TJ/PE: Artigo – Alienação parental, ilicitude ou síndrome

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES 

O tema da prova na alienação judicial desafia conferir a sua ocorrência como um novo e grave fenômeno de disfuncionalidade nas relações de família, cumprindo, antes de mais, atentar como a doutrina, a legislação e os sistemas judiciais tratam, com eficiência, da questão.
De saída, a alienação deve ser encarada como a desqualificação da conduta dos pais, feita por um deles, perante os filhos, denegrindo-se a imagem do outro genitor no interesse de prejudicar a relação afetiva paterno-filial.

No ponto, constitui ilicitude civil como abuso de direito do poder parental (art. 187, Código Civil), por importar abuso emocional do alienador e na sua consequência mais imediata, a destruição de vínculos afetivos existentes entre a criança e o pai alienado.

Aponta-la, todavia, como síndrome, em esfera de patologia psiquiátrica, implica um passo a mais, o que se apresenta como causa eficiente das práticas disfuncionais da alienação. Esses dois eixos de análise, no plano judicial, devem ser demarcados, a partir de uma necessária e conveniente diferenciação, por uma prova segura e capaz de infirmar as situações postas a exame.

De efeito, primeira questão essencial atine ao fato decisivo de que toda dissociação familiar conflituosa, a que decorre de rupturas conjugais ou de uniões de fato sem resolução consensual, permite instalar a alienação parental como fenômeno revelador da dilaceração crucial da família. Nada obstante a assertiva de que "família com filhos é para sempre".

Os primeiros atos de alienação atuam no espectro da crise pós-ruptura, tendentes de maior gravidade futura, por determinadas atitudes do progenitor guardião, apresentando-se, seguramente, a alienação como um processo insidioso e continuado. Nesse viés, alinha-se, como primeira evidência a prática turbativa e de impedimento ao livre exercício do poder familiar pelo genitor não guardião. Mais precisamente, o não direito ao direito de convívio.

Obstáculos a uma regular convivência com o filho, embaraços provocados ao regular exercício do direito de visita, estorvos frequentes a dificultar o poder parental do genitor, são atos alienadores iniciais e externalizados pelas visitas interceptadas.

No contraponto interno, em âmbito doméstico nuclear, o genitor guardião ao propósito da mais imediata alienação (AP), fornece as primeiras informações difamatórias do outro genitor, em desconstrução de sua imagem perante o filho. Lado outro, a síndrome da alienação (SAP), cumpre-se observada, em estágio mais adiantado, quando a manipulação do filho alcança resultados práticos, com prejuízos notórios à sua relação afetiva com o outro genitor.

"Assim, assumindo contornos mais graves do que a mera alienação parental", a exigir, "maior cuidado e precisão na identificação e tratamento destas situações por arte do julgador e dos especiais envolvidos."

Segue-se, aliás, admitir que a síndrome difere, acentuadamente, da alienação propriamente dita, por esta última representar, apenas, o comportamento do ex-parceiro, predominantemente a genitora por deter a guarda; em manifesta atuação ilícita e retaliatória (ilicitude civil);  enquanto que a síndrome associa-se aos efeitos patológicos suportados pelo menor, padecente do controle totalitário do guardião, a ponto de desaprovar e rejeitar o outro genitor, anulando-o como referência.

Bem é dizer, com a jurista lusitana Filipa Daniela Ramos de Carvalho (5.2011) que "de facto, é de ressaltar que a distinção entre ambas as figuras (AP e SAP), direccciona a apreciação deste gênero de casos para sentidos diametralmente opostos atendendo à vertente médica ou jurídica em causa".

Efetivamente que, importando distinguir uma e outra, a prova cível assume diferenciais significativos, valendo adiante destacar estratégias de sua consolidação, para tornar incólume a realidade dos fatos em seu exato alcance.

