CSM|SP: Registro de Imóveis – Bem de família voluntário – Esfera protetiva mais ampla em relação ao congênere legal – Vaga de garagem em condomínio edilício

CSM|SP: Registro de Imóveis – Bem de família voluntário – Esfera protetiva mais ampla em relação ao congênere legal – Vaga de garagem em condomínio edilício – Unidade autônoma com matrícula e designação próprias – Pertença – Bem imóvel funcionalmente ligado à unidade residencial – Permanência e conexão econômica demonstradas – Possibilidade da proteção recair sobre o abrigo de veículos – Viúva reside sozinha – Instituidora e favorecida do bem de família – Admissibilidade – Súmula n.° 364 do STJ – Aplicação extensiva – Interpretação extratextual – Tutela da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e ao patrimônio mínimo – Especificação da entidade de família – Desnecessidade – Suficiente a apresentação da escritura pública para registro onde consta a pessoa favorecida – Exigências afastadas – Dúvida improcedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 0059728-73.2012.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado DAMIANA GOMES OGER.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.

São Paulo, 23 de agosto de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO N° 21.310

REGISTRO DE IMÓVEIS – Bem de família voluntário – Esfera protetiva mais ampla em relação ao congênere legal – Vaga de garagem em condomínio edilício – Unidade autônoma com matrícula e designação próprias – Pertença – Bem imóvel funcionalmente ligado à unidade residencial – Permanência e conexão econômica demonstradas – Possibilidade da proteção recair sobre o abrigo de veículos – Viúva reside sozinha – Instituidora e favorecida do bem de família – Admissibilidade – Súmula n.° 364 do STJ – Aplicação extensiva – Interpretação extratextual – Tutela da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e ao patrimônio mínimo – Especificação da entidade de família – Desnecessidade – Suficiente a apresentação da escritura pública para registro onde consta a pessoa favorecida – Exigências afastadas – Dúvida improcedente – Recurso desprovido.

Inconformado com a sentença que julgou a dúvida improcedente e determinou o registro da escritura de instituição do “bem de família”[1] o Ministério Público do Estado de São Paulo interpôs apelação e, ao prestigiar a desqualificação registral, amparada no princípio da legalidade, argumentou que a proteção legal não pode recair sobre vaga de garagem.[2]

Recebido o recurso no duplo efeito[3], a interessada apresentou resposta e reafirmou a impertinência das exigências formuladas pelo Oficial do 2.° Registro de Imóveis de São José do Rio Preto, uma vez que a vaga de garagem integra o bem imóvel residencial e porque desnecessária a indicação de entidade familiar, admitida a instituição do benefício em favor de pessoas viúvas como a recorrida.[4]

Com a remessa dos autos ao Conselho Superior da Magistratura[5], a Procuradoria Geral de Justiça, após sublinhar que a dúvida está prejudicada, propôs, subsidiariamenle. o provimento do recurso e a recusa de acesso do título ao fólio real.[6]

É o relatório.

A instituição de bem de família em favor da viúva Damiana Gomes Oger,interessada, ora recorrida, objeto da escritura pública lavrada no dia 09 de agosto de 2012, recaiu sobre os imóveis descritos nas matrículas n.°s 30.094 e 30.111 do 2.° Registro de Imóveis de São José do Rio Preto, ambos de propriedade dela, beneficiária.[7]

O juízo negativo de qualificação registral tem dois fundamentos: a) a impossibilidade do bem de família voluntário recair sobre a vaga de garagem (matrícula n.° 30.111) e b) a falta de indicação da entidade familiar beneficiada.[8] E ambos foram questionados quando da impugnação[9], ou seja, a dúvida, improcedente, não está prejudicada.

O bem de família voluntário, embora igualmente importe exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial e vise à proteção da entidade familiar e à garantia do mínimo existencial, não se confunde com o bem de família legal, versado na Lei n.° 8.009/1990.

