Da importância da guarda compartilhada

*Cristiane de Pinho Vieira

Sem dúvida, deve-se priorizar o "melhor interesse da criança".

Se os pais tiverem a noção e a consciência da necessidade da instalação de um "território neutro" para os filhos, certamente vão romper com o velho paradigma da guarda unilateral.

Para que se possa haver a igualdade de direitos tão preconizados na família moderna, é importante ressalvar que o amor materno não é superior que o amor paterno, no sentido de que não vem predeterminado, mas sim, que é construído nas relações estabelecidas como qualquer outro amor, e a sua intensidade vai depender de cada relação e de cada pessoa.

Na guarda compartilhada, ambos os pais participam das necessidades vitais do filho.

Esse instituto entrou na legislação brasileira apenas em 2008 (com a lei 11.698/08, que alterou o CC/02).

O art. 1.583, § 1º, do CC/02 definiu a guarda compartilhada como sendo "a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns".

A continuidade do convívio da criança com ambos os pais é indispensável para o seu saudável desenvolvimento psicoemocional e, sendo assim, o ideal a ser almejado é a guarda compartilhada mesmo havendo intransigência.

Com a custódia física concentrada nas mãos de apenas um dos pais e a convivência do outro com a prole, apenas quinzenalmente, ou mesmo semanalmente, o ex-cônjuge que não detém a guarda, quando muito, limita-se a um exercício prejudicial, inócuo, distanciando-se de sua prole e privando-a de importante referencial para a sua formação.

O artigo 1.584 do CC/02, § 2º dispõe: "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada".

Mesmo que possa haver litígio, não é óbice para a aplicação da guarda compartilhada, pois, em termos psicológicos, é a melhor solução para os filhos, pois permite maior convivência com ambos os genitores.

Os problemas que os litígios causariam não se modificariam independentemente da guarda ser compartilhada ou exclusiva.

De acordo com entendimento do STJ, a guarda compartilhada pode ser decretada mesmo sem consenso entre pais.

O bom senso dos pais deve prevalecer considerando os interesses da criança. Nesse tipo de guarda podem e devem os filhos passar um período com o pai e outro com a mãe. O direito de visita deve ser substituído pelo direito à convivência.

O modo como se opera o regime de visitas pode ser acordado pelos pais ou, na falta de consenso, determinado pelo juiz.

Na guarda compartilhada, inexiste pensão alimentícia, dividindo os pais os encargos de criação, sustento e educação do filho comum.

Esse instituto deixa de ser um "precedente" e passa a ser o modelo preferencial a ser aplicado pelo julgador.

A convivência simultânea e harmoniosa com ambos os genitores é que irá insculpir nos filhos o sentimento de união e de solidariedade familiar, indispensáveis à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social de qualquer cidadão.

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Cristiane de Pinho Vieira é advogada do escritório Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C.

Fonte: Migalhas | 16/01/14

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Contrato de namoro

*Gustavo Pedras e Ricardo Rocha

O advogado, assim como outros profissionais do Direito, é frequentemente consultado sobre temas polêmicos, que o Poder Judiciário deverá enfrentar.

Até pouco tempo atrás, era juridicamente e moralmente questionável a instituição familiar conhecida como "união estável". Tais acontecimentos e fatos mostram que a evolução do direito se dá através de quebras de conceitos que envolvem a moral, a religião, os costumes, a ética, dentre outros temas correlatos e não menos importantes.

O reconhecimento pela doutrina e pelos tribunais de que esta relação pode-se converter em companheirismo conduz a efeitos jurídicos relevantes, tais como direito aos alimentos, à herança, à partilha de bens e deveres recíprocos de convivência.

Com o julgamento do STF da ADIn 4.277 e da ADPF 132, oportunidade em que se discutiu e convalidou-se o reconhecimento como instituição familiar também a "união homoafetiva", pode-se ainda dizer que é questionável e, por assim ser, pende de regulamentação legal específica a concretização dos direitos e deveres originados desta relação.

Mesmo com a tradição e costumes, é difícil, dada a tenuidade, estabelecer a diferença do simples namoro para a união estável, haja vista que não mais é imprescindível o tempo de existência da relação.

Tradicionalmente, casais, primeiramente, iniciam um relacionamento através de um namoro, que evolui para um noivado e após se dá o casamento.

Contudo, não se pode confundir o namoro que, segundo o dicionário Aurélio, é uma palavra que comporta acepções como "inspirar amor a; apaixonar; cativar; atrair; seduzir; manter relação de namoro com;", com a chamada de "união estável", esta entendida como uma convivência pública, contínua e duradoura, com fins de constituir família.

