Direito das Sucessões – Recurso Especial – Sucessão aberta na vigência do Código Civil de 1916 – Cônjuge sobrevivente – Direito real de habitação – Art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916 – Extinção – Constituição de nova entidade familiar – União estável – Recurso especial provido – 1. O recurso especial debate a possibilidade de equiparação da união estável ao casamento, para fins de extinção do direito real de habitação assegurado ao cônjuge supérstite – 2. Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação enquanto permanecer viúvo – 3. A atribuição do direto real de habitação consiste em garantia do direito de moradia por meio da limitação do direito de propriedade de terceiros, uma vez que herdeiros e legatários adquirem o patrimônio do acervo hereditário desde a abertura da sucessão, por força do princípio da saisine – 4. Conquanto o marco para extinção fizesse referência ao estado civil, o qual somente se alteraria pela contração de novas núpcias, não se pode perder de vista que apenas o casamento era instituição admitida para a constituição de novas famílias – 5. Após a introdução da união estável no sistema jurídico nacional, especialmente com o reconhecimento da família informal pelo constituinte originário, o direito e a jurisprudência paulatinamente asseguram a equiparação dos institutos quanto aos efeitos jurídicos, especialmente no âmbito sucessório, o que deve ser observado também para os fins de extinção do direito real de habitação – 6. Tendo em vista a novidade do debate nesta Corte Superior, bem como a existência de um provimento jurisdicional que favorecia o recorrido e o induzia a acreditar na legitimidade do direito real de habitação exercido até o presente julgamento, deve o aluguel ser fixado com efeitos prospectivos em relação à apreciação deste recurso especial – 7. Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.617.636 – DF (2016/0202048-0)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : MILENE FERREIRA DO SACRAMENTO LIMA

RECORRENTE : MAURICIO FERREIRA DO SACRAMENTO

RECORRENTE : MILSON FERREIRA DO SACRAMENTO

ADVOGADOS : FABRICIO COUTINHO PETRA DE BARROS – DF023012

MARCELO BATISTA DE SOUZA – DF030893

RODRIGO D’ANGELO CAVALLARI – DF031247

MAURO FERREIRA DO SACRAMENTO E OUTRO(S) – DF040520

RECORRIDO : MILTON PORTELA DO SACRAMENTO

ADVOGADO : JULIANA NUNES ESCORCIO LIMA MOURA – DF034507

INTERES. : MAURO FERREIRA DO SACRAMENTO

INTERES. : MARIANA FERREIRA DO SACRAMENTO

EMENTA

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.611, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXTINÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE NOVA ENTIDADE FAMILIAR. UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O recurso especial debate a possibilidade de equiparação da união estável ao casamento, para fins de extinção do direito real de habitação assegurado ao cônjuge supérstite.

2. Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação enquanto permanecer viúvo.

3. A atribuição do direto real de habitação consiste em garantia do direito de moradia por meio da limitação do direito de propriedade de terceiros, uma vez que herdeiros e legatários adquirem o patrimônio do acervo hereditário desde a abertura da sucessão, por força do princípio da saisine.

4. Conquanto o marco para extinção fizesse referência ao estado civil, o qual somente se alteraria pela contração de novas núpcias, não se pode perder de vista que apenas o casamento era instituição admitida para a constituição de novas famílias.

5. Após a introdução da união estável no sistema jurídico nacional, especialmente com o reconhecimento da família informal pelo constituinte originário, o direito e a jurisprudência paulatinamente asseguram a equiparação dos institutos quanto aos efeitos jurídicos, especialmente no âmbito sucessório, o que deve ser observado também para os fins de extinção do direito real de habitação.

6. Tendo em vista a novidade do debate nesta Corte Superior, bem como a existência de um provimento jurisdicional que favorecia o recorrido e o induzia a acreditar na legitimidade do direito real de habitação exercido até o presente julgamento, deve o aluguel ser fixado com efeitos prospectivos em relação à apreciação deste recurso especial.

7. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 27 de agosto de 2019 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Cuida-se de recurso especial interposto por Milene Ferreira do Sacramento Lima e outros fundamentado na alínea a do permissivo constitucional.

