Artigo: Constrições judiciais: arresto, penhora e sequestro: atos sujeitos a registro ou averbação? – Por Marcelo Rodrigues

* Marcelo Rodrigues

Sistema de publicidade registral adotado no Brasil recepciona direitos, em oposição, por exemplo, ao sistema adotado nos EUA.

O sistema de publicidade registral adotado no Brasil recepciona direitos, em oposição, por exemplo, ao sistema adotado nos Estados Unidos da América, restrito simplesmente ao arquivo de documentos. Uma das vantagens de nosso sistema, com origem na longa tradição romano-germânica, e do qual o notariado latino é derivativo, é proporcionar a presunção legal de autenticidade e veracidade ao direito inscrito.

Este especial grau de eficácia contribui decisivamente para a segurança jurídica preventiva.

De um modo geral, os direitos registráveis podem ser definidos em fórmula genérica ou casuística: no primeiro caso são acolhidos os direitos reais e seus similares, que podem ser instituídos pela vontade negocial ou pela decisão judicial, no que se incluem ainda as onerações e suas modificações de conteúdo. Já no segundo caso, opta-se pela enumeração de cada qual, abarcando seus títulos ou atos que neles deságuam, ditando as espécies do gênero, uma após outra. A lei 6.015/73 mescla ambas as fórmulas, porém de modo desencontrado, denotando certo desinteresse pelo rigor científico (a fórmula específica do art. 167 antecede a genérica do art. 172). Pior, a enumeração de seu art. 167 estabelece a completa desordem entre direitos reais, ônus aos mesmos equiparados e atos que não introduzem qualquer mutação jurídico-real (ex: memoriais de incorporação, instituições e convenções de condomínios, e de loteamentos urbanos e rurais, cédulas de crédito rural e as de crédito industrial, etc.).

O sistema de publicidade registral imobiliária adotado no Brasil é misto e concebido para produzir efeito duplo, em regra. É por meio da publicidade que os registradores conferem forma e eficácia modificadora à causa jurídica já existente; seja ela: constitutiva – marcando os direitos com o atributo real -, ou requisito de mais ampla eficácia, se é declarativa ou de mera notícia – para levar tais direitos ao conhecimento de terceiros. Ambos os efeitos – constitutivo do direito real, e meio de publicidade e disponibilidade -, são da tradição do direito brasileiro. Mas somente este segundo atributo alcança a generalidade dos casos. Neste aspecto, não é exagero afirmar que o sistema de publicidade registral imobiliária existe no interesse e proveito de terceiros. Terceiros de boa-fé, frise-se, que confiando nas informações do registro adquirem o direito inscrito, em estímulo, portanto, à segurança jurídica dinâmica.

Seguindo a lógica, de modo a serem respeitados pelos terceiros, detém a primazia do registro os mais importantes dos direitos reais, base dos demais, os direitos de propriedade, seguindo-se aqueles outros ainda de índole real que alteram a situação do imóvel, limitam, reduzem ou restringem o direito de propriedade, como a hipoteca, o usufruto, a servidão, a alienação fiduciária, etc.

Há casos em que os direitos reais não são adquiridos pelo registro, mas com estes devem ser alinhados pela inscrição de seus atos declaratórios como ocorre pelo direito de propriedade constituído pela herança por dois ou mais herdeiros e transmitido após a cada um deles pela partilha: a usucapião, a desapropriação, a adjudicação, etc. Adiante, vêm os direitos pessoais que diminuem o valor dos imóveis e que devem ser registrados para conhecimento de terceiros, de modo a não lhes acarretar injusto prejuízo. É o caso, por exemplo, da locação com cláusula de vigência contra o adquirente do imóvel. De qualquer forma, em esforço de sistematização, o rol do inciso I do art. 167 da lei dos registros públicos, pode ser decomposto em cinco grupos.

