Jurisprudência mineira – Divórcio – Alimentos em proveito da filha menor – Regime da comunhão parcial – Bem em nome de terceiro

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

DIVÓRCIO – ALIMENTOS EM PROVEITO DA FILHA MENOR – DEVER DE SUSTENTO – VALOR – FIXAÇÃO – BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE – ALIMENTOS EM PROVEITO DO EX-CÔNJUGE – NECESSIDADE – COMPROVAÇÃO – OBRIGAÇÃO FIXADA A TEMPO CERTO – VALOR E DURAÇÃO – CRITÉRIOS – CASO CONCRETO DOS AUTOS – PARTILHA DE BENS – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL – BEM EM NOME DE TERCEIRO – PROVA DA PROPRIEDADE – AUSÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTILHA – ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS PELO USO EXCLUSIVO DE IMÓVEL COMUM – ADITAMENTO DA INICIAL, POSTERIORMENTE À CITAÇÃO – HIPÓTESE EM QUE O RÉU, TODAVIA, RESISTE EXPRESSAMENTE AO PLEITO NA CONTESTAÇÃO – ACEITAÇÃO TÁCITA DO ACRÉSCIMO – COMPROVAÇÃO DA FRUIÇÃO EXCLUSIVA PELO EX-CÔNJUGE – CABIMENTO DOS ALUGUÉIS, NA MESMA PROPORÇÃO DO QUINHÃO DEFINIDO NA PARTILHA – VALOR – APURAÇÃO RESERVADA À FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

– O dever de sustento do pai para com o filho menor de idade é inerente ao próprio poder familiar. O § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002 estabelece que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades da reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao prudente critério do juiz arbitrar o valor da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto.

– Na lição de Maria Berenice Dias, "não há como impor ao alimentando a prova dos ganhos do réu, pessoa com quem não vive, muitas vezes, nem convive, o que torna quase impossível o acesso às informações sobre seus rendimentos" (Manual de Direito das Famílias, 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p. 500).

– Em ação de divórcio, comprovada a dependência financeira do cônjuge virago em relação ao ex-marido, pelo fato de, ao longo dos dez anos de casamento, ter-se dedicado exclusivamente aos cuidados do lar e da família, é devida a fixação de pensão alimentícia, em valor condizente com o binômio 'necessidade-possibilidade', e a viger pelo tempo certo que se revelar necessário ao ingresso da alimentante no mercado de trabalho, considerando tratar-se de pessoa jovem e física e intelectualmente capaz. 

– Incabível a partilha de veículo registrado em nome de pessoa estranha ao processo, quando não evidenciada cabalmente a alegada simulação em torno da titularidade do bem, sob pena de ferir, eventualmente, direito de terceiros.

– Admite-se o aditamento da inicial posteriormente à citação, no caso em que o requerido, ao tomar ciência da petição, não apresenta objeção ao novo pedido, mas, ao revés, nega-lhe o fundamento, consentindo, assim, tacitamente, com a sua formulação. Inteligência do art. 294 do CPC.

Não infirmada a alegação de que a esposa foi compelida a se afastar do lar conjugal, e reconhecido que o imóvel integrava o patrimônio comum do casal, é de se reconhecer àquela primeira o direito de perceber aluguéis do ex-marido pelo uso exclusivo do bem, a contar da ciência do pedido de arbitramento e enquanto durar a ocupação exclusiva, em valor a ser apurado em fase de liquidação de sentença, com base no valor de aluguel de mercado, observada a proporção do quinhão deferido na partilha (no caso, 50%), a fim de evitar o enriquecimento indevido de um coproprietário em detrimento do outro. 

Primeiro recurso desprovido. Segundo recurso parcialmente provido.

Apelação Cível nº 1.0024.12.118917-9/001 – Comarca de Belo Horizonte – 1º Apelante: F.A.Q.S. – 2º Apelante: V.C.Q.S. –

Apelados: F.A.Q.S., V.C.Q.S. – Relator: Des. Eduardo Andrade

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao primeiro recurso e dar parcial provimento ao segundo.