Segundo a lição de Paulo Lôbo, “o bem de família legal tem por finalidade a proteção da moradia da família, enquanto o bem de família voluntário visa à proteção da base econômica mínima da família”: tem “conteúdo mais aberto e amplo que o primeiro.”[10]

Não se restringe, diversamente do bem de família legal, ao imóvel próprio que serve de residência da entidade familiar, às acessões levantadas, às benfeitorias nele introduzidas e aos bens móveis que o guarnecem[11], e pode abranger, além da morada familiar, com suas pertenças[12] e seus acessórios, outros bens, mesmo desvinculados daquela, como os valoresmobiliários.[13]

Em confronto com o bem de família legal, a esfera de proteção da entidade familiar, com o bem de família voluntário – que, instituído, afasta a incidência da proteção legal -, foi alargada: o legislador infraconstitucional. a despeito das exigências formais, densificou a tutela da dignidade da pessoa humana, do direito social à moradia (artigo 6.° da CF[14]) e do patrimônio mínimo da entidade familiar.

A possibilidade da instituição do bem de família voluntário recair sobre bens não incorporados ao patrimônio dos favorecidos, tanto que passível de ser instituído por terceiro, a imutabilidade relativa da destinaçào dos bens constituídos como bem de família e as limitações à sua alienação reforçam a ampliação do campo protetivo.[15]

Na mesma linha a regra do artigo 1.715, caput. do CC: não obstante acentue o caráter preventivo do bem de família voluntário, a norma, confrontada com a extraída do artigo 3.° da Lei n.° 8.009/1990, é mais restritiva ao tratar das situações que excepcionam a impenhorabilidade, pois, quanto às dívidas posteriores à sua instituição, não estará livre unicamente das execuções de débitos tributários e condominiais relativos ao bem residencial.

Além disso, se, por um lado, a Lei n.° 8.009/1990 afasta a impenhorabilidade dos veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos[16], de outro, ausente regra semelhante no Código Civil, a exclusão não se estende, a priori, ao bem de família voluntário, que, expressamente, a par da referência aos acessórios, alcança aspertenças conexionadas à morada familiar (artigo 1.712 do CC)[17] – em alusão expressiva da largueza da seara protetiva, já que essas são espécies daqueles – e sem restringi-las, como se dá com o bem de família legal ao mobiliário que guarnece o imóvel residencial.

A propósito, se o veículo automotor, considerada a situação concreta, pode ser qualificado como pertença, com mais razão a vaga de garagem voltada ao seu abrigo em condomínio residencial edilício, ainda que, como no caso vertente, unidade autônoma, com fração ideal no terreno, existência independente, matrícula e designação próprias[18], porquanto ligadafuncionalmente à unidade residencial: porque serve, de modo permanente, à sua função econômico-social.

Pietro Trimarchi, ao citar “I’autorimessa destinata al servizio di una casa de abitazione”[l9], Massimo Bianca. ao exemplificar com a conexão funcional entre “un locale di parcheggio e Ia casa di abitazione”[20], e Francisco Amaral, ao referir-se à ligação entre “a área de estacionamento e a casa residencial”[21], prestigiam a conclusão.

E os fundamentos dessa – ligados à amplitude da esfera protetiva do bem de família voluntário, ao seu conteúdo mais aberto e à extensão da tutela,ope legis, às pertenças -, evidenciam a inaplicabilidade do entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, restrito ao bem de família legal, segundo o qual a vaga de garagem, com matrícula própria, pode ser penhorada, porque fora do âmbito de proteção da Lei n.° 8.009/1990.[22]

As ponderações que alicerçaram, no STJ, as vozes dissonantes a respeito da questão, afeta ao bem de família legal, servem, no entanto, à compreensão aqui sustentada, relacionada com o bem de famíliavoluntário, ao afirmarem que a vaga de garagem, embora unidade autônoma, é parte indissociável do apartamento residencial, é extensão deste, ao qual adere, especialmente se restrita sua circulação, sua negociação em separado, enfim, seu tráfego negocial.[23]