O primeiro refere-se à aquisição da propriedade imobiliária de modo geral, incorporando os seguintes títulos, consoante enumeração da lei 6.015/73 (art. 167, I): 
26) da arrematação e da adjudicação em hasta pública; 
27) do dote; 
28) das sentenças declaratórias de usucapião (redação dada pela Medida Provisória 2.220, de 2001); 
29) da compra e venda pura e da condicional; 
30) da permuta; 
31) da dação em pagamento; 
32) da transferência, de imóvel a sociedade, quando integrar quota social; 
33) da doação entre vivos; 
34) da desapropriação amigável e das sentenças que, em processo de desapropriação, fixarem o valor da indenização; 
42) da conversão da legitimação de posse em propriedade, prevista no art. 60 da lei 11.977/09; (incluído pela lei 12.424/11).

Em grupo subsequente são englobados casos de constituição de ônus reais ou equiparados, irradiante também duplamente tanto a constituição do direito real como a publicidade de sua existência:

1) da instituição de bem de família; 
2) das hipotecas legais, judiciais e convencionais; 
3) dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada; 
4) do penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; 
6) das servidões em geral; 
7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família; 
8) das rendas constituídas sobre imóveis ou a eles vinculadas por disposição de última vontade; 
9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações; 
10) da enfiteuse; 
11) da anticrese; 
15) dos contratos de penhor rural; 
18) dos contratos de compromisso de compra e venda , cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas condominiais a que alude a lei 4.591/64, quando a incorporação ou a instituição de condomínio se formalizar na vigência desta Lei; 
35) da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel (incluído pela lei 9.514/97)
36). da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas, e respectiva cessão e promessa de cessão (redação dada pela lei 12.424/11); 
37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia (redação dada pela Medida Provisória 2.220/01); 
39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano (incluído pela lei 10.257/01); 
40) do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público (redação dada pela Medida Provisória 2.220/01); 
41) da legitimação de posse (incluído pela lei 11.977/09).

Em terceiro grupo situam-se os casos nos quais importa individuar a propriedade como pressuposto de sua disponibilidade, em que o efeito do registro é unicamente declarativo:

23) dos julgados e atos jurídicos entre vivos que dividirem imóveis ou os demarcarem inclusive nos casos de incorporação que resultarem em constituição de condomínio e atribuírem uma ou mais unidades aos incorporadores; 
24) das sentenças que nos inventários, arrolamentos e partilhas, adjudicarem bens de raiz em pagamento das dívidas da herança; 
25) dos atos de entrega de legados de imóveis, dos formais de partilha e das sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento quando não houver partilha. 
No quarto grupo figuram os casos de premonição de riscos à propriedade, sinalizando a terceiros que a presunção legal de veracidade decorrente do registro está sendo infirmada: 
5) das penhoras, arrestos e sequestros de imóveis; 
21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis.

Como se observa, a nenhum dos grupos acima se encaixam as convenções antenupciais (n. 12), as cédulas de crédito rural, industrial e similares (n. 13 a 14), os empréstimos por obrigações ao portador ou debêntures (n. 16), os memoriais de incorporações, instituições e convenções de condomínio e de loteamentos urbanos e rurais (n. 17 e 19), no que, em comum, se agrupam no 5. e último grupo residual desta classificação. Tal resulta da circunstância de não constituírem ‘direitos registráveis’ propriamente ditos, tomada a expressão em sua origem, concebida com critérios mais rígidos, dentro da qual caberiam, em princípio, apenas os direitos reais e seus assemelhados, além de suas onerações e modificações de conteúdo.

Todavia, a evolução experimentada pelo Direito Formal, ditada pela necessidade de imprimir maior eficiência e segurança jurídica ao sistema de publicidade registral imobiliária, alargou o conceito remoto de 'direitos aptos a registro', consoante atesta, por exemplo, o denominado princípio da concentração na matrícula, objeto agora de texto legal em sentido estrito: Medida Provisória 656, de 7/10/14 (artigos 10 a 17). A intenção é simplificar e racionalizar as exigências cartorárias, estimulando o mercado imobiliário como um todo. Por tabela, reduz a opacidade do registro combatendo os gravames ocultos – voluntários, legais, administrativos e judiciais -, e desestimula a praxe viciosa dos denominados ‘contratos de gaveta’, germes de demandas futuras, incremento da litigiosidade, disseminação da insegurança jurídica e do aumento do risco, todos estes ingredientes acarretando o incremento do custo das transações imobiliárias, com efeitos perniciosos aos objetivos maiores do desenvolvimento econômico, erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3., II e III, CR).

