1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Indisponibilidade (INSS) – Não se aplica à sucessão “causa mortis”, sendo possível o registro do Formal de Partilha – O bem continuará indisponível, porém, registrado em nome dos sucessores da herança, sem que a transmissão da propriedade, ocorrida em virtude da sucessão viole a ordem de indisponibilidade – Dúvida improcedente.

Processo nº 583.00.2007.158823-8
Vistos, etc.
Cuida-se de dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, por requerimento de Marie Saadia Diwan, que pretende o registro do Formal de Partilha dos bens deixados por Alberto Jacó Diwan, expedido pela 9º Vara da Família e das Sucessões do Foro Central de São Paulo, no registro do imóvel da matrícula nº 19.229/2º RI, da qual recai registro de penhora em favor do INSS.
O Ministério Público manifestou-se no sentido de procedência da dúvida.
Não houve impugnação.
É o relatório.
Não se vê, na hipótese veiculada nos autos, ofensa a indisponibilidade imposta pelo Juízo da Execução Fiscal em favor do INSS.
Senão vejamos.
Aduz o Ministério Público que o título não pode ser recepcionado pelo Registrador de Imóveis já que a penhora efetuada pelo INSS no registro do imóvel em questão o torna indisponível, por força de lei, impossibilitando, com isso, o acesso de qualquer título ao fólio real.
Não parece que esse tenha sido o espírito do legislador quando promulgou esta lei, que tem um condão protecionista do patrimônio da União.
Necessário se faz o estudo da sucessão no Direito brasileiro e o momento da transferência do patrimônio.
A sucessão se dá pela morte do autor da herança, transmitindo aos herdeiros a totalidade do patrimônio do de cujos. O herdeiro ou sucessor é aquele que recebe os bens, e é aquele a quem a lei assegura uma quota certa do acervo hereditário, são no Direito brasileiro os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e os colaterais na forma do artigo 1.829 do Código Civil.
A herança, por sua vez, é o conjunto patrimonial transmitido causa mortis, é a universalidade de coisas de propriedade do autor da herança, sendo que é indivisível até a determinação do quinhão de cada herdeiro, a partir do inventário e a partilha.
Segundo Silvio Rodrigues “A sucessão causa mortis se abre com a morte do autor da herança. No momento exato do falecimento, a herança se transmite aos herdeiros legítimos e testamentários do de cujus, quer estes tenham ou não ciência daquela circunstância. Isso porque, a personalidade civil, ou seja, a capacidade da pessoa humana para ser titular de direitos e obrigações na órbita do direito, extingue-se com a sua morte.”
O conceito francês que concerne ao droit de saisine torna claro este ponto de vista, já que, traz precisamente este imediatismo da transmissão dos bens, cuja a propriedade da posse passam diretamente da pessoa do morto ao seus herdeiros: O Código Civil contempla essa regra no artigo 1.784 “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Vale ressaltar, ainda a brilhante conclusão de Caio Mario da Silva Pereira, “A abertura da sucessão dá-se com a morte, e no mesmo instante os herdeiros a adquirem. Em nenhum momento, o patrimônio permanece acéfalo. Até o instante fatal, sujeito das relações jurídicas era o de cuius. Ocorrida a morte, no mesmo instante são os herdeiros. Se houver testamento, os testamentários; em caso contrário, os legítimos. Verifica-se, portanto, imediata mutação subjetiva. Os direitos não se alteram substancialmente. Há substituição do sujeito. Sub-rogação pessoal pleno iure. É o sistema, aliás, predominante nos países de espírito latino”.
Ora, o Oficial Registrador é o guardião dos assentamentos registrais e deve, portanto, fazer o título refletir a realidade. Aliás, não seria pertinente que o de cujus continuasse a ser titular do domínio tabular. Este fato, inclusive acarretaria dificuldades à própria execução que por ventura viesse a ser intentada pelo INSS.
Insustentável, portanto, a tese que não há a possibilidade de registro do Formal de Partilha neste caso, pois de mero caráter declarativo o registro do domínio em nome dos sucessores, porque a real transferência é antecedente e se consolidou com a morte do autor da herança.
Mesmo que a lei determine a indisponibilidade do imóvel penhorado nos casos previstos, é imperioso reconhecer que ela não se aplica na sucessão causa mortis.
Assim, desnecessário o cancelamento da penhora registrada sob o nº 2 na referida matrícula, por inaplicável a hipótese prevista em lei, no caso concreto, de indisponibilidade do imóvel. Necessário salientar que a penhora continuará em vigor, produzindo todos os seus efeitos, até sua execução ou contra-ordem do Juízo competente.
Vale dizer que o bem permanecerá indisponível, mas registrado em nome de seu dono, ou seja, em nome dos sucessores do autor da herança, sem que, desse modo, qualquer prejuízo acerca para a indisponibilidade inscrita.
Avulta deixar claro que, com a transmissão da propriedade “ex vi legis”, como ocorreu por motivo da abertura da sucessão, não se dará qualquer ato de disposição da propriedade, que estava defeso pela ordem de indisponibilidade. Dá-se, outrossim, transmissão automática aos herdeiros apenas, como acima examinado.
Por todo o exposto julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, a requerimento de Marie Saadia Diwan, cujo o título objeto da dúvida foi prenotado sob o nº 277.010.
Oportunamente cumpra o artigo 203, II, da Lei 6.015/73.
São Paulo, 4 de setembro de 2007.
MARCELO MARTINS BERTHE
JUIZ DE DIREITO
(D.O.E. de 17.09.2007)

