Artigo: AS DIVERSAS ACEPÇÕES DO TERMO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS – Por Marcelo Gonçalves Tiziani

*Marcelo Gonçalves Tiziani

Sumário
1. Introdução. 2. As diversas acepções do termo Registro Civil: 2.1. Como Local; 2.2. Como Instituição Jurídica; 2.3. Como Registro Público; 2.4. Como Jurisdição Voluntária; 2.5. Como Serviço Público; 2.6. Como Função Pública. 3. As funções do Registro Civil das Pessoas Naturais. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

1. Introdução

As atividades notarial e registral vêm passando por grandes transformações nos últimos tempos, o que faz com que sejam foco de grande atenção do público em geral.

Nesse contexto, a atividade de registro civil também vem recebendo grande atenção dos governos, fazendo com que seja necessário melhor entender essa vital função jurídica do Estado, sob pena de ser mal interpretada.

Esse pequeno trabalho visa debater a primeira lição sobre o tema: afinal, o que significa Registro Civil?

A responder tal assertiva, é possível observar que existem vários entendimentos sobre o que a expressão Registro Civil possa significar, tudo dependendo do enfoque dado.

Assim, a presente pesquisa tem por fim traçar, de forma reduzida, os principais entendimentos sobre esse assunto.

2. As diversas acepções do termo Registro Civil

Como mencionado acima, a expressão Registro Civil pode ser usada com diversas acepções:

2.1. Como Local

Essa posição vê o Registro Civil como uma repartição pública, organizada pelo Estado para a constatação de referidos fatos e circunstâncias.

Nas palavras de Enrique Alonso e Iglesias e Cástor V. Pacheco y Gómez, o registro civil é a repartição pública destinada a fazer constar, de um modo autêntico, todos os atos concernentes aos estado civil das pessoas1.

Esse entendimento leva em consideração o lugar em que o Registro Civil é realizado, ou seja, o cartório ou serventia extrajudicial. Aqui, o Registro Civil é a serventia. Para essa visão, existe uma universalidade de relações jurídicas e bens necessários ao bom atendimento do Registro Civil.

É possível criticar tal posicionamento pelo seu reducionismo – o Registro Civil é muito mais que uma mera seção de um departamento estatal. Porém, chama a atenção essa doutrina para o fato de que existe uma universalidade útil ao efetivo funcionamento do Registro Civil.

2.2. Como Instituição Jurídica

Outro entendimento doutrinário concebe o Registro Civil como instituição jurídica, indispensável às sociedades avançadas.

Eduardo Garcia-Galan y Carabias leciona que o registro civil é uma instituição necessária à sociedade, porque sua existência é necessária para que se possa individualizar a pessoa e conhecer sua genealogia2.

Diz Francisco Luces Gil que, nesse aspecto, o Registro Civil pode ser definido como uma instituição que tem por objeto dar publicidade aos fatos e atos que afetam o estado civil das pessoas, cooperar, em certos casos, na constituição de tais atos e proporcionar títulos de legitimação do estado civil3.

A ideia de Registro Civil como instituição jurídica de Estado entende essa atividade como uma necessidade social, tendente a reger os órgãos públicos e as relações jurídicas relacionados ao estado civil da pessoa natural.

Realmente, a visão do Registro Civil como instituição jurídica, permanente e de Estado, é importante para chamar a atenção da sociedade para a relevância política dessa função. As sociedades mais avançadas incorporaram, definitivamente, em suas estruturas a necessidade de controle dos acontecimentos que atingem o estado das pessoas naturais. Impossível, hodiernamente, uma sociedade sem um Registro Civil.

2.3. Como Registro Público

María L. de la Fuente diz que o Registro Civil pode definir-se como um registro público que tem por objeto fazer constar, oficialmente, os fatos e atos que se referem ao estado civil e aqueles outros relativos à identidade e demais circunstâncias ou condições da pessoa, relacionados na lei4.

Nesse sentido, Guillermo Fernandez Vivancos coloca que os atos concernentes ao estado civil das pessoas devem constar num Registro chamado Registro Civil, ou Registro do Estado Civil, que compreende as inscrições ou anotações de nascimento, casamento, emancipações, reconhecimentos e legitimações, óbito e nacionalidade5.

Essa é a posição da Organização das Nações Unidas (ONU), através de sua divisão de estatísticas (UNSTATS), para quem o Registro Civil é definido como a contínua, permanente, compulsória e universal gravação das ocorrências e características dos eventos vitais pertencentes à população, como previsto por decreto ou regulamento, em conformidade com os requisitos legais de um país6.