Neste contexto, a par de não sinalizarem qualquer mutação jurídico-real, as constrições judiciais do arresto, penhora e sequestro, foram incluídas desavisadamente pelo legislador de 1973 no rol dos títulos ensejadores a registro em sentido estrito, não-conformidade replicada na legislação especial da execução fiscal (lei 6.830/80, art. 7., IV). Contudo, mostra-se mais coerente com o sistema que tais atos processuais, bem como aqueles outros de natureza premonitória, quando concretizados sobre bens imóveis, sejam publicizados perante terceiros por simples averbações no Registro de Imóveis. Neste sentido, a denominada reforma da reforma simplificou o procedimento, ao acrescentar os parágrafos 4. e 5. ao art. 659 do CPC, moldando novo perfil para a mais frequente das constrições judiciais perante os registros imobiliários brasileiros: a penhora.

O art. 239 da lei 6.015/73 exige o registro das penhoras em cumprimento de mandado ou à vista da certidão do escrivão. Com as leis 10.444/02 e 11.382/06, o procedimento simplificou-se, dado que o § 4º passou a prever que a respectiva "averbação" da penhora far-se-á "mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial", "para presunção absoluta de conhecimento por terceiros." O ato a que se refere a lei é o auto ou termo de penhora, lavrados nos autos de execução. A passo que o § 5. refere que "nos casos do § 4o, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário." Portanto, basta a apresentação da certidão expedida pelo cartório judicial. O registro da penhora independe de mandado judicial. E, para municiar a certidão do escrivão judicial, indispensável a certidão atualizada da matrícula do imóvel, com a vantagem adicional de velar pela continuidade do registro, impedindo a concretização da penhora em imóvel que não pertença ao executado.

As averbações, não apenas dos arrestos, penhoras e sequestros, como de resto de toda sorte de direitos e onerações da classe de atos que importem em premonição de riscos, a exemplo da contradita, contribui para a efetividade do princípio da concentração na matrícula, dado que não sujeita os títulos respectivos ao grau de exigências preliminares inerentes ao registro em sentido estrito, próprias de um processo de registro mais complexo e rigoroso e que, frequentemente, podem representar desestímulo ou até mesmo impedimento intransponível ao propósito de fomentar a necessária presunção absoluta de conhecimento por terceiros, em prejuízo à própria funcionalidade que se espera do sistema. Posto isto, andou bem a normativa que instituiu o art. 615-A do CPC (lei 11.382/06), disciplinando a denominada ‘averbação premonitória’, espécie do gênero atos premonitórios de natureza cautelar.

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*Marcelo Rodrigues é desembargador do TJ/MG. Especialista em Direitos Notarial e Registral. Autor das obras Tratado de registros públicos e direito notarial (Atlas, 2014) e Código de normas dos serviços notariais e de registros do estado de minas gerais – provimento cgjmg 260/2013 – comentado (Anoreg-Serjus, 2014). Presidente da Comissão do Concurso para Outorga das Delegações dos Tabelionatos e Registros Públicos do Estado de Minas Gerais (Edital 1/2014).

Facebook do autor: https://www.facebook.com/escritormarcelorodrigues.

Fonte: Migalhas | 09/11/2014.