Belo Horizonte, 28 de outubro de 2014. – Eduardo Andrade – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. EDUARDO ANDRADE – Trata-se de ação de divórcio ajuizada por V.C.Q.S. em face de F.A.Q.S., objetivando a dissolução do vínculo conjugal, a definição da guarda e do regime de visitas da filha menor do casal, a fixação de alimentos para si e para a criança e a partilha dos bens.

Adoto o relatório da sentença de origem, acrescentando-lhe que os pedidos foram julgados parcialmente procedentes, para atribuir a guarda da menor à requerente, fixar que as visitas pelo genitor não guardião ocorrerão de forma livre, condenar o requerido a prestar alimentos à filha menor, no valor correspondente a 2,5 salários mínimos, e à autora, no valor correspondente a 50% do salário mínimo, pelo período de 24 meses, e, por fim, partilhar o imóvel localizado na rua […], município de Barreiras/BA, à razão de 50% para cada parte. Ante a sucumbência recíproca, as partes foram condenadas ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios – estes fixados em 15% da condenação – na proporção de 80% (oitenta por cento) para o réu e 20% (vinte por cento) para a autora (f. 194/200).

Os embargos declaratórios opostos em face da sentença foram rejeitados pelo i. Magistrado (f. 209-v.).

Inconformado, o requerido interpôs o primeiro recurso, pretendendo a redução dos alimentos fixados à filha menor, à alegação de que o valor fixado na sentença encontra-se muito além das suas possibilidades, pelo que o seu pagamento causará desfalque ao mínimo necessário ao seu sustento e de sua nova família. Pediu, ainda, pela exclusão da obrigação de prestar alimentos à ex-esposa, ao argumento de que ela se encontra em idade produtiva, goza de boa saúde e tem perfeitas condições de prover o próprio sustento (f. 210/214).

A autora também recorreu da sentença, pugnando pela sua reforma parcial, a fim de que o veículo caminhonete Mitsubishi Triton L200 seja incluído na partilha – alegando que, embora registrado em nome de terceiro, foi adquirido efetivamente pelo casal, na vigência do matrimônio; que o pedido de arbitramento de aluguéis em razão do uso exclusivo pelo apelado do imóvel comum seja apreciado e acolhido pela turma julgadora, tendo a sentença – afirma -, incorrido em vício citra petita nesse tocante; que a pensão alimentícia fixada em seu proveito seja elevada para a quantia de um salário mínimo, de modo a atender à sua necessidade, e tenha duração por quatro anos, por ser o período de 24 meses insuficiente ao restabelecimento da sua vida profissional; e, por fim, que o apelado seja condenado ao efetivo pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, em valor equivalente a 20% da condenação, excluindo-se o benefício da gratuidade de justiça deferido na sentença (f. 215/229).

Contrarrazões pela autora às f. 234/239 e pelo réu, às f. 239/243-v.

Remetidos os autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, o i. representante do Ministério Público, Dr. Nelson Rosenvald, opinou pelo desprovimento dos recursos (f. 250/252-v. ).

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Infere-se dos autos que V.C.Q.S. ajuizou a presente ação em face de F.A.Q.S., objetivando a decretação do divórcio, a definição da guarda e do regime de visitas da filha menor, a fixação de alimentos para si e para a criança e a partilha dos bens. 

Na sentença, os pedidos foram acolhidos em parte, tendo ambas as partes apresentado recurso de apelação, conforme o âmbito da sucumbência sofrida.

Atento aos limites da matéria impugnada (art. 515 do CPC), passo ao exame dos apelos.

Vejamos, em primeiro lugar, a questão dos alimentos a serem prestados pelo genitor à filha menor do casal.

O § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002 estabelece que "os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades da reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao prudente critério do juiz arbitrar o valor da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto".

Em se tratando o alimentante de filho menor de idade, o dever de sustento do pai é inerente ao próprio poder familiar, de natureza sagrada e incondicional, exigível independentemente da situação econômica do alimentante – que, se necessário for, deve sacrificar-se em prol do interesse do menor.

