1ª VRP/SP: Dúvida – Registro de carta de sentença – Existência de dois fatos geradores distintos – Incidência de ITCMD e imposto de transmissão inter vivos – Dúvida procedente

Processo 1002342-36.2015.8.26.0100 – Dúvida – Inscrição na Matrícula de Registro Torrens – Alexandre Coli Nogueira – “Dúvida – Registro de carta de sentença – Existência de dois fatos geradores distintos – Incidência de ITCMD e imposto de transmissão inter vivos – Dúvida procedente” Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alexandre Coli Nogueira, em face da negativa em se proceder ao registro da carta de sentença extraída dos autos de inventário e partilha dos bens deixados por Paulo Roberto Cabral Nogueira (nº 0641076-49.2000.8.26.0100), que tramitou perante o MMº Juízo da 7ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central, referente aos imóveis matriculados sob nºs 521, 1.109, 131.599, 88.606, 88.607 e 88.608. Os óbices registrários referem-se aos imóveis matriculados sob nºs 88.606, 88.607 e 88.608, tendo em vista que foram partilhados na proporção de 1/3 para cada filho, sendo que estes instituíram usufruto em favor da viúva meeira, excedendo a sua meação, razão pela qual faz-se necessário o recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”. Sustenta a Registradora a incidência de dois tributos, quais sejam, o ITCMD, proveniente da transmissão da propriedade aos herdeiros filhos, e o imposto de transmissão “inter vivos”, calculado sobre 1/3 do valor da propriedade, oriundo da instituição do usufruto à viúva. Informa a Oficial que do esboço de partilha e do cálculo apresentado pelo contador na carta de sentença, não houve apuração do imposto “inter vivos” relativo à instituição do usufruto, bem como a juntada de guia que comprove o recolhimento do mencionado tributo ou a isenção concedida pela Fazenda Estadual. Juntou documentos às fls. 04/420. O suscitado apresentou impugnação (fls.424/428). Alega que, quando do falecimento de Paulo Roberto (04.11.2000), vigia a Lei nº 9.591/1966, a qual regulada todas as transmissões de bens imóveis, incluindo tanto as transmissões “inter vivos” quanto “causa mortis”. Salienta que o fato gerador da sucessão legítima é o falecimento, assim, em 04.11.2000 ocorreu a transmissão dos bens do espólio aos herdeiros, constituindo esta data o marco para a transmissão do usufruto ao cônjuge meeiro, nos termos dos artigos 1º e 2º da mencionada lei. Informa que o único imposto exigido pela lei é o ITCMD, e este foi regularmente pago, sendo que a cobrança de imposto sobre a parte atribuída a título de usufruto, caracteriza bitributação, vedada pelo ordenamento jurídico. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 435/437). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão a Registradora e a Douta Promotora de Justiça. Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Conforme se verifica na presente hipótese, há a incidência de dois fatos geradores, a transmissão das propriedades aos herdeiros, gerando consequentemente a incidência de ITCMD, e a instituição de usufruto vitalício à viúva meeira, incidindo o imposto de transmissão “inter vivos” (ITCD). Ao contrário do que alega o requerente, o imposto de transmissão “inter vivos”, não se encontra inserido no pagamento do ITCMD, tendo em vista que são provenientes de fatos geradores diversos. De acordo com o princípio da “saisine”, com o evento morte transfere-se a propriedade dos bens aos herdeiros, incidindo consequentemente o ITCMD. O ITCD incide sobre a doação, conforme artigo 2º, parágrafo primeiro, do Decreto nº 34.982/2013, que se deu posteriormente, sob a forma de usufruto. De acordo com a guia de fl.297, verifica-se que houve somente o pagamento do ITCMD. Ademais, como bem observou a Douta Promotora de Justiça, a alegação de que a cobrança do imposto seria ilegal, caracterizando bitributação, deverá ser aventada nas vias ordinárias, com a presença docontraditório e ampla defesa, bem como produção de provas, o que não é possível em sede administrativa. Do contrário, estaria sendo discutida matéria de interesse da Fazenda Pública, sem que ela do feito fosse parte integrante. Só no meio próprio, no qual se estabelecesse a lide, e onde estivesse formada regular relação jurídico processual, com a indispensável participação da Fazenda Pública credora do tributo, tal questão poderia ser objeto de pronunciamento jurisdicional. Por fim, como é sabido ao Oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, sendo que no presente caso se encontra o ITCMD e o imposto de transmissão “inter vivos”, cuja prova de recolhimento deve instruir o formal de partilha, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada, o que não se vislumbra. Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a dúvida suscitada pela Oficial do 4º Registro de imóveis da Capital, a requerimento de Alexandre Coli Nogueira, e mantenho o óbice imposto. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C São Paulo, 27 de março de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: ALEXANDRE COLI NOGUEIRA (OAB 106560/SP)

FONTE: DJE/SP | 01/04/2015.