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Averbação premonitória – Por Vitor Frederico Kümpel

Em outras oportunidades destacamos a importância da atividade extrajudicial no Estado Democrático de Direito, inclusive no que toca à dejudicialização sendo neste contexto a averbação premonitória um instrumento seguro que gera cientificação geral de oneração até porque está sob o princípio da publicidade registral e imobiliária e que confere ao operador do direito, tanto exequente, quanto terceiro consulente, absoluta segurança na constrição e cientificação dos terceiros de boa fé de que o bem em questão está sob penhora processual, independentemente de despacho ou decisão judicial. Até o final de 2006 muita confusão havia sobre o exato momento da fraude à execução. Tanto que parte da doutrina entendia que a mesma ocorria a partir do mero ajuizamento da ação executória e outros com base na jurisprudência entendiam que era necessária citação para caracterizar a referida fraude1. Com o advento da averbação premonitória, a súmula 375 do STJ de março de 2009 passou a entender que só a averbação da penhora configura fraude à execução, súmula que deixa claro a força do sistema registral e da sua segurança.

A averbação nada mais é do que o ato pelo qual se anota à margem de um assento ou documento – averbar significa lançar à margem de – fatos que alteraram o seu conteúdo. Quando realizada em assento ou documento anteriormente registrado, muito mais do que publicidade, a averbação visa garantir veracidade ao assento retificado. O objetivo é manter o assento atualizado e conforme os ditames do princípio da veracidade. Já a terminologia premonitória, por sua vez, indica, em linguagem jurídica, algo que é prévio ou anterior, antecedente da ação principal2. Premonitório advém de premonição, que nada mais é do que uma antecipação daquilo que pode acontecer, tendo ainda o sentido de pressentimento. Outro sentido mais próprio ainda é o de advertência, já que em latim temos praemonitio onis.

A averbação premonitória foi introduzida no Código de Processo Civil Brasileiro pelo art. 615-A, criação da lei 11.382 de 06.12.2006, com a chamada reforma da Execução Extrajudicial. O art. 615-A instituiu mais uma hipótese de averbação, junto às previstas pelo inciso II do art. 167 da LRP, que regula a prática deste ato junto ao Registro Imobiliário. O instituto também serve aos órgãos de registro de veículos, como os Detrans e de outros bens sujeitos à penhora ou ao arresto, como as CVMs para as ações das sociedades anônimas de capital aberto e debentures, os quais foram igualmente obrigados a realizar averbações por meio de certidão comprobatória do ajuizamento de execução, conforme requerimento do exequente (inciso II do art.13 da lei .015/73)3.

Como já esperado de uma averbação, o objetivo claro da introdução do instituto foi a publicidade e veracidade pela via dos registros públicos, especificamente dos atos de ajuizamento de execuções por quantia certa contra devedor solvente – é bom deixar claro a inexistência de diferença entre a execução por quantia certa e a execução para a entrega da coisa certa4. Logo, a intenção do legislador, como se pode perceber, foi ampliar a proteção institucional do processo ou fase executiva contra a fraude à execução (parágrafo 3º, art. 615-A).

Uma das discussões mais acirradas que se tinha na época (2006) era se a averbação era ato de registro ou de averbação. Pela lei 6.015, é fácil verificar que a penhora é ato de registro conforme o comando que (art. 167, I, 5) já que penhoras, arrestos e sequestros pela lei implicam em registro. Já o Código de Processo Civil passou a determinar a penhora como ato de averbação, conforme determina o próprio artigo 615, A. A questão pacificou-se pela averbação de penhoras, arrestos e sequestros, por força de ser lei posterior e mais benéfica ao destinatário, já que a averbação por regra é menos onerosa do que o registro.

De fato, a novidade é digna de elogios, na medida em que viabiliza uma barreira jurídica à alienação ou à oneração fraudulenta de bens do executado, de modo que confere a terceiros o conhecimento do aforamento de ação de execução contra o titular do bem possivelmente alienado ou onerado5. Isso porque inimaginável a aquisição ou a prática de um ato junto a um determinado imóvel sem uma consulta atualizada à sua matrícula, sendo exatamente a linha divisória entre o terceiro de boa ou de má-fé.