Aqui não custa lembrar, em álbum histórico, dois pontos que devam, logo, ser sublinhados:

i) O diálogo de fontes entre as ciências jurídicas e a Psicanálise tem sua origem, em junho de 1906, quando Freud proferiu palestra na Faculdade de Direito da Universidade de Viena, intitulada "A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos". Pela primeira vez, acentuou-se a investigação clinica como prova cível, revelada a sua importância articulada, nomeadamente as que tratam da psicologia do testemunho, e dos psicodiagnósticos de situação. No caso, para orientar a decisão judicial, mediante "uma intervenção técnica especializada, segura e imediata, que possa levar a soluções confiáveis".

(ii) a seu turno, a "síndrome de alienação parental" nos seus aspectos clínicos e teóricos, definida e cunhada em 1985, pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard A. Gardner, tem sua própria formulação controvertida, a partir da falta de fundamentos científicos e de investigação sistemática que embasem as hipóteses propostas, conquanto unicamente baseadas em suas próprias observações pessoais. É que a teoria desenvolvida por Gardner pressupõe, de pronto, uma premissa-base de perversão de conduta do genitor alienante fundada, prioritariamente, nas falsas imputações de abuso sexual ou de maus-tratos cometidos pelo genitor alienado, a ponto de o menor assimila-las como verdade factível.

Em casos que tais, a psicóloga Maria Saldanha Pinto Ribeiro, presidente do Instituto Português de Mediação Familiar, adverte necessária a estabilidade da relação da criança com o pai, sem o regime de encontros vigiados, porquanto seu afastamento inopinado importaria em oportunidade de consolidar o próprio processo de alienação levado a efeito.

Noutro ponto, toda sua teoria, em menos palavras, intentou introduzir evidências de suposta síndrome, para dissimular, na prática, abusos sexuais de fato ocorrentes, sobre os quais se colocou ele "permissivo em relação aos contatos sexuais entre pais e filhos", como denuncia Maria Clara Sottomayor, da Escola de Direito do Porto da UCP.

Então, cumpre registrar, a essa altura, que o próprio Gardner, ao fim e ao cabo de quarenta anos (1963-2003) de trabalho de psiquiatria clínica, na divisão psiquiátrica infantil, da Universidade de Columbia, se suicidou em 25.05.2003. Era ele um pedófilo.

Dito isso, realçada fica mais uma vez a conveniência de análise circunstanciada dos fatos, para a adequação tópica da incidência de ilicitude civil de atos da alienação parental, enquanto fato jurídico, ou mesmo de circunstancias que apontem pelo diagnóstico da síndrome, como patologia.

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* JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ). O artigo é produzido a partir de notas de sua palestra "A Prova na Alienação Parental", proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 27.01.2014, durante o seminário "A Prova no Direito. Uma perspectiva luso-brasileira." (27-31, janeiro, 2014).

Fonte: TJ/PE I 29/01/2014.

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TJ/SC: MESMO COM NASCIMENTO DE FILHO, NAMORO NÃO SE CONFUNDE COM UNIÃO ESTÁVEL

A 1ª Câmara de Direito Civil do TJ manteve decisão que indeferiu pedido liminar de alimentos formulado por uma mulher em desfavor de um jovem empreendedor da Capital, com quem teria vivido relacionamento estável que culminou no nascimento de um filho. Há também, em paralelo, uma ação de investigação de paternidade em trâmite. 

A moça sustenta que passa por dificuldades financeiras para criar a criança e que não tem condições de trabalhar, pois o filho necessita de cuidados. Alegou, ainda, que o suposto companheiro é proprietário de vários imóveis em bairros nobres da Capital, portanto com possibilidades de arcar com seu sustento e do menino.

A câmara decidiu negar provimento ao pedido por entender que a moça, de 28 anos, tem total capacidade de se reintegrar ao mercado de trabalho e, de acordo com o processo, embora tenham sido namorados, nunca houve relacionamento estável entre os dois. 

