A atividade notarial e registral na perspectiva do usucapião administrativo – Por: Vitor Frederico Kümpel

* Vitor Frederico Kümpel

Na coluna de hoje trabalharemos a modalidade de Usucapião Administrativa instituída pela lei 11.977/2009, que adotou o Programa Minha Casa Minha Vida, em benefício da regularização fundiária no Brasil. O intuito é desenvolver a potencialidade das atividades notarial e registral na perspectiva do fenômeno da desjudicialização, em atendimento à EC 45 de 2004 com a reforma do Judiciário.

Somente na Justiça estadual paulista existem mais de 20 milhões de processos em andamento, em uma cultura de litigiosidade descontida e difusa. Frente a tal situação, as atividades Notarial e Registral surgem sob o viés da desjudicialização, bem como da jurisdição voluntária, na linha da prevenção de litígios e da administração pública dos interesses privados.

Nesse sentido, o Programa Minha Casa Minha Vida, em busca da celeridade prometida pelos métodos adequados de resolução de conflitos (sistema multiportas – o melhor método em cada caso), instituiu o usucapião administrativo a fim de desafogar as prateleiras do Judiciário de milhares de ações de usucapião, consequência do histórico nacional de ocupação irregular de terras. Trata-se de modalidade única no ordenamento brasileiro, instituída exclusivamente pela referida lei (PMCMV).

O programa estabeleceu, então, que o detentor do título de legitimação de posse, pode requerer ao oficial registrador de imóveis a conversão deste título em registro de propriedade por usucapião (usucapião especial), após a decorrência de cinco anos do registro da legitimação (art. 60). O propósito é regularizar a posse em assentamentos e facilitar a aquisição de unidades habitacionais pela população de baixa renda. Nesse sentido, a legitimação de posse e a usucapião atuam como instrumentos da concretização do direito social à moradia e do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, além do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).

A legitimação de posse funda-se no princípio social da propriedade, bem como nas diretrizes gerais de política urbana (arts. 182 a 191 CF). Trata-se de questão extremamente complexa, que paira no cenário brasileiro desde a famosa Lei de Terras de D. Pedro II, lei 601 de 1850. Temos, portanto, na Legitimação de Posse um instituto verdadeiramente nacional, assim determinado no art. 5º da Lei de Terras "serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas de primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de culturas, e moradia habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente (…)". Nesse sentido, podemos definir a legitimação de posse como a "exacração de ato administrativo, através do qual o poder público reconhece ao particular que trabalha na terra a sua condição de legitimidade; outorgando, ipso facto, o formal domínio pleno"1.

Ainda antes da vigência da lei 601/50, a lei 514 de 28 outubro de 1948, reportava-se a legitimações sem mencionar a espécie ou forma, autorizando a cobrança tributária sobre imóveis então legitimados. A lei imperial de terras foi efetivamente a primeira que se preocupou com a regularização fundiária e com a invasão de terras e autorizou a permanência nos imóveis decorrentes de concessões sesmariais. A circular 260 de 1863 mandou dar preferência aos posseiros cujas posses tivessem sido anuladas para adquirirem por compra as terras correspondentes, sendo esta a pedra basilar da estrutura jurídico-agrária implantada no Brasil. O tempo de posse necessário para a referida regularização era de cincos anos antes da medição, e, depois da mesma, pelo prazo de dez anos. Já na época, era indispensável a posse mansa e pacífica, a ocupação primária cultivada e a moradia habitual do posseiro ou preposto e, por fim, o não incurso em comisso. Essas mesmas bases foram mantidas pela lei 6383/76 e pela Lei do PMCMV, todas mantendo a mesma base relacional.

Assim, na atualidade, uma das grandes novidades da lei PMCMV foi a introdução da legitimação de posse no Sistema Registral brasileiro. O instituto foi introduzido no artigo 167, inciso I, itens 41 e 42, da Lei de Registros Públicos.

Nessa linha, a lei 11.977/2009, é a primeira a regulamentar especificamente o assunto em âmbito extrajudicial. Em termos procedimentais, atribuiu ao registrador a capacidade para emissão do documento de Legitimação da Posse, por meio do qual o Poder Público confere ao cidadão um justo título, que constitui direito ao possuidor (art. 59), em benefício da segurança jurídica de milhares de pessoas. Para tanto, temos os requisitos da usucapião especial (art. 183 CF), além da necessidade do imóvel fazer parte do procedimento de regularização fundiária de interesse social e de que o título de legitimação de posse seja registrado a mais de cinco anos.

Em 2011, a lei 12.424 alterou a lei 11.977 de 2009, estendendo a usucapião administrativa às áreas com mais de 250 m2 e facultando a conversão dos títulos em usucapião. Por conseguinte, os registros dos primeiro títulos de legitimação de posse são datados de 2011, logo, computado o prazo de cinco anos, os títulos poderão ser convertidos em domínio apenas em 2016.