No caso sub examine, a tônica do debate se desenvolveu, notadamente, em torno das possibilidades do alimentante, não se tendo questionado as necessidades da menor, atualmente com oito anos de idade – até porque, presumidas na forma da lei. Nessa perspectiva, oportuna a advertência feita pela doutrinadora Maria Berenice Dias, no sentido de que "vem se consolidando o entendimento de que, em demandas alimentárias, se inverte a divisão tarifada dos encargos probatórios (CPC, 333). Ao autor cabe tão só comprovar a obrigação do réu de prestar-lhe alimentos. É o que diz a lei (LA, 2º): o credor exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor. Não há como impor ao alimentando a prova dos ganhos do réu, pessoa com quem não vive, muitas vezes, nem convive, o que torna quase impossível o acesso às informações sobre seus rendimentos" (Manual de direito das famílias. São Paulo: RT, 2009, p. 500). O requerido, no entanto, deixou de observar tal orientação, data maxima venia, uma vez que não se mostrou disposto a contribuir para a elucidação da verdade dos fatos.

Veja-se que, na contestação e nas razões recursais, o réu se limitou a alegar, genericamente, que é "pessoa de parcos recursos" e que "não possui renda fixa" nem "vínculo de emprego formal", sem informar, todavia, os seus reais rendimentos, ainda que em média.

Ora, o fato de ser profissional autônomo e não possuir remuneração em valor fixo não significa, necessariamente, que seja pessoa humilde, de pouca condição financeira. Não há correlação lógica e indissociável entre essas duas situações.

Outrossim, o réu tentou descredenciar as informações contidas no seu extrato bancário – juntado pela requerente – por meio do superficial e insuficiente argumento de que "a informada movimentação de R$6.000,00 foi em uma única oportunidade, permanecendo em uso do saldo por longo período sem novos aportes, não sendo o referido valor de habitual recebimento", sem acostar qualquer elemento de prova a respeito.

Como bem observou o ilustre Promotor de Justiça, Dr. Emerson Felipe Dias Nogueira, essa movimentação bancária, não validamente infirmada, descredencia a tese do apelante de que sua renda seja limitada ao valor declarado pelo seu empregador – R$2.800,00 a R$3.000,00 -, a título de comissão por vendas (testemunha ouvida às f. 159). Além do mais, o patrimônio amealhado pelo casal na constância do casamento é incompatível com essa suposta renda, como também consignou o douto representante do Ministério Público (f. 190).

Com efeito, em processos desse jaez – em que o alimentante é profissional autônomo e não informa com clareza a sua situação financeira -, o julgador deve ter olhar atento a todos os elementos cognitivos dos autos, a fim de captar os sinais exteriores de riqueza da pessoa obrigada, como adverte Yussef Said Cahali, em sua obra Dos alimentos (4. ed., São Paulo: RT, 2002, p. 727):

"Nesse contexto, tem-se afirmado que a prestação deve ser fixada em valor que se aproxime da realidade econômica do alimentante, se imprevisível o valor mensal de seus rendimentos, por auferir ganhos provenientes de comissões de venda ou de atividade liberal; assim, na fixação dos alimentos, deve o magistrado, em examinando as possibilidades financeiras do alimentante, não se ater apenas ao rendimento admitido pelo profissional liberal, mas levar em conta também os 'sinais exteriores de riqueza".

Dessa forma, à míngua de provas no sentido de que o réu não tem condições de arcar com a pensão no valor fixado na sentença – que, aliás, já vigora desde a fixação dos alimentos provisórios -, não há razão para se modificar a respeitável sentença, nesse particular.

Noutro giro, em relação aos alimentos fixados em proveito da segunda apelante, o réu se bate contra o próprio cabimento da obrigação, ao argumento principal de que a ex-esposa é pessoa em idade produtiva, dotada de boa saúde e plenamente capaz ao trabalho.

Em que pese a autora possuir, de fato, idade e condições físicas e intelectuais que lhe possibilitam uma potencial inserção no mercado de trabalho, não se pode ignorar a circunstância de que, ao se casar com o requerido, abandonou, sem conclusão, o curso superior que fazia, e, ao longo dos quase dez anos de união, dedicou-se exclusivamente aos afazeres do lar e aos cuidados da família, em situação de completa dependência financeira do marido – como, aliás, ele próprio reconhece, à f. 65-v. Nesse cenário, não há dúvida da necessidade da autora de receber auxílio financeiro do ex-marido, ao menos por período suficiente a que reverta a atual condição desfavorável.