Depreende-se dos autos que Milton Portela do Sacramento interpôs agravo de instrumento, no qual impugnava decisão interlocutória que declarou não ter o recorrido direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do casal, em virtude de ter contraído união estável, e determinou o pagamento de aluguéis aos filhos do casal, ora recorrentes.

O Tribunal de origem deu provimento ao referido agravo, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 369-372):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE CÔNJUGE SUPÉRSTITE. INVENTARIANTE QUE ERA CASADO COM INVENTARIADA, SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, COM QUEM CONSTITUIU FAMÍLIA, TEVE 5 (CINCO) FILHOS E JUNTOS ADQUIRIRAM, EM 30 DE OUTUBRO DE 1981, O IMÓVEL OBJETO DO LITÍGIO. ARTIGO 1.611, § 2°, do CC/1916. ABERTURA DA SUCESSÃO NA VIGÊNCIA DO CC/16. POSTERIOR CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. IRRELEVÂNCIA. TEMPUS REGIT ACTUM.

AGRAVO PROVIDO.

1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão, em ação de inventário, que determinou ao recorrente o pagamento de aluguéis em razão de ocupação exclusiva de imóvel integrante do espólio. 1.1. O recorrente sustenta fazer jus a direito real de habitação sobre o bem, nos termos do art. 1.611 do CC/1916, apesar de ter constituído união estável após o óbito de sua esposa.

2. Restou incontroverso, até porque expressamente reconhecido pela decisão recorrida, que o inventariante, ora agravante, ocupa o imóvel, com exclusividade, há quase 24 (vinte e quatro) anos. 2.1 Imóvel este adquirido pelo inventariante e sua finada esposa no dia 30 de outubro de 1981, portanto, há 34 (trinta e quatro) anos.

3. Deve o caso ser examinado à luz do Código Civil de 1916, porquanto era a legislação vigente à data da abertura da sucessão (arts. 1.787 do CC/2002 e 1.577 do CC/1916). 3.1 Aplicação do princípio tempus regit actum.

4. O Direito Real de Habitação constitui vertente dos direitos de fruição sobre o bem imóvel alheio, com a particularidade de apresentar exclusiva finalidade de moradia, em caráter personalíssimo e a título gratuito. No âmbito sucessório, o instituto apresenta notório propósito humanitário, ao conferir maior estabilidade econômica e emocional ao cônjuge sobrevivente, autorizando-o a permanecer na antiga morada do casal, mesmo após o falecimento do consorte e ainda que existam outros herdeiros do bem.

5. Atualmente, por força do disposto no artigo 1831 do CC/2002, assegura-se a vitaliciedade de tal benesse, independentemente do regime de bens estabelecido no matrimônio, sob a condição de que o imóvel em questão seja o único da herança destinado à residência familiar. 5.1. Na codificação anterior, aplicável à presente lide, o direito real de habitação não apresentava tamanha abrangência, sua concessão restringia-se àqueles casados sob regime de comunhão universal, e apenas enquanto permanecessem em estado de viuvez. (art. 1611 § 2° do CC/1916). 5.2 Destarte, “No Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente, além de figurar na terceira classe da ordem à vocação hereditária, tinha a proteção complementar do usufruto vidual e do direito real de habitação (art. 1611, §§ 1° e 2°). O direito real de habitação era assegurado ao cônjuge casado pela comunhão universal de bens, em caráter vitalício e enquanto permanedesse viúvo, tendo por objeto o imóvel residencial da família, desde que o único dessa natureza. O usu fruto vidual era conferido aos cônjuges casados por outros regimes de bens, que não o da comunhão universal, correspondendo ao usufruto da quarta parte dos bens deixados pelo de cujus, se houvesse filhos, e metade, no caso de herdeiros descendentes” (in Código Civil Comentado, 6a edição, Manole, Coordenador Ministro Cezar Peluso, pág. 2213), havendo ainda a necessidade de se proceder ao registro imobiliário, porque deriva do direito sucessório e não no de família (art. 167, 1, “g”, Lei 6.015/73).

6. Ficou incontroverso, neste feito, que a casa conserva finalidade habitacional, bem como que o agravante contraiu matrimônio com a de cujus sob o regime de comunhão universal de bens.

