Artigo: Saneamento de escritura declarada incompleta – Por Felipe Leonardo Rodrigues

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SANEAMENTO DE ESCRITURA PÚBLICA DECLARADA INCOMPLETA POR FALTA DE ASSINATURA

A inspiração do tabelião de notas é a confiança advinda do próprio cargo.

Entende-se por escritura pública a interpretação formal ou instrumental de ato ou negócio jurídico, feita por notário público, a pedido das partes interessadas, em consonância com os preceitos legais[i].

A escritura pública ou documento notarial lavrado por notário ou tabelião de notas é, por motivos de ordem pública ou por considerações de ordem prática, exigida ad substantiam ouad solemnitatem para certos atos jurídicos, de sorte que, sem escritura pública, tais atos não produzem ação em juízo[ii]. Afirmação corroborada pelo art. 406 do CPC[iii].

A escritura pública perfeita se perfaz quando o notário alia habilidade científica e conhecimento prático. A primeira para saber moldar a vontade das parles em justa conformidade com as prescrições da lei e o segundo para saber reduzi-la à forma material, resultando num ato notarial inatacável.

Escritura, para se presumir verdadeira, é preciso que seja revestida das solenidades que a lei ordena[iv]. Dentre os requisitos legais, é obrigatório conter a assinatura das partes presentes ao ato, em conformidade com o inciso VII, § 1º, do art. 215, CC:

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

§ 1º Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:

(…)

VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.

(…)

Se extrai do referido inciso em consonância com seu caput e parágrafo § 1º, a assinatura das partes é requisito formal – solene e exigida por lei -, que simboliza o consentimento, a clara manifestação da vontade livre de qualquer vício ou defeito.

Como é sabido, não se admite ato notarial sem consentimento, salvo a exceção feita à ata notarial[v][vi] e à formalização da homologação do penhor legal por escritura pública[vii].

Eventual ausência de assinatura de qualquer uma das partes envolvidas no ato notarial, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo prevê o seguinte:

52.2. Lavrada a escritura pública, a coleta das respectivas assinaturas das partes poderá ocorrer em até 30 dias, e nessas hipóteses as partes deverão apor ao lado de sua firma a data e o local (o mesmo da lavratura ou o endereço completo se for diverso) da respectiva subscrição. 

52.2.1. Não sendo assinado o ato notarial dentro do prazo fixado, a escritura pública será declarada incompleta, observando-se a legislação que trata dos emolumentos. 

52.3. Pelo ato notarial incompleto, serão devidos os emolumentos e custas, restando proibido o fornecimento de certidão ou traslado, salvo ordem judicial.

Dessa forma, confirmado o desejo de uma das partes em não celebrar a escritura, o tabelião tornará o ato incompleto, cuja validade fica suspensa, não espraiando seus efeitos no mundo jurídico.

Para nós, o ato notarial incompleto não se trata de ato anulável ou nulo, uma vez que não se incidiu em qualquer das causas do art. 166, ou 171, do CC. Isto porque trata-se de um ato imperfeito, não perfectibilizado, no mais, incompleto por falta integrativa da vontade de uma ou mais partes, que não chegou a trafegar juridicamente[viii].

Haveria nulidade, se por exemplo, emitido o traslado, se constatasse a ausência da assinatura do advogado ou de uma ou mais partes na escritura pública de divórcio ou inventário, a teor do inciso IV, art. 166.

Vale notar que, o ato notarial nulo não é suscetível de convalidação (ou ratificação) cf. dispõe o art. 169 do CC[ix].

Supomos que numa escritura de venda e compra, a parte vendedora assina a escritura e a parte compradora se recusa a assinar por motivos alheios ao negócio celebrado. Algum tempo depois a parte compradora manifesta a vontade de assinar a escritura e finalizar (sanear) o ato notarial originário (aquele declarado incompleto por falta de sua assinatura).

Pergunta-se: é possível a lavratura de escritura de ratificação de ato notarial declarado incompleto por falta de assinatura?