Entendemos, dessa forma, que o usucapião via extrajudicial já via plenamente existente no Brasil e se mostra ainda viável, devido à menor complexidade da prova documental. As circunstâncias fáticas quanto à existência ou inexistência da situação possessória podem ser verificadas e demonstradas amplamente, pois se trata de uma prova predominantemente objetiva. Na verdade, o que ocorre é umajustificação material que gera a conversibilidade da posse em uma relação dominial, por meio do usucapião em decorrência da prévia legitimação de posse.

Temos, portanto, um procedimento menos complexo, que não exige a apreciação pelo magistrado. Contudo, o Judiciário não deixa de controlar, orientar e fiscalizar o procedimento do usucapião administrativo, tal como ocorre com a lei 11.441/2007.

Contudo, embora a lei PMCMV tenha privilegiado a via extrajudicial de resolução de conflitos, em momento algum mencionou a participação da figura do Tabelião de Notas na regularização fundiária. As tarefas de notificação dos proprietários e confrontantes e de promoção da tentativa de acordo entre impugnante e o Poder Público, foram atribuídas apenas ao Registrador Imobiliário. No mesmo sentido, o novo Código de Processo Civil, prevê o pedido de reconhecimento extrajudicial do usucapião diretamente ao Ofício de Registro de Imóveis, bastando, para tanto, o requerimento do interessado, representado por advogado e instruído apenas de ata notarial que ateste o tempo de posse do requerente.

No entanto, sob influência do exemplo português foi proposto no Brasil projeto de lei em que o procedimento é desenvolvido fundamentalmente pelo Tabelião de Notas. Em Portugal, o notário atua diretamente no usucapião administrativo por meio da lavratura da Escritura Pública de Justificação Notarial (embora o procedimento como um todo lá também seja gerido na Conservatória Imobiliária pelo registrador). A opção é justificada em torno da competência do tabelião para recepcionar a vontade das partes, expressando-as em termos jurídicos para o aperfeiçoamento e a segurança do ato pretendido. Ademais, como profissional do direito, o tabelião já é especializado na condução de atos de espécies semelhantes, como no caso, já exemplificado, dos inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais.

Sob tal projeto, caberia ao tabelião dar início à legitimação de Posse, tutelando as primeiras declarações, bem como a justificação da posse e a lavratura da escritura declaratória de usucapião, a qual seria apresentada posteriormente ao Registrador Imobiliário. Assim, o Tabelião de Notas lavra a escritura declaratória em nome dos requerentes do usucapião, após a conferência da inexistência de matrícula ou transcrição anterior no Registro de Imóveis, da documentação completa para o exame preliminar e da ausência de manifestação de oposição. Caso haja impugnação, também caberia ao Tabelião a audiência de conciliação entre os interessados, e, em caso de acordo, faculta-se a lavratura da Escritura Pública Declaratória em nome dos requerentes. Temos, portanto, uma liturgia notarial que instrumentalizaria a mediação entre os interesses jurídicos, finalizando com a lavratura do acordo, mediante escritura pública.

Contudo, o projeto permaneceu estagnado, ganhando prestígio apenas a atuação registral para o procedimento do usucapião administrativo. Argumenta-se que o procedimento notarial atravancaria o processo.

Todavia, dentre as inúmeras possibilidades e maneiras de intervenção extrajudicial na questão, a ideia saudável é retirar da esfera exclusiva do Judiciário a questão da regularização de posse e usucapião. O que ocorre é um processo de desjudicialização, que, de modo algum, reduz o prestígio do judiciário, muito pelo contrário, é ganho mútuo a operadores e usuários da Justiça, pois confere seletividade à atuação do magistrado dentro de suas funções típicas.

Na verdade, em vista do sucesso do instituto, os esforços devem se deslocar ao aparelhamento das serventias extrajudiciais, com pessoal qualificado, tanto por meio do concurso de seleção dos oficiais, quanto pelo treinamento e capacitação dos profissionais. Nessa linha, reduziríamos ainda o subaproveitamento das atividades extrajudiciais, que são completamente aptas a atuar lado a lado do Judiciário, sob a hipótese da jurisdição voluntária.

O usucapião administrativo, muito embora sem a vertente notarial, é, hoje, fato consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que a legislação de posse é conversível em propriedade em cumprimento à função socioeconômica ambiental. Ademais, o legislador foi arrojado ao autorizar à posse e à sua conversão o assento na tábula registral. É uma adaptação histórica antropológica da realidade social no sistema jurídico formal, em consonância com o fenômeno da inclusão social.

_________________

1. Luiz de Lima Stefanini, A propriedade do Direito AgrárioSão Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

_________________

Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD – Escola Paulista de Direito.

Fonte: Migalhas | 27/05/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Notários elegem nova Diretoria do CNB/SP para o biênio 2014 – 2016

Reunidos no dia 17 de março na sede social do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) em Assembleia Geral Ordinária (AGO), notários paulistas elegeram a nova diretoria da seccional paulista, que será presidida pelo 7º Tabelião de Notas de Campinas, Carlos Fernando Brasil Chaves. O novo presidente será responsável pela administração da entidade até 2016. 

