Artigo: É possível revogar uma procuração com cláusula de irrevogabilidade? – Por Luis Flávio Fidelis Gonçalves

* Luis Flávio Fidelis Gonçalves

É POSSÍVEL REVOGAR UMA PROCURAÇÃO COM CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE?

É comum aparecer na serventia um usuário solicitando a lavratura de um ato notarial de revogação de procuração que ele mesmo outorgou com cláusula de irrevogabilidade. Em um exame leigo e superficial do caso poder-se-ia concluir: ora, se ele deu uma procuração dizendo ser irrevogável, não pode agora querer revogar.

Porém, existem situações em que se torna inafastável a postura do Tabelião de lavrar a revogação da procuração, ainda que o outorgante tenha inserido cláusula de irrevogabilidade. Situações fáticas e questões jurídicas fundamentam esta conclusão.  

Veja-se o caso da esposa que outorga procuração com cláusula de irrevogabilidade ao marido para que ele administre o patrimônio da família. Havendo quebra de fidelidade, por exemplo, fatalmente estará aniquilada a confiança embasadora da outorga, não sendo crível que esta esposa fique impossibilitada de revogar os poderes que outorgou quando o afeto vigia.

Outra situação que se teve conhecimento foi a de uma pessoa que outorgou procuração para que um despachante procurasse e adquirisse um imóvel para ela. Esse despachante fez inserir outros poderes na procuração, passando a contrair obrigações em nome da mandante e ainda a gravou com cláusula de irrevogabilidade. Seria razoável impedir que a outorgante revogasse unilateralmente esta procuração pelo fato de conter cláusula de irrevogabilidade?

Diante dessas situações, o Tabelião deve se valer de alguns institutos jurídicos para embasar a sua decisão de lavrar ou não o pretendido ato.

Em primeiro lugar, importante diferenciar procuração e mandato, apesar de que em muitos momentos o próprio legislador confunde tais institutos.

Mandato é contrato, e pode ser bilateral quando o mandatário for remunerado ou unilateral quando gratuito. É ainda consensual, aperfeiçoando-se com a mera manifestação de vontade e informal, vez que sequer precisa ser instrumentalizado (Art. 656 do Código Civil). Finalmente, é um contrato preparatório que visa outra relação jurídica e também personalíssimo, calcado na confiança.

Por seu turno, a procuração é um ato jurídico unilateral, por meio do qual uma pessoa outorga poderes de representação para outrem. A outorga da procuração pode ser anterior, concomitante ou posterior ao contrato de mandato. Ela servirá apenas para instrumentalizar o mandato para um terceiro.

Com essas premissas, pode-se adentrar ao âmago da questão, ou seja, saber se é possível revogar uma procuração que contenha cláusula de irrevogabilidade.

As causas de extinção da procuração seguem as mesmas diretrizes da extinção do mandato, incluindo-se apenas a hipótese de substabelecimento sem reserva. Nesta senda, a revogação e a renúncia são formas de resilição unilateral, sendo permitidas apenas nas hipóteses previstas em lei.  Não se trata, então, de resilição bilateral que se daria por distrato, com a participação das duas partes, mas sim de ato unilateral de revogação quando a extinção se der pelo outorgante ou renúncia, quando pelo outorgado.

O Art. 683 do Código Civil trata exatamente da revogação do mandato (e procuração) que contém cláusula de irrevogabilidade, senão vejamos:
Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos”.

Nota-se que o dispositivo prevê expressamente a possibilidade de revogação de mandato ainda que haja cláusula de irrevogabilidade, fazendo apenas menção de que tal revogação poderá ensejar o pagamento de perdas e danos (se houver, é claro).

Neste mesmo sentido, basta uma análise superficial dos institutos mandato e procuração para que se possa concluir a possibilidade de sua revogação mesmo que haja cláusula de irrevogabilidade.

Etimologicamente, no direito romano, a palavra mandato provém da expressão “manus dare”, que significa “dar as mãos”, configurando contrato de confiança e amizade. Assim, a representação convencional é sempre temporária e excepcional, sendo que ninguém pode ser privado de retomar a direta administração de seus interesses quando lhe aprouver.