Assim, devido ao formalismo, responsabilidades e compromissos que a união estável e o casamento representam, alguns casais optam por apenas viverem a paixão e também morarem juntos, seja em virtude da comodidade, seja em virtude da ausência de consequências legais, também considerando a possibilidade existente de separação.

Observado isto, o "contrato de namoro" é uma alternativa segura para o casal que pretende, por certo tempo, manter a sua relação fora do âmbito de incidência das regras da união estável?

Embora haja uma diferença enorme entre tais institutos, o precavido, que tem o intuito de proteger o patrimônio atual e futuro durante o namoro, pode, sem dúvida alguma, confeccionar com seu parceiro/namorado o que está sendo denominado de "contrato de namoro".

Este "contrato de namoro" é o instrumento pelo qual as partes contraentes terão, através de um contrato escrito e elaborado em consonância com os interesses do casal, direitos e deveres que os resguardem de eventual e talvez indesejada interveniência do Poder Judiciário, sobretudo quando se trata de direitos disponíveis.

Esta é uma alternativa viável e não vedada pelo ordenamento jurídico, eis que voluntariamente as partes envolvidas arquivarão no cartório de títulos e documentos suas obrigações e deveres no relacionamento.

Assim, evita-se a indesejada insegurança jurídica, pois infelizmente as palavras e desejos podem mudar ao longo do tempo, ao passo que um documento bem redigido, com caráter público e em que conformidade com a ordem jurídica, pode e deve ser visto com bons olhos.

Agindo desta maneira, evita-se perdas de tempo e dinheiro que podem cominar numa futura discussão judicial, que além de trazer morosidade a uma questão que poderia ser facilmente resolvida, se traduz em uma infinidade de desgastes, sobretudo o emocional.

Releva salientar que tal medida não fere em nada os costumes, a ética, a religiosidade e a moral dos contraentes, tampouco revela-se como um expediente que seja contrário as leis já existentes.

Importante pontuar que cada vez mais a sociedade procura se assegurar juridicamente, seja no âmbito do trabalho ou comercial, assim como no tocante aos relacionamentos havidos, o que leva à conclusão de que tal "contrato de namoro" vem apenas consolidar uma situação já existente na sociedade em geral.

Tal procedimento não pode ser visto apenas do ponto de visto jurídico. Há que se levar em consideração que tal conduta pode aparentar ao outro parceiro um sentimento de desconfiança, insegurança ou mesmo receio excessivo com os bens materiais em detrimento dos sentimentos, o que levaria à discussões e ofensas recíprocas. Pode soar complicado e inoportuno tocar em um assunto de grande relevância como este, principalmente enquanto se está vivendo uma paixão. Além disso, tratando-se de ser humano, em que há diversidade enorme da forma e intensidade de sentimentos, colocar este assunto em discussão se revela ainda mais difícil. Porém, esta cultura precisa acabar. Diante do posicionamento das leis e jurisprudência, o "normal" deverá ser a assinatura do contrato, e não o contrário.

Entretanto, a história mostra que questões delicadas e de difícil tratamento foram superadas, quebraram-se paradigmas e derrubaram-se conceitos.

Conclui-se que não sendo o "contrato de namoro" vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, nada obsta que um casal, após muita reflexão e de comum acordo, através de um documento formalmente redigido e bem elaborado por um advogado, estipule direitos e deveres, dê a ele publicidade e o arquive no cartório competente, o que, obviamente, não impede que o acordo disposto não possa ser questionado futuramente perante o Poder Judiciário. Mas melhor evitá-lo.

A melhor atitude é a preventiva, e é melhor gerar uma indisposição agora do que grandes perdas patrimoniais e também emocionais no futuro.

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*Gustavo Brígido de Alvarenga Pedras é diretor adjunto de Direito Internacional do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

* Ricardo Grossi Rocha é advogado.

Fonte: Migalhas | 15/01/14

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Regularização fundiária e a face fundamental do registro imobiliário brasileiro: função social do registrador imobiliário

*Emanuel Costa Santos

Porque a todo aquele, a quem muito foi dado, muito será pedido, e ao que muito confiaram, mais contas lhe tomarão (Lucas, XII: 47-48) 

O tema pertinente à regularização fundiária não é propriamente novo no Brasil, podendo ser apontadas no século XIX legislações que visavam de um lado identificar as posses e legitimar seus ocupantes e, de outro, separar os bens públicos dos privados.