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Artigo: A lei nº 11.441/2007, no contexto de solução alternativa de conflitos familiares – Por Fábio Zonta Pereira

* Fábio Zonta Pereira

O amplo acesso à justiça é um meio de garantia de dignidade dos membros de uma família, dando a oportunidade destes membros administrarem ou dissolverem suas relações familiares.  Outorgando ampla liberdade de os interessados escolherem o meio de dissolver das relações familiares.

A jurisdição Estatal, não tem se mostrado eficiente em pacificar o direito de forma célere, assim deve ser buscar outros mecanismos para a pacificação social. A dissolução de casamento como negócio jurídico que é, dado o interesse social que o direito de família, exerce na sociedade, deve ser dispensado a intervenção jurisdicional quando não houver lide ou incapacidade de algum interessado, ou não houver filhos menores e incapazes. Se não, haverá uma excessiva ingerência estatal das relações familiares, obstando a autonomia privada. Afirma sobre a autodeterminação dos indivíduos no direito de família Fernanda Tartuce (2008, p. 278):Nesse tão peculiar ramo jurídico, em respeito à capacidade de autodeterminação, o indivíduo deve estar pronto para definir os rumos de seu destino, sabendo identificar o melhor para si sem necessitar da decisão impositiva de um terceiro que não conhece detalhes de sua relação controvertida. Por tal razão, avulta a importância da mediação; afinal o sistema jurídico, cada vez mais, valoriza e fomenta a realização de atos negociais pelos indivíduos para a definição, por si próprios, de suas situações jurídicas.

A intervenção jurisdicional na dissolução de casamento consensual é demasiadamente desnecessária quando não há lide[1], pois neste caso o Estado Juiz atua como um interventor de contratos de direito de família. Não há interesses contrapostos para ser pacificados pelo Estado Juiz, assim havia uma exagerada intervenção do Estado juiz nas relações individuais de direito de família, o que afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, Inciso III, da CF) e do afeto familiar. Sobre a dispensa da intervenção judicial nas relações pacíficas discorre Márcio Pires de Mesquita (2008, p. 108):

É exatamente nesse contexto que a presença do Tabelião se afigura como importante e suficiente para o resguardo das relações pacíficas, travadas no seio familiar, sendo, portanto, dispendiosa, intelectual e economicamente a intervenção judicial na composição dos atos jurídicos daí decorrentes.

Atendendo ao reclamo da sociedade, para a não judicialização das separações e divórcios consensuais quando não houvesse litígio, e complementando a eficácia da Emenda Constitucional nº 45, foi promulgado a Lei nº 11.441/2007, na qual facultou ao casal efetuar a separação, divórcio e inventário e partilha de bens extrajudicial, mediante escritura pública, desde que não haja filhos ou se possuírem estes são capazes e todos os interessados estejam concordes e assistidos por pelo menos um advogado ou defensor público. Observa-se que permanece em pleno vigor a faculdade do casal optar pelo Poder Judiciário para efetuar a separação e o divórcio consensual. Não constituindo obrigação das partes escolherem a via extrajudicial. Discorre Márcio Pires de Mesquita (2008, p. 110): “A Lei nº 11.441/2007 teve o condão de ampliar o rol de agentes públicos aptos a intervirem em tais relações, facultando a participação validante do notário, segundo o alvedrio das partes interessadas e desde que presentes alguns requisitos preestabelecidos, notadamente a capacidade das partes e o acordo de vontades”.

Dispõe o Código de Processo Civil sobre a separação e divórcio consensual por escritura pública, com a redação dada pela Lei nº 11.441/2007:

Art. 1.124-A.  A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1o  A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º  O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3o  A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.

Que citada lei teve origem no Projeto de Lei do Senado nº 155, de autoria do Senador César Borges, que justificou o seu projeto, com o escopo de permitir a desburocratização do procedimento de inventário, para agilizar e reduzir custos, que o citado projeto foi modificado na Câmara dos Deputados, no sentido de ampliar o seu conteúdo, para se fazer a separações e divórcios consensuais por escritura pública.