7. O Estado civil corresponde à situação da pessoa natural com relação ao matrimônio ou à sociedade conjugal, apresentando-se sob as espécies: solteiro, casado, separado, divorciado e viúvo. 7.1 “Não sendo definida a união estável como estado civil, quem assim vive não é obrigado a identificar-se como tal. Não falta com a verdade ao se declarar solteiro, separado, divorciado ou viúvo.” (DIAS, Maria Berenice Dias, Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2008, p. 162). 7.2 O projeto de Lei 1.779/2003, com a finalidade de definir o estado civil para “conviventes” continua em trâmite no Parlamento, não podendo o seu teor surtir efeitos jurídicos.

8. Quando o direito real de habitação foi introduzido no Código Civil de 1916, pela Lei 4.121/1962, nem mesmo era reconhecida a união estável como entidade familiar, o que passou a ocorrer apenas após vigência das Leis 8971/1994, 9278/1996 e do art. 226, § 3° da Constituição Federal de 1988.

8.1 Não cumpre ao intérprete ampliar conceitos restritivos de direitos, atribuindo significação extensiva às expressões normativas “viver e permanecer viúvo”, porquanto à época equivaliam, unicamente, a não constituir novo casamento.

9. Causa estranheza e também perplexidade a exigência por parte dos filhos agravados de que o pai arque com “aluguéis” para permanecer na casa que ele mesmo adquiriu e onde a família reside desde 1981, não se podendo olvidar, também, que “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (art. 3° Lei 10.741/03). 9.1 Cabe ao Poder Judiciário fazer cumprir a lei neste pais.

10. Aliás, o fato de os agravados supostamente passarem por dificuldades financeiras não representa argumento hábil a justificar a imposição da aludida contraprestação pecuniária ao genitor.

11. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido.

No presente recurso especial, os recorrentes alegam violação dos arts. 1.611, § 2º, do CC/1916. Asseveram que o Tribunal de origem, ao reconhecer que o estado de viuvez não cessa pela união estável, mas tão somente por novo casamento, contrariou o sentido da norma. Sustentam que a regra legal se refere à constituição de nova família, o que, à época, era equivalente a não contrair novas núpcias, uma vez que a união estável não era admitida como entidade familiar.

Contrarrazões apresentadas (e-STJ, fls. 506-515).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

Cinge-se a controvérsia a definir se a constituição de união estável após a abertura da sucessão, ocorrida sob a vigência do revogado Código Civil, era suficiente para fazer cessar o direito real de habitação.

1. Circunstâncias fáticas dos autos

Conforme consta da decisão de primeiro grau de jurisdição, o recorrido foi casado em regime de comunhão universal de bens com Harcilene Ferreira do Sacramento. Desse casamento, nasceram os ora recorrentes.

Em 2/8/1990, Harcilene Ferreira do Sacramento faleceu, dando ensejo à abertura da sucessão, cujo inventário se processa nos autos de origem do agravo de instrumento, cujo acórdão é impugnado pelo presente recurso especial.

Após deferido o direito real de habitação ao recorrido, na condição de cônjuge sobrevivente, ainda no curso da ação de inventário, este constituiu união estável lavrada em escritura pública em 1º/9/2000. Desde então, o recorrido permanece habitando o imóvel do casal extinto, agora com sua nova companheira.

Em 17/10/2013, os recorrentes peticionaram ao Juízo da ação de inventário, ainda em curso, requerendo que fosse arbitrado aluguel, em razão da ocupação do imóvel, mesmo porque o direito real de habitação teria cessado, em virtude da constituição da união estável.

2. O direito real de habitação e seus limites no CC/1916

De início, ressalta-se que os limites do direito real de habitação devem aqui ser sopesados à luz do CC/1916, uma vez que a sucessão se rege pela legislação vigente no momento de sua abertura e tanto o direito real de habitação do cônjuge supérstite como o usufruto vidual eram institutos típicos de direito sucessório.

Nesse sentido (sem destaques no original):

DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DIREITO DE USUFRUTO PARCIAL. ART. 1.611, § 1º. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART. 1.831 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE. VEDAÇÃO EXPRESSA DO ART. 2.041 DO NOVO DIPLOMA. ALUGUÉIS DEVIDOS PELA VIÚVA À HERDEIRA RELATIVAMENTE A 3/4 DO IMÓVEL.

1. Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, a viúva que fora casada no regime de separação de bens com o de cujus, tem direito ao usufruto da quarta parte dos bens deixados, em havendo filhos (art. 1.611, § 1º, do CC/16). O direito real de habitação conferido pelo Código Civil de 2002 à viúva sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens do casamento (art. 1.831 do CC/02), não alcança as sucessões abertas na vigência da legislação revogada (art. 2.041 do CC/02).

2. No caso, não sendo extensível à viúva o direito real de habitação previsto no art. 1.831 do atual Código Civil, os aluguéis fixados pela sentença até 10 de janeiro de 2003 – data em que entrou em vigor o Estatuto Civil -, devem ser ampliados a período posterior.

3. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.204.347/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 2/5/2012)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. SUCESSÃO. ABERTURA. CÓDIGO CIVIL DE 1916. DESCENDENTES. EXISTÊNCIA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMÓVEL. AQUISIÇÃO. ANTERIOR AO CASAMENTO. PROPRIEDADE EXCLUSIVA DO FALECIDO. MEAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PARCELAS VINCENDAS DEVIDAS. CURSO DO PROCESSO. FINAL DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL. ART. 557 DO CPC/1973. OFENSA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em verificar se (i) em ação de cobrança de cotas condominiais o cônjuge sobrevivente é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, porquanto não ostenta a qualidade de herdeira do falecido, proprietário do imóvel em discussão, e (ii) se são devidas as parcelas vencidas no curso do processo, inclusive aquelas em data posterior à prolação da sentença.

3. Na hipótese, o imóvel foi adquirido exclusivamente pelo falecido em data anterior ao casamento contraído sob o regime de separação parcial de bens com o cônjuge supérstite. Nessa condição, a viúva não possui direito à meação do bem, que não se comunica entre os nubentes.

4. A questão sucessória deve ser dirimida pela lei vigente à época da abertura da sucessão, no caso, o Código Civil de 1916.

5. Pelo princípio da saisine (artigo 1.572 do Código Civil de 1916), com a morte do titular do direito, transmitem-se imediatamente a posse e propriedade de seus bens aos herdeiros, independentemente da abertura de inventário.

6. Nos termos do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente só ostenta a qualidade de herdeiro na hipótese de inexistência de descendentes e ascendentes do titular da herança, de acordo com a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.603 do referido diploma legal, situação não configurada no caso dos autos.

7. Não cabendo à viúva nenhum quinhão na herança do falecido, não pode ser ela obrigada a responder pelo inadimplemento das cotas condominiais de imóvel do titular da herança ainda não submetido ao processo de inventário, sendo de rigor sua exclusão do polo passivo da lide.

8. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido que, na ação de cobrança de cotas condominiais, são devidas todas as parcelas que se vencerem no curso do processo, durante todo o período que perdurar a relação obrigacional, por se tratarem de prestações periódicas, nos termos do art. 290 do Código de Processo Civil de 1973.

9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp n. 1.704.579/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 7/12/2018)

No caso dos autos, a sucessão foi aberta sob a vigência do CC/1916, com os acréscimos da Lei n. 4.121/1962, o qual estabeleceu o usufruto vidual e o direito real de habitação em favor do cônjuge supérstite.

Assim, estabelecia o texto legal então vigente (sem destaques no original):

Art. 1.611. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estavam desquitados.

§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filho dêste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do “de cujus”.

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

Da leitura do texto legal percebe-se, portanto, que ambos os institutos tinham por destinatário o viúvo do autor da herança, além de sujeitar os referidos benefícios a uma condição resolutiva, porquanto o benefício somente seria assegurado enquanto perdurasse o estado de viuvez.

Nota-se ainda que, conquanto o direito real de propriedade tenha adquirido novos contornos no atual Código Civil, o direito real de habitação é um limite imposto ao exercício da propriedade alheia sobre o bem. Constitui-se em favor legal ou convencional, por meio do qual se assegura ao beneficiário o direito limitado de uso do bem, para moradia com sua família, não podendo alugar, tampouco emprestar a terceiros, resultando, por outra via, em óbice à utilização e fruição do bem pelo proprietário. Esses eram seus contornos genéricos estabelecidos no art. 747 do CC/1916.

