, do Código de Defesa do Consumidor [13], que veda a cláusula de decaimento, a perda total (ou substancial) das parcelas pagas ao credor, quando do desfazimento do contrato. Em suma, para incidência da norma consumerista, pouco importa se o promitente comprador pagou mais ou menos de um terço do preço.

De todo modo, não é porque pagou mais de um terço que terá, por sua vez, e necessariamente, direito à devolução do valor integral desembolsado. Aliás, malgrado restituição e indenização por perdas e danos não se confundam, a diretriz de equidade a orientar a norma protetiva do consumidor respalda, também, o temperamento do rigor da regra do art. 35 da Lei nº 6.766/1979, sua releitura nas situações envolvendo resoluções por inadimplemento imputável ao promitente comprador que quitou mais de um terço do preço acordado.

A propósito, trata-se de compreensão que se harmoniza com a inteligência da jurisprudência desta Corte, expressa na Súmula nº 1 da Seção de Direito Privado e Câmara Especial, que, ao reconhecer o direito do compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, à restituição das quantias pagas, admitiu, ao mesmo tempo, sua compensação com os gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, e com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.

Ademais, ao julgar o REsp nº 1.300.418/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, em 13.11.2013, o C. Superior Tribunal de Justiça, para efeitos do art. 543-C do CPC, consolidou a seguinte tese: “em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.” (grifei)

Dessa forma, ocorrendo o cancelamento do registro do contrato de promessa de compra e venda por inadimplemento contratual do promitente comprador, e não havendo, no processo judicial onde resolvido o desfazimento, deliberação sobre o valor a ser restituído ao inadimplente, não cabe ao Oficial condicionar o registro de nova promessa de compra e venda à devolução de qualquer valor, muito menos da soma total das quantias pagas, embora superior a um terço do preço convencionado. Mas foi o que se deu na hipótese vertente.

Apesar dos efeitos restitutórios resultantes da resolução contratual, não se impôs à recorrente, no processo judicial em que decididos o desfazimento do contrato e a reintegração na posse, qualquer devolução do que recebeu da promitente compradora, revel, a título de pagamento do preço. Embora isso fosse possível, inclusive de ofício [14], inexistiu decisão nesse sentido. A sentença, aliás, transitada em julgado, ainda condenou a promitente compradora no pagamento de uma multa correspondente a 10% do débito em aberto ao tempo da distribuição da ação, sem alusão a sua dedução de eventual restituição devida à promitente compradora. [15]

Dentro desse contexto, diante dos efeitos liberatório e recuperatório alcançados judicialmente, sucedidos pela eficácia real advinda do cancelamento do registro da promessa de compra e venda, a recorrente, tendo retomado, ademais, a posse do imóvel [16], tem a faculdade de novamente comercializá-lo e, assim fazendo, o direito à inscrição do título correspondente na serventia predial. In concreto, o acesso à tábua registral não encontra óbice na regra do art. 35 da Lei nº 6.766/1979.

Isto posto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do contrato de promessa de compra e venda.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 9-13.

[2] Fls. 59-80.

[3] Fls. 117-118.

[4] Fls. 119-121.

[5] Fls. 130-147.

[6] Fls. 151.

[7] Fls. 159/163.

[8] Fls. 26-28.

[9] R. 4 da matrícula nº 11.505 (fls. 26) e fls. 91-94.

[10] Av. 5 da matrícula nº 11.505 fls. 26-27.

[11] Fls. 37-55.

[12] Artigo 35. Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento do contrato e tendo havido o pagamento de mais de 1/3 (um terço) do preço ajustado, o Oficial do Registro de Imóveis mencionará este fato no ato do cancelamento e a quantia paga; somente será efetuado novo registro relativo ao mesmo lote, se for comprovada a restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do registro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro à sua disposição junto ao Registro de Imóveis.

[13] Artigo 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

[14] REsp nº 471.358/DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 15.5.2003; e REsp nº 1.286.144/MG, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 7.3.2013.

[15] Fls. 88-89.

[16] Fls. 90. (DJe de 08.07.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 14/07/2016.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Decisão da Juíza Corregedora Permanente que afastou óbice para o registro de contrato social por meio do qual um dos sócios integraliza parte do capital social mediante a transferência de dois imóveis – Exigência de recolhimento de encargos moratórios relativos ao atraso no pagamento do ITBI – Apelação interposta pelo Registrador – Inteligência do artigo 202 da Lei nº 6.015/73 e do item 41.6 do Capítulo XX das Normas de Serviço – Ilegitimidade recursal – Recurso não conhecido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1046651-45.2015.8.26.0100