A vaga de garagem, na hipótese analisada, mantém um liame deacessoriedade funcional, de modo duradouro, permanente[24], com o apartamento residencial; há um vínculo intencional entre eles; a situação de fato, concreta, exterioriza a relação de pertinencialidade referida por Antônio Junqueira de Azevedo, a conexão de função econômica típica das pertenças, coisas-ajudantes[25], reforçada, com fundo legal (§ 1.° do artigo 1.331 do CC[26]), pela vedação de sua locação e alienação a pessoas estranhas ao condomínio. Como pertença – singularidade também confortada pelos usos de tráfico, pelas concepções sociais[27] -, a vaga de garagem, bem imóvel identificado na matrícula n.° 30.111 do 2.° Registro de Imóveis de São José do Rio Preto, embora não abarcada pelobem de família legal pode ser objeto de bem de família voluntário.[28]

Conquanto o Oficial, diferentemente do assinalado na r. sentença, não tenha excedido os limites do juízo de qualificação registral, exercido com base no princípio da legalidade, a exigência acima examinada é descabida.

Do mesmo modo, e apesar de existir precedente sinalizando, apenas, em outra direção[29], a segunda exigência não prevalece: o comando normativo extraído da Súmula n.° 364 do STJ (“o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”) aplica-se ao bem de família voluntário, embora editada à luz da jurisprudência relativa ao bem de família legal.

A razão inspiradora do preceito sumular, aquela que justificou a extensão da proteção dada pela Lei n.° 8.009/1990, sem limitá-la à concepção estrita de entidade familiar, é a mesma, motivo determinante para disciplinar, também e de maneira idêntica, situação fundamentalmente semelhante, referente ao bem de família voluntário: interpretação extratextual escorada no argumento a simili ou a pari ratione.

Forte nesse sentido é o escólio de Álvaro Villaça Azevedo, ao comentar o artigo 1.711 do CC:

… não pode ser negada a condição de entidade familiar a um dos cônjuges ou conviventes, que, após a separação, passe a viver sozinho, estando a guarda dos filhos com o outro consorte ou companheiro. Podem nem existir filhos; pode, também, um filho viver sozinho, ou um viúvo. A célula familiar e o respeito à família deve existir, sempre, ainda que em uma única unidade, como, por exemplo, o celibatário.[30] (grifei)

A mesma posição é compartilhada por Paulo Lôbo, ao destacar a suavização pontual da visão restritiva de entidade familiar em função da tutela da dignidade humana:

… Em virtude dos precedentes do STJ, que fez sobrelevar o direito fundamental da moradia, para a proteção da impenhorabilidade,entendemos que também pode ser instituído bem de família voluntário para a pessoa solitária, até porque o instituto dirige-se ao futuro e o beneficiário a todo momento pode constituir entidade familiar. Também é beneficiário o remanescente isolado da entidade familiar.[31] (grifei)

Rodrigo da Cunha Pereira trilha idêntico caminho ao orientar-se, num juízo equitativo, pela ampliação do conceito de entidade familiar, ainda que somente para tutela de determinados direitos, de forma a proteger a família unipessoal, os singles, os que, não vinculados maritalmente, optam ou são levados a viverem sozinhos (remanescente de família, solitários por convicção e celibatários, por exemplo):

Se o argumento contrário ao “ser família” é o próprio unitarismo de sua formação, conquanto que o elo de afeto pressupõe pelo menos um outro,deve-se usar, como defesa, a ponderação no sentido de que deve ser, na hipótese, também resguardada a dignidade da pessoa humana e autonomia do sujeito que se identifica como família, ainda que seja apenas para reconhecimento e proteção de determinados direitos.Neste sentido é que os tribunais reconheceram dita entidade familiar para fins de aplicação da proteção contida na Lei n. 8.009/90, por conjugar com o princípio da dignidade humana…[32] (grifei)

A solução preconizada mais se impõe se valorado, conforme antes ressaltado, que se buscou, com o bem de família voluntário, em cotejo com o bem de família legal, potencializar a tutela da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e ao patrimônio mínimo.