Fonte: Blog do 26 | 12/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


STF: Cassada decisão que afastou aplicação de artigo do Código Civil sobre sucessão

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou procedente a Reclamação (RCL) 18896 e cassou decisão da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que afastou a aplicação de artigo do Código Civil (CC) que trata de sucessão causa mortis em união estável.

A decisão da corte paulista reconheceu a uma mulher, na qualidade de companheira, a condição de única herdeira do de cujus (falecido) e aplicou ao caso o artigo 1.829 do CC, como se esposa fosse. O acórdão afastou a previsão do artigo 1.790 do Código, acerca da sucessão em caso de união estável, que comporta uma concorrência maior de herdeiros.

O autor da RCL 18896 é irmão do falecido que pleiteia o reconhecimento de sua condição de herdeiro. Segundo ele, a decisão da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP afrontou a Súmula Vinculante 10, a qual dispõe que “viola a cláusula de reserva de plenário (artigo 97 da Constituição Federal) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

O dispositivo constitucional prevê que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Decisão

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a decisão da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou vigência ao artigo 1.790 do Código Civil, sem a observância de cláusula de reserva de plenário, em clara afronta à Súmula Vinculante 10. Em seu entendimento, “não é o caso de aferir se está certa ou errada a decisão, mas apenas de constatar a inobservância do rito exigido pela cláusula de reserva de plenário”.

Dessa forma, o relator determinou que outra decisão seja proferida pelo órgão reclamado.

Fonte: STF | 07/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


O direito real de habitação na perspectiva das sucessões – Por Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kumpel

Em recentíssima decisão, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito real de habitação à pretensa companheira supérstite que ajuizou ação de manutenção de posse antes mesmo do reconhecimento expresso de união estável. Embora a questão tenha provocado inúmeras discussões sobre a necessidade ou não de prévio reconhecimento de união estável, a problemática, na realidade não é esta. O direito real de habitação vidual foi acrescido ao Código Civil de 1916 a partir do Estatuto da Mulher Casada de 1962 e tinha por objetivo a proteção à mulher viúva. É bom lembrar, que o referido estatuto espelhava uma realidade da primeira metade do século XX, na qual a mulher tinha sua capacidade civil reduzida, não estava inserida no mercado de trabalho de forma plena e entre as várias medidas tomadas pelo estatuto estava a bipartição dominial, que transferia a nua propriedade para os então herdeiros necessários, descendentes e ascendentes, e a fruição plena ou restrita para a mulher supérstite, enquanto mantivesse em estado de viuvez.

Hoje a realidade social é completamente diversa não só no que diz respeito à mulher que passou a ter total isonomia com o homem social e juridicamente (art. 226, parágrafo 5º da CF) bem como pelo fato em que as famílias passaram a ser em boa parte mosaico, de sorte que, não mais se justifica o anacrônico instituto do direito real de habitação legal.

Para Beviláqua a habitação consiste em "um direito real temporário, limitado à ocupação da casa alheia, para a moradia do titular e de sua família"1. Limongi França considera a habitação como "um desmembramento da propriedade, cujo objeto é uma casa ou imóvel congênere, e que consiste na faculdade que tem o sujeito de utilizar a coisa para moradia sua e de sua família". Assim, temos a habitação como um Direito Real de fruição, guardando a mesma origem e estrutura do direito real de uso e do usufruto (usufructus domus), os três direitos implicam em fruição, sendo que o direito real de habitação é um usufruto restrito à moradia pessoal familiar. Justiniano já tratava do uso e da habitação em um único Título das Institutas (De usu et habitatione)2. Hoje, o artigo 1.414 do Código Civil de 2002 (antigo art. 746 do CC/16) considera a habitação espécie de uso "quando o uso consistir no direito de habitar". Desse modo, como já dito, o usufruto é o instituto mais amplo e sua principal característica consiste na possibilidade de se retirar da coisa todas as utilidades e vantagens dela resultantes; no uso, serve-se da coisa alheia sem, contudo, retirar-lhe as vantagens. Já habitação é um direito real de fruição destinado especificamente para assegurar moradia ao seu titular, logo, embora também tenha advindo do usufruto, é ainda mais restrito que o uso. Na prática, o usufruto garante ao titular fruição plena, podendo morar, locar ou arrendar, sem qualquer finalidade especifica. No direito de uso o titular também pode morar, locar ou arrendar, porém, tem que ser em benefício pessoal ou familiar (art. 1.412, caput). Já no direito real de habitação, o habitante está proibido de locar, arrendar ou emprestar, podendo simplesmente, ocupar a coisa com sua família. Enquanto o usufruto e o uso são divisíveis, o direito de habitação é indivisível, pois eventual coabitante, se não residir no local não poderá exigir-lhe aluguel, diverso do que ocorre no usufruto e no uso.