Registro: 2016.0000447036

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1046651-45.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes são apelantes 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMOVEIS DA CAPITAL e MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, é apelado EDISON BONAFÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “I – Não conheceram da apelação interposta pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, v.u. II – Por maioria de votos, reconheceram a legitimidade recursal da municipalidade de São Paulo como terceira interessada e negaram provimento à apelação interposta. Vencidos os Desembargadores Xavier de Aquino e Ricardo Dip, que não reconheciam a legitimidade recursal. III – Declarará voto o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1046651-45.2015.8.26.0100

Apelantes: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital e Municipalidade de São Paulo

Apelado: Edison Bonafé

VOTO Nº 29.246

Registro de Imóveis – Decisão da Juíza Corregedora Permanente que afastou óbice para o registro de contrato social por meio do qual um dos sócios integraliza parte do capital social mediante a transferência de dois imóveis – Exigência de recolhimento de encargos moratórios relativos ao atraso no pagamento do ITBI – Apelação interposta pelo Registrador – Inteligência do artigo 202 da Lei nº 6.015/73 e do item 41.6 do Capítulo XX das Normas de Serviço – Ilegitimidade recursal – Recurso não conhecido.

Apelação interposta pela Municipalidade de São Paulo – Legitimidade reconhecida – Terceira prejudicada – Discussão a respeito da incidência de encargos moratórios pelo atraso no recolhimento de ITBI – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo – Discussão que deve ser travada em processo administrativo tributário ou em execução fiscal – Sentença de improcedência da dúvida mantida.

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela Municipalidade de São Paulo e pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital contra a sentença de fls. 53/55, que julgou improcedente a dúvida suscitada e determinou o registro do instrumento particular por meio do qual os imóveis matriculados sob os nºs 48.016 e 61.540 no 14º RI da Capital foram utilizados por um dos sócios para a integralização de parte do capital social da empresa Bonafé Participação e Administração Ltda.

Sustenta a Municipalidade de São Paulo que o ITBI deve ser recolhido na data da assinatura do contrato, e não na data do registro do título. Pede, assim, a reforma da decisão de primeiro grau para impedir o registro do título até a comprovação do recolhimento dos acréscimos do tributo decorrentes do atraso no pagamento (fls. 66/71).

Já o Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital afirma que o ITBI foi recolhido fora do prazo, sem a devida complementação e que compete ao registrador a rigorosa fiscalização do pagamento dos tributos (fls. 74/78).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso interposto pela municipalidade e pelo não conhecimento da apelação apresentada pelo registrador (fls. 105/108).

É o relatório.

Ao tratar do procedimento de dúvida, preceitua o artigo 202 da Lei nº 6.015/73:

Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.

Com pequena alteração na redação, assim também dispõe item 41.6 do Capítulo XX das Normas de Serviço.

Especificamente sobre o artigo 202 da Lei de Registros Públicos, ensina Ricardo Henry Marques Dip:

Da sentença, no processo de dúvida, podem apelar e contra-arrazoar recursos o interessado (rectius: o apresentante), o Ministério Público (ver art. 199, LRP) e o terceiro prejudicado (cf. art. 499, CPP). Quanto a este último, que não pode intervir nesse processo administrativo antes da esfera recursal e nela só se admite à vista da expressa previsão do art. 202, LRP -, deve indicar e, quodammodo, provar seus cogitáveis interesse jurídico e prejuízo, para que se admita o processamento de sua apelação (…).

O registrador não é parte nem tem interesse no processo de dúvida, de sorte que não pode, sequer como título de terceiro, apelar da sentença de improcedência” (Lei de Registros Públicos Comentada, coord. José Manuel de Arruda Alvim Neto e outros, Forense, página 1.078, comentários ao art. 202).

O trecho acima explicita o que já é intuitivo, ou seja, o registrador não pode recorrer da sentença prolatada no procedimento de dúvida.

Interessado é o apresentante e terceiro prejudicado é aquele que tem interesse jurídico na questão decidida pelo Permanente.

Em nenhuma dessas duas categorias o Registrador se enquadra.

Embora suscite a dúvida, cujo objeto é a avaliação dos óbices apresentados pelo próprio registrador para o ingresso de um título, a este último cabe apenas aguardar a decisão do Corregedor Permanente ou do Conselho Superior da Magistratura, se houver recurso e cumpri-la.

Em típica atividade administrativa, o Corregedor Permanente requalifica o título apresentado, não sendo dado ao registrador questionar a decisão daquele cuja função é justamente avaliar o cabimento da nota devolutiva apresentada.

Sobre o tema, valem transcrição a ementa e trecho do voto proferido pelo Desembargador José Renato Nalini na apelação nº 0052045-13.2012.8.26.0405:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recurso de apelação – Recurso de apelação requerido pelo ex-interventor do 2º Tabelião de Notas de Osasco – Ilegitimidade recursal – Precedentes – Recurso não conhecido

De início, destaque-se que o recorrente, na qualidade de interventor, não tem legitimidade e interesse – tal como os Tabeliães e interinos -, para suscitar dúvida nem para recorrer da decisão nela proferida.” (Conselho Superior da Magistratura de São Paulo v.u. j. em 6/11/13).