Justifica-se igualmente sob o aspecto econômico, do direito de crédito, preocupação manifestada por aqueles que se guiaram por posição oposta ao texto sumulado (possível estímulo aos maus pagadores)[33], atenuada, todavia, porque o bem de família voluntário não pode ultrapassar 1/3 (um terço) do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição (artigo 1.711,caput, do CC[34]), ao reverso do bem de família legal passível de tutelar o único bem do devedor.

Adere-se, assim, em relação ao precedente isolado acima mencionado, ao entendimento exposto no voto vencido, de autoria do Desembargador Munhoz Soares, que deixou expresso a extensão dos efeitos da Súmula n.° 364 do STJ ao bem de família voluntário, então com oportuna observação, presa às regras dos artigos 1.721 e 1.722 do CC[35]:

A instituição feita por escritura não implicará efeito diverso do que se verifica no caso em que a instituição é feita pelo pai de família e a restrição prevalece posteriormente em favor de um dos integrantes da família: viúvo, viúva, filho etc.

Em todas essas hipóteses, haverá proteção a um dos integrantes da família, que remanesceu, mas que, nessa ocasião, já não terá família a proteger:[36]

Desnecessária, portanto, in concreto, a indicação da entidade de família beneficiada: ao contrário do precedente invocado pelo Oficial, antes comentado[37], não se roga coisa diversa da que consta no título: a apresentação da escritura pública, onde consta a viúva, aqui recorrente, como instituidora e favorecida vitalícia[38], é suficiente, no caso, para o registro da instituição de bem de família voluntário em seu favor.

Pelo todo aduzido, nego provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:
[1] Fls. 78/81.

[2] Fls. 83/87.

[3] Fls. 88.

[4] Fls. 91/112.

[5] Fls. 113/114.

[6] Fls. 118/121.

[7] Fls. 51/52.

[8] Fls. 49.

[9] Fls. 58/71.

[10] Direito Civil: famílias. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 398 e 405.

[11] Artigo 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único.
A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

[12] O artigo 93 do Código Civil dispõe: “são pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.” Para Orlando Gomes,“denominam-se pertenças as coisas acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas principais, sem que destas sejam parte integrante. Conservam a identidade e não se incorporam à coisa a que se juntam. As pertenças são, por outras palavras, coisas acessórias, que o proprietário mantém intencionalmente empregadas num imóvel para servir à finalidade econômica deste. A conexão econômica é necessária à sua caracterização.” (Introdução ao Direito Civil. 19.ª ed. Atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 212.). Também esclarecedora é a lição de José Carlos Moreira Alves,que destaca, como caráter definidor da pertença, o fato de não ser fundamental para a utilização de uma coisa – ou seja, acrescento, não condiciona o uso do bem ao qual serve -, ao contrário da parte integrante,que expressa um grau de vinculação mais íntimo entre os bens (A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novoCódigo Civil brasileiro. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 42-43.).

[13] Artigo 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Artigo 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. (…).

[14] Artigo 6°. São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[15] Artigo 1.711. (…).
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Artigo 1.717. O prédio e os valores imobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.
Artigo 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.

[16] Artigo 2°. Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

[17] Conforme Paulo Lôbo, “tais bens podem se enquadrar no conceito de pertenças. A obra de arte adquirida para aformosear a casa é sua pertença. Do mesmo modo o adorno suntuoso. Até mesmo o automóvel, empregado para o transporte das pessoas que habitam a casa e que dele necessitam para tal fim, especialmente quando situada em local mais distante, é pertença, o que o envolve com o manto protetor da impenhorabilidade.” (op. Cit,. p. 409).

[18] Fls. 51, cláusula 1.ª. b.

[19] Istituzioni di Diritto Privato, 18.ª ed. Milão: Giuffrè Editore, 2009, p. 91.

[20] Diritto Civile: Iaproprietà, Milão: Giuffrè Editore, 1999, p. 69, v. VI.

[21] Direito Civil: introdução, 6.ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 333.

[22] Embargos de Divergência em Recurso Especial n.° 595.099/RS, relator Ministro Felix Fischer, julgado em 02.08.2006; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.° 1.058.070/RS, relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 16.12.2008.

