CSM/SP: Registro de imóveis – Procedimento de dúvida – Registro de hipoteca judicial – Título que se sujeita à qualificação registral – Imóvel não pertencente ao devedor, já que alienado fiduciariamente – Possibilidade de registro da hipoteca sobre direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia, cuja natureza jurídica é de direito real de aquisição – Rol do artigo 1.473 do Código Civil é compatível com a hipoteca de direitos reais de aquisição, em leitura contemporânea do princípio da tipicidade – Óbice afastado – Apelação provida para autorizar o registro.


Apelação Cível nº 1015540-55.2023.8.26.0361

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1015540-55.2023.8.26.0361
Comarca: MOGI DAS CRUZES

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1015540-55.2023.8.26.0361

Registro: 2024.0000333270

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015540-55.2023.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante ESPÓLIO DE JORGE TETUO UMEKI, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015540-55.2023.8.26.0361

APELANTE: Espólio de Jorge Tetuo Umeki

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes

VOTO Nº 43.269

Registro de imóveis  Procedimento de dúvida  Registro de hipoteca judicial  Título que se sujeita à qualificação registral  Imóvel não pertencente ao devedor, já que alienado fiduciariamente  Possibilidade de registro da hipoteca sobre direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia, cuja natureza jurídica é de direito real de aquisição  Rol do artigo 1.473 do Código Civil é compatível com a hipoteca de direitos reais de aquisição, em leitura contemporânea do princípio da tipicidade  Óbice afastado – Apelação provida para autorizar o registro.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Espólio de Jorge Tetuo Umeki, representado por Miriam Yuri Umeki Trindade, contra a r. sentença de fls. 47/49, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi das Cruzes/SP, que manteve a recusa em se proceder ao registro de hipoteca judicial na matrícula n. 64.374 daquela serventia (prenotação n. 302.346-12).

Fê-lo a r. sentença sob o argumento de que, embora a hipoteca judicial não seja forma de garantia voluntária, o imóvel alienado fiduciariamente não é de propriedade do devedor da parte interessada, mas, sim, do credor fiduciário, de modo que não pode ser gravado por dívida de terceiro.

A decisão observou, ainda, que a penhora de direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia, prevista no artigo 835, inciso XII, do Código de Processo Civil, não se confunde com a hipoteca judicial prevista no artigo 495 do mesmo Código (fls. 47/49).

A parte apelante sustenta, em síntese, que o artigo 495 do Código de Processo Civil permite a constrição de bens do devedor, já que o recurso manejado por ele contra a sentença proferida na ação de despejo é dotado de efeito suspensivo, de forma que seus bens não podem ser imediatamente penhorados; que a hipoteca judicial tem natureza jurídica distinta da hipoteca prevista no artigo 1.473 do Código Civil, já que esta tem caráter voluntário, tanto que o artigo 167, inciso I, 2, da Lei n. 6.015/1973, menciona as três espécies de hipoteca individualmente; que o registro da sentença não viola os princípios da continuidade e da disponibilidade, pois se limita aos direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia, na forma dos artigos 789 e 835, inciso XII, do CPC, os quais também devem ser aplicados à hipoteca (fls. 52/60).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 72/74).

Por força da decisão de fl. 75, o feito foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

De início, é importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Vale ressaltar, ainda, que o Oficial titular ou interino dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, porém, o recurso comporta provimento, respeitado o entendimento do MM. Juiz a quo.

Vejamos os motivos.

O título representa hipoteca constituída por sentença prolatada em ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança movida por Jorge Tetuo Umeki contra Paulo Henrique Miguel e Paulo Henrique Miguel ME (processo de autos n. 1011672-40.2021.8.26.0361, 1ª Vara Cível de Mogi das Cruzes/SP – fls. 21/26).

A parte apelante, credora do contrato de locação, requer o registro da hipoteca judicial sobre os direitos reais de aquisição de titularidade do locatário e de sua esposa, decorrentes da alienação fiduciária em garantia do imóvel da matrícula n. 64.374 (R.07 – fls. 02/03).

Verifica-se que, com a alienação fiduciária, houve a transferência da propriedade resolúvel ao credor fiduciário, HSBC Bank Brasil S/A – Banco Múltiplo, deixando o devedor fiduciante de ser proprietário do bem.

Assim, não é possível a constituição de hipoteca judicial sobre o domínio pleno do imóvel que, ao menos temporariamente, não pertence ao devedor. Dizendo de outro modo, não se admite que a garantia hipotecária recaia sobre propriedade plena, da qual não é titular o devedor.

Admitir o registro da hipoteca judiciária sobre a propriedade plena significaria dizer que a excussão recairia sobre direitos de propriedade plena, dos quais não é titular o devedor.

Não há, porém, controvérsia em torno da impossibilidade de registro da hipoteca judicial sobre os direitos dos quais é titular o devedor sobre o imóvel (fls. 16, 17, 37 e 59).

Em verdade, o ponto em debate diz respeito à possibilidade ou não de registro de hipoteca judicial sobre os direitos aquisitivos do devedor fiduciante, decorrentes da alienação fiduciária em garantia.