Portanto, é também mais uma ferramenta com o escopo de prestigiar o princípio da boa-fé objetiva, previsto no art. 113 do Código Civil, além de reforçar os princípios da segurança e eficácia dos atos jurídicos levados ao Registro de Imóveis, à luz do art. 1º da lei 6.015/73 e da lei 8.935/94.

Para compreender o instituto é importante saber que a lei não impõe qualquer dever ou ônus ao exequente, este possui apenas a faculdade processual para requerer uma certidão de distribuição da ação. O requerimento e a obtenção da certidão comprobatória são atos praticados após a distribuição da causa, conforme arts. 251 a 254 e 256 do Código Civil. Ademais, as serventias são obrigadas a estarem preparadas material e tecnologicamente para atenderem a demanda dos exequentes6.

É importante deixar claro que a averbação é completamente sujeita à vontade e iniciativa do exequente, a quem caberá a diligência quando se tratar de constrição imobiliária junto ao Oficio de Registro de Imóveis, quando de automóveis junto ao DETRAN ou ainda no que se refere a outros bens no órgão de seu controle. O texto da lei não estabelece qualquer prazo para que o exequente encaminhe a certidão comprobatória à averbação, apenas exige que o juízo seja comunicado sobre a realização da averbação, neste caso, no prazo de dez dias (art. 615-A, parágrafo 1º). Isso porque é do ato averbatório que surtem efeitos junto a terceiro e que deve gera comunicação ao magistrado.

O dispositivo materializou, na verdade, uma ampliação do campo de incidência do fenômeno da fraude à execução (art. 593 do CC/02). Melhor explicando, quando da entrada em vigor da lei 11.382/2006, instituiu-se no CPC mais uma hipótese diferenciada de fraude à execução, que se enquadra no inciso III do art. 593, "demais casos previstos em lei". Para compreender a importância do instituto, é imperioso ter em mente que o mais comum no passado era a prova de que o executado possuía o conhecimento da demanda capaz de lhe reduzir à insolvência (art. 593, II), apenas por meio da citação no processo executivo para a caracterização da fraude, conforme já mencionada. Hoje, contudo, prescinde-se da citação para a caracterização da fraude, pois basta a averbação da certidão comprobatória do ajuizamento da execução para que a alienação seja tida como fraudulenta, por força da publicidade erga omnes gerada. Na prática o que ocorreu foi a antecipação do momento em que o executado fica impedido de realizar alienações inadvertidas, o que significa uma grande conquista na efetividade do processo de execução. Amplia-se, então, ainda mais a importância da comunicação efetuada pelo exequente ao juízo a respeito das averbações efetivadas7.

Logo, o enfoque ao instituto diz respeito à dupla garantia que lhe cabe: (i) elabora a favor do exequente a presunção de que os que adquirirem aquele determinado bem imóvel após a averbação da distribuição da ação executiva à margem da matrícula, foram advertidos dos riscos do negócio sob enfoque (ato de má fé). Portanto, os adquirentes jamais poderão alegar diligência sem certidão da matricula atualizada, sendo presumida a fraude à execução, pois a consulta ao fólio imobiliário é obrigatória em qualquer alienação (Princípio da fé); (ii) garante a ciência do adquirente de que aquele imóvel poderá se tornar objeto de alienação judicial em ação executiva, tornando pública a situação de risco que recai sobre o bem, atingido, dessa forma, tanto a fase "pré" quanto "pós" contratual, nos termos do art. 422 do CC/02.

Nesse sentido, a averbação premonitória impõe a assunção de riscos aos terceiros adquirentes do imóvel, uma vez que resulta na presunção da inexistência de diligência, zelo, e por que não falar em boa fé objetiva, com a inversão do ônus processual da prova em desfavor do terceiro, tendo em vista a presunção de fraude. Trata-se de prova diabólica, o que torna difícil falar que a presunção é meramente relativa conforme a boa doutrina.