Conforme os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, o mandato “É contrato personalíssimo ou intuitu personae porque se baseia na confiança, na presunção de lealdade e probidade do mandatário, podendo ser revogado ou renunciado quando aquela cessar e extinguindo-se pela morte de qualquer das partes. Celebra-se o contrato em consideração à pessoa do mandatário, sendo, destarte, a fidúcia o seu pressuposto fundamental. Como conseqüência, é essencialmente revogável, salvo as hipóteses previstas nos arts. 683 a 686, parágrafo único, do Código Civil. Cessada a confiança, qualquer das partes pode promover a resilição unilateral (ad nutum), pondo termo ao contrato”.

Silvio de Salvo Venosa também trata da característica da revogabilidade intrínseca do mandato: “(…) Fundado na confiança, a qualquer momento pode o mandante revogá-lo, da mesma forma que pode o mandatário a ele renunciar. Pela revogação, o mandante suprime os poderes outorgados. Essa revogação constitui, na verdade, uma denúncia vazia ou imotivada do contrato de mandato, pois independe de qualquer justificativa. Ao mandante cabe julgar o interesse de manter ou não o mandatário. Essa revogação é ato unilateral, independe de justificação ou aceitação do mandatário. Pode ocorrer antes ou durante o desempenho do mandato."

Arrematando, Fábio Ulhôa Coelho assevera que: “Até mesmo quando a procuração contempla cláusula de irrevogabilidade, o mandante pode, em princípio, revogar o mandato. Nesse caso, está obrigado a arcar com a indenização pelos danos que isso trouxer ao mandatário (CC, art. 683), que terá, por exemplo, direito à remuneração proporcional à evolução das tratativas com os potenciais interessados”.

Desta forma, resta claro que a regra é da possibilidade de se lavrar um ato notarial de revogação de mandato e de procuração ainda que contenha cláusula de irrevogabilidade. Porém, existem situações em que efetivamente o mandato é irrevogável. São as hipóteses dos Art. 684 e 685 do Código Civil, que cominam de ineficaz eventual revogação.

A primeira hipótese de efetiva irrevogabilidade se dá quando a procuração estiver vinculada a outro contrato em que se firmou a irrevogabilidade. Ocorre normalmente quando há uma promessa irretratável de compra e venda juntamente com a outorga de procuração para a celebração do contrato definitivo.

Outra situação ocorre quando a procuração é outorgada no exclusivo interesse do outorgado, ou seja, quando os benefícios dos poderes conferidos são voltados ao próprio mandatário. Dá-se em regra quando a prestação que seria devida por uma das partes é substituída pela outorga de uma procuração.

Finalmente, será irrevogável o mandato conferido “em causa própria” ou “in rem suam”. Esta hipótese decorre normalmente de um contrato preliminar de compra e venda em que há quitação do preço, mas as partes de comum acordo firmam mandato irrevogável ao invés do contrato definitivo.

Somente nestas três hipóteses que o mandato e a procuração não poderão ser revogados. No mais, ainda que contenha cláusula de irrevogabilidade o Tabelião poderá lavrar o ato notarial de revogação da procuração.

Nota-se que este tema já foi objeto de aferição pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, cominando nos dois julgados dois julgados paradigmas que seguem:
Mandado de Segurança – Revogação de Mandato com cláusula de irrevogabilidade – Falta de notificação ao outorgado – Pretensão à nulificação da revogação da procuração pública – Rejeitado, liminarmente, com fundamento no art. 267, IV, do CPC – Admissibilidade da revogação, com fundamento no art. 683 do Código Civil – Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível nº 0013435–58.2011.8.26.0292 – Jacareí – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Renato Delbianco – DJ 27.03.2013)

Neste processo o relator faz as seguintes ponderações:
… a cláusula de irrevogabilidade deixa de ter natureza absoluta, melhor comportando à situação a admissibilidade de revogação, assim estabelecida na hipótese disposta no art. 683 do Código Civil, que mesmo excetuando a regra geral da revogabilidade dos contratos de mandato, aventa a possibilidade de sua revogação com perdas e danos. Concluindo, possível sim a revogação do instrumento com cláusula de irrevogabilidade, consubstanciado no disposto trazido no art. 683 do Código Civil, recaindo o fato trazido na exordial, na excepcionalidade da regra geral do contrato de mandato, contudo com previsão de revogabilidade, com repercussão em perdas e danos. Assim sendo, não vislumbro ato abusivo ou ilícito do notário, acertada a decisão do MM. Juiz a quo, não merecendo o recurso acolhimento”.