Trazendo meios alternativos e seguros, para coordenação formal de atos para a administração pública de interesses privados, como forma composição definitiva de um negócio jurídico, de forma a pacificar ou prevenir conflitos sociais, nos atos jurídicos de natureza privada. Discorre Ezequiel Morais (2007, p. 22):

Convém frisar que não existe óbice para criação de mecanismos administrativos, como ocorreu, verbi gratia, com a Lei 9.307/96 (arbitragem) e a Lei 11.441/2007 – separação e divórcio consensuais na esfera extrajudicial. Ambas as leis visam, dentre outros fins, subtrair do Poder Judiciário considerável parte das ações de jurisdição contenciosa ou voluntária que ali possam tramitar para conferir-lhes mais celeridade e menos onerosidade.

Então, o objetivo desta citada norma é cumprir eficazmente os princípios fundamentais da Constituição Federal, tais como: a) a celeridade e a razoável duração dos atos processuais e administrativos; b) da segurança jurídica; c) da publicidade; e d) da economia processual. Sobre a segurança jurídica da via extrajudicial Vicente de Abreu Amadei (2008, p. 175):

Logo, a via extrajudicial que se abre com a lei nova não é via qualquer, mas solene, por escritura pública – dotada de fé pública, faz prova plena (Art. 215, caput, CC) -, e ainda, atrelada a fiscalização judicial (art. 236, parágrafo 1º, da CR). Assim, de um lado, envolve o ato de “seriedade”, e de outro, o marca com “estabilidade.

Que a norma em questão facultou as partes capazes e concordes, a lavrarem por escritura pública de inventário e partilha, separação consensual e o divórcio consensual, por intermédio de um tabelião de notas, que é um profissional do direito, que tem como função prevenir eventuais litígios de forma eficiente e legal, garantindo: a segurança, publicidade,  autenticidade e eficácia nos atos e negócios jurídicos por ele intercedido.

Este profissional de direito imparcial, tem uma atuação e vocação histórica, como agente da justiça preventiva, voltado a assegurar a paz social.

Pois o notário é um agente público delegado, que atua como pacificador e mediador de conflitos sociais, na intervenção de atos de tutela administrativa pública de interesses privados, além disso, ele está sujeito à fiscalização e as determinações contidas pelo Poder Judiciário (Corregedoria). Para Fernanda Tartuce (2008, p. 284): “Com a facilitação do diálogo pelo mediador, os sentimentos das partes podem ser enfrentados e compreendidos”. Com esta intervenção do notário por meio de conversas e orientações a família, é aberto um meio para as partes refletirem sobre suas responsabilidades e obrigações.

Assim, o objetivo da Lei nº 11.441/2007, é melhorar o acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados; aprimorar a prestação da justiça, mediante a efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo administrativo e a prevenção de conflitos; aperfeiçoar e fortalecer as instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema alternativo de resolução de disputas e conflitos no direito de família, de forma a dar proteção à dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

AMADEI, Vicente de Abreu. Os atos notariais da Lei 11.441/2007 e a livre escolha do tabelião. In: Ruy Rebello Pinho (Coord.). Separação, divórcio e inventário em cartório. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MESQUITA, Márcio Pires de. Força da escritura pública para transferência. In: PINHO, Ruy Rebello (Coord.).Separação, divórcio e inventário em cartório: aspectos jurídicos e práticos da lei 11.441/07. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

MORAIS, Ezequiel. O procedimento extrajudicial previsto na lei 11.441/2007, para as hipóteses de que trata, é obrigatório ou facultativo? Poderão ou deverão? In: COLTRO, Antonio Carlos Coltro; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. São Paulo: Método, 2007.

TARTUCE, Fernanda; TARTUCE, Flávio. Lei nº 11.441/2007: diálogos entre direito civil e direito processual civil quanto à separação e divórcio extrajudiciais. Teresina: Jus Navigandi, ano 11, n. 1478, 19 jul. 2007. Disponível em: http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10168. Acesso em: 30 mar. 2015.


[1] De acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 73): “Deve-se considerar ainda a vantagem de uma solução consensual em comparação a decisão impositiva de um terceiro. A sentença dificilmente consegue pacificar as partes nos conflitos familiares. Afinal, nas causas em que estão envolvidos vínculos afetivos, há temores, queixas, mágoas e sentimentos confusos de amor e ódio. A resposta judicial não é apta a responder aos anseios daqueles que buscam mais resgatar danos emocionais do que propriamente obter compensações econômicas”.

* FÁBIO ZONTA PEREIRA é Tabelião do 7º Tabelionato de Notas de Campo Grande/MS. Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Mato Grosso do Sul.  Mestre em Direito e Pós-Graduado lato sensu em Direito Civil e Direito Processual Civil.

Fonte: Notariado  | 31/03/2015.

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