Ademais, o parágrafo 4º do art. 615-A busca um ambiente ético para a utilização do instituto, equiparando a "averbação manifestamente indevida" à litigância de má-fé para fins de indenização (embora não incida a aplicação de multa prevista no art. 18 do CPC, para não gerar um bis in idem). A averbação indevida é equiparada à litigância de má-fé ao invés de ato atentatório à justiça, pelo fato que (i) o ato atentatório se limita às condutas antijurídicas do sujeito passivo, quer dizer do executado, ao tempo que a litigância de má-fé envolve tanto o sujeito ativo quanto o passivo; (II) como consequência da litigância de má-fé existe previsão de indenização, inexistente no caso do ato atentatório; (iii) a averbação indevida não precisa ter relação com processo executivo8.

Cabe lembrar a "genealogia" do instituto da Averbação Premonitória. Há 121 anos, já se reconhecia a importância da publicidade a terceiros sobre atos que recaíssem sobre imóveis, tendo em vista o princípio da ambulatoriedade. Prova disto é o decreto 177-A de 1893, que ao regular a "emissão de empréstimos em obrigações ao portador (debêntures) das companhias ou sociedades anônimas", obrigava os diretores das sociedades a requerer imediatamente a inscrição dos bens hipotecados a benefício da comunhão dos futuros portadores de títulos; caso contrário, por perdas e danos perante os prejudicados pela inércia. Em 1973, a lei 6.015 previu que a averbação da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior. Ademais, os artigos 167, I, 21, e 169 combinados preveem a obrigatoriedade do registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, no que toca aos imóveis. Mais recentemente, antes da publicação da lei 11.382/2006, o STJ confirmou a possibilidade de se averbar o protesto contra alienação de bens no registro imobiliário, em vista do poder de cautela do juiz (art. 798 do CPC). Destarte, há muito o Registro de Imóveis possui a responsabilidade de garantir aos interessados prévia avaliação e cientificação sobre os riscos de determinada transação imobiliária.

Por fim, importa deixar claro que a operacionalização do instituto é extremamente simples, basta a diligência ao Registro de Imóveis, com o requerimento do interessado e a instrução documental, com firma reconhecida, além do documento comprobatório da execução, geralmente, materializado pela certidão do distribuidor.

Destaca-se a possibilidade da averbação premonitória, com o objetivo de conferir publicidade ao ato de constrição, conforme decisão da 1 VRPSP, julgado em 25/2/2010, processo 100.09336887-8/SP.

Em ambos os projetos do novo Código de Processo Civil se mantém o reconhecimento da presunção de fraude à execução, no caso da alienação ou oneração de bens quando existente a averbação seja, de ação, hipoteca judiciária ou de ato de constrição judicial originário do processo. Destarte, a fraude continua passível de reconhecimento antes da citação ou, quando no caso, da penhora, caso o gravame conste no registro público. A única diferença no novo Código de Processo diz respeito à hipótese de inexistência de registro e, por conseguinte, à problemática da prova da boa ou da má-fé do terceiro adquirente. Contudo, abordaremos a questão em momento mais oportuno, sendo que por hoje ficamos por aqui! Até o próximo Registralhas!

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1. GONÇALVES, Carlos Roberto.Direito civil 1: esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 345.

2. R. L. FRANÇA (coord.), Enciclopédia Saraiva do Direito – Tomo 9, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 482

3. A. C. da C. MACHADO, Código de Processo Civil Interpretado e Anotado, Barueri -SP, Manole, 2013, p. 1127

4. TJ/PR, 14ª Câm. Cível, AI n. 0.418.337-5 / Curitiba, rel. Dês. Celso Seikiti Saito, j. 5/9/2007, DJ 7.455

5. A. C. da C. MACHADO, Código de Processo Civil Interpretado e Anotado, Barueri -SP, Manole, 2013, p. 1126

6. A. C. da C. MACHADO, Código, cit (nota supra 3),p. 1126

7. A. C. da C. MACHADO, Código, cit (nota supra 3),p. 1127

8. A. C. da C. MACHADO, Código, cit (nota supra 3),p. 1127

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* O artigo foi escrito em coautoria com Ana Paula Ribeiro Ferreira da Costa, graduanda da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora jurídica.

* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 12/11/2014.

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Café com Jurisprudência discute Registro Facultativo e Publicidade Registral no RTD

No último dia 23, em São Paulo, o encontro Café com Jurisprudência apresentou o tema Registro Facultativo e a Publicidade Registral no Registro de Títulos de Documentos para a mesa de debates.  Para discutir o assunto, estavam presentes o especialista em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da USP, Graciano Pinheiro de Siqueira; o juiz Josué Modesto Passos, assessor da Seção de Direito Privado do TJSP; o desembargador do TJSP, Luís Paulo Aliende Ribeiro; a juíza da 1ª Vara de Registros Públicos, Tânia Mara Ahualli, e o 5° Oficial de Registro de Imóveis da Capital, Sérgio Jacomino.

Graciano Pinheiro abriu a palestra defendendo que o registro num cartório de Títulos e Documentos além de garantir segurança jurídica, autenticidade, conservação e publicidade, é também um importante meio de prova, que futuramente, em caso de conflito de interesse entre as partes, pode auxiliar na resolução de um problema. Pinheiro também destaca outra vantagem, que é a possibilidade de se obter, a qualquer momento, cópias e certidões dos documentos originais.

No entanto, diversos questionamentos são feitos a partir de um registro no RTD, entre eles se uma certidão proveniente desta especialidade teria força comprovante como um documento original, como um título que possa eventualmente ser qualificado por um órgão de registro público, no Registro de Imóveis em um compromisso de compra e venda,  por exemplo, ou  se seria válido apenas como efeito de prova.

Para os casos de facultatividade, previstos no artigo 127-7 da  lei 6015, de um registro feito para meros fins de conservação, Pinheiro relata posições doutrinárias divergentes sobre onde deveria ser registrado o documento, sendo que uma das correntes alega que nem mesmo para conservação um  registro deve ser feito em RTD se existir um órgão competente.

Com base no inciso 7° do artigo 127, eu posso registrar em RTD qualquer documento para efeito de conservação. Essa corrente considero a melhor, que deve ser aplicada, porém com algumas cautelas. Se alguém fizer esse registro e souber que há um órgão competente, um requerimento escrito deve ser encaminhado ao oficial registrador e, em seguida, uma etiqueta – informando que o registro foi feito meramente para efeito de guarda e conservação – deve ser anexado”, alerta o especialista.

Outro aconselhamento é a verificação nas Normas de Serviço de cada estado, para saber se não há nenhuma vedação expressa para o procedimento. “Fiz uma pesquisa nos códigos de normas de alguns estados. Comecei pela Bahia, que possuí um artigo expresso relacionado ao compromisso de compra e venda de um bem imóvel, que admite o registro desde que haja o devido requerimento e a etiqueta, assim como acontece no Piauí”, diz Graciano.

Já no parágrafo 4° do artigo 358 das normas de Minas Gerais, segundo Graciano, consta que os documentos relativos à transmissão ou relação de propriedade imóvel só poderão ser registrados para conservação após o registro do Oficial de Registro de Imóveis competente. Sobre a questão da publicidade, se deve ser ampla ou restrita, há um movimento crescendo para a possibilidade do chamado registro facultativo sigiloso, defendendo os princípios de privacidade, ou seja, os documentos produzidos interessam somente para a partes envolvidas no ato.

No entanto, a outra posição questiona como impedir o fornecimento de certidões, negar as pessoas o acesso às informações de um registro, uma vez que a publicidade é inerente ao registro, é uma marca dele. Por último, Graciano Pinheiro menciona o item territorialidade, se um registro precisa respeitar ou não este quesito.

No meu ponto de vista sim. Essa regra esta prevista na redação 130 da lei 6015 e diz que a fixação de competência para o registro de títulos e documentos é o domicilio dar partes, mesmo que para o efeito de mera conservação, embora  possa ser cogitado, por medo de assalto durante uma viagem, o registro em outra localidade”, conclui.

Fonte: iRegistradores – ARISP | 29/05/2014.

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