Processo 0023661-82.2012.8.26.0100 da 2ª VRP|SP: Procuração com cláusula de irrevogabilidade. Revogação. Possibilidade. Contrato fundado na confiança que dura enquanto persistir essa confiança. O mandante pode proceder à revogação, respondendo, no entanto, pelas perdas e danos que causar (artigos 683 e 684 do Código Civil) 

O Relator do julgado assim assevera:
Inteiramente fundado na confiança, o mandato só deve durar enquanto persistir essa confiança. Portanto, mesmo que convencionada a irrevogabilidade, ou estabelecido um período de validade, nada impede possa a mandante proceder à revogação, sujeitando-se, no entanto, a responder pelas conseqüências que seu ato provocar. Nesse sentido, Ap. c/Revisão nº 583.486.00/9 9ª Câmara Rel. Juiz Gil Coelho J. 30.08.00 do 2º TAC e Apel. Cível do 1º TAC nº 0415249-8 1ª Câmara Rel. de Santi Ribeiro, J. 27.11.89, no sentido de que a existência de cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade é irrelevante para o deferimento da revogação do mandato, respondendo em tal hipótese pelas perdas e danos infligidas ao mandatário. A propósito, essa é a orientação traçada no atual Código Civil (artigos 683 e 684)”.

Portanto, caberá ao Tabelião analisar caso a caso para aferir se está diante de uma das hipóteses em que a lei veda a revogação da procuração que contenha cláusula de irrevogabilidade ou se mesmo contendo tal cláusula poderá lavrar a revogação apenas com a presença do outorgante.

Bibliografia
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 386.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. 3, p. 296.
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 325.

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1ªVRP/SP: uma escritura só pode ser retificada por outra escritura

Processo 1013414-54.2014.8.26.0100 – Retificação de Registro de Imóvel – Retificação de Área de Imóvel – NAIR CHINATO ROSSI e outros – “Retificação de escritura pública. Impossibilidade. Ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, que só pode ser retificado por outra escritura pública” Vistos. Trata-se de pedido de retificação de escritura pública formulado por Nair Chinato Rossi, Antonio Chinato, Armando Chinato e Neide Aparecida Chinato Manfredi, objetivando a alteração do ato lavrado perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 31º Subdistrito da Capital – Pirituba, para que na qualidade de herdeiros e donatários, possam assinar em nome dos doadores falecidos a Escritura de Retificação da doação realizada, mais especificamente em relação à metragem descrita nos imóveis doados, permitindo assim, a transferência da titularidade do domínio. Manifestação do Oficial do 16º Registro de Imóveis (fl. 118). Aduz, em apertada síntese que em decisão anteriormente proferida por este Juízo, envolvendo as mesmas partes, foi determinada a manutenção do óbice registrário, onde os requerentes pretenderam unificar os dois imóveis, cuja soma das áreas não coincide no título apresentado. O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls.122/123). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Oficial Registrador e a Douta Promotora de Justiça. A escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente. Assim, conforme entendimento sedimentado pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, o juiz não pode substituir o notário ou qualquer uma das partes, retificando escrituras que encerra o ato que denota tudo o que se passou e que foi declarado perante o agente público. Segundo o ilustre jurista Narciso Orlandi Neto: “Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova preconstituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado.” (Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 90). E ainda segundo Pontes de Miranda: “falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial” (Cfr. R.R. 182/754 – Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo III, 3ª ed., 1970, Borsoi, § 338, pág. 361). Não há de ser acolhido o simples argumento dos requerentes acerca do falecimento dos doadores, pois tais argumentos devem ser veiculados perante o juízo do inventário ou o juízo comum, buscando-se, no primeiro caso, um alvará para realização do ato, e, no segundo, o suprimento do consentimento. Ademais, deve ser observada a decisão denegatória de retificação de área, anteriormente proferida por este Juízo e pleiteada pelos requerentes, tendo em vista que o procedimento retificatório aduzido pelo artigo 213 da Lei 6.075/73 é aquele de fácil constatação, não prejudicando direito de terceiros, o que não se verificou na hipótese. Notem os requerentes a sugestão fornecida pela Douta Promotora de Justiça à fl.123 para resolução do impasse. Ante o exposto, indefiro o pedido de retificação de escritura pública formulado por Nair Chinato Rossi, Antonio Chinato, Armando Chinato e Neide Aparecida Chinato Manfredi e consequentemente, julgo extinto o feito com resolução do mérito, nos temros do artigo 269, I do CPC. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARIA ISABEL JACINTO (OAB 128444/SP) (D.J.E. de 26.05.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 26/05/2014.