[23] Recurso Especial n.° 222.012/SP, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 10.12.1999; Recurso Especial n.° 595.099/RS, relator Ministro Franciulli Netto, julgado em 15.04.2004; Recurso Especial n.° 776.611/SP, relator Ministro Jorge Scartezzini. julgado em 12.12.2005.

[24] “Il requisito delia durevolezza va inteso non come perpetuità ma come stabilità della funzione assegnata alla pertinenza.” (C. Massimo Bianca, op. cit., p. 72).

[25] Bens acessórios. In: Estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 80-91.

[26] Artigo 1.331. (…)
§ 1°. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio,salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (grifei).

[27] José Carlos Moreira Alves sublinha: “o conceito de pertença é objetivo e não subjetivo; depende consequentemente dos usos de tráfico, ou seja, das concepções sociais.” (A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2.ª ed. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 43.). Não destoa Antônio Junqueira de Azevedo, de acordo com quem “os usos são de grande importância na caracterização das pertenças.” (op. cit., p. 87).

[28] Os bens imóveis podem ser pertenças (cf. Francisco Amaral, op. cit., p.332.: Eduardo Ribeiro de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil.Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 103-104. v. II.: Marcelo Junqueira Calixto. Dos bens. In: A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Gustavo Tepedino (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 149-175.).

[29] CSM – Apelação Cível n.° 990.10.027.101-6, relator para acórdão Desembargador Luis Ganzerla, julgado em 14.09.2010. A irregistrabilidadedo título foi confirmada, mas por fundamento diverso da sentença, que, no que interessa, afastou a aplicação da Súmula n.° 364 do STJ ao bem de família voluntário. O v. acórdão, no entanto, amparou-se na imperfeição da escritura pública, pois se rogou, em declaração aparte, a instituição de bem de família voluntário em favor de casal homoafetivo, elemento essencial omitido no título, de cuja formação, ademais, o companheiro do instituidor não participou. Por isso, a falta de especificação na escritura pública da entidade familiar beneficiada teve relevância: pediu-se algo diverso do que documentado no título. De todo modo, ficou assinalado no voto vencedor que, embora possível a instituição de bem de família voluntárioem prol de pessoa solteira, seus efeitos são restritos à impenhorabilidade e à destinação domiciliar, com o que não se concorda, pois, ao privar aquela e, por conseguinte, as pessoas viúvas, separadas e divorciadas que vivem sozinhas da plena proteção garantida pelo instituto, nega-lhes, no fundo, o benefício.

[30] Comentários ao Código Civil: parte especial: direito de família. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17, v. 19.

[31] Direito Civil: famílias. 4:ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, P. 409.

[32] Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 209.

[33] Cf. votos vencidos proferidos nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.° 182.223/SP, relator para acórdão Ministro Humberto Gomes de Barros, Julgado em 06.02.2002.

[34] Artigo 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. (grifei) Cf. também fls. 51 verso, cláusula 6.ª.

[35] Artigo 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.
Parágrafo único.Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.
Artigo 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.

[36] CSM – Apelação Cível n.° 990.10.027.101-6, relator para acórdão Desembargador Luis Ganzerla, julgado em 14.09.2010.

[37] Cf. nota de rodapé n.° 29.

[38] Fls. 51 verso, cláusula 3.ª.

Fonte: Blog do 26 – DJE I 08/10/2013.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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Publicidade passiva X publicidade ativa

* Vitor Frederico Kümpel

A publicidade é um dos princípios mais caros ao bom funcionamento da atividade notarial e registral. A primeira parte da lei dos Registros Públicos (artigos 1º ao 28) prestigia sobremaneira a publicidade e a conservação dos assentos. O objetivo maior é proteger o terceiro consulente do sistema para que seus direitos sejam verificados pelo maior número de pessoas garantindo a qualidade de terceiro de boa fé para aquele que se certifica dos direitos a fim de se opor ou não ao efetivo titular.

Na visão de Hely Lopes Meirelles, por exemplo, a publicidade é a "divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos". Ela é necessária, portanto, para que seja adquirida validade e/ou eficácia universal de determinado documento, perante as partes diretamente ligadas ao mesmo bem como perante terceiros.