A propósito do tempo de duração, parece-me razoável o argumento da segunda apelante de que, diante das especificidades do caso concreto, o período de 24 meses é pouco para que consiga reerguer-se plenamente, já que, somente para terminar a graduação em Direito, necessitará de sete semestres. Assim, já por esse parâmetro, tem-se que o prazo de quatro anos pleiteado no segundo apelo é adequado ao caso dos autos, data venia.

Lado outro, no que tange ao pedido de elevação do valor da pensão de 1/2 salário mínimo – fixado na sentença – para um salário mínimo, tenho que o conjunto probatório dos autos é insuficiente a amparar tal pretensão. Em que pese se tenha extraído que, pelos sinais exteriores de riqueza, o requerido não apresenta o estado de hipossuficiência que alega, não há, por outro lado, elementos seguros a denotar que seja pessoa abastada, a ponto de suportar o pagamento de pensões alimentícias em montante superior a três salários mínimos – resultado da soma das duas prestações.

Nesse caso, os alimentos devem ser arbitrados com parcimônia e razoabilidade, para que não haja desfalque do necessário ao próprio sustento do alimentante e de sua nova família.

Dessarte, mantenho a pensão à ex-esposa no valor estabelecido na r. sentença – meio salário mínimo -, a perdurar, todavia, pelo período de quatro anos.

Passo à partilha.

A segunda apelante pretende seja o veículo caminhonete Mitsubishi Triton L200, placa XXX, incluído na partilha, alegando que, embora registrado em nome de terceiros, foi adquirido, na realidade, pelo casal, na constância do casamento.

Narra o seguinte:

"[…] o apelado tem o nome inserido nos cadastros de devedores e sempre dependeu dos parentes da apelante para financiar ou comprar qualquer bem, e, devido a isto, adquiriu o veículo de forma informal com o antigo proprietário, ou seja, o proprietário vendeu o veículo para o apelado em 48 parcelas de R$3.000,00 (três mil reais) e após a quitação integral o veículo poderia ser transferido ao apelado, sendo esta a garantia do antigo proprietário.

Desta forma, uma vez que o veículo estava quitado e já poderia ser transferido ao apelado e o casal, neste momento estava se separando, o apelado agindo de má-fé antecipou-se, pois já sabia que a apelante providenciava o ajuizamento desta ação e logo providenciou a transferência do veículo para o nome da sua mãe […] e após isso vendeu a caminhonete e comprou outra mais nova e mais uma vez, por não possuir o nome limpo, colocou o veículo de placa XXX em nome de seu sócio […]" (sic, f. 220/221).

Todavia, em que pese a alegada simulação envolvendo a titularidade do veículo, verifico que não há prova alguma nos autos acerca da dinâmica dos fatos acima descrita. Assim, diante do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo acostado à f. 70, em que a mãe do requerido figura como proprietária do bem, não se pode concluir algo diverso com base apenas em alegações, ou mesmo em fotografias da família junto ao carro.

Dessarte, não evidenciada cabalmente a fraude, tenho que incabível a partilha do veículo registrado em nome de pessoa estranha ao processo, sob pena de se colocar em risco direito de terceiros – como bem decidiu a i. Sentenciante.

De outro lado, parece-me com razão a segunda apelante em seu pleito de recebimento de aluguéis em razão do uso exclusivo pelo varão do imóvel comum que lhes servia de residência.

Antes de avançar ao mérito, cumpre analisar a questão do óbice processual reconhecido na r. sentença. Entendeu a d. Juíza que o referido pedido não se revela possível, nos termos do art. 294 do CPC, porque deduzido posteriormente ao comparecimento espontâneo do réu ao processo, em aditamento da petição inicial.

Com respeito ao posicionamento da i. Magistrada, entendo viável o aditamento da inicial feito posteriormente à citação, porque o requerido, in casu, na oportunidade da contestação – quando, então, já tomara conhecimento da petição de f. 46/47 -, não apresentou objeção ao novo pedido, mas, ao revés, negou-lhe o fundamento. Confira-se:

"De igual modo, não há que se falar em pagamento de aluguel em favor da cônjuge virago. A mesma reside com seus pais, não tendo, portanto, despesas comprovadas com tal item" (f. 65).