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2ª VRP|SP: Processo administrativo – Depósito de valores em conta corrente pessoal do preposto – Declaração de endereço de realização do ato (em diligencia) não mencionada no ato – Irregularidades – Fiscalização e controle dos atos realizados na delegação sob responsabilidade exclusiva do Tabelião – Instauração de processo administrativo disciplinar.

Processo 0037463-16.2013.8.26.0100 

Processo Administrativo – REGISTROS PÚBLICOS – A.K. e outro – VISTOS. Trata-se de representação apresentada pela Sra. A K relatando supostas irregularidades em contrato de doação de imóveis de sua propriedade sob forma pública lavrado na Delegação Correspondente ao (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, porquanto não se recorda de ter comparecido à serventia e tampouco reconhece como suas as assinaturas apostas. Requereu ainda a juntada de cartões de firma existente no mencionado tabelionato e na delegação correspondente ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do (…)º Subdistrito da Comarca da Capital (às fls. 02/19). O Senhor Tabelião juntou documentos e pugnou pela regularidade do ato notarial a par de equívoco da escrevente ao mencionar sua realização em cartório quando o fora na rua Macau, 328 (às fls. 17/19 e 23/41). A Sra. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do (…)º Subdistrito da Comarca da Capital apresentou os documentos requeridos (as fls. 48/57). Foi deferido o acesso aos registros pela representante (as fls. 59). Houve a juntada de documentos a pedido do Sr. Tabelião (as fls. 60 e 67/71), bem como este juntou laudo pericial acerca da autenticidade das assinaturas da representante (as fls. 73/123). A representante referiu a cobrança de valores indevidos e requereu sua devolução em décuplo, bem como o acesso aos atos para realização de perícia (as fls. 125/131), houve informação do juízo de já se haver deferido o acesso aos atos para perícia (as fls. 134/135). O Sr. Tabelião informou a aplicação de repreensão à Sra. Escrevente que realizou o ato e também de advertência por haver recebido a quantia de R$ 550,00, mencionado que não houve dolo no recebimento de sua parte (as fls. 143/145 e 149/161). A representante roborou suas assertivas anteriores e informou não ter condições financeiras de realização de perícia no momento (as fls. 163 e 167/168). O Ministério Público manifestou-se a fl. 169 reiterando suas proposições anteriores. É o breve relatório. DECIDO. A atuação desta Corregedoria Permanente limitar-se-á à decisão acerca de dois aspectos: (i) exame da devolução de valores com incidência de multa e, (ii) análise da responsabilidade administrativa disciplinar em face do Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital. Como se observa de fls. 131 e da afirmação do Sr. Tabelião houve o pagamento da importância de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) à Sra. Escrevente T M C Z, inclusive esse fato resultou na aplicação de advertência pelo Titular da Delegação (as fls. 149/161). Esse valor foi recebido sem recibo e depositado na conta pessoal da Sra. Escrevente, o que é absolutamente irregular. Igualmente não convence o argumento de que se destinava a cobrir deslocamentos, mormente ao se considerar que o ato constou, erradamente, como se tivesse sido praticado na serventia. Nessa perspectiva é possível qualificar esse fato como recebimento indevido de emolumentos pela preposta escolhida pelo Sr. Tabelião na forma dos arts. 20 e 21 da lei 8.935/94. De outra parte, na medida em que a preposta age nos limites e sob ordens do Titular da Delegação, a quem compete rigorosa fiscalização dos atos atribuídos, aquela o responsabiliza pela exigência indevida e ilegal de emolumentos. Nestes termos, concluo pela exigência e cobrança de emolumentos a maior pelo Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital mediante ato da Escrevente que nomeou e atuou por força da referida nomeação, ficando afastada a justificativa daquele no sentido que a responsabilidade é única da escrevente por não ter praticado o ato diretamente. A devolução de valores acrescidos de multa (pena privada) em favor da parte está previsto no art. 32 da Lei Estadual n. 11.331/02. A aplicação da multa pretendida pela representante exige dois pressupostos: (i) a natureza de emolumentos e (ii) má-fé, representado pelo dolo no sentido de exigir valores sabidamente indevidos. Os valores na forma como exigidos tiveram natureza (indevida) de emolumentos não se provou outra razão, a alegação de despesas de condução não é aceitável por incompatível com o montante, aliás, na fundamentação