De outro lado, seja na vigência do Código Civil revogado, seja no atual, o proprietário tem, em regra, o poder de usar, fruir e dispor da coisa, além do direito de reavê-la do poder de quem a detenha ou possua injustamente. Estas faculdades inerentes ao direito de propriedade, passam a integrar o patrimônio dos herdeiros legítimos e testamentários no exato momento em que aberta a sucessão, conforme preceitua o princípio da saisine (art. 1.572 do CC/1916 e 1.784 do CC/2002), ainda que de forma não individualizada.

Portanto, não se pode perder de vista que a própria regra do art. 1.611, § 2º, do CC/1916, ao estipular direito real de habitação legal, restringe, inequivocamente, o exercício do direito de propriedade, de modo que a aplicação do benefício previsto no dispositivo deve respeitar uma interpretação restritiva.

Com essas lentes, deve-se perquirir se a constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão é fato equiparado ao casamento, apto, por isso, a afastar o estado de viuvez eleito pelo legislador como condição resolutiva do direito real de habitação do cônjuge supérstite.

Nesse diapasão, resta-nos ainda enfatizar que a referida união estável, no caso concreto, foi constituída por escritura pública no ano de 2000, quando já plenamente vigentes a Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 9.278/1996. À vista desse arcabouço legal, que sucedeu à edição da Lei n. 4.121/1962 no tempo, esta Corte Superior, por diversas vezes, laborou no sentido de reconhecer a plena equiparação entre casamento e união estável, numa via de mão dupla.

No que se refere especificamente ao direito real de habitação é de se rememorar que o referido benefício foi estendido também para os companheiros com nítido intuito de equiparação entre os institutos do casamento e da união estável. Todavia, ao estendê-lo, a Lei n. 9.278/1996 deixou de subordinar o direito real ao regime de bens adotado na união estável – correlação que ainda era exigida para o casamento. Diante dessa situação, esta Terceira Turma entendeu por abolir a exigência do regime de bens também para os cônjuges, antecipando a reforma da lei civil, que somente entraria em vigor em 2003.

Nesse sentido:

DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.

1.– O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens.

2.– A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento.

3.– A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002.

4.– Recurso Especial improvido.

(REsp n. 821.660/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 17/6/2011)

É verdade que essa extensão se deu para beneficiar aqueles que sobreviveram ao óbito de seu companheiro ou cônjuge, resultando em inegável ampliação das hipóteses legais de limitação ao direito de propriedade dos filhos havidos do casal ou unilateralmente do de cujus. Contudo, o que é relevante para a hipótese dos autos é se notar que a união estável, mesmo antes do atual Código Civil, foi sendo paulatinamente equiparada ao casamento para fins de reconhecimento de benefícios inicialmente restritos a um ou outro dos casos. A despeito da origem de matizes divergentes – o formalismo do casamento e o informalismo da união estável –, a proteção é dirigida notadamente à entidade familiar, de modo que a origem de sua constituição passa a ser absolutamente irrelevante do ponto de vista jurídico (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008, p. 408).

Coerente com esse movimento legislativo e jurisprudencial, portanto, é a equiparação plena entre as consequências jurídicas advindas do casamento e da união estável também para os fins de caracterizar a efetiva implementação da condição resolutiva do direito, nos termos em que eram estabelecidos no CC/1916. Desse modo, não se sustenta a fundamentação do acórdão recorrido que, apoiando-se em premissas de interpretação literal e restritiva, afasta a união estável, reconhecendo que o direito do cônjuge supérstite somente se extinguiria por meio da contração de novas núpcias, uma vez que a união estável não altera o estado civil do viúvo.

É preciso que se compreenda de forma clara que o objeto de proteção do legislador não tem nenhuma correlação com o estado civil daqueles que sobrevivem ao seus cônjuges e companheiros. Noutros termos, não é intuito do legislador desincentivar a constituição de novas famílias após a extinção natural do vínculo conjugal, mas tão somente assegurar o direito fundamental à moradia associado ao presumido afeto do autor da herança e seu parceiro (cônjuge ou companheiro).