Ao assim fazer, o réu restou por consentir, tacitamente, com o aditamento – ou não haveria sentido, sem configurar comportamento contraditório, em defender a improcedência de um pedido que entendia insuscetível, até mesmo, de ser conhecido.

Essa é a inteligência que faço do instituto, visando harmonizar a previsão do art. 264 com a do art. 294, ambos do CPC, renovadas vênias à i. Sentenciante.

Dito isso, verifica-se, outrossim, que não foi desconstituída a alegação da requerente de que fora compelida a se afastar do lar conjugal, então mantido na Bahia; por igual, é incontroverso que o requerido permaneceu na referida residência, usufruindo do imóvel com exclusividade desde a separação de fato. Logo, em sendo certo que o imóvel integrava o patrimônio comum do casal – sua partilha foi, inclusive, determinada na sentença, em capítulo não recorrido -, é de se reconhecer à requerente, data venia, o direito de perceber aluguéis do ex-marido pelo uso exclusivo do bem, a contar da ciência do pedido de arbitramento – mais precisamente da data da contestação, já que o pedido foi formulado posteriormente à citação por comparecimento espontâneo -, e enquanto durar a ocupação exclusiva.

A doutrina explica o fundamento desse direito, que não se condiciona, vale dizer, à demonstração de que a impossibilidade de fruição do bem por um dos cônjuges está a lhe gerar despesas, relacionadas, por exemplo, com moradia – como alegou o requerido, no presente feito (f. 65, acima). Essa circunstância em nada interfere, como se verificará, no direito ao recebimento de pagamento pelo uso:

"Separado o caso, modo frequente, fica o patrimônio na posse de somente um dos cônjuges. Sendo dois os titulares e estando somente um usufruindo do bem, impositiva a divisão de lucros ou o pagamento pelo uso, posse e gozo. Reconhecer que a mancomunhão gera um comodato gratuito é chancelar o enriquecimento injustificado. Assim, mesmo antes da separação judicial e independentemente da propositura da ação de partilha, cabe impor o pagamento pelo uso exclusivo de bem comum" (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2008, p. 301).

A respeito do tema, também a jurisprudência, elucidada no seguinte julgado:

“Recurso especial. Família. Separação litigiosa. Partilha. Ajuizamento de ação de arbitramento de aluguel. Imóvel comum utilizado por apenas um dos cônjuges. Possibilidade. Direito de indenização. Dissídio jurisprudencial demonstrado. Recurso provido. – Conforme jurisprudência pacífica desta Corte, a circunstância de ter permanecido o imóvel comum na posse exclusiva da varoa, mesmo após a separação judicial e a partilha de bens, possibilita o ajuizamento de ação de arbitramento de aluguel pelo cônjuge afastado do lar conjugal e co-proprietário do imóvel, visando a percepção de aluguéis do outro consorte, que serão devidos a partir da citação. – Precedentes. – Recurso provido para reconhecer o direito do recorrente à percepção de aluguel de sua ex-consorte, uma vez que na posse exclusiva do imóvel comum, a partir da data da citação, na proporção do seu quinhão estabelecido na sentença (REsp 673.118/RS, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma, j. em 26.10.2004, DJe de 06.12.2004, p. 337).

O valor da prestação mensal deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, uma vez que não há lastro mínimo ao pedido de R$1.000,00 formulado pela autora, e deverá corresponder a 50% do valor de mercado do aluguel do imóvel, observando-se, assim, a proporção do quinhão deferido na partilha.

Os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça – a partir do dia 5 do mês a que se refere cada prestação – e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da apresentação da contestação no presente feito (já que a citação foi anterior à ciência do pedido de aluguéis, formulado em aditamento da inicial).

Por fim, tenho que não prospera o pedido de reforma da sentença no ponto em que concedeu ao requerido os benefícios da justiça gratuita, na forma da Lei nº 1.050/50.

Isso porque o requerimento de gratuidade de justiça formulado pelo réu na contestação não foi objeto de exame, na ocasião, pela i. Juíza a quo, e, justamente por esse motivo, a questão da justiça gratuita nem sequer foi debatida na demanda. Logo, entendo que o requerido não pode, a essa altura, ser prejudicado com o indeferimento do benefício, sem que lhe tenha sido dada a oportunidade de, eventualmente, contrapor a alegação de que possui condições financeiras de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do seu próprio sustento e de sua família.