Nesse contexto, o Registro Civil pode ser visto como um conjunto de livros, em que constam os fatos e circunstâncias concernentes ao estado civil das pessoas.

Se por um lado esse entendimento pode ser criticado porque o Registro Civil não é um mero cadastro do nascimento, casamento e óbito das pessoas, por outro deve ser levado em consideração, por reconhecer importância na criação e conservação dos registros públicos.

2.4. Como Jurisdição Voluntária

Essa concepção entende que o Registrador exerce jurisdição voluntária, na medida em que desempenha administração pública de direitos ou interesses privados. Nesse contexto, somente a jurisdição contenciosa, destinada à composição da lide, é função essencial ao Poder Judiciário.

Como fala José Frederico Marques, a jurisdição voluntária não pressupõe um litígio ou situação contenciosa, mas um ato jurídico ou negócio que deve passar pelo crivo da autoridade judiciária, em consequência da administração pública que o Estado exerce sobre os interesses privados que nesse ato se consubstanciam7. Aqui, leva-se em conta apenas a figura do terceiro imparcial, no caso o Registrador, incumbido de dar concreta aplicação da lei.

Como exemplo de que os atos de registro se revestem de jurisdição, Edson Prata indica os seguintes casos: a) habilitação e celebração de casamento; b) dispensa de impedimentos; c) declaração de ausência; d) registro de nascimento, óbitos, casamentos, emancipações, interdição, ausência; e) separação consensual8. Assim, esse atos são oriundos de procedimentos de jurisdição voluntária direcionados à formação e à publicidade do estado civil.

A dúvida acerca dessa teoria reside no conceito, ainda muito discutido, do que seja jurisdição voluntária. Porém, vale a pena ressaltar esse posicionamento, haja vista a importância jurídica da atuação do Oficial na formação dos atos de Registro Civil.

2.5. Como Serviço Público

A concepção do Registro Civil como serviço público é extraída de interpretação literal da Constituição Federal, ao dispor, no caput de seu artigo 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Como leciona Reinaldo Velloso dos Santos, o Registro Civil das Pessoas Naturais é atividade exercida por profissionais do Direito, denominados Oficiais de Registro, que prestam serviço público por delegação do Poder Público …9.

Para esse entendimento, a natureza jurídica da atividade de Registro Civil é de serviço público. Serviço, por consistir no desempenho de uma atividade pessoal realizada pelo Registrador, e público, por ser de titularidade estatal, haja vista sua relevância social.

Apesar da crítica de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello a esse entendimento, para quem não se deve confundir função pública, atividade jurídica do Estado, com serviço público, prestação material de coisa ou comodidade10, essa concepção é relevante por reconhecer a seriedade econômica e social do Registro Civil.

2.6. Como Função Pública

A teoria do Registro Civil como função pública decorre da relevância e, mesmo, de sua titularidade, ou seja, da importância social do controle dos acontecimentos do estado civil e da titularidade estatal dessa função. Para essa posição, entende-se por função pública, em oposição a serviço público, a atividade jurídica do Estado.

Com a complexidade da vida em sociedade e, por conta disso, diante da enorme quantidade de leis e suas peculiaridades, os Estados se viram premidos a funcionar, também, como prestadores de atividades jurídicas a seus cidadãos. Visando a pacificação social, a prestação jurídica passou a ser finalidade estatal, ou seja, função pública.

Como fala Luís Paulo Aliende Ribeiro, a função pública notarial e de registro apresenta, no Brasil, contornos peculiares e exclusivos …11.

Luiz Guilherme Loureiro entende que as atividades notariais e de registro constituem funções públicas … 12.

Logo, a atividade de Registro Civil das Pessoas Naturais, para essa doutrina, é vista como função pública, ou seja, se trata de atividade jurídica do Estado, com vistas à consecução da segurança jurídica que as inscrições públicas merecem.

Haja vista a importância social dos registros públicos, no Brasil, segundo essa corrente doutrinária, as inscrições dos atos e fatos relacionados ao estado civil das pessoas naturais ganharam “status” de função pública, como verdadeira atuação jurídica na esfera privada da vida das pessoas.

3. As funções do Registro Civil das Pessoas Naturais

Das ideias trazidas acima, é possível destacar as principais funções da atividade pública de registro civil das pessoas naturais, que são:
3.1. a constância e publicidade dos fatos e circunstâncias concernentes ao estado civil;
3.2. a cooperação na formulação de alguns atos que afetam o estado, função que tem crescido de importância ultimamente;
3.3. a criação de autênticos títulos de legitimação do estado civil, muito mais do que a mera facilitação de simples meios probatórios.

