Entrevista: reconhecimento de paternidade socioafetiva

Na semana passada publicamos matéria sobre decisão unânime da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mantendo sentença que julgou procedente o pedido em ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Veja entrevista com o promotor aposentado Dimas Messias de Carvalho, membro do IBDFAM e um dos advogados da ação*:

Qual é a importância da decisão em Minas Gerais relativa à socioafetividade?

Finalmente tivemos uma decisão mineira do TJMG que apreciou o mérito e não apenas a possibilidade, em tese, do ajuizamento da ação. Diante desse precedente os caminhos se abrem para a propositura de novas ações, diminuindo os riscos de extinção do processo sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido. Além do TJMG, é importante ressaltar que o parecer da Procuradoria de Justiça que também foi favorável.

Esta decisão mostra que o TJMG se posiciona no rol dos tribunais mais modernos do país?

O Tribunal de Justiça Mineiro, apesar de ainda carregar uma fama injusta de conservador, possui atualmente um grande número de desembargadores de excepcional capacidade jurídica e sensíveis às mudanças sociais, notadamente nos novos modelos de arranjos familiares, que tem como elemento agregador a socioafetividade. Entre esses notáveis julgadores se incluem o relator do acordão, Des. Kildare Gonçalves Carvalho, que é professor de Direito Constitucional e autor de renomada obra da mesma disciplina. Da mesma forma a revisora Desª Albergaria Costa e o vogal Des. Elias Camilo são magistrados que se destacam pela excelência e sensibilidade em seus julgamentos, podendo serem consideradas modernas.

É inequívoco, todavia, que esta decisão coloca o TJMG em outro nível de avanço no País, em efetivamente garantir os princípios constitucionais da dignidade humana, igualdade e isonomia dos filhos, tanto que a decisão foi muito aplaudida e comentada nos recentes congressos do IBDFAM, entre eles o do Mercosul, despertando interesse também de juristas do Peru e Argentina, que queriam saber os fundamentos da decisão.

Por que a socioafetividade ainda não está expresssamente prevista na legislação?

Penso que é em razão do Código Civil de 2002 ter sua origem no Projeto 634 de 1975, quando ainda não se discutia a socioafetividade. Somente em 1979 foi publicado o memorável artigo " a desbiologização da paternidade", do prof. mineiro João Baptista Vilela, conforme lembra Rodrigo da Cunha Pereira na sua obra sobre os princípios fundamentais norteadores do direito de família e que usei muito nas razões para fundamentar a procedência do pedido. O Congresso Nacional, entretanto, já se sensibilizou e reconheceu a importância da filiação socioafetiva, sendo apresentado em 03.06.2013, o PL 5682/2013 para incluir no art. 27 do ECA a possibilidade de ser exercitado o reconhecimento do estado de filiação em face dos pais biológicos ou socioafetivos.

Qual é a importância da participação do IBDFAM, na condição de amicus curiae, na ação (ARE 692186 – Paraíba) que tramita no STF para discutir a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica?

É essencial, como aliás vem ocorrendo em vários outros pleitos para humanizar o Direito de Família e efetivamente respeitar a pessoa humana com dignidade. O IBDFAM mudou o Direito de Família no Brasil, efetivando os princípios constitucionais e igualdade entre as pessoas. O princípio da afetividade foi construído e divulgado pelos sócios do IBDFAM, como Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Giselda Hironoka, Luiz Edson Fachin, Maria Berenice Dias, Sérgio Resende de Barros, entre outros, sempre enfrentando grandes oposições. Assim é imprescindível a participação do IBDFAM como amicus curiae em qualquer discussão de relevância para o direito de família, atuando como um farol para iluminar um norte mais feliz e humano na família brasileira, especialmente tratando-se da socioafetividade.

*Também advogaram na ação Jacob Lopes de Castro Máximo e Daniella 

Velloso Pereira.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM I 04/09/2013.

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Entrevista: especialista vai abordar a responsabilidade civil no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família

Entre os dias 20 e 22 de novembro, em Araxá (MG), o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) promove o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família. Para explorar com profundidade e inovação o tema central desta edição “Famílias: Pluralidade e Felicidade”, os maiores juristas do Brasil irão discutir os temas de maior relevância para o Direito de Família contemporâneo. O procurador de Justiça Nelson Rosenvald (MG) vai abordar a responsabilidade civil em palestra com o tema “Dano e pena civil parental” e concedeu esta entrevsta ao portal Ibdfam, confira:

1) Qual a importância deste tema para o Direito de Família contemporâneo?

Relativamente ao modelo jurídico da parentalidade, houve uma explosão das situações jurídicas consideradas como dignas de tutela, pois a dinâmica familiar passou a atribuir peso a princípios como a paternidade responsável e o melhor interesse da criança, transformando fatos da vida em ilícitos. Há uma inexorável tendência de se extrair o menor da categoria estática, abstrata e estigmatizante de “incapaz”, para a concretude e dinamicidade de sua situação jurídica de pessoa em desenvolvimento, o que implica uma postura parental dialética, com respeito à autonomia e direitos fundamentais dos filhos.