A resposta não é das mais fáceis por inexistir lei notarial procedimental. Então devemos nos fiar nos princípios notariais. Não obstante as normas de serviço paulista nada mencionar a respeito, cremos pela possibilidade jurídica da ratificação de escritura pública declarada incompleta, revalidando-a.

Se o caso for de compra e venda e a assinatura faltante é a do comprador, o ato originário deve conter a assinatura do vendedor e a declaração de quitação do preço; se a assinatura faltante é a do vendedor, este assinará a escritura de ratificação, declarando a quitação do preço.

A escritura de ratificação será lavrada sem qualquer alteração material da escritura originária, fazendo o tabelião as devidas remissões na escritura saneada e na saneadora, cujos traslados serão emitidos conjuntamente.

Ademais, sugere-se que a escritura de ratificação seja lavrada no cartório que lavrou o ato notarial incompleto, repositório natural do ato originário e dos documentos que lhe deram suporte.

Corrobora nosso entendimento sobre a viabilidade jurídica da escritura de ratificação o julgado da Corregedoria Geral da Justiça, em parecer da lavra do Meritíssimo Juiz Auxiliar, Dr. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, aprovado pelo eminente Desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares, então Corregedor Geral da Justiça[x]:

“No caso presente, porém, não se pretende propriamente a retificação da escritura pública, já que nenhum dado nela constante será modificado. Do traslado juntado a fls. 13 consta que todos os participantes do ato, incluindo partes e tabelião, exararam as suas assinaturas. Apurou-se, no entanto, que do livro não constava a assinatura da vendedora, cujos representantes estariam dispostos a subscrever o ato, ratificando.

Não se trata, pois, de hipótese de retificação, o que exigiria a participação de todos os envolvidos no negócio, mas de ratificação do ato pela vendedora, sem nenhuma alteração de seu conteúdo.

Nessas circunstâncias, tem sido admitida por esta Corregedoria Geral nova escritura pública, de ratificação da anterior, outorgada por aquele cuja assinatura não figurou no primeiro ato. Não se trata, havendo a ratificação pela alienante, de cisão do ato jurídico, já que do traslado consta que todos – inclusive ela – manifestaram sua concordância e exararam suas assinaturas, mas de correção de equívoco, que fica sanado com a ratificação”.

Não destoa o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná que prevê expressamente a possibilidade de saneamento do ato declarado incompleto:

Art. 675. Não sendo possível a complementação imediata da escritura pública, com a aposição de todas as assinaturas, serão os presentes cientificados, pelo notário ou por seu escrevente, de que, decorrido o prazo de 30 (trinta) dias, a escritura será declarada incompleta.

(…)

§ 3º – Para a convalidação da escritura, o notário deverá lavrar escritura de ratificação, aproveitando o ato praticado, e a parte que não compareceu na data designada para assinatura deverá assumir a responsabilidade civil e criminal pelas declarações inseridas na nova escritura.

§ 4º – Havendo qualquer dúvida, ou não podendo entrar em contato com qualquer das partes envolvidas no ato, o notário deverá abster-se de lavrar a escritura de ratificação, sob pena de responsabilidade.

§ 5º – O notário deverá anotar a lavratura da escritura de ratificação junto à escritura anteriormente declarada incompleta, revalidando o ato.

(…)

No mesmo sentido, o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Pernambuco prevê expressamente tal possibilidade:

Art. 281. Em casos excepcionais, a escritura anteriormente declarada incompleta poderá ser ratificada, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço.

Art. 282. Para a convalidação de escritura, o tabelião deverá lavrar escritura de ratificação, aproveitando o ato anteriormente praticado, sendo que a parte que não compareceu na data designada para assinatura deverá assumir a responsabilidade civil e criminal pelas declarações inseridas na nova escritura.