4. Conclusão

Ao RCPN nem sempre é dada a devida importância que essa área da ciência jurídica merece. Ao colocar os atos de registro e averbação no Código Civil, numa tentativa de recodificação da matéria, o legislador passa a impressão de que o Registro Civil das Pessoas Naturais seja mero apêndice do Direito Civil. O que não é verdade.

O Registro Civil é estudado por uma especialidade do Direito, o denominado Direito do Registro Civil das Pessoas Naturais, ramo autônomo do Direito Público que tem por finalidade regulamentar a função estatal destinada ao gerenciamento dos atos e fatos do estado civil da pessoa humana, para fins de prova, conservação e inclusão social, além de fornecimento de dados estatísticos fundamentais.

Dessa forma, o RCPN é verdadeiro manancial de informações sobre as pessoas; é um espelho da situação jurídica de cada individuo; é o guardião da capacidade da pessoa natural.

Assim, a função social do microssistema registral é latente: é nele que o cidadão encontra a certeza da qualificação de seus dados pessoais; é nele que a sociedade deposita sua confiança na certeza das informações ali arquivadas.

No Brasil, optou-se, para o exercício dessa peculiar função, pela delegação e profissionalização da atividade. Por aqui, somente pessoas físicas, especialistas na ciência do Direito, e desde que aprovas em concurso público de provas e títulos, podem receber a delegação de registros públicos. Ainda bem que seja assim.

Apesar de sua indiscutível importância, pouco estudo é dado à matéria. Tradicionalmente, o Registro Imobiliário recebeu mais contribuição doutrinária em sua elaboração, o que deu a ele maior relevância.

Logo, a função de Registro Civil das Pessoas Naturais é muito relevante para as sociedades de massa, razão pela qual merece mais estudos e atenção por parte dos operadores do Direito.

5. Referências bibliográficas
CARABIAS, Eduardo Garcia-Galan. El Registro Civil. Madrid: Ed. Plutarco, 1941.
FUENTE, María L. Tratado del Registro Civil. Valencia: Tirant lo blanch, 2013.
GIL, Francisco Luces. Derecho Registral Civil – com modelos e formulario. Barcelona: Bosch, 1976.
IGLESIAS, Enrique Alonso; GÓMEZ, Cástor V. Pacheco. El Registro del Estado Civil en España. Madrid, 1926.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos – Teoria e Prática. São Paulo: ed. Método, 2011.
MARQUES, José Frederico. Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas, Millennium, 2000.
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1969. ONU. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/sources/civilreg/. Acesso em 18/07/2015.
PRATA, Edson. Jurisdição Voluntária. São Paulo: EUD, 1979
RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e Registral. São Paulo: Saraiva, 2009.
SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Introdução ao Registro Civil das Pessoas Naturais. In: Introdução ao Direito Notarial e Registral (coord.) DIP, Ricardo.Porto Alegre: SAFE, 2004.
VIVANCOS, Guillermo Fernandez. Guia del Registro Civil. Madrid: Graficas Voluntas, 1946.