Nesse caso, portanto, prevalece a presunção de incapacidade financeira declarada pela parte, nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060/50, porque não apresentadas, no curso do processo, fundadas razões para o indeferimento da benesse. Em caso semelhante, decidiu o STF:

"Se o órgão judiciário competente deixar de apreciar o pedido de concessão do benefício da gratuidade, reputar-se-á tacitamente deferida tal postulação, eis que incumbe à parte contrária o ônus de provar, mediante impugnação fundamentada, que não se configura, concretamente, o estado de incapacidade financeira afirmado pela pessoa que invoca situação de necessidade" (STF, AgRg no Re 245.646, RT 883/156).

No que tange ao valor dos honorários sucumbenciais, não vislumbro motivo relevante a justificar a reforma da sentença nesse particular, que fixou a verba em 15% da condenação.

Com essas considerações, nego provimento ao primeiro recurso e dou parcial provimento ao segundo, para: 

1. Fixar o prazo de duração da pensão alimentícia devida pelo réu à autora em quatro anos;

2. Condenar o requerido a pagar aluguéis mensais à autora, pelo uso exclusivo do imóvel comum do casal, em valor a ser apurado em liquidação de sentença, correspondente a 50% do valor de mercado do aluguel do imóvel, a retroagir à data da apresentação da contestação (14.12.2012) e a perdurar enquanto persistir o uso exclusivo, com incidência de correção monetária pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça – a partir do dia 5 do mês a que se refere cada prestação – e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da data da apresentação da contestação no presente feito (14.12.2012).

Diante da sucumbência mínima da autora, imponho ao réu o pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, mantida a suspensão da exigibilidade na forma da Lei nº 1.060/50.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Geraldo Augusto e Vanessa Verdolim Hudson Andrade.

Súmula – NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO.

Fonte: Recivil – DJE/MG | 25/11/2014.

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Artigo: Reflexões acerca da possibilidade de reparação civil decorrente de abandono afetivo – Por Yves Zamataro

A CF prevê o dever dos pais em assegurar aos seus filhos o direito à dignidade e à convivência familiar.

"Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever" (Ministra Nancy Andrighi)

Recentemente, a 2ª seção do STJ manteve (EResp 1159242), por maioria de votos, decisão de 2012 que obrigou um pai a pagar à sua filha uma indenização no valor de R$ 200 mil, em decorrência de abandono afetivo.

O ministro Marco Buzzi foi incisivo ao afirmar que: "Não se trata de uma impossível obrigação de amar, mas de um dever impostergável de cuidar."

Todavia, ao analisarem o recurso interposto pelo pai e entenderem pela ocorrência efetiva do dano moral, destacaram tratar-se de um caso excepcional.

Dessa forma, restou evidente que inexiste, ainda, um posicionamento pacífico acerca do tema.

De fato, a questão do abandono afetivo impõe uma discussão acerca da possibilidade ou não da reparação do dano moral causado, geralmente ao filho menor, em razão da atitude omissiva do pai no cumprimento dos encargos decorrentes do poder familiar.

Todavia, nossa jurisprudência tem considerado, ainda, a ocorrência do que se denominou "abandono afetivo inverso". Mas o que vem a ser abandono afetivo e abandono afetivo inverso?

O abandono afetivo nada mais é do que a atitude omissiva do pai no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole.

Enquanto que o abandono afetivo inverso deve ser considerado como o abandono dos filhos em relação aos pais, tanto material (alimentos), quanto imaterial (cuidado, afeto, carinho). Nas palavras do desembargador Jones Figueirêdo Alves (PE), Diretor Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), "a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos".1

Como bem se observa, o abandono afetivo diz respeito ao sentimento íntimo do indivíduo.

Pressupõe a ausência total de vínculos afetivos entre pais e filhos.

Suas consequências são danosas, tanto no aspecto psicológico, quanto jurídico.

CF prevê o dever dos pais em assegurar aos seus filhos o direito à dignidade e à convivência familiar, obrigação essa reproduzida nos artigos 4º e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Carta Magna estabelece, ainda, que "os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade" (artigo 229).