Membro do Conselho de Ética do CNB/SP desde 2012, Carlos pretende dar continuidade no que se refere aos aprimoramentos da atividade notarial e, para isso, conta com uma equipe de extrema competência. “Nunca tivemos uma chapa tão robusta no sentido das experiências agregadas: temos três ex-presidentes do CNB/SP e uma ex-presidente da Anoreg/SP. Esse conjunto tende a ser vitorioso porque todos têm a mesma intenção de fazer com que a função notarial tenha o respeito devido dentro das instituições e da sociedade”, declarou.

O novo presidente assumiu que suceder o Mateus Brandão Machado não será das tarefas mais fáceis já que considera a sua gestão uma das mais bem-sucedidas em termos de conquistas para o notariado. “Eu me orgulho muito de fazer parte dessa gestão que apresentou novas Normas de Serviço à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que investiu pesado na consolidação das nossas Centrais, que contribuiu com os tabeliães de menores municípios para sua informatização através dos sistemas de gerenciamento, que conquistou a materialização e a desmaterialização com a possibilidade das autenticações digitais, entre outros diversos feitos”, analisou.

Carlos Fernando Brasil Chaves finalizou seu discurso esclarecendo o método que pretende utilizar para a nova gestão.  “Podem ter certeza que eu vou me esforçar ao máximo e trazer uma contribuição de forma ininterrupta, incansável junto à diretoria naquilo que for pertinente e ao notariado, conforme o que o cargo exige”, comprometeu-se.

Veja abaixo a nova composição da diretoria do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP):

BIÊNIO 2014 A 2016

Presidente

CARLOS FERNANDO BRASIL CHAVES

1ª Vice-Presidente

LAURA RIBEIRO VISSOTTO 

2º Vice-Presidente

UBIRATAN PEREIRA GUIMARÃES 

1º Secretário

MÁRCIO PIRES DE MESQUITA

2ª Secretária

JUSSARA CITRONI MODANEZE

1º Tesoureiro

PAULO TUPINAMBÁ VAMPRÉ

2ª Tesoureira                               

MARIA BEATRIZ LIMA FURLAN

Diretora de eventos e relações públicas

ANA PAULA FRONTINI                                                                              

Conselho Fiscal

ANDREY GUIMARÃES DUARTE

LUCIANA DE VITA ARRUDA 

MATEUS BRANDÃO MACHADO

Suplentes

ELZA DE FARIA RODRIGUES

ERICH KLAUSS TAVARES METZGER 

THIAGO LOBO BIANCONI 

Conselho de Ética 

DEMADES MÁRIO CASTRO

PATRÍCIA MOREIRA DE MELLO ALVES 

SÉRGIO RICARDO WATANABE      

Suplentes

FLÁVIA REGINA ORTIZ STREHLER 

GUILHERME BOTTA TABACH 

VALESKA VITORIANO BARBOZA

Fonte: CNB/SP | 17/03/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Artigo: Cartórios como referência para outros setores – Por: Otávio Guilherme Margarida

* Otávio Guilherme Margarida

Entre as poucas certezas da vida, uma delas é que todo cidadão mais cedo ou mais tarde irá precisar dos cartorários extrajudiciais. Segundo estimativa da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, uma pessoa adulta precisa recorrer ao menos 10 vezes a esses cartórios. Alguns acham que é uma burocracia desnecessária, mas o fato é que nenhum país funciona sem um sistema que assegure a veracidade de diversos tipos de atos. Quando nascemos, quando morremos, quando adquirimos um imóvel, quando nos separamos, quando financiamos um automóvel, quando nos graduamos. 

A atividade notarial e registral faz parte das nossas vidas e é ela quem irá nos garantir "segurança jurídica". Caso contrário, todos nós estaríamos sujeitos, por exemplo, que alguém contestasse a real propriedade de nossa casa ou que a pessoa sem certidão de nascimento não tivesse os direitos de cidadania garantidos pelo Estado. É uma atividade pouco reconhecida e muito discriminada, mas sem ela a sociedade experimentaria intermináveis disputas. 

No Brasil todo são mais de 13 mil serventias à disposição da população, funcionando de forma privada e sob forte fiscalização dos órgãos responsáveis. Em Santa Catarina, os cartórios têm se tornado referência para outros setores. O alto investimento em informatização, estrutura, capacitação dos colaboradores e qualidade de atendimento já conferiu aos nossos notários o título do Estado brasileiro mais premiado no último Prêmio Qualidade Total, no qual todas as 23 serventias laureadas passaram por auditoria independente. 

Vale ressaltar que os cartórios catarinenses cobram as taxas mais baixas do país, com algumas unidades (principalmente as do interior) se mantendo com subsídios, para que não fechem as portas e deixem a população sem o serviço necessário.

_________

* Otávio Guilherme Margarida é Presidente da Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina.

Fonte: Diario Catarinense | 05/02/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.