No século XX a irregularidade fundiária migrou para áreas urbanas, face o êxodo rural, seguido do desordenado crescimento das cidades, fruto, em muito, de um empreendedorismo nem sempre marcado pela responsabilidade. Para mitigar os efeitos da irregularidade, o legislador tratou em alguns momentos da matéria, como, por exemplo, nas disposições transitórias do Decreto-lei 58/1937 e nas disposições gerais da Lei Federal 6.766/1979.

Contudo, é com a Lei Federal 11.977/2009, conhecida como Programa Minha Casa Minha Vida, que a Regularização Fundiária é tratada com protagonismo pelo legislador. O artigo 46 indica que a solução desse grave problema nacional demanda um “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais” com vistas a regularizar os assentamentos e titular seus ocupantes.

A realidade apontava que os casos de irregularidade não eram – e de fato não são – de todo idênticos, indicando a necessidade de tratar de forma desigual os empreendimentos irregulares dos empreendimentos projetados, de maneira a garantir também ao conjunto de ocupantes daqueles o mesmo acesso que os adquirentes destes tinham ao fundamental direito à moradia digna, acrescida com o plus da propriedade (no estrito sentido civilista), dela se extraindo suas funções sociais e ambientais. No plano da moradia, a regularização atua, portanto, garantindo os basilares direitos à igualdade e à dignidade.

Vista por outro ângulo, a Lei 11.977 evidencia a próxima relação entre o sistema registral imobiliário brasileiro e os direitos fundamentais. Trabalhando há 170 anos na senda da segurança jurídica, atua, entre outros, na proteção de direitos patrimoniais e creditícios, no controle jurídico do ordenamento urbano, na publicidade ambiental e na proteção de consumidores de bens imóveis.

Nesse passo, a competência dos registradores imobiliários para processamento do pedido de regularização fundiária encontra matriz histórica, sendo consequência lógica da tutela constitucional do direito à propriedade imobiliária a eles atribuída.

Não obstante, necessário se fez alterar alguns paradigmas do moderno sistema registral para viabilizar a regularização fundiária e o ingresso de milhões de brasileiros ao mercado imobiliário formal. Dentre eles, a possibilidade de publicidade registral da posse legitimada, de forma a permitir, administrativamente, sua conversão em domínio pelo decurso do prazo prescricional.

Também houve significativa flexibilização dos princípios registrais, sempre lembrando que se está diante de situação fática complexa, em que as soluções tradicionais foram revisitadas pelo legislador de 2009.

Se já é possível vislumbrar nesse breve artigo pontos de contato do registro imobiliário com os direitos fundamentais, parece que a atual regularização fundiária confere contornos especiais ao papel da instituição registral na realização daqueles direitos.

Sem prejuízo da mantença do controle formal, próprio do sistema registral, verifica-se que houve clara percepção pelo legislador que o direito à moradia não se realiza em sua plenitude sem a necessária titulação registrada, esta sim passível de viabilizar o pleno cumprimento das funções sociais – e econômica – da propriedade.

Esta proximidade com a realização do direito material deve conduzir o registrador imobiliário a uma postura ativa – sem ativismo – diante dos casos de regularização. Daí se falar também da assunção de sua função social, compreendendo não só o aspecto jurídico do desempenho de sua atividade, mas também sua repercussão social e econômica.

Comunicar-se com o conjunto de partícipes desse processo de resgate da dignidade é papel que se impõe. Sem se descurar dos princípios próprios do administrador público, notadamente os da legalidade, impessoalidade e moralidade, deve estabelecer diálogo construtivo e permanente com pessoas jurídicas de direito público, agentes públicos, companhias habitacionais e associações de moradores de empreendimentos irregulares, por exemplo, sempre com vistas a tornar exitosa a regularização fundiária.

Como agente constitucionalmente responsável pela realização de diversos direitos fundamentais, deve o registrador imobiliário estar afinado com a cidadania; trabalhar pela promoção da dignidade da pessoa humana; construir palco jurídico seguro para o desenvolvimento da livre iniciativa; solidarizar-se na edificação de uma sociedade marcada por liberdade e padrões de justiça que atendam cada vez mais uma parcela maior da população; contribuir, com seu mister, para erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais; promover o bem comum. Em poucas palavras, estar afinado com os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil.

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*Emanuel Costa Santos – 2o Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Araraquara/SP, Diretor de Assuntos Estratégicos da ARISP. Mestre em Direito Constitucional pela ITE/Bauru, Especialista em Direito Registral pela Facultad de Derecho Esade, Universitat Ramon Lllul, Barcelona, Espanha.

Fonte: Jornal Carta Forense | 27/12/13

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