Nota-se que nossa Lei Maior fala em "dever"! Portanto, não se trata de simples faculdade. Logo, o seu descumprimento acarreta consequências no âmbito jurídico, especialmente, no campo da responsabilidade civil.

Há que se considerar que o abandono configura um ilícito, previsto em nosso ordenamento jurídico, uma vez que, conforme explicitado acima, se está diante de um "dever" de cuidado entre pais e filhos.

Dispõe o artigo 186 do CC: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

Devemos compreender que o afeto, via de regra, não pode ser considerado como um acessório no "dever" de cuidar, mas sim um elemento fundamental, de extrema relevância no desenvolvimento de uma pessoa e no seu bem estar.

É certo que estamos diante de uma responsabilidade civil estritamente subjetiva.

O dano moral, nesses casos, consiste na afetação dos direitos da personalidade da pessoa, gerando um abalo em sua tranquilidade psíquica. Logo, deve ser muito bem comprovado.

Partindo-se desse pressuposto, deparamo-nos com a problemática do quantum indenizatório cabível nessas situações, sendo certo que o legislador deixou essa questão ao livre arbítrio do juízo que, a partir da análise concreta do caso, calculará a extensão do dano causado.

Para se aferir o valor dessa indenização, além dessa análise criteriosa do caso, deve o Juízo levar em consideração diversos aspectos, tais como o grau de culpa do agente, suas ações e consequências perante a vítima.

Muito embora seja compreensível que o afeto não possa ser reconstituído com o pagamento da indenização, eis que não é passível de quantificação, vale o escopo de "reparação de um dano, de fato, suportado com prejuízos na formação da personalidade e identidade da criança".2

Diversos doutrinadores defendem a perda do pátrio poder como penalidade em caso de abandono afetivo, além da indenização.

Aplicar-se-ia tal medida àquelas situações em que o genitor possuísse sérios desajustes em sua conduta social, associados ao abandono não só afetivo. Em tais hipóteses, inequívoca a existência do dano causado à criança. Então, caberia ao julgador protegê-la, decretando a completa incapacidade daqueles pais de manter alguém sob os seus cuidados.

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Fontes:

1- "Abandono afetivo inverso pode gerar indenização" – IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+ger

ar+indeniza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 13 de novembro de 2014.

2 – “A precificação do abandono afetivo – As consequências jurídicas à luz do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça” – Eddla Karina Gomes Pereira. Disponível em: http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/75/a-precificacao-do-abandono-afetivo-as-consequencias-juridicas-a-263287-1.asp. Acesso em 13 de novembro de 2014.

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* Yves Zamataro é advogado da banca Angélico Advogados.

Fonte: Migalhas.

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TJ/SC isenta pai de alimentar filha que vive em união estável, teve bebê e não estuda

A 1ª Câmara de Direito Civil do TJ reformou parcialmente decisão de comarca do Planalto Serrano que havia extinto o dever de prestar alimentos de um pai em relação à filha, então com 16 anos, em virtude de a garota viver em união estável e já ter uma criança.

No entendimento do desembargador Raulino Jacó Brunning, relator da matéria, não é correto afirmar que a união estável equipara-se ao casamento para efeitos de emancipação, de sorte a ocasionar a extinção do poder familiar e, consequentemente, do dever de prestar alimentos. Nos autos, acrescenta, não existe prova inequívoca de que a garota efetivamente vive nesta condição.

Porém, há forte controvérsia sobre a condição de estudante sustentada pela moça, que, embora matriculada, não apresenta frequência e aproveitamento respectivo. A conclusão da câmara é de que ela somente se matricula nos cursos para demonstrar a condição de estudante e assim garantir o recebimento da pensão, fixada em pouco mais de 40% do salário mínimo.

Nestes termos, a câmara entendeu por fazer cessar tal pagamento na data do 18º aniversário da garota, em janeiro deste ano. "Se, por um lado, os alimentos destinam-se ao custeio das necessidades básicas da prole, por outro, não podem servir de estímulo à ociosidade ou à perpetuação de uma situação confortável, mormente quando estiver o filho em condições de prover ao próprio sustento", finalizou o desembargador Raulino. 

Fonte: TJ/SC | 21/10/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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