Mais do que um princípio da administração pública em geral, a publicidade foi alçada a princípio constitucional por força de sua inserção no art. 37, caput da Constituição Federal. Por conta disso, deve ser aplicado à atividade dos notários e registradores, tornando-se um princípio intrínseco, basilar de ambas as atividades. Além de princípio norteador, é ainda uma das finalidades dos atos realizados nos Tabelionatos e Ofícios de Registro.

Walter Ceneviva, de forma bastante didática, na sua festejada obra lei dos Registros Públicos comentada, nos ensina os três vértices fundamentais que pode assumir a publicidade. A tríplice função da publicidade registraria é composta pela (i) transmissão de conhecimento da informação do direito correspondente ao conteúdo do registro a terceiros interessados ou não interessados; (ii) o sacrifício parcial da privacidade e intimidade das pessoas, informando bens e direitos que esta possua, a benefício das garantias advindas do registro; e (iii) servir para fins estatísticos, de interesse nacional ou fiscalização pública.

Na sociedade neopositivista, em que a ética é o preceito balizador de toda a atividade pública, resguarda a publicidade, a transparência que deve estar contida na conduta dos Oficiais das serventias, de molde a nos interessar a grande dicotomia: publicidade passiva e publicidade ativa. O objetivo deste artigo é justamente diferenciar ambas e entender como elas se aplicam e como informam a atividade notarial e registral.

A publicidade ativa, como o próprio nome diz, é aquela na qual o registrador tem que ir ao encontro do particular a fim de garantir-lhe determinada informação. O registrador pode fazê-lo por meio de uma notificação ou mesmo por meio de uma publicação em periódico ou de forma editalícia. Portanto, o particular, recebe a informação que passa assim a gerar eficácia erga omnes. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que o Registro de Pessoas Naturais é obrigado a publicar proclamas de casamento, como prevê o art. 43 da lei 6.015/73, lei de Registros Públicos; ou, por exemplo, nos casos em que o Oficial do Registro de Imóveis deve publicar os pedidos de registro de loteamento e desmembramento para que possa ser impugnado em até 15 dias, como prevê o artigo 19 da lei 6.766/79. Podendo ser citado ainda o Registro de Títulos e Documentos no qual o Oficial notifica todos os interessados de uma alienação fiduciária, art. 129, V, lei 6015/73.

A publicidade ativa está, normalmente, ligada à possibilidade que se deve conceder aos terceiros de impugnar a solicitação que está sendo feita nas serventias. Essa espécie de publicidade, ainda, pode ser relacionada com os registros obrigatórios e com a relativização do princípio da observância do sigilo, justamente para garantir a observância geral e irrestrita dos elementos contidos nos assentos e nos demais documentos constantes dos Ofícios de Registro.

A outra classificação de publicidade é a publicidade passiva. Como o nome bem esclarece, é a situação em que o registrador aguarda a consulta a ser formulada na sua serventia. Portanto, a publicidade é passiva para o registrador e ativa para o interessado, que é obrigado a procurar o ofício de registro a fim de obter certidão para tomar ciência de determinado título, documento ou assento presente no sistema registral. Por regra geral, qualquer interessado pode requerer uma certidão, sem que haja necessidade de justificar o pedido ou demonstrar qualquer relação com as partes às quais o documento faz referência.

Esse direito do terceiro e, ao mesmo tempo, obrigação do Oficial de fornecer a informação é a publicidade passiva acima mencionada. Em texto normativo, esse assunto é tratado pelo art. 17 da lei 6.015/73, a lei de Registros Públicos, que prevê exatamente essa obrigação de fornecer a informação solicitada.

O sistema registral é bastante rigoroso e prevê sanções bastante contundentes para o cumprimento da publicidade passiva, pois existe uma presunção absoluta, ou ficção, não admitindo prova em contrário, de que a obtenção de certidão é de direito de todos, com acesso irrestrito. Não é sem motivo que o direito à obtenção de certidão tem sido garantido tanto de forma virtual, como sem custo, para qualquer interessado. Tanto isso é verdade que as serventias são obrigadas a fornecer pronta busca do que se lhe requer e no prazo máximo e improrrogável de 5 dias. Não é sem sentido afirmar ser mais importante garantir a publicidade para os terceiros do que propriamente lavrar determinado assento.