De fato, ainda depois de registrada a garantia da alienação fiduciária, o devedor fiduciante preserva o direito de voltar a ser proprietário do imóvel após a solução da dívida.

Discute-se na doutrina a natureza de tal direito.

Na lição de Moreira Alves, “três são, a esse respeito, as orientações seguidas pelos autores: para uns o alienante é proprietário sob condição suspensiva; para outros, tem ele, com relação à coisa, tão somente expectativa de direito; e, finalmente, há os que entendem que é o alienante, nesse caso, titular de direito eventual […] que Pontes de Miranda traduz pela expressão direito expectativo […]” (MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 174-5).

Esse direito expectativo à aquisição da propriedade – que se diferencia da mera expectativa de direito – tem natureza real e, ainda segundo a lição de Moreira Alves, nada impede que a lei o amplie (obra citada, p. 176).

Foi o que ocorreu no caso presente: a lei definiu tal direito expectativo como real de aquisição (artigo 1.368-B do Código Civil):

Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.

É verdade que o rol do artigo 1.473 do Código Civil não prevê expressamente os direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia como passíveis de hipoteca.

Neste ponto, é importante observar que a hipoteca pode ser convencional, legal ou judicial.

A hipoteca judicial prevista no artigo 495 do Código de Processo Civil, por ser espécie de hipoteca, se submete às disposições gerais do Código Civil, nas quais estão inseridos os artigos 1.420 (disposições gerais dos direitos reais de garantia) e 1.473 (disposições gerais da hipoteca).

Em outros termos, o artigo 1.473 do Código Civil não se aplica somente à hipoteca convencional, mas a todas as espécies de hipoteca: o conteúdo do instituto é o mesmo, alterando-se apenas a sua forma de constituição (por contrato, por lei ou por decisão judicial).

Quanto aos julgados mencionados pela parte apelante, REsp n. 187.493/SP e AgInt no AREsp n. 1.370.727/SP, verifica-se que ambos dizem respeito à penhora de direitos oriundos de contrato de alienação fiduciária em garantia e de direitos derivados de promessa de compra e venda.

Entretanto, os institutos não se confundem: a penhora ocorre no processo de execução com a finalidade de individualização de bens do devedor para futura expropriação, observada a ordem do artigo 835 do Código de Processo Civil, enquanto a hipoteca é direito real de garantia estabelecido sobre bem determinado.

Ainda que, posteriormente, seja necessária a execução da dívida e a aplicação das normas relativas à penhora, esta recairá sobre a coisa dada anteriormente em garantia na forma do artigo 1.473 do Código Civil.

Portanto, em regra, a execução hipotecária não observa a regra do caput do artigo 835 do CPC, mas, sim, a do § 3º:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (…)

§ 3º. Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora”.

Por outro lado, a interpretação mais adequada do artigo 1.473 do Código Civil é pela possibilidade de registro da hipoteca judicial sobre os direitos do fiduciante oriundos do contrato de alienação fiduciária em garantia, notadamente diante da finalidade do instituto: garantir a satisfação do crédito reconhecido em sentença e facilitar a caracterização de eventual fraude à execução, nos termos do artigo 792, inciso III, do Código de Processo Civil.

Ora, referidos direitos do devedor podem ser alienados e penhorados, conforme admitem expressamente o artigo 29 da Lei n. 9.514/1997 e o artigo 835, inciso XII, do Código de Processo Civil.

A doutrina tradicional diz que o rol do art. 1.473 do Código Civil é taxativo. Nada impede, porém, ante a tipicidade elástica que a doutrina moderna confere aos direitos reais, que situações jurídicas não expressamente contempladas pelo legislador possam ser objeto de hipoteca, desde que plenamente compatíveis com a natureza do instituto.

A doutrina tradicional afirma que os direitos reais são numerus clausus e típicos. A doutrina contemporânea questiona o princípio da tipicidade. Na lição de Gustavo Tepedino, “se de um lado é certo que a criação de novos direitos reais depende de lei, de outro lado também é certo que no âmbito do conteúdo de cada tipo real há um vasto território por onde atua a autonomia privada e que carece de controle quanto aos limites (de ordem pública) permitidos para esta atuação” (Multipropriedade imobiliária. São Paulo, Saraiva, 1993, p. 83). Essa interpretação mais aberta permite dar maior alcance a cada um dos direitos reais.

O próprio legislador, na Lei n. 11.481/2007, incluiu no rol do art. 1.473 mais três casos de bens hipotecáveis (incisos VIII a X). A inclusão teve por escopo eliminar dúvidas da doutrina quanto à possibilidade de se hipotecarem direitos reais que têm por objeto bens imóveis e são alienáveis a terceiros. Tais figuras, mesmo antes da reforma legislativa, já eram hipotecáveis.

Embora não incluídos no rol, são também hipotecáveis o direito real de promissário comprador e o direito real aquisitivo do devedor fiduciante.

Óbvio que a hipoteca posterior não afeta os direitos do promitