CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida registral julgada procedente – Legitimidade para requerer a suscitação da dúvida – Expressão “interessado” utilizada pelo art. 198 da LRP que não se confunde com apresentante, nem com parte do negócio jurídico cuja inscrição é pleiteada – Escritura de Compra e Venda de fração ideal correspondente a 0,1% do imóvel – Ausência de registro de instituição de condomínio edilício – Indícios de formação de condomínio voluntário como negócio jurídico indireto em fraude à lei da existência de condomínio edilício e de incorporação imobiliária – Óbice que encontra amparo no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1010138-43.2023.8.26.0506
Comarca: RIBEIRÃO PRETO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506

Registro: 2024.0000299112

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010138-43.2023.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante JOSE ALFREDO PEDRESCHI MONTEIRO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010138-43.2023.8.26.0506

APELANTE: Jose Alfredo Pedreschi Monteiro

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

VOTO Nº 43.305

Registro de imóveis  Dúvida registral julgada procedente – Legitimidade para requerer a suscitação da dúvida  Expressão “interessado” utilizada pelo art. 198 da LRP que não se confunde com apresentante, nem com parte do negócio jurídico cuja inscrição é pleiteada  Escritura de Compra e Venda de fração ideal correspondente a 0,1% do imóvel  Ausência de registro de instituição de condomínio edilício  Indícios de formação de condomínio voluntário como negócio jurídico indireto em fraude à lei da existência de condomínio edilício e de incorporação imobiliária  Óbice que encontra amparo no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ  Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por José Alfredo Pedreschi Monteiro contra a r. sentença de fls. 73/75, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 1º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro na matrícula nº 63.874 daquela serventia de escritura de compra e venda.

Alega o apelante, em síntese: que sobre o imóvel objeto da matrícula nº 63.874 foi construído um centro comercial e que frações ideais relativas ao empreendimento já foram alienadas anteriormente; que como não há uso individualizado do imóvel, não há condomínio edilício; que o registro da escritura não descumpre a legislação relativa ao parcelamento do solo; e que na qualidade de representante da empresa vendedora, tem legitimidade para suscitar dúvida e recorrer da sentença prolatada (fls. 88/92).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 115/117).

É o relatório.

De início, considerando que a MM. Juíza Corregedora Permanente entendeu que o apelante não tinha legitimidade para requerer a suscitação da dúvida (fls. 74), necessária a análise dessa questão preliminar.

Nesse ponto, sem razão a MM. Juíza de primeiro grau.

Com efeito, o inciso VI do art. 198 da Lei nº 6015/73 preceitua que a suscitação da dúvida pode ser pleiteada pelo “interessado”, nomenclatura genérica que vai além tanto do apresentante do título, como dos participantes de eventual negócio jurídico cujo registro se pleiteia.

Já o art. 202 da Lei nº 6.015/73 é ainda mais abrangente ao tratar da legitimidade para a interposição de apelação contra a sentença prolatada em procedimento de dúvida:

“Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado”.

O apelante, sócio da pessoa jurídica vendedora do bem, é inegavelmente interessado no registro da escritura de cuja lavratura participou e que assinou na presença do tabelião (fls. 9/12).

No mérito, sem razão o apelante.

Tratam os autos da negativa de registro de escritura de compra e venda, por meio da qual Pedreschi Monteiro Engenharia e Construção Ltda., titular da fração ideal de 59,6% do imóvel matriculado sob nº 63.874 do 1º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, vendeu a Carlos Abud Ristum a fração ideal correspondente a 0,1%.

A desqualificação, confirmada pela Corregedoria Permanente, baseia-se na suspeita de que a pretensão envolve a “formação de condomínio edilício sem o necessário registro da instituição e especificação” (fls. 4).

E a recusa à inscrição está correta.

Preceitua o item 166 do Capítulo XX das NSCGJ:

É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis” (grifei).

No caso, a venda de uma fração ideal de apenas 0,1%, por quem é proprietário de fração ideal de 59,6% de imóvel cuja área é de 16.070 m² (fls. 21/22), alienação essa feita em favor de pessoa física sem nenhuma relação com os demais coproprietários, efetivamente levanta suspeitas de que há condomínio edilício de fato que não foi instituído formalmente perante o registro imobiliário.

A averbação da construção de um centro comercial sobre o imóvel (cf. Av.6 da matrícula nº 63.874 – fls. 23), ao invés de fortalecer, enfraquece a tese recursal, pois reforça a suspeita de que há condomínio edilício informal no imóvel.

Decisão no sentido de permitir o registro, sob o argumento de que atos anteriores semelhantes foram inscritos, serviria de incentivo justamente à prática que se quer evitar, qual seja, a negociação de frações ideais mínimas antes do registro da instituição de condomínio.

E embora haja inscrições na matrícula nº 63.874 concernentes à venda de pequenas frações ideais do bem a terceiros, essas ocorrências são poucas (apenas seis relativas a frações ideais inferiores a 1% – R.17, R.18, R.19, R.20, R.22 e R.26 – fls. 28/34) e antigas (última prenotação de dezembro de 2012 – R.26 – fls. 33/34).

Nota-se, assim, que a desqualificação do título encontra amparo nas NSCGJ, pois visa evitar o uso do condomínio voluntário como forma de esconder um condomínio edilício, que se distingue pela coexistência de partes exclusivas e partes comuns (art. 1.332 do Código Civil).

O caso em exame é típico de negócio jurídico indireto em fraude à lei. O negócio indireto se verifica “quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Alvino Lima, A Fraude no Direito Civil, Editora Saraiva, 1.965, p. 80).

O negócio indireto em si é válido. Não o é, porém, quando celebrado em fraude à lei, com o escopo de driblar norma cogente, tal como ocorre no caso concreto.

Há interesse público e proteção de normas imperativas na alienação de frações ideais durante a construção do empreendimento imobiliário subordinada ao prévio registro da incorporação (L.4.591/64) e após a conclusão da construção, ao registro da instituição de condomínio edilício (arts. 1.331 e seguintes do Código Civil).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 16.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de venda e compra de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária – Qualificação negativa – Ordem judicial de indisponibilidade de bens do devedor fiduciante – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1015755-84.2023.8.26.0602

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1015755-84.2023.8.26.0602
Comarca: SOROCABA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1015755-84.2023.8.26.0602

Registro: 2024.0000299115

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015755-84.2023.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SOROCABA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u., de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015755-84.2023.8.26.0602

APELANTE: Banco do Brasil S/A

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sorocaba

VOTO Nº 43.310

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Instrumento particular de venda e compra de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária – Qualificação negativa – Ordem judicial de indisponibilidade de bens do devedor fiduciante – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Banco do Brasil S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba/SP, que manteve a recusa do registro de instrumento particular, com força de escritura pública, de compra e venda e financiamento com garantia de alienação fiduciária, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 90.481 junto à referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordem de indisponibilidade em nome do outorgado comprador e devedor fiduciante (fls. 101/102).

Alega o apelante, em síntese, que o devedor fiduciante não tem a propriedade plena do bem, mas mera expectativa de direitos para quando ocorrido o adimplemento contratual. Assim, não poderia a ordem de indisponibilidade existente em seu nome impedir o registro pretendido, sob pena de obstar o direito do credor fiduciário e eventuais terceiros interessados em recuperar o crédito garantido pela alienação fiduciária do imóvel, em caso de inadimplemento do contrato de financiamento. Ressalta que a alienação fiduciária enseja a transmissão da propriedade resolúvel do imóvel ao credor fiduciário, de maneira que o bem não integra o patrimônio do devedor (fls. 165/173).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 187/190).

Nos termos da r. decisão (fls. 195), os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

O julgamento foi convertido em diligência (fls. 207), sobrevindo aos autos a certidão de matrícula do imóvel objeto do presente feito (fls. 209/218).

É o relatório.

O apelante pretende o registro de venda e compra e financiamento com garantia de alienação fiduciária de imóvel junto à matrícula nº 90.481 do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Sorocaba/SP.

O Oficial entendeu pela qualificação negativa do título em virtude da existência de ordens de indisponibilidade em nome do devedor fiduciante (fls. 12).

É sabido que a alienação fiduciária é o negócio jurídico por meio do qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa móvel ou imóvel.

Logo, na hipótese de compra e venda de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária, o devedor fiduciante, contra quem recai a ordem de indisponibilidade, não é titular da propriedade plena do bem negociado, em conformidade com o que dispõe a Lei nº 9.517/1997. Sendo assim, porque os negócios jurídicos são vinculados entre si e, por conseguinte, não há possibilidade de cisão do título, a restrição não irá atingir especificamente a propriedade plena do bem imóvel objeto do contrato, mas apenas os direitos reservados ao devedor fiduciante.

Na realidade, o pretendido registro vem em benefício de possíveis credores. Isso porque o devedor fiduciante, após o registro, irá se tornar titular de direito real de aquisição, de valor patrimonial e passível de constrição. Em termos diversos, o registro aumenta o patrimônio da pessoa sobre quem recai a ordem da indisponibilidade e não o diminui.

Ora, a indisponibilidade tem a função de impedir a redução patrimonial, jamais a sua majoração, pena de violar a própria função do instituto.

Destarte, não se vislumbra, com o pretendido registro, qualquer prejuízo aos credores das ações em que declarada a indisponibilidade de bens ou mesmo a terceiros, já que a restrição será averbada em ato contínuo ao registro pretendido, como previsto no item 412.3, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. E até que a ordem de indisponibilidade seja eventualmente levantada, o adquirente não poderá transmitir seus direitos durante o financiamento do imóvel, sendo que, após eventual quitação da dívida e consequente consolidação da propriedade em seu favor, também de nada poderá dispor. Bem por isso, este C. Conselho Superior da Magistratura assim decidiu, recentemente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  DÚVIDA INVERSA JULGADA PROCEDENTE  REGISTRO DE INSTRUMENTO PARTICULAR DE VENDA E COMPRA COM FINANCIAMENTO BANCÁRIO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – QUALIFICAÇÃO NEGATIVA  ORDEM JUDICIAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS QUE RECAI SOBRE O DEVEDOR FIDUCIANTE  INEXISTÊNCIA DE OBSTÁCULO AO REGISTRO DO TÍTULO  PRECEDENTES DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA  ÓBICE AFASTADO – APELAÇÃO PROVIDA PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E AUTORIZAR O REGISTRO.” (TJSP; Apelação Cível 1001257-77.2023.8.26.0506; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2024; Data de Registro: 20/02/2024).

Em suma, o óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado, com autorização de ingresso do título no Registro Imobiliário.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 16.04.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Impugnação total das exigências formuladas e apresentação de novos documentos no curso do feito – Impossibilidade de análise – Óbices que subsistem – Necessária assinatura eletrônica de todos os signatários para atos de transferência e registro de bens imóveis – Falta de documentação adequada a comprovar a regular representação de fundo de investimento em direitos creditórios – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1032116-25.2022.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1032116-25.2022.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1032116-25.2022.8.26.0114,

Registro: 2024.0000307939

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1032116-25.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante HARPIA FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1032116-25.2022.8.26.0114

Apelante: Harpia Fundo de Investimento em Direitos Creditórios

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas

VOTO Nº 43.055

Registro de imóveis – Dúvida – Impugnação total das exigências formuladas e apresentação de novos documentos no curso do feito – Impossibilidade de análise – Óbices que subsistem – Necessária assinatura eletrônica de todos os signatários para atos de transferência e registro de bens imóveis – Falta de documentação adequada a comprovar a regular representação de fundo de investimento em direitos creditórios – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Harpia Fundo de Investimento em Direitos Creditórios contra a r. sentença de fls. 215/218, que julgou procedente a dúvida suscitada em virtude da recusa de registro do instrumento particular de fls. 09/23 com apoio nas exigências da nota de devolução de fls. 36/37 (prenotação n. 492.317).

Fê-lo a r. sentença, basicamente, diante da impossibilidade de se reconhecer a autenticidade das assinaturas contidas no título apresentado em meio eletrônico, já que não atende os requisitos estabelecidos: i) nos itens 366 e 366.5, do Cap. XX, das NSCGJ; ii) no inciso I, do art. 5º, do Dec. n. 10.278/2020; e iii) na letra “a”, inciso III, do art. 4º da Lei n. 10.543/2020.

A parte apelante sustenta que o “Instrumento Particular de Consolidação, Confissão de Dívida, Promessa de Pagamento, Constituição de Alienação Fiduciária de Bem Imóvel em Garantia e Outras Avenças” de fls. 09/32 foi devidamente assinado por todas as partes mediante certificação digital, em conformidade com o inc. I do art. 5º do Decreto n. 10.278/2020, dentro do padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), conforme documento produzido com a impugnação (fls. 140/180), que não foi apreciado pela sentença; que a plataforma utilizada permite a verificação das assinaturas qualificadas em seu site, com acesso público, via portal validador; que as NSCGJ, nos itens 366 e 366.5 do Cap. XX, preveem que o uso do padrão XML é preferencial e não obrigatório, sendo permitido o uso de outros padrões compatíveis; que o mesmo instrumento foi apresentado no processo de autos n. 1005703-76.2022.8.26.0533 e teve reconhecida a sua validade, com determinação de registro (fls. 213/214); que as exigências e a negativa de registro do título geram clara insegurança ao credor da garantia fiduciária; que as exigências foram pautadas em elementos formais não previstos em lei para que se constitua a propriedade fiduciária sobre um bem, conforme disposto no artigo 1.362 do Código Civil.

Sustenta, ainda, em relação ao “item 2” da nota devolutiva (fls. 36/37), que a sentença deixou de se manifestar sobre a representação do Fundo Harpia quando da formalização do título; que o instrumento foi formalizado por Brl Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. em 31/05/2022, sendo que a atual administradora, Hemera Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, apenas tomou posse em 08/06/2022, o que demonstra a regularidade da representação (fls. 227/240).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 269/272).

O feito foi originariamente distribuído à 11ª Câmara de Direito Privado (fl. 273), que declinou da competência, ensejando a posterior redistribuição do feito a este Conselho Superior da Magistratura (fls. 274/276).

É o relatório.

De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

Vale ressaltar, por segundo, que não é possível, no curso de dúvida ou de pedido de providências, alterar o título apresentado visando atendimento de exigência formulada (itens 39.5.1 e 39.7, Cap. XX, das NSCGJ).

Fica prejudicada, portanto, a análise dos novos documentos produzidos com a impugnação feita pela parte suscitante já em juízo (fls. 48/54 e 140/193), documentos estes que não acompanharam o título submetido à qualificação pelo Oficial (fls. 01/41).

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

A parte narra que firmou contrato particular de alienação fiduciária com base na Lei n. 9.514/97, por meio do qual recebeu de Jair Antônio Covolan e Elisabeth Christina Ibanez Covolan a propriedade resolúvel do imóvel objeto da matrícula n. 133.011 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/SP como garantia do débito confessado no instrumento particular (fls. 09/32 e 33/35).

Prenotado o título em 14 de junho de 2022 sob o n. 492.317, emitiu-se a nota de devolução de fls. 36/37, com exigência de apresentação do título em formato nato-digital e assinatura eletrônica de todos os subscritores ou no original.

Exigiu-se, também, esclarecimento quanto à substituição da administração da parte, o que não foi possível verificar em consulta aos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O Oficial Registrador informou que a plataforma utilizada para a assinatura do título só vale entre as partes que convencionam seu uso; que o título não foi assinado com certificação digital por todas as partes, nos termos do art. 5º do Decreto n. 10.278/2020, mas apenas por Gabriel Victorino Boccia, conforme o relatório de fls. 38/41, emitido pelo verificador de conformidade do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação; que a assinatura eletrônica qualificada, isto é, com certificado digital ICP-Brasil de todas as partes, é obrigatória para a transmissão de imóveis, não bastando o relatório apensado ao fim do documento para esse fim (fls. 01/05).