De outro lado, a lei revogada estabelecia um limite a esse direito real ex lege, impondo sua extinção em decorrência automática da constituição de uma nova famíli a pelo sobrevivente, o que à época da redação do dispositivo equivalia à contração de novas núpcias. Ao fim e ao cabo, o dispositivo legal tem apenas a finalidade de assegurar aos herdeiros e legatários a consolidação da propriedade plena, ainda que parcial sobre o bem. Atualmente, não há mais esse marco temporal, contudo, ele era expresso e deve ser observado pelo Judiciário.

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso especial para restabelecer integralmente a decisão interlocutória proferida pelo juízo de primeiro grau.

É como voto.

ADITAMENTO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Apresentado o recurso especial a esta Terceira Turma para julgamento, na sessão de 20/8/2019, a Ministra Nancy Andrighi externou sua preocupação com a data de fixação para pagamento de aluguéis decorrente da utilização exclusiva para fins de moradia de imóvel objeto de inventário.

Acerca do ponto convém esclarecer que o recurso especial em questão não foi tirado em nenhuma ação de cobrança de aluguéis, de modo que o referido pedido foi formulado incidentalmente nos autos da própria ação de inventário.

Para melhor compreender as circunstâncias que permeiam o presente debate é ainda de se notar que o debate acerca do direito real de habitação iniciou-se com pedido formulado inicialmente pelo próprio recorrido Milton Portela do Sacramento. Isso porque o recorrido pleiteou que fosse declarado seu direito real de habitação sobre o imóvel que lhe servia de moradia desde o óbito de sua esposa em 1990.

Ao serem consultados os filhos do casal, acerca do pedido, todos se manifestaram no sentido do indeferimento do requerimento postulado, asseverando que a união estável obstaria a pretensão, uma vez que seria ela causa de extinção automática do direito real de habitação. Após, instado o recorrido a se manifestar a respeito da existência de união estável, este deixou de informar, aduzindo que esta questão não deveria ser apreciada pelo Juízo da sucessão.

Daí a superveniência de pedido de arbitramento de aluguéis, juntado aos autos da ação de inventário em 18/10/2013 pelos ora recorrentes, como forma de “compensação financeira pela privação do direito à quota parte do bem herdado que deve no caso ser resolvido mediante o pagamento de aluguel mensal, sob pena de caracterizar-se locupletamento ilícito” (e-STJ, fl. 218), o que foi deferido pelo Juízo de primeiro grau.

Nesse cenário, cabe frisar que o recorrido ocupa o imóvel do casal desde a abertura da sucessão. Além disso, o imóvel é objeto da ação de inventário que tramita desde 2008, e a determinação de pagamento de aluguéis proporcionais à fração-ideal de cada recorrente somente foi estabelecida a partir da data em que juntado aos autos o pedido (e-STJ, fls.16-17).

No entanto, até o momento, ao que consta dos autos, não houve o pagamento pelo recorrido, uma vez que a decisão interlocutória foi reformada pelo acórdão de origem, nutrindo no recorrido a legítima expectativa de que gozava do direito real de habitação. Outrossim, a questão jurídica debatida nos autos é nova nesta Corte Superior e, até o momento, controvertida nas instâncias ordinárias, tanto que o acórdão do Tribunal local está sendo agora reformado.

Portanto, diante dessas considerações, mostra-se razoável que a obrigação de pagar aluguel, a qual decorre da extinção do direito real de habitação, reconhecida nos termos do voto, deverá ser fixada a partir da deste julgamento.

Com essas considerações adicionais, ratifico os fundamentos expostos, reformulando o dispositivo, para dar provimento ao recurso especial, declarando extinto o direito real de habitação e fixando a obrigação de pagar aluguel, nos termos definidos pelo juízo de primeiro grau, a partir do presente julgamento.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.617.636 – Distrito Federal – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 03.09.2019

Fonte: INR Publicações

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TST: Pleno do TST vai examinar constitucionalidade de dispositivo da Reforma Trabalhista sobre honorários – (TST).