Ademais, cabe esclarecer que o direito real de habitação é incompatível com outros jus in re aliena, ou seja, não se pode constituí-lo em favor de determinada pessoa e, ao mesmo tempo, atribuir a outra o usufruto do mesmo imóvel3. O fato mais gravoso que desde já é bom deixar consignado é que o usufruto ou habitação sucessórios para o código de 1916 eram temporários, vez que viduais, ou seja, trocando em miúdos, na medida em que a viúva passasse a ter outra união duradoura, casamento ou união estável, estava automaticamente extinto o direito real, voltando a propriedade a se concentrar integralmente no herdeiro até então nu proprietário.

O direito real de habitação foi introduzido na pauta do Direito Sucessório, pelo Estatuto da Mulher Casada em 1962 (lei 4.121/1962). Como já dito, o referido estatuto capacitou plenamente a mulher, reservou-lhe bens (art. 246 de CC/16). Este inseriu no artigo 1.611 do Código Civil de seus parágrafos, dentre eles o parágrafo 2º, que conferiu ao cônjuge sobrevivente, enquanto viúvo casado sob o regime da comunhão universal de bens, o Direito Real de Habitação sobre o imóvel destinado à residência da família. É bem verdade que o referido Estatuto ao outorgar a plena capacidade à mulher, constituiu um marco na ruptura da hegemonia masculina. Todavia, como mencionado, hoje o Estatuto reflete a realidade da mulher da primeira metade do século XX que, com raras exceções, ainda não estava inserida nem no sistema educacional e nem no mercado de trabalho e, por isso, era dependente da figura masculina para sobrevivência, daí a necessidade do Direito Real de Habitação no contexto sucessório – tendo em vista a expectativa de vida maior da mulher, o objetivo do legislador foi não deixá-la desamparada quando do falecimento do marido. Logo, além de restringir-se ao casamento em comunhão universal, tal direito era vidual, ou seja, decorria e se mantinha na viuvez. Tentou-se à época manter um equilíbrio, quando a mulher era casada em comunhão universal, por já ter meação de todos os bens lhe era conferido o mero direito real de habitação, apenas na hipótese de haver um único imóvel domiciliar a inventariar. Caso a mulher fosse casada em regime diverso, por não ter uma meação considerável, passava a ser titular de usufruto, em 25% ou 50% do patrimônio sucessório enquanto se mantivesse viúva.

O tempo passou, a união estável floresceu e se destacou do concubinato e surgiu a lei 9.278/1996, e com ela, o Direito Real de Habitação foi estendido ao companheiro (art. 7º, parágrafo único), em atendimento ao artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988, que teria incumbido o legislador da criação de uma moldura isonômica entre a união estável e o casamento, bem como conduzido à interpretação no sentido da derrogação parcial do parágrafo 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, tendo em vista, mais uma vez, a equiparação da situação do cônjuge e do companheiro no que toca ao direito real de habitação, em antecipação ao Código Civil de 2002.

O tempo passou mais um pouquinho e após mais de trinta anos de tramitação entrou em vigor o "novo" Código Civil de 2002. Aliás, ele nunca deveria ter sido chamado de novo, na medida em que nasceu velho, notadamente na parte de família e sucessões. Ignorou completamente a isonomia acima mencionada e estendeu o tal benefício, diga-se direito real de habitação vitalício, a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens adotado no casamento (art. 1.831). Todavia, o que não percebeu o legislador, e jamais perceberia aliás, foi que ao conferir o direito em questão apenas aos cônjuges, incorreu em uma antinomia de segundo grau, em função da discussão da vigência ou não do artigo 7º, parágrafo único, da lei 9.278/96 que consagrara o direito de habitação vidual ao companheiro ou companheira. Tudo virou uma salada, já que o Código Civil incluiu um direito de habitação vitalício, enquanto a lei da união estável mantinha um direito vidual, independentemente de regime, bastando para tal ser o único imóvel domiciliar a inventariar. O mais grave de tudo é que além de vitalício, o habitante, cônjuge supérstite concorria com descendentes e ascendentes em propriedade.