Percebe-se assim que a publicidade nada mais é do que a base do serviço notarial e registral. Uma pessoa interessada em arquivar um documento poderia guardá-lo consigo ou mesmo levá-lo a um banco e deixá-lo apenas em um local seguro. O que visa o interessado que se dirige ao ofício de registro, no entanto, é obter mais do que a segurança de que determinado documento ou registro será lavrado e arquivado em local seguro. O grande objetivo é que a informação seja evocada e disponibilizada o mais rápido possível para qualquer um que requeira.

A grande diferença entre a publicidade ativa e passiva não está no simples fato do Oficial buscar o terceiro ou aguardar a sua presença na serventia, as duas se complementam porque existem situações em que o interessado não tem como saber do ato de registro e outras nas quais ele tem como saber e, portanto, buscar a referida informação.

A questão na prática é bastante complexa, tanto que gera muita confusão, inclusive entre os doutos e cultos. Podemos dar como exemplo o art. 496 do Código Civil, tão estudado e festejado. O referido dispositivo determina ser anulável a venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e do cônjuge do alienante. A recente VI Jornada de Direito Civil da Justiça Federal estabeleceu o enunciado 545 que determina: "O prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absoluto, em se tratando de transferência imobiliária, a partir da data do registro de imóveis". O referido enunciado parece confundir a publicidade em questão. A pergunta bastante simples: como os demais descendentes terão ciência que o ascendente fez uma escritura de compra e venda com outro descendente e registrou a venda? A única maneira que poderiam ter ciência é comparecendo sistemática e periodicamente no Ofício de Registro de Imóveis, pleiteando certidão de todos os imóveis de seu ascendente, coisa que não parece razoável. O Oficial do Registro de Imóveis em questão não irá procurar nem notificar os demais descendentes para comunicar-lhes a venda (publicidade ativa). Dessa sorte, não há como garantir ciência inequívoca dos demais descendentes, a não ser provavelmente quando da abertura da sucessão d ascendente em questão. Para o enunciado em si, teria operado a decadência do direito dos descendentes, o que por si só é um absurdo.

É possível concluir, portanto, que o profissional do direito precisa estar atento aos efeitos da publicidade registral como salvaguarda da cidadania.

______________________

* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas I 01/10/2013.

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STJ: É possível adoção póstuma, mesmo quando não iniciado o processo em vida

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível a adoção póstuma, mesmo que o processo não tenha sido iniciado com o adotante ainda vivo. A maioria do colegiado seguiu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, que sustentou a necessidade de se reconhecer que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não limita a adoção póstuma aos casos em que o desejo de adotar é manifestado ainda em vida. 

“O texto legal, na verdade, deve ser compreendido como uma ruptura no sisudo conceito de que a adoção deve-se dar em vida”, assinalou a ministra. 

Segundo ela, a adoção póstuma se assemelha ao reconhecimento de uma filiação socioafetiva preexistente. No caso julgado, essa relação foi construída pelo adotante falecido desde que o adotado tinha seis meses de idade. 

“Portanto, devem-se admitir, para comprovação da inequívoca vontade do adotante em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotado como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”, afirmou a ministra. 

Elementos probatórios

A ministra ressaltou que o pedido judicial de adoção, antes do óbito, apenas selaria, com a certeza, qualquer debate que porventura pudesse existir com relação à vontade do adotante. 

Segundo ela, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul constatou, com os elementos probatórios disponíveis, que houve manifestação da vontade do adotante, embora não concretizada formalmente. 

“Consignou-se, desde a sentença, que o recorrido (adotado) foi recebido pelo adotante como filho, assim declarado inclusive em diversas oportunidades em que o conduzira para tratamentos de saúde”, destacou a ministra Andrighi. 

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ I 24/09/2013.

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