Artigo – A pergunta que não quer calar: você confiaria em um tabelião de notas ‘doublè’ de comerciante dono de posto de gasolina ou vice-versa? – Por Marcelo Rodrigues


  
 

O Chefe do Poder Judiciário brasileiro, atual presidente do STF e do CNJ, o culto – mas não onisciente, pois ninguém nesse plano terreno o é, não é verdade? – min. Ricardo Lewandowski, não só confiaria como, indo além, parece defender esse ‘modelo’ norte-americano em crítica frontal ao sistema brasileiro.

Talvez S. Exa. não saiba, mas adotamos o sistema do notariado latino, herdado da longa tradição do direito romano-germânico, que prima pela segurança jurídica preventiva, contrariamente ao modelo – não se pode denominá-lo de sistema -, estadudinense. Lá, é também possível, além de registrar a alienação de veículos em postos de gasolina, barbearias, quitandas e similares, p. ex., o frequente golpe de roubo de hipotecas e até mesmo a tentativa de fraude sobre a propriedade do Empire State Building, em N.Y., foi objeto de ação criminosa nesse sentido. Mais informações a respeito podem ser colhidas na página do FBI na internet.

A agilidade é bem-vinda, é claro, mas não a custo de insegurança jurídica, dogma supremo por lá adotado, basicamente, pela pressão da poderosa indústria financeira e organismos privados, em detrimento do interesse público.

Outro exemplo pernicioso que floresce por lá é o denominado ‘MERS – Mortgage Eletronic Registration System’, que permite o registro da propriedade imóvel fora de sua circunscrição territorial, ‘gerido’ pela própria indústria financeira (registro privado) e, além disso, a securitização das hipotecas e a ocultação dos credores sob um manto de opacidade, principal responsável pela crise de execuções hipotecárias sem precedentes na história do mundo civilizado. Isso resultou, p. ex. que proprietários de casas que nunca foram hipotecadas, ou que nunca contraíram empréstimo, ou, que o tendo contraído, mantém os pagamentos em dia, têm sido notificados de início de ‘foreclosure’ contra eles.

Em verdade, antes mesmo do ‘MERS’, o registro da propriedade imóvel nos EUA já era dos mais inseguros, decorrendo a constatação por três aspectos principais: a) vigência da regra da reivindicabilidade ilimitada, b) sistema de arquivo de documentos (e não de registro de direitos), c) existência de companhias de seguros de títulos (onerosidade excessiva, diante do alto risco assumido, e permanente, pois a apólice deve ser renovada anualmente).
Não há dúvida que muito há a ser aperfeiçoado no que concerne ao funcionamento da atividade cartorária no Brasil e que existe sim um excesso de litigiosidade a respeito, sobretudo nos concursos públicos, ocupando de forma abusiva o já reduzido tempo socialmente útil de importantes órgãos do Poder Judiciário, e o CNJ é um deles.

Mas comparar o sistema brasileiro com o norte-americano, enaltecendo esse último, equivale a escancarar a falta de conhecimento a respeito, para dizer o menos.

Fonte: Facebook do autor- https://www.facebook.com/escritormarcelorodrigues.

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*Marcelo Rodrigues é desembargador do TJ/MG. Especialista em Direitos Notarial e Registral. Autor das obras Tratado de registros públicos e direito notarial (Atlas, 2014) e Código de normas dos serviços notariais e de registros do estado de minas gerais – provimento cgjmg 260/2013 – comentado (Anoreg-Serjus, 2014). Presidente da Comissão do Concurso para Outorga das Delegações dos Tabelionatos e Registros Públicos do Estado de Minas Gerais (Edital 1/2014).

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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