Desse modo, com o "novo" Código, o que ocorreu na prática, é que o Direito Real de Habitação foi consagrado ex lege e, por isso, temos hoje um direito de natureza não contratual, gratuito, conferido ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, que nasce automaticamente com a abertura da sucessão. Lembrando que seu objeto é sempre o imóvel residencial em que o supérstite anteriormente residia junto ao hereditando. Assim, independentemente de ser titular de outros imóveis que não integrem o monte partilhável, o habitador torna-se possuidor direto do imóvel, com poderes erga omnes, ou seja, oponíveis contra todos inclusive contra os sucessores titulares da nua propriedade do imóvel, os quais só poderão residir quando devidamente autorizados pelo habitador ou por ocasião de extinção do direito real, que, por si só, como já dito, é vitalício.

Logo, o que tem acontecido com certa frequência, é que o sujeito casa em mais de uma núpcia, geralmente tem filhos da primeira boda e, por ocasião de sua morte, deixa um problema quase insolúvel. Uma nova esposa, filhos da relação anterior e um único imóvel domiciliar a inventariar. Essa nova esposa ou companheira automaticamente se torna habitante e os filhos proprietários do nada, na medida em que são realmente nu proprietários4. O direito real de habitação é vitalício, erga omnes, o que conduz a uma situação completamente injusta e anacrônica, na medida em que a última núpcia, mesmo que de duração ínfima, é a que determina o destino do imóvel que o sujeito teria levado uma vida toda para construir em benefício dos filhos.

De fato, na atualidade é muito comum que o sujeito se case em várias núpcias, por isso que dizemos injusto conferir o Direito Real de Habitação apenas ao último cônjuge ou companheiro em caráter vitalício. Não estamos dizendo que o direito deva desamparar o viúvo, preza-se, na verdade, pela análise casuística, vez que em muitas situações o que pode ocorrer é que o supérstite possua idade inferior à dos filhos do hereditando, de modo que, neste caso, os filhos poderiam nunca usufruir da única propriedade familiar oriunda do árduo esforço do pai falecido – considerando, é claro, que o supérstite vitalício, por ser mais jovem, tenha a expectativa de vida maior.

Desse modo, preza-se pela avaliação casuística, tendo em vista a nova realidade sobre a qual se aplicam as normas. Ocorreu, porém, que em detrimento de uma análise mais pautada a jurisprudência estendeu o Direito Real de Habitação à companheira, o que não faz sentido se considerarmos a própria funcionalidade histórica do instituto a partir do Estatuto da Mulher Casada, que protegia a mulher desligada do mercado de trabalho – um direito vidual, portanto que se extinguia quando a mulher viesse a casar em novas núpcias. É por isso que, em meio à multiplicidade indescritível de situações familiares da atualidade, o instituto gera inúmeras injustiças, sinal de seu anacronismo. Como dito, o caráter erga omnes do instituto, ou seja, a sua oponibilidade generalizada, confere-lhe força tamanha que se incorretamente aplicado ou desfocado acaba por gerar problemas muito mais amplos, inclusive conforme jurisprudência geradoura da reflexão.

De fato, na perspectiva do legislador racional, dentro de uma unidade codificadora de vontade, o legislador não está isento da tomada de posições ideológicas, tendo em vista o modo pelo qual se atribui relevância aos principais valores do sistema normativo. Por isso, temos a atividade do hermeneuta que direciona a melhor interpretação, por meio da valoração e da hierarquização de valores, ponderando, dessa forma, o velho dilema entre um ordenamento estático, seguro, certo e previsível ou um ordenamento dinâmico, com normas adaptadas à operacionalidade das prescrições, dentro da força argumentativa e ponderada dos princípios, no contexto pós positivista em adequação às necessidades do direito em uma sociedade plural com complexidade crescente. É este o dilema do instituto abordado, o qual oriundo a partir de carências ideológicas de realidade diversa, acabou anacrônico frente à nova realidade.

____________________________

1. Clóvis Beviláqua, Código Comentado, v. 3, p. 248

2. Rubens Limongi França, Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 26, 1977, p.185

3. Washington de Barros Monteiro, Direito das Coisas, 4. Ed., 1961, p. 306

4. TJ/RJ – Apelação Cível 000 6966-77.2010.8.19.2010. rel. des. José Roberto P. Compasso – 12/11/2013

____________________________

* O autor é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 24/06/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.