30/09/2019

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho remeteu ao Tribunal Pleno a discussão sobre a constitucionalidade do dispositivo da CLT introduzido pela Reforma Trabalhista segundo o qual a parte perdedora, mesmo que seja beneficiária da justiça gratuita, deve pagar honorários advocatícios à parte vencedora. De acordo com o Regimento Interno do TST (artigo 275, parágrafo 3º), quando um dos órgãos julgadores da Corte acolhe arguição de inconstitucionalidade de algum dispositivo de lei, o processo deve ser remetido ao Tribunal Pleno.

Honorários de sucumbência

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a parte perdedora (sucumbente) deve pagar ao advogado da parte contrária honorários de 5% a 15% da condenação ou do valor da causa. O parágrafo 4º do dispositivo admite, no caso de a parte vencida ser beneficiária da justiça gratuita, a utilização dos créditos provenientes da ação em que houve a condenação e de outras. Caso não haja créditos, a execução pode ser suspensa.

A reclamação trabalhista foi ajuizada por um repositor dos Supermercados BH Comércio de Alimentos Ltda. para pleitear o pagamento de horas extras e a reversão da dispensa por justa causa. O juízo da 35ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) deferiu parcialmente os pedidos (entre eles o da justiça gratuita), no valor de R$ 3,4 mil, mas condenou o empregado ao pagamento dos honorários advocatícios de 15% na parte em que foi perdedor.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) reduziu os pedidos a R$ 1,2 mil, mas manteve a cobrança imediata dos honorários. Segundo o TRT, somente se o empregado não tivesse obtido êxito no processo é que as obrigações poderiam ser suspensas.

Inconstitucionalidade

No recurso de revista, o repositor sustenta que o entendimento do TRT viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da erradicação da pobreza e da marginalização, da redução das desigualdades sociais e do direito de ação e de assistência jurídica integral e gratuita do cidadão que comprova insuficiência de recursos para quitar custas e demais despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento. Aponta, ainda, contrariedade ao entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a matéria.

Incoerência

No exame do recurso de revista, o ministro Augusto César observou que a Constituição da República (artigo 5º, inciso XXXV) prevê o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário. Na sua avaliação, o sistema jurídico brasileiro de tutela dos direitos sociais havia alcançado, antes da Reforma Trabalhista, estágio mais avançado de proteção ao garantir a gratuidade plena na Justiça do Trabalho.

A seu ver, é incoerente com esse direito que o beneficiário da justiça gratuita seja condenado ao pagamento imediato de honorários sobre valores destinados à sua subsistência assegurados no processo. “Ou bem se preserva a compreensão de que as parcelas trabalhistas, sobretudo as de natureza salarial, se revestem de caráter alimentar e por isso são insuscetíveis de compensação, ou bem se relativiza de vez a correlação entre o direito de obter alimentos e o princípio da dignidade da pessoa humana”, afirmou.

Segundo o ministro, a garantia do acesso à justiça a pessoa sem condição de arcar com os custos do processo do trabalho “não pode ter regulação infraconstitucional que a desnature”. “Se é esse o caso, a lei padece de inconstitucionalidade”, destacou.

Por maioria, a Turma acolheu a arguição de inconstitucionalidade do artigo 791-A, parágrafo 4º, da CLT e determinou a remessa dos autos ao exame do Tribunal Pleno para o processamento do incidente.

Processo: RR-10378-28.2018.5.03.0114

Fonte: INR Publicações

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MT: CGJ-MT – Provimento nº 40/2019 – altera os Arts. 17 e 19 e acrescenta os Arts. 17-A e 19-A da CNGCE – (ANOREG-MT).

30/09/2019

Prezados(as) Senhores(as),

Informamos aos(as) senhores(as), que a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso, nos encaminhou o Provimento nº 40/2019-CGJ, que altera os Arts. 17 e 19 e acrescenta os Arts. 17-A e 19-A   da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça do Foro Extrajudicial – CNGCE, aprovada pelo Provimento n. 31/2018-CGJ, que dispõe sobre a 3ª edição da CNGCE, mediante a alteração do Provimento n. 40/2016-CGJ – que trata da 2ª edição da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria-Geral da Justiça do Foro Extrajudicial – e, dá outras providências.

Para que tenham ciência do Provimento, disponibilizamos o arquivo anexo.

Vinícius Borges
Assistente Administrativo
Anoreg-MT
(65) 3644-8373

Provimento nº 40 2019

Fonte: INR Publicações

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