§1º Havendo qualquer dúvida ou não podendo entrar em contato com qualquer das partes envolvidas no ato, o tabelião deverá abster-se de lavrar a escritura de ratificação, sob pena de responsabilidade.

§2º O tabelião deverá anotar a lavratura da escritura de ratificação junto à escritura anteriormente declarada incompleta, revalidando o ato.

§3º Na hipótese do ato ser declarado incompleto, este fato deverá ser consignado no termo de encerramento do respectivo livro.

§4º Salvo em virtude de ordem judicial ou se a escritura a ser retificada já tiver sido assinada pela parte credora ou vendedora, é vedada, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal do tabelião, seus substitutos e prepostos, a extração de traslados e certidões de atos ou termos incompletos.

Outra questão não menos tormentosa é o respeito ao princípio da unicidade. Por ele, o ato deve conter unicidade de contexto, tempo e lugar. A nosso ver, tal princípio – no presente caso – dever ser aplicado de forma mitigada por suas peculiaridades, uma vez que os elementos formadores foram observados no ato notarial originário, sendo aperfeiçoado com o ato notarial saneador, ocasião que será considerado revalidado.

Algumas cautelas devem ser tomadas:

i) sugere-se que o tabelião que declarou incompleto o ato notarial originário lavre a nova escritura de ratificação, em razão de saber as circunstâncias e motivação da certificação de incompletude e ter elementos (documentação arquivada) que balizem o novo ato notarial;

ii) anotar à margem do ato originário as informações da escritura de ratificação;

iii) emitir os traslados do ato saneado e do saneador conjuntamente, inclusive nos pedidos de certidões.

iv) o tabelião não poderá alterar o conteúdo da escritura originária;

v) ato notarial tornado sem efeito não é passível de ratificação. O tabelião deve lavrar novo ato;

__________

Referências:

[i] MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática dos Atos Notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

[ii] Almeida Júnior, João Mendes de. Orgams da Fé Pública. Inhttp://www.revistas.usp.br/rfdsp/article/view/64941/67553. Acesso 24/04/2016.

[iii] CPC, art. 406: Quando a lei exigir instrumento público como da substância do ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.

[iv]-[iv] CC, art. 215, e Lei n. 7.433/85 (Decreto regulamentador n. 93.240/86).

[v] FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger Ferreira em co-autoria com Francisco José Cahali, Antonio Herance Filho e Karin Regina Rick Rosa. Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, inventário e Partilha Consensuais. São Paulo: RT, 2007.

[vi] Na recusa imotivada do solicitante em assinar a ata notarial, o tabelião portará por fé tal circunstância e subscreverá o ato, perfectibilizando-o, já que tal falece de outorga.

[vii] CPC, art. 703, § 4º.

[viii] Não ocorrência do suporte fático para a incidência da norma.

[ix] CC, art. 169: O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

[x] Processo CG n° 2010/110943.

Nota do autor: Artigo originalmente publicado em 02/2009, revisado e atualizado em 04/2016.

Fonte: Notariado | 24/04/2016.

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RTD e RI – confusões históricas e a posse de uma boa ideia

Vez por outra surgem situações esdrúxulas que visam retirar atribuições que de modo lógico e natural deveriam ser mantidas sob a competência do registrador de imóveis.

A novidade agora vem no bojo do projeto de conversão da MP 700, de 8/12/2015, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, alterando as Leis 6.015/1973 e 11.977/2009, dentre outras.

Por emenda oferecida pelo deputado Júlio Lopes (RJ), busca-se a alteração das regras concernentes à regularização fundiária urbana (Lei nº 11.977/2009) prevendo que o registro de legitimação de posse de áreas privadas, ou de ocupação de áreas públicas, possa ser efetivada no Registro de Títulos e Documentos.

Segundo o relatório da deputada Soraya Santos (também do Rio de Janeiro), o tema foi debatido em audiência pública de 12/4/2016, que contou com a exposição e abonação de notórias autoridades na área.