No mais, impõe-se a análise da irresignação do Município de São Paulo, que, na qualidade de terceiro prejudicado, tem legitimidade para recorrer da sentença prolatada pela Juíza Corregedora Permanente (artigo 202 da Lei nº 6.015/73).

Trata-se de pedido de registro de instrumento particular de constituição de sociedade limitada, por meio do qual um dos sócios integralizou parte do capital social da nova empresa mediante a transferência dos imóveis matriculados sob nºs 48.016 e 61.540 no 14º RI da Capital.

De acordo com o título apresentado a registro, o objeto da empresa é a compra e venda e a locação de imóveis (fls. 11). Desse modo, inaplicável a imunidade do ITBI prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal [1].

Sobre a integralização de capital social em sociedades limitadas, dispõe o artigo 64 da Lei 8.934/94:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

Apresentado o contrato social acompanhado do comprovante do recolhimento do ITBI, o registrador desqualificou o título por dois motivos: a) o título está datado de 3 de dezembro de 2014, mas no Documento de Arrecadação do Município de São Paulo DAMSP constou como data da transação 29 de dezembro de 2014; b) o tributo foi recolhido com atraso, pois superado o prazo de dez dias da assinatura do instrumento particular.

A Juíza Corregedora Permanente afastou as exigências e determinou o registro do título.

E o fez corretamente.

Pacífico neste Conselho Superior o entendimento de que ao registrador cabe zelar pelo recolhimento dos tributos, na forma do artigo 289 da Lei nº 6.015/73. Todavia, foge da atribuição do Oficial o exame do valor correto a ser pago e, com mais razão, da incidência de juros e multa sobre eventual atraso no pagamento do imposto. Ressalte-se que o atraso, no caso em análise, não chega a trinta dias.

Sobre o tema, recentes decisões do CSM:

Registro de Imóveis – instrumento particular de alteração de contrato social, com cisão parcial da sociedade e transferência de bem imóvel – interpretação da legislação municipal, a respeito do fato gerador do ITBI – recolhimento que, diante da necessidade de interpretação, não se mostra flagrantemente incorreto – dúvida improcedente – recurso provido” (Apelação nº 0023268-47.2014.8.26.0405, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 13/7/2015).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente em primeiro grau – Formal de partilha – ITCMD tido por insuficiente pelo Registrador – Dever de fiscalização do pagamento pelo Oficial que se limita à averiguação do recolhimento do tributo devido, mas não de seu valor – Recurso provido” (Apelação nº 996-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 9/12/2008).

Não se deve olvidar, ainda, que a regra que determina o recolhimento do ITBI de forma antecipada, ou seja, antes da transmissão de propriedade do imóvel, é de constitucionalidade questionável. Nessa linha:

TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL.

I – Consoante se depreende do julgado do Tribunal de origem, a hipótese dos autos é de transferência de bem imóvel a sociedade, para integralizar cota do capital social, não sendo caso de cessão de direitos referente a transmissão.

II – Verifica-se que o acórdão vergastado está em consonância com o entendimento assentado por esta Corte, que em diversas oportunidades já se manifestou no sentido de que o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel. Precedentes: AgRg no Ag nº 448.245/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 09/12/2002, REsp nº 253.364/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 16/04/2001 e RMS nº 10.650/DF, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 04/09/2000.

III – Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp nº 798794/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, j. em 14/2/2006).

E o artigo 12 da Lei do Município de São Paulo [2], ao exigir o recolhimento do ITBI em até dez dias contados da assinatura do contrato social, determina o pagamento do tributo antes da ocorrência do fato gerador (transmissão da propriedade).

Portanto, a par de as exigências formuladas dizerem respeito ao não recolhimento de encargos moratórios e não ao pagamento do tributo em si, a exigibilidade desses encargos é duvidosa.

Assim, caso a Municipalidade entenda realmente que há encargos moratórios a serem cobrados, deve se valer dos meios adequados para tanto, administrativa ou judicialmente, não podendo utilizar a desqualificação do título para indiretamente coagir o contribuinte ao pagamento.

Ante o exposto, não conheço da apelação interposta pelo Oficial e, reconhecida a legitimidade recursal da Municipalidade de São Paulo como terceira interessada, nego provimento a seu recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(…)

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(…)

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

[2] Art. 12 Ressalvado o disposto nos artigos seguintes, o imposto será pago antes de se efetivar o ato ou contrato sobre o qual incide, se por instrumento público e, no prazo de 10 (dez) dias de sua data, se por instrumento particular. (DJe de 08.07.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 14/07/2016.

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