da aplicação da pena de advertência o Sr. Tabelião foi expresso ao mencionar a incompatibilidade de valores (a fl. 159) e tampouco foi apresentado qualquer recibo naquele sentido. Sabidamente não é possível ao Sr. Titular da Delegação venire contra factum proprium por meio de alegações contraditórias no tempo. A má-fé, consoante pacífico entendimento da E. Corregedoria Geral da Justiça (nesse sentido, Proc. CG n. 2012/108699 e 2012/00061322), deve estar caracterizada para aplicação do disposto no art. 32, parágrafo 3º, da Lei Estadual n. 11.331/02. No caso em julgamento esta caracterizada a má-fé pelo fato dos valores serem indevidos e mais, foram depositados em conta pessoal da Sra. Escrevente. Diante disso, presentes os pressupostos legais cabe aplicação da pena privada prevista no referido diploma legal, de forma que caberá ao (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital a restituição do décuplo da quantia indevidamente cobrada. Além disso, são devidos correção monetária e juros moratórios, estes, por meio da aplicação analógica do disposto no art. 398 do Código Civil, incidem desde a data do fato, no caso, a compensação do cheque (30.01.2013, fl. 131) uma vez que o ato tem a configuração de ilícito administrativo. A correção monetária igualmente é devida desde a data da compensação do cheque, ou seja dia 30.01.2013 (a fl. 131). Para atualização monetária e juros moratórios deverá ser aplicada a taxa SELIC por englobar ambos consoante entendimento jurisprudencial. Além disso, também cabe aplicação de multa nos termos do art. 32, inc. I, da Lei Estadual n. 11.331/02. Considerado o valor cobrado indevidamente, tenho por proporcional e razoável a aplicação da multa em seu patamar mínimo de 100 (cem) UFESP’s. Passo a tratar da responsabilidade administrativa disciplinar do Sr. Tabelião. São fortes os indícios de ilícito administrativo pelas seguintes razões: a. cobrança de valores indevidos a título de emolumentos como exposto; b. indicação nas escrituras de que o ato fora realizado na sede da serventia, quando o foi em diligência na Rua Macau, 328, São Paulo/SP (as fls. 09/14 e 23). Ainda que o Sr. Tabelião não tenha participado diretamente dos atos, a escrevente atuou sob sua designação e nomeação, destarte, há indícios de ilícito administrativo da parte do Titular consistente na falta de orientação, fiscalização e controle dos atos realizados na delegação sob sua responsabilidade. Nestes termos, segue portaria que instaura processo administrativo disciplinar em face do Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital. De outra parte, não há indícios de que a Sra. Representante não tivesse assinado os atos notariais, pelo contrário, o laudo juntado pelo Sr. Tabelião (as fls. 73/123) dá conta que as assinaturas foram apostas por aquela, portanto, incabível qualquer medida administrativa nesse sentido. Outrossim, diante da natureza do caso, que aparentemente se reveste de colorido penal, reputo conveniente a extração de peças de todo o expediente para encaminhamento à Central de Inquéritos Policiais e Processos CIPP, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal para conhecimento e providências tidas por pertinentes. Ante ao exposto: a. determino ao Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital a devolução do décuplo da quantia de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) atualizada monetariamente e com incidência de juros moratórios pela taxa Selic desde 30.01.2013 a partir da impossibilidade da interposição de recursos administrativos desta decisão; b. aplico em desfavor do Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital a multa consistente em 100 (cem) UFESP’s a partir da impossibilidade da interposição de recursos administrativos desta decisão e, c. instauro processo administrativo disciplinar em face do Sr. (…)º Tabelião de Notas da Comarca da Capital. Proceda-se a extração de autos suplementares para as questões concernentes a multa e restituição determinada, devendo os autos originais acompanharem o processo administrativo disciplinar ora instaurado. Encaminhe-se cópia desta decisão à E. Corregedoria Geral da Justiça para conhecimento e eventuais providências tidas por pertinentes no exercício do Poder Hierárquico ao qual está submetida esta Corregedoria Permanente. Ciência ao Ministério Público. No mais cumpra-se o determinado na Portaria, juntando-se o presente expediente àquela. Intimem-se. – ADV: LUIZ FELIPE DAL SECCO (OAB 155062/SP), MARCELO VIEIRA VON ADAMEK (OAB 139152/SP) (D.J.E. de 09.05.2014 – SP)

Fonte: DJE/SP | 09/05/2014.

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