Confusão sistemática

Uma vez mais confundem-se os princípios e regras gerais acerca dos direitos das coisas. A repercussão registral dos efeitos da posse de bem imóvel deve estar a cargo do Oficial do Registro de Imóveis. Aliás, esta é da tradição do Registro Imobiliário [1].

Mas o RTD vez por outra busca atrair para si atribuições próprias de outras especialidades. Não se imagina que não haja um interesse claramente definido no projeto.

O artigo 68-A, a ser introduzido na Lei 11.977/2009, é uma verdadeira barbaridade jurídica. Vejamos a sua redação:

Art. 68-A Independentemente do disposto nos arts. 56 a 58 e 64 a 68 desta Lei, poderá haver legitimação de posse de áreas privadas ou de ocupação de áreas públicas, localizadas no perímetro urbano, a partir de registro promovido pelo Registro de Títulos e Documentos […].

Vejam que o registro dessa nova modalidade de legitimação de posse, prevista originariamente nos artigos 56 a 58 e 64 a 68 da Lei 11.977/2009, poderá ocorrer no RTD. Pelo projeto, lê-se que poderá haver um processo de legitimação de posse descolado da demarcação urbanística. Estamos, portanto, diante de uma nova modalidade de processo de usucapião que se inicia, justamente, com o registro no RTD, redundando, ao final e ao cabo, em produção de prova pré-constituída para a ação de usucapião.

Tudo isso é bastante discutível e não vem ao caso detalhar aqui os vários atropelos que o projeto comete e as várias omissões em que incide.

Mas o mais inacreditável é a previsão de criação oblíqua de um Registro Eletrônico de bens imóveis (posse), de caráter nacional e centralizado, a cargo do RTD.

O texto vem estampado no § 5º do mesmo projetado art. 68-A da Lei 11.977/2009, que trata, obviamente, da legitimação de posse de bens imóveis. Diz o dito parágrafo:

5º Os responsáveis pelos Registros de Títulos e Documentos manterão sistema único de dados sobre os registros efetivados na forma deste artigo, de abrangência nacional, disponibilizado na Rede Mundial de Computadores e preferencialmente georreferenciado.

A pergunta singela que se faz é esta: somente para os casos de legitimação de posse de bem imóvel é que se fará o registro no “sistema único” de abrangência nacional? Justamente para os casos em que a competência territorial já se encontra claramente pré-definida em lei se busca justificar o registro eletrônico de base nacional?

Há inúmeras confusões sistemáticas distribuídas generosamente pelo texto oferecido pela ilustre deputada. Por exemplo, a assimilação de atribuições tipicamente cadastrais pelo RTD. Vejam o solitário § 7º do projeto abaixo disponiblizado:

§ 7º O cadastro de que trata o § 2º será registrado no Registro de Títulos e Documentos, para fins de publicidade, vedada a cobrança de custas e emolumentos.

Lutamos arduamente, ao longo de muitos anos, para aclarar e discernir os conceitos acerca da singularidade de instituições tão típicas e singulares – como o são o cadastro e o registro de direitos. E eis que uma iniciativa legislativa aziaga vem de os confundir e baralhar.

Enfim, este projeto, em vias de aprovação e encaminhamento para sanção, representa um enorme erro sistemático e um verdadeiro retrocesso. Deveria ser combatido energicamente pelos registradores imobiliários, por seus órgãos competentes.

Devo registrar que o IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, por seu Presidente, Dr. João Pedro Lamana Paiva, manifestou o pleito de rejeição das emendas oferecidas pelo deputado Júlio Lopes nos seguintes termos:

“Neste sentido, manifestamos ainda a nossa expressa rejeição quanto à propositura da emenda 01 de autoria do Deputado JULIO LOPES– PP- RJ, por se tratar de tema que compete diretamente e exclusivamente ao Registro Imobiliário, o IRIB comunga da opinião expressa pela rejeição desta emenda”.