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Notas de rodapé

1. El registro civil es la oficina pública destinada a hacer constar de um modo auténtico todos los actos concernientes al estado civil de las personas. IGLESIAS, Enrique Alonso; GÓMEZ, Cástor V. Pacheco. El Registro del Estado Civil en España. Madrid, 1926. p. 63.
2. El registro civil es una instituición necesaria a la sociedad, porque a su existencia se debe el que pueda individualizarse la persona y conocer sua genealogía. CARABIAS, Eduardo Garcia-Galan. El Registro Civil. Madrid: Ed. Plutarco, 1941. p. 5.
3. En este último aspecto puede ser definido como “la instituición que tiene por objeto dar publicidad a los hechos y actos que afectan al estado civil a las personas, cooperar, en ciertos casos, a la constituición de tales actos y, proporcionar títulos de legitimación de estado civil. GIL, Francisco Luces. Derecho Registral Civil – com modelos e formulario. Barcelona: Bosch, 1976, p. 17.
4. El Registro Civil puede definirse como un registro público que tiene por objeto, hacer constar oficialmente, los hechos y actos que se refieren al estado civil y aquellos otros relativos a la identidad y demás circunstancias o condiciones de la persona. FUENTE, María L. Tratado del Registro Civil. Valencia: Tirant lo blanch, 2013, p. 87.
5. Los actos concernientes al estado civil de las personas se deben hacer constar en un Registro llamado Registro Civil, o Registro del estado civil, que compreende las inscripciones o anotaciones de nacimiento, matrimonio, emancipaciones, reconocimientos y legitimaciones, defuciones y vecindad. VIVANCOS, Guillermo Fernandez. Guia del Registro Civil. Madrid: Graficas Voluntas, 1946. p.9.
6. Civil registration is defined as the continuous, permanent, compulsory and universal recording of the occurrence and characteristics of vital events pertaining to the population as provided through decree or regulation in accordance with the legal requirements of a country. Civil registration is carried out primarily for the purpose of establishing the legal documents provided by the law. These records are also a main source of vital statistics. Complete coverage, accuracy and timeliness of civil registration are essential for quality vital statistics. A civil registration system refers to all institutional, legal, technical settings needed to perform the civil registration functions in a technical, sound, coordinated, and standardized manner throughout the country, taking into account cultural and social circumstances particular to the country. ONU. Disponível em: http://unstats.un.org/unsd/demographic/sources/civilreg/. Acesso em 18/07/2015.
7. MARQUES, José Frederico. Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas, Millennium, 2000, p. 228.
8. PRATA, Edson. Jurisdição Voluntária. São Paulo: EUD, 1979, p. 192
9. SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Introdução ao Registro Civil das Pessoas Naturais. In: Introdução ao Direito Notarial e Registral (coord.) DIP, Ricardo.Porto Alegre: SAFE, 2004. p.43.
10. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1969. p. 149.
11. RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e Registral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 135.
12. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos – Teoria e Prática. São Paulo: ed. Método, 2011. p. 1.

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Autor: Marcelo Gonçalves Tiziani
Titulação acadêmica: Especialista em Direito Processual Civil – Univ. São Francisco – USF – Bragança Paulista/SP; Especialista em Direito Notarial e Registral – Univ. Uniderp – Campo Grande/SP; Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário – Escola Paulista da Magistratura; Graduado pela PUC Campinas/SP
Profissão: Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Tuiuti/SP

Fonte: Arpen/SP | 21/08/2015.

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Artigo: Testamento cerrado de analfabeto – Por José Hildor Leal

*José Hildor Leal

O testamento cerrado é vedado ao analfabeto. A inobservância de lei importa em absoluta nulidade do ato.
Mas há quem defenda o contrário. Na última semana fui procurado por um causídico para lavrar a aprovação de um testamento cerrado, feito por analfabeto, escrito e assinado por uma terceira pessoa, a rogo.
Como justificativa, exibiu doutrina defendendo que o testamento pode ser feito e deve ser aprovado, ainda que assinado por quem o escreveu a rogo, se o testador não souber ou não poder fazê-lo, ficando consignada no instrumento de aprovação a razão por que o não assina.
Argumentei que o art. 1.868, do Código Civil, não admite essa interpretação, dispondo que o testamento cerrado escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal.
Assim, a lei permite que o ato possa ser escrito por outra pessoa, a pedido do testador, se este tiver dificuldade para escrever, ou por outro motivo. Mas é imperioso que o assine, não valendo se não for assinado de próprio punho pelo testador.
Diante da recusa, foi embora indignado, com o cliente à cabresto, mas tornou triunfante no dia seguinte, municiado com a norma administrativa gaúcha (Consolidação Normativa Notarial e Registral – Prov. 32/06-CGJ/RS) que estabelece o seguinte:
Não podendo o testador assinar, uma das testemunhas, por ele indicada, firmará a seu rogo, declarando fazê-lo por aquele não saber ou não poder assinar” (art. 631, § 6º).
Por evidente que não foi atualizada a consolidação, mantendo entendimento que havia ainda à luz do código anterior.
Desde 2003, com a entrada em vigor do atual código civil, não resta nenhuma possibilidade ao analfabeto a permitir-lhe o testamento cerrado.
O art. 1.872 espanca qualquer dúvida: Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.
Contraditório? Não. Nenhuma contradição. O que a lei permite é que o testamento cerrado seja escrito a rogo do testador. Assinado a rogo, não.
O analfabeto, portanto, para validade e eficácia de suas disposições de vontade, somente pode fazer testamento público, escrito com exclusividade por um tabelião de notas ou por seu substituto legal.

Fonte: Notariado |  13/10/2015.

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Protesto e os piratas da informação

Ou como ganhar (ou perder) a guerra da comunicação.

A FSP de hoje (9/10, A16) publica nota intitulada “Mudança em lei em SP pode afetar cadastro de devedores”, com destaque para a fala do diretor de uma dessas empresas.

O tema da reportagem é a obrigatoriedade, por lei (Lei Estadual 15.659/2015), do envio de carta com AR para incluir o inadimplente no cadastro de devedores.