O desembargador Raulino Jacó Brüning, relator do agravo, destacou em seu voto que não há indícios da alegada união estável, tampouco de que a mulher tenha abdicado de seu antigo trabalho e de sua renda mensal, ou mesmo renunciado a uma eventual estabilidade que possuía antes de conhecer o namorado, a fim de levar uma vida compartilhada com este.  

A decisão, unânime, discutiu apenas o pedido de pensão em favor da mulher. A ação original, em primeiro grau, seguirá até seu julgamento final. Nela, além da paternidade, será analisada também a necessidade de alimentos para a criança.

Fonte: TJ/SC I 05/11/2013.

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TJ/PE: Paternidade à revelia

* JONES FIGUEIRÊDO ALVES 

Não existe ou existirá uma paternidade imposta a alguém, em hipótese do nascimento de filho dado a registro por ato unilateral da mãe, quando declarante perante o Registro Civil. Mais precisamente, no registro não haverá lançada uma paternidade à revelia, como supõe a vã filosofia, ditada por intérpretes apressados.

Essa questão vem a propósito do recente Projeto de Lei nº 16/2013, oriundo da Câmara Federal, aprovado em carácter terminativo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, e a receber, brevemente, sanção presidencial. O projeto legislativo apenas altera o artigo 52 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), e nada mais faz senão isso, a permitir tão somente que o registro possa ser feito pelos pais, em conjunto ou isoladamente, por um e outro, no mesmo prazo de quinze dias do nascimento do filho.

Repita-se: o projeto limita-se a estabelecer isonomia de gênero, entre os pais, para a obrigação comum do registro do filho nascido, sem a prioridade registral antes dada ao pai, em detrimento da qualidade da mãe. Na redação antiga, a declaração do nascimento do filho era dever imposto ao pai e, apenas quando diante da sua inércia, no prazo assinado (o de quinze dias), a mãe, em sucessivo, estaria obrigada a declarar, sendo-lhe, então, prorrogado o prazo por quarenta e cinco dias (art. 52, 2º). De efeito, reservava-se à mãe uma atividade secundária, subalterna, a depender da omissão do pai ao ato de registro.

Não custa lembrar a justificativa do projeto nº 817/2011, de 23.03.2011, na casa de origem (Câmara Federal), assinalando seu autor, o deputado Rubens Bueno, a necessidade de conciliar a lei registral – nas vizinhanças de completar, em 31 de dezembro próximo, quarenta anos de vigência – com o comando do artigo 5º da Constituição Federal, em afirmação da igualdade substancial de homens e mulheres perante a lei. Expressava ele que o artigo 52 da Lei nº 6.015/73, na redação atual, coloca a mãe em patamar de desigualdade perante o pai, por dispor que o ato de declarar a registro de filho somente seria feito por ela em carácter suplementar e condicionado à ausência ou impedimento daquele.

Pois bem. Esta é a mudança proposta, singela e, a um só tempo, de expressão constitucional, circunscrita a garantir à mulher, com igualdade ao marido, proceder ao registro do filho, no prazo inicial da lei. Daí pensar que este ato, por declaração da mãe do neonato, sugere admitir a possibilidade de imputação da paternidade a qualquer um, se apresenta algo tão surreal, quanto imaginar possível que qualquer celebridade de plantão possa, repentinamente, ganhar filhos de todas as origens, sem o saber sequer, por mero ato declaratório de mães desejosas de os filhos serem herdeiros potenciais de fortunas, muitas vezes provisórias.

Bem é dizer, como afirmou Maria Berenice Dias, que "a alteração legislativa – anunciada como redentora – não irá reduzir o assustador número de crianças com filiação incompleta". De fato, os trombetes de édito, midiáticos, anunciando a reforma legal, transmudam-se, por irrecusável constatação, em sinos e os sinos dobram. Eles apenas choram pelos filhos sem pais.

Bem é certo, como expressou o juiz Clicério Bezerra (PE), em entrevista dada em jornal televisivo, de rede nacional, que a comprovação da paternidade continua exigida, e não será suficiente a declaração da mãe para tornar pai do filho declarado aquele que ela indique, senão nos termos da lei.