Penso que o tema deveria ser aprofundado e melhor estudado e que as entidades de classe deveriam oferecer uma proposta de assimilação da ideia contida no art. 68-A da proposta em fase de aprovação.

NOTAS:

[1] V. §§ 4º e 5º do art. 18 cc. os §§ 3º e 4º do art. 26 da Lei 6.766/1979, além do n. 41, inc. I do art. 167 da LRP.

Fonte: Observatório do Registro | 25/04/2016.

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STJ: DIREITO CIVIL. PROTESTO POR TABELIONATO DE COMARCA DIVERSA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR E ESGOTAMENTO DOS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO PARA A INTIMAÇÃO DO DEVEDOR POR EDITAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC/1973 E RES. STJ N. 8/2008). TEMA 921

Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC/1973: 1- O tabelião, antes de intimar o devedor por edital, deve esgotar os meios de localização, notadamente por meio do envio de intimação por via postal, no endereço fornecido por aquele que procedeu ao apontamento do protesto; 2- é possível, à escolha do credor, o protesto de cédula de crédito bancário garantida por alienação fiduciária, no tabelionato em que se situa a praça de pagamento indicada no título ou no domicílio do devedor. De início, ressalte-se que a doutrina, à luz do ordenamento jurídico, esclarece que há inúmeras possibilidades de o protesto ser realizado em cartório diverso do domicílio do obrigado. O próprio art. 6º da Lei de Protesto estabelece que, tratando-se de cheque, poderá o ato ser lavrado no lugar do pagamento ou do domicílio do emitente, não havendo dúvidas acerca da possibilidade de intimação postal em Município diverso do tabelionato. No tocante à duplicata, há precedente da Quarta Turma, cujo entendimento é no sentido de que o protesto pode ser tirado na praça de pagamento (REsp 1.015.152-RS, DJe 30/10/2012). Ademais, a União, no tocante ao protesto de certidão de dívida ativa, também realiza o protesto em cartório diverso daquele de domicílio do devedor, conforme pesquisa realizada no sítio da PFN. Acrescente-se que, para a correta compreensão do art. 15 da Lei n. 9.492/1997, é imprescindível proceder-se a uma interpretação sistemática, de modo a harmonizar os dispositivos do mencionado diploma, que não são estabelecidos de modo caótico. Com efeito, não parece a melhor interpretação afirmar que o referido dispositivo veda que o Tabelionato de Protesto envie intimação postal com aviso de recepção (AR) para quem resida fora da competência territorial do tabelionato. É que, ao admitir-se essa interpretação, em caso de protesto de título em que existam coobrigados residentes em domicílios diversos, o cartório só poderia intimar por AR aquele que residisse no mesmo município do tabelionato (cabendo ressaltar que, em vista do princípio da unitariedade, não é possível realizar dois protestos envolvendo a mesma dívida). Desse modo, a “competência” territorial dos tabelionatos diz respeito, por exemplo, à sua própria localização para o adequado atendimento ao público local, o recebimento de apontamentos, a realização de intimação por meio de prepostos, bem como o protesto especial para fins falimentares – que deve ser lavrado na comarca do principal estabelecimento do devedor -, não se afastando, em absoluto, a possibilidade de intimação por via postal. Nessa linha de intelecção, consagrando o princípio da publicidade imanente, o art. 2º do Diploma do Protesto estabelece que são “Os serviços concernentes ao protesto, garantidores da autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Com efeito, não faz o menor sentido restringir a possibilidade de publicidade real ao principal interessado, no tocante ao protesto. Outrossim, o art. 14 estabelece que, protocolizado o título ou documento de dívida, o Tabelião de Protesto expedirá a intimação ao devedor, no endereço fornecido pelo apresentante do título ou documento, considerando-se cumprida quando comprovada a sua entrega no mesmo endereço, ademais, o § 1º esclarece que a intimação poderá ser feita por qualquer