Artigo: Autonomia do Registrador de Imóveis – Por Marla Camilo

*Marla Camilo

O artigo 3º da Lei 8935/94 apregoa que “o registrador, é profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade de registro”. Por conseguinte, o artigo 28 da Lei n. 8.935/94 dispõe que “os oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições…”. Nessa medida, o registrador deve observar somente a lei.

O registrador tem autonomia para realizar análise da legalidade e das formalidades registrais. Assim, deixar de decidir, efetuando consultas ao juiz corregedor descaracterizaria sua função e sobrecarregaria o corregedor.

Destarte, o registrador tem liberdade para realizar juízo de valor nos termos da lei, mas até que ponto vai essa liberdade? Caso seja suscitada dúvida e o magistrado reitere a determinação, poderia o registrador desobedecer essa ordem judicial em razão da sua autonomia?

A atividade desenvolvida pelo registrador imobiliário tem natureza pública. Caso o registrador não cumpra a ordem judicial não poderá ser imputado no crime de desobediência, tipificado no artigo 330 do Código Penal, pois está incluído entre aqueles praticados por particular contra a administração em geral.

Ademais, não há a possibilidade de o registrador ser imputado em crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal, ou seja, aquele que “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

O elemento material da prevaricação pode apresentar-se sob três aspectos: retardar indevidamente ato de ofício, deixar indevidamente de praticá-lo, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei. E, ainda, o elemento essencial da prevaricação é satisfação de interesse ou sentimento pessoal que não existe no caso em comento.

Sendo assim, a qualificação negativa com fundamento na lei não se enquadra em nenhum desses aspectos da prevaricação porque o registrador age dessa forma para proteger direito de terceiros e a segurança dos registros. Esse caso é hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, a qual exclui a culpabilidade. Portanto, a recusa do registro pelo oficial não é crime, pois pela Teoria Tripartida exige-se, para que haja crime, que o fato seja típico, ilícito e culpável.

Ocorre que, manifestando-se sobre o assunto, o ilustre doutrinador Ricardo Dip assim se pronunciou: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admitiu, a meu ver com razão, a supremacia da hipoteticamente mais pálida das decisões jurisdicionais sobre a mais brilhante e admirável das decisões de caráter administrativo”. (DIP, Ricardo Henry Marques. “Dúvidas sobre o futuro da dúvida no registro de imóveis”, Revista de Direito Imobiliário n. 64 (janeiro-junho de 2008). São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 254.)

Nesse ínterim, ante a renovação da determinação judicial, outra alternativa não restará ao registrador senão proceder ao ato de registro, observado o prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 188, da Lei de Registros Públicos, fazendo, se for o caso, as anotações e notificações que, no seu juízo, são necessárias para se resguardar de futuras ações indenizatórias, proteger o direito do titular da matrícula e interesses de terceiros.

Referências Bibliográficas

CHAVE. Talita de Lima. Bipartida ou tripartida? Breves considerações sobre a teoria adotada pelo Código Penal. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/28195/bipartida-ou-tripartida-breves-consideracoes-sobre-a-teoria-adotada-pelo-codigo-penal. Acesso em 16 setembro 2015.

DIP. Ricardo Henry Marques. Dúvidas sobre o futuro da dúvida no registro de imóveis. Disponível: em  http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:artigo.revista:2008;1000827032. Acesso em 16 setembro 2015.

____. Sílvia. Qualificação registral e crime de desobediência. Disponível em: https://arisp.wordpress.com/2008/02/26/titulos-judiciais-qualificacao-e-crime-de-desobediencia/. Acesso em 01 setembro 2015.

SCARANCE FERNANDES. Antonio. O cumprimento de ordem judicial pelo registrador: aspectos penais e processuais penais. Disponível em: https://arisp.files.wordpress.com/2007/12/scarance-fernandes-o-cumprimento-de-ordem-judicial-pelo-registrador.pdf. Acesso em 16 setembro 2015.

Fonte: Notariado | 1/11/2015.

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Artigo: A MEDIAÇÃO E OS ADVOGADOS – Por Angelo Volpi

*Angelo Volpi

Os conflitos fazem parte da natureza do homem e possuem um importante papel na evolução de nossa história. Paradoxalmente produzem, por um lado, desde um simples desconforto até os horrores das guerras e por outro o crescimento psíquico, intelectual, emocional e tecnológico. Os conflitos, portanto, podem ser bons ou ruins, tudo depende da forma com a qual os administramos.

O Brasil acaba de dar importantes passos no sentido de promover condições para que nós possamos lidar melhor com nossos conflitos. A aprovação da Lei nº 13.140/15 e as disposições previstas no novo Código de Processo Civil e a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, criam amplas possibilidades para o uso da mediação. A propósito, pelo seu desconhecimento faz-se necessário esclarecer que a mediação é uma técnica de resolução de conflitos largamente utilizada no mundo inteiro, na qual o mediador como terceiro neutro auxilia as partes a encontrarem uma solução. O mediador não julga, não decide e sequer pode sugerir solução para resolução do conflito.

Entretanto, para se implementar o uso da mediação não basta um ordenamento legal. A mediação por natureza deve ser voluntária, mesmo porque não é possível obrigar as pessoas a mediar, bem como não é viável aplicar a mediação a todos os conflitos. Nossa cultura ocidentalizada tem longa tradição em converter conflitos em litígios. Desde pequenos, no ambiente da família buscamos um “julgamento” e punição do culpado, seguindo o mesmo padrão na escola e consequentemente em toda nossa vida.  Portanto, estamos falando de uma tradição cultural intensamente arraigada em todos nós.