A matéria em debate é regida pela Lei n. 14.063/2020, que disciplina o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, classificando, em seu artigo 4º, as assinaturas eletrônicas em três categorias: simples, avançada e qualificada.

A assinatura eletrônica qualificada, definida no inciso III, do artigo 4º, da lei em questão, se restringe àquela que utiliza certificado digital nos termos do §1º, do artigo 10, da MP n. 2.200-2/2001, ou seja, aquela produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.

Por sua vez, para os atos de transferência e de registro de bens imóveis, a mesma lei impõe a utilização de assinatura eletrônica qualificada, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais:

Artigo 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. (…)

§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada. (…)

IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo; (…)

§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada.

§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas“.

Trata-se de Lei especial que permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n. 14.620/23, a qual modificou o artigo 784 do CPC para tratar de assinatura eletrônica nos títulos executivos.

No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, a matéria vem tratada nos itens 365, 366, 366.1 e 366.5 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.

366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis.

(…)

366.5. A recepção de instrumentos públicos ou particulares, em meio eletrônico, quando não enviados sob a forma de documentos estruturados segundo prevista nestas Normas, somente será admitida para o documento digital nativo (não decorrente de digitalização) que contenha a assinatura digital de todos os contratantes“.

Vê-se que há necessidade de atendimento aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), o que justifica a exigência de que os documentos eletrônicos apresentados sejam compatíveis com a Central de Registro de Imóveis, tal como autorizado pela CGJ/SP.

Ainda assim, tendo em vista o grau de segurança e confiabilidade oferecido por outros sistemas de certificação, o Registro de Imóveis pode admitir documento com assinatura eletrônica avançada, mas desde que contenha a assinatura de todos os contratantes, como dispõe o item 366.5, Cap. XX, das NSCGJ.

No mesmo sentido é o Provimento CNJ n. 149/2023, que revogou recentemente o Provimento CNJ n. 94/2020 e instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, disciplinando a matéria em análise nos seguintes termos:

Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas…”.

O título particular, portanto, pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas.

No caso concreto, porém, verifica-se que o contrato apresentado não atende aos requisitos técnicos exigidos pela Lei n. 14.063/2020 e pelas NSCGJ: o relatório de conformidade das pesquisas de validação realizadas no dia 14 de junho de 2022, emitido pelo verificador de conformidade do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (fls. 38/41), somente reconheceu a validade de uma assinatura eletrônica, aquela lançada por Gabriel Victorino Boccia (fl. 39).

Outrossim, diferentemente do que alega a parte recorrente, a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste no processo de autos n. 1005703-76.2022.8.26.0533 não reconheceu o título como de ingresso imediato (fls. 213/214).

O óbice, portanto, subsiste.

Em relação à exigência de regularização da representação da parte interessada, nota-se que o título foi formalizado, em 31 de maio de 2022, mediante administração de Brl Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. (fl. 09).

Contudo, houve mudança na gestão, atualmente exercida por Hemera Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, mas sem comprovação adequada neste sentido quando da apresentação do negócio jurídico à qualificação registral.

O Registrador, ao realizar as devidas diligências, constatou a ausência de informações disponíveis no site da CVM que corroborassem a substituição na administração da entidade interessada.

Não foi possível, nesse contexto, verificar diretamente a veracidade dessa alteração mediante os meios disponíveis, o que confirma a necessidade da segunda exigência formulada, a qual não pode ser atendida no curso do processo de dúvida, como já ressaltado.

Esta conclusão se reforça pelo seguinte fato: quando da aquisição de direitos reais por Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, como no caso, que não contam com personalidade jurídica, a nova representação é informação necessária, já que também terá ingresso no fólio real.

De rigor, portanto, a manutenção dos óbices.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 16.04.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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