De fato, os termos da lei já reportam acerca da paternidade indicada a registro, a saber que: (i) em sendo a mulher declarante casada, o filho será do seu marido, por presunção legal, conforme o Código Civil, a tanto bastando exibir a declarante sua certidão de casamento; (ii) em sendo a mulher declarante solteira, o pai poderá vir a ser aquele por ela imputado, a depender, todavia, de procedimento administrativo averiguatório, na forma da Lei nº 8.560/92, quando o presuntivo pai será chamado a comparecer para o reconhecimento voluntário da paternidade sobre o apontado filho ou, em contrário, sujeitar-se a uma inevitável ação de investigação da paternidade imputada, quando então, uma vez procedente, terá seu nome incluído no registro.

Ora. Perdeu o legislador excelente oportunidade de aprimorar a ordem jurídica, em dispondo sobre as especificidades que apontam pela urgência da afirmação da paternidade. De saída, não contemplou-se, na lei registral, a entidade familiar da união estável devidamente reconhecida, onde os conviventes (companheiros) devem assumir condições igualitárias às dos pais casados para os efeitos do nascimento de filho dado a registro civil. Não se cogitou, outrossim, a respeito de uma melhor dinâmica da própria Lei nº 8.560/92 que, não obstante vintenária, continua de escassa aplicação em registros civis, à falta da própria instalação do procedimento de averiguação oficiosa da paternidade.

No ponto, suficiente seria, sim, admitir, em casos de: (i) revelia do suposto pai imputado, em não comparecendo para o reconhecimento voluntário do filho; (ii) revelia do suposto pai em negar a paternidade que lhe seja atribuída; ou (iii) revelia do suposto pai por negar submeter-se a exame genético da DNA; que em hipóteses que tais, a imputação da paternidade feita, oficiosamente, em registro, fosse afinal acolhida, por presunção, com a simples determinação judicial, ante a revelia manifesta no procedimento administrativo de averiguação da paternidade.

Entretanto, tal não sucede, porquanto (i) inevitável continuará sendo o manejo da ação de investigação da paternidade, face inexitoso o procedimento da averiguação oficiosa; e (ii) a presunção continuará relativizada quando ante a negativa do pai a submeter-se a exame genético fica aquela condicionada ao confronto com demais provas.

Mas não somente. Também caso seria de previsão expressa de penalidade por desídia, quando inobservadas as providências referidas pela Lei nº 8.560/92, consabidamente descumprida ou sem eficácia prática. Ao fim e ao cabo de duas décadas de vigência, registros com filiação incompleta continuam sendo feitos, sem a abertura, concomitante, da investigação administrativa para o reconhecimento (voluntário ou judicial) da paternidade. Os mecanismos que a lei fornece não produzem resultado útil, por inação dos serviços delegados ou ante a falta do ajuizamento das ações cabíveis.

Em ser assim, concludente que a assertiva materna, em registro civil, não tem o alcance imediato de assegurar ao filho o pai que ali se declare, salvo nos casos já expressos em lei. Admitir que isso fosse possível, em largo espectro, significaria dizer a lei pela obrigação de o suposto pai vir a ser obrigado a demandar uma ação negatória de paternidade. Claro que lei alguma deve obrigar alguém a demandar em juízo.

Lado outro, concludente também que os mecanismos legais devem contribuir para a urgência da paternidade, como significante de garantia de dignidade. Ora bem. O pai jurídico continua sendo uma realidade da lei. Então que a lei melhore para que a realidade da paternidade seja não apenas conferida somente a alguns ou cogitada por ficções legais, mas a extraída dos fatos da vida dando a cada filho, a todos os filhos, seu verdadeiro pai. Afinal, a lei não pode ser revel, com a paternidade esperada por milhares de filhos sem os pais no registro de suas existências.

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* JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

Fonte: TJ/PE I 30/10/2013.

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