O conflito incomoda e uma das maneiras de lidar com ele é “terceirizá-lo”, seja para o síndico do condomínio, o psicólogo, o patrão, o advogado, ou seja lá quem for. Porém, o mais comum é que seja “delegada” aos advogados e consequentemente para o judiciário. Assim, para que se construa uma cultura diferente no país é preciso que haja intenso envolvimento destes profissionais, os quais realmente podem fazer a diferença em promover essa verdadeira revolução comportamental da sociedade brasileira.

Todos sabemos os custos e as mazelas atuais da resolução de conflitos no judiciário, tanto é que o próprio vem implementando intensos esforços para amenizar a avalanche de processos que recebe diariamente. Trata-se de um problema do qual todos saem prejudicados: a população, os advogados e o país como um todo.

A doutrina, os especialistas e a experiência internacional são unânimes em afirmar que o caminho da mediação inicia-se pelo convencimento das partes de assunção de responsabilidade própria na busca de solução para o conflito, sendo este, provavelmente, o maior e mais comum dilema do ser humano. Especialmente em nossa cultura, porque implica na mudança de padrão e conduta atávica do; “passar adiante” o conflito para o acolhimento e o controle pessoal de maneira responsável e cooperativa.

Esta missão de convencimento não pode ser delegada somente ao mediador, ao contrário, deve ser iniciada pelo advogado, imbuído pelo seu próprio Código de Ética profissional (art.2º, VI e VII). E muito mais agora diante da cultura implícita no novo Código de Processo Civil de afastamento do legalismo burocrático e da franca cooperação entre as partes e o próprio magistrado. Lembremos que o acordo, seja por mediação, conciliação ou negociação tem espaço legal não somente antes da instalação da lide mas em todas as etapas do processo e pode ser obtido parcial ou integralmente. E não somente sobre o escopo do conflito, mas sobre regras de distribuição do ônus da prova, honorários advocatícios, perícias e etc.

A construção de acordos mediados, seja previamente por profissionais autônomos, tabeliães ou no decorrer do processo irá demostrar a boa-fé, civilidade e comprometimento com a busca de solução. Essa atitude deve levar em conta que o relacionamento entre as partes não deve se exaurir com a sentença, que fatalmente desagrada um e comumente ambos. A dinâmica dos negócios nesta era da informática é totalmente colaborativa, não se pode fechar portas nem agir de forma dissimulada e desleal num universo de disseminação descontrolada da informação e exposição de comportamento. A reputação na ponta do mouse, o big data – de onde nada escapa – nos induz a uma mudança comportamental voltada aos princípios da empatia, civilidade, racionalidade, solidariedade e cooperação.

A busca da mediação não significa a ninguém abrir mão de seus direitos, nem seu encaminhamento e aconselhamento pelo advogado sinal de fraqueza, incompetência ou desídia. Ao contrário, a busca do entendimento está em consonância com os mais nobres princípios da ética, profissionalismo, humanidade, civilidade, economia, racionalidade e modernidade.

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* O autor é Tabelião, presidente do Colégio Notarial do Paraná, fundador e presidente honorário do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil- IMAB.

Fonte: Notariado | 22/10/2015.

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CSM/SP: Parcelamento do solo urbano. Loteamento – registro – impossibilidade. Loteador – ações pessoais e penais.

Não é possível o registro de loteamento quando não há, por parte do loteador, garantia hábil para afastar o risco dos adquirentes, em virtude das ações penais e pessoais existentes.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0003241-93.2014.8.26.0356, onde se decidiu ser impossível o registro de loteamento quando não há, por parte do loteador, garantia hábil para afastar o risco dos adquirentes, em virtude das ações penais e pessoais existentes. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

O caso trata de recurso interposto em face da r. decisão proferida pelo juízo a quo, onde se discutiu a recusa do Oficial Registrador em registrar um loteamento, em razão da existência de ações penais e pessoais em face da loteadora e dos ex-proprietários do imóvel, além da ausência de garantia suficiente para evitar prejuízos aos futuros adquirentes. Em suas razões, a apelante sustentou que as ações pessoais se referem a débitos fiscais e que já houve o parcelamento; quitação; adesão ao REFIS ou responsabilização de sucessora. Alegou, ainda, que uma das ações penais foi extinta pela prescrição e a outra, provavelmente, seguirá o mesmo destino. Por fim, sustentou que possui patrimônio suficiente para garantir eventuais prejuízos dos adquirentes de lotes.

Ao julgar a apelação cível, o Relator observou que existem duas ações penais, sendo que em apenas uma foi exarada sentença em que se declarou a extinção da punibilidade. Na outra ação, ainda não há decisão definitiva, não se podendo, na esfera administrativa, prever qual será o desfecho da ação. Para o Relator, essa circunstância, per si, impede o referido registro, à vista do que dispõe o art. 18, III, “c”, IV, “d”, c.c. os §§ 1º e 2º da Lei nº 6.766/79. No caso da existência das quatro ações pessoais, relativas à execuções fiscais, o Relator entendeu que, em três delas houve adesão ao REFIS, parcelamento e pagamento do débito, tendo a apelante juntado documentos que não indicam seguramente o efetivo pagamento integral e que, na quarta ação, embora tenha sido apresentada empresa como sucessora e responsável tributária, não há comprovação da exclusão dos sócios do polo passivo e, ainda assim, a responsabilidade tributária da sucessora é solidária, não exclusiva. Finalmente, o Relator observou que a loteadora não possui capital social suficiente para garantir eventuais prejuízos aos adquirentes, advindos do ajuizamento das ações penais e que, além disso, o único imóvel apresentado como garantia suficiente para ressarcimento de eventuais prejuízos está gravado por duas cédulas de crédito rural e, a teor do art. 69 do Decreto-Lei nº 167/67, o bem é impenhorável.

Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Íntegra da decisão

Fonte: IRIB | 03/11/2015.

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