meio, “desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo, aviso de recepção (AR) ou documento equivalente”. O próprio § 2º do mesmo art. 15 estabelece que “Aquele que fornecer endereço incorreto, agindo de má-fé, responderá por perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções civis, administrativas ou penais”, deixando nítido o propósito de se evitar que o tabelião tenha de promover intimação ficta, isto é, por meio de edital. A propósito, essa é a pacífica jurisprudência das duas turmas de direito privado (AgRg no AREsp 589.602-AC, Quarta Turma, DJe 11/12/2014; e AgRg no AREsp 365.727-RS, Terceira Turma, DJe 24/10/2013). Ademais, um dos claros propósitos da lei é propiciar a solução extrajudicial de conflitos, pois, a teor do art. 19, § 2º, cabe ao tabelião não apenas receber o montante devido, mas também dar a respectiva quitação. Dessarte, obviamente, esse preceito só será bem atendido caso o tabelião esgote os meios legítimos de intimação, antes de ter de lançar mão da via editalícia. Some-se que, no que concerne à cédula de crédito bancário, impende asserir que é bem de ver que, na mesma linha do que o ordenamento jurídico define para protesto de duplicata, nota promissória e cheque, o art. 28, parágrafo único, do Decreto n. 2.044/1908 estabelece que o protesto pode ser tirado no lugar indicado na letra para o aceite ou para o pagamento. Uma vez sacada ou aceita a letra para ser paga em outro domicílio que não o do sacado, naquele domicílio deve ser tirado o protesto. É o que também assenta a doutrina especializada. Assim, no caso em que o acordo prevê de forma genérica o pagamento na praça da sede da instituição financeira credora, ou à sua ordem, mediante carnê de pagamento, cheques ou qualquer outra forma convencionada, pode ser efetuado o protesto no domicílio da mesma instituição. E mais, é cada vez mais rara, atualmente, a possibilidade de se deparar com a forma tradicional de pagamento, em que o devedor se dirigia à praça de eleição para entregar ao credor certa quantia em dinheiro, mediante recibo, em pagamento da dívida. O pagamento por meio de boleto é utilizado para quitar obrigações em geral, resultando em comodidade e diminuindo os custos da operação, em benefício do próprio devedor. O recebimento, por meio de boleto, não significa que houve a efetivação do pagamento no domicílio do consumidor, mas apenas que, por intermédio da rede bancária, o credor recebeu o valor na agência e conta vinculadas ao boleto. Em suma, o pagamento é, efetivamente, efetuado e verificado com o recebimento da quantia na agência do credor, por intermédio da rede bancária. Nesse contexto, a credora faltaria com os deveres inerentes à boa-fé objetiva se impusesse que, para o pagamento das prestações, tivesse o devedor de se locomover todos os meses para a praça de pagamento – hipótese em que se poderia cogitar em violação do dever de cooperação. Tanto é assim que entendimento doutrinário leciona que “quando se diz que a observância do critério da boa-fé, nos casos concretos, assenta em apreciação de valores, isto é, repousa em que, na colisão de interesses, um deles há de ter maior valor, e não em deduções lógicas, apenas se alude ao que se costuma exigir no trato dos negócios”. Ademais, faz-se necessário consignar que, como é necessário ao apontamento a protesto que o documento tenha executividade, isto é, seja dotado de certeza, liquidez e exigibilidade, a medida é bem menos severa ao devedor se comparada à execução do título, pois não envolve atos de agressão ao patrimônio do executado, sendo certo que os órgãos de proteção ao crédito também fazem uso de dados de caráter público da distribuição do Judiciário – o que, igualmente, resulta na “negativação” nos órgãos de proteção ao crédito (REsp 1.344.352-SP, Segunda Seção, DJe 16/12/2014, julgado conforme o rito do art. 543-C do CPC/1973). REsp 1.398.356-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 24/2/2016, DJe 30/3/2016.

Fonte: STJ – Informativo n. 0579 | Período: 17 de março a 1º de abril de 2016.

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