A matéria é tendenciosa. Não ouviu os protestadores. Há uma minúscula citação da “Proteste“, para quem “o consumidor não pode ser penalizado com a inclusão de seus dados em cadastros de inadimplentes”. Nada mais correto.

O superintendente de uma dessas empresas diz candidamente à reportagem que a “lei acaba estimulando o credor a ir protestar no cartório, quando a AR não for assinada. Só que o consumidor, mesmo depois que quitar a dívida, terá de ir pessoalmente ao cartório, tirar seu nome do protesto e pagar taxas para isso”.

O argumento é cínico. Vejamos.

Ao credor interessa o protesto, afinal ele não paga pela inadimplência. O devedor sabe que deve pagar – e pagará para ver o seu nome livre das correntes representadas pelos sistemas de informação privada. Em relação ao protesto, pode promover o cancelamento sem maiores burocracias pagando tão-somente o que a própria lei diz que deve pagar. Nem mais, nem menos. É cediço que todas as taxas cobradas pelo cancelamento de protesto são definidas em lei – ao contrário das empresas de informação privilegiada, que cobram por todo e qualquer acesso a informações de caráter pessoal.

O sistema de crédito se torna mais e mais transparente na medida em que o acesso a dados que revelam a situação pessoal-patrimonial se dê de modo direto, sem intermediários, consultando-se, gratuitamente, por exemplo, a Central de Informação de Protesto.  Para se ter uma ideia, no dia de hoje a Central já prestou mais de 170 milhões de informações inteiramente gratuitas.

O protesto é o veículo natural e a garantia constitucional para proteção dos interesses envolvidos – de devedores e de credores. A intermediação de um órgão do Judiciário (órgãos da fé pública – art. 103-B EC 45/2004) dá transparência e segurança a todos os envolvidos.

Alguém lucra quando sou o produto

Penso que os protestadores deveriam contra-argumentar e buscar espaço na grande imprensa para mostrar que o nocivo, o verdadeiramente pernicioso aos interesses do consumidor e do cidadão, é cair nas malhas de empresas privadas de informação que os transformam em produtos (informação) – mesmo quando já deixou o estado de insolvência.

Seria interessante que cada cidadão pudesse receber uma contrapartida econômica toda vez que o seu nome e a sua situação jurídico-pessoal ou patrimonial fosse revelada por essas empresas privadas de informação privilegiada. Afinal, elas lucram com a publicização de atributos relacionados com a pessoa física ou jurídica, transformada em signos (avatares) nesses bancos de dados.

A pessoa, e seus atributos — os mais variados –, são o objeto da mercância nesse ambiente de transações eletrônicas. Se alguém ganha com as informações associadas ao meu número de CPF ou CNPJ eu devo participar dessas vantagens. Ou não? Afinal, o avatar de cada cidadão, criado, mantido e atualizado por complexos processos eletrônicos, podem proporcionar informações preciosas, obtidas por meio de sistemas tecnológicos de big data. 

É a sociedade da transparência e do mercado líquido.

Essas empresas (não por acaso, sempre as mesmas e alguma presidida por ex agente governamental) buscam deslegitimar o protesto para açambarcar, com suas bocarras insaciáveis, nacos de atribuições que dizem respeito à tutela de interesses privados e de proteção à privacidade, malferindo os direitos dos cidadãos.

Seria interessante que se fizesse um estudo que comprovasse que, além da garantia dos interesses dos consumidores e dos cidadãos comuns, o protesto (que é gratuito em São Paulo) é o veículo mais idôneo, seguro e barato para comprovar a situação de inadimplência. Trata-se de um serviço público que conta, ademais, com eficiente e rigoroso controle e fiscalização pelo Poder Judiciário.

É uma guerra suja

A batalha agora ocorre no âmbito federal. Depois de questionar a constitucionalidade da lei estadual por usurpação de competência da União (ADIN 2044447-20.2015.8.26.000) as entidades interessadas em explorar esse mercado milionário levaram o tema ao STF (ADIs nº 5224, 5252 e 5273). Pelo número de amicus curiae admitidos nas ações vê-se como o tema abala interesses muito preciosos. Do meu ponto de vista, nenhum deles coincidente com os interesses dos consumidores. Aguardemos o pronunciamento da corte.

Enfim, alguém, em sã consciência, apostaria na custódia de seus dados de caráter pessoal a empresas privadas cujo controle escapa à fiscalização direta e permanente dos órgãos do Judiciário?

Fonte: Observatório do Registro | 09/10/2015.

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