Com o reconhecimento deste zeitgeist, a expansão das possibilidades de filhos se dirigirem contra os pais se deu de maneira acelerada. Atualmente, eles podem responsabilizar genitores por negativa de espontâneo reconhecimento ou identificação biológica do pai, alienação parental, abandono afetivo, exercício abusivo da autoridade parental, com atos de violência psicofísica ou ofensa à sua intimidade, ou mesmo quando os pais lhe transmitiram alguma enfermidade genética.

E para o futuro? Mantida esta toada, teremos tudo isto e muito mais, pois, somando a proliferação de novos danos tidos como merecedores de proteção jurídica com a flexibilidade concedida à admissão do nexo causal por nossos tribunais, já não existem filtros capazes de reter as demandas reparatórias derivadas de danos parentais.

2) A responsabilidade civil no Direito de Família tem sido bastante explorada, qual a sua opinião sobre este tema?

É extremamente proveitoso o diálogo entre o direito de família e a responsabilidade civil. Abandona-se a imunidade familiar em favor do reconhecimento da obrigação de indenizar nas relações jurídicas travadas nas diversas formas de entidades familiares.

Especificamente nas relações parentais sempre houve maior resistência à imposição de uma obrigação de indenizar, pela necessidade de se outorgar ampla discricionariedade aos pais para disciplinar e controlar os filhos.

Eventuais ilícitos eram sanados nos próprios limites do direito família (leia-se: guarda, visitação e alimentos) ou, em última instância, pelas normas de direito penal.Porém, com a evolução do direito de família, convertida de instituição fechada – voltada à preservação de sua unidade -, para instrumento de proteção e promoção das situações existenciais de cada qual de seus membros e do afeto que os vincula, paulatinamente a responsabilidade civil foi encontrando espaços para sancionar os ilícitos danosos praticados contra a autonomia de seus membros. A cada dia se amplia o rol de eventos antes considerados inerentes à existência humana e ora transferidos ao autor do fato.

3) O STJ admitiu a possibilidade da reparação civil em caso de abandono afetivo. Na sua opinião, este precedente pode ser convertido em Súmula?

A responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo – apesar de não imune a críticas vindas de vários setores da sociedade – tem sido prestigiada pela doutrina de direito privado e jurisprudência, sobremaneira após a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.159.242, de Abril de 2012 (Informativo 496 do STJ) que ofereceu bases jurídicas mais sólidas para o deslinde de colisões  de direitos fundamentais envolvendo a liberdade do genitor e a solidariedade familiar.

Em resumo, a Min. Relatora Nancy Andrighi salientou que, na hipótese, não se discute o amar – que é uma faculdade – mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Assim, considerou o cuidado como um valor jurídico objetivo, sendo que a omissão do genitor no dever de cuidar da prole atinge um bem juridicamente tutelado – no caso, o necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e companhia) – importando em vulneração da imposição legal, gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono afetivo. Acrescenta ainda que os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae.

É consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania.

Pois bem, não temos dúvidas que o mérito da decisão consiste em oferecer parâmetros objetivos para a tensão entre os princípios da liberdade e solidariedade e isto se fez, no momento em que  o fundamento da ilicitude da conduta paterna migra da metafísica ofensa a um suposto “dever de amar”, ou mesmo da violação a etérea cláusula geral da dignidade da pessoa humana, para uma objetiva conduta antijurídica consistente na omissão do dever de cuidado assinalado nos incisos I e II do artigo 1634 do Código Civil, concretamente consubstanciados na violação dos deveres de criação, educação, companhia e guarda.Todavia, esta matéria não cabe nos limites de uma súmula, pois a responsabilidade civil não se exaure na constatação do ilícito. O fato da antijuridicidade da conduta do agente é apenas o primeiro entre 04 (quatro) pressupostos da responsabilidade civil. Some-se à ilicitude, a culpa, o dano e o nexo causal. É na conjugação destes elementos que se sustenta a responsabilidade subjetiva aplicável ao direito de família.

4) Muito se fala do abandono paterno filial, mas da mesma forma e pelo principio da reciprocidade os filhos devem amparar os pais na velhice, qual a sua opinião sobre o abandono afetivo inverso?

O dado cultural da personalização da família submeteu ao império da ilicitude todo e qualquer comportamento indicativo de que o procriador não exerce o status de pai socioafetivo por deixar de adotar o próprio filho. Estas razões a meu ver, em tese justificariam a incidência do abandono afetivo inverso quando o caso concreto evidencie a ilicitude do ato antijurídico do filho, condizente em omissão do dever de cuidado perante um dos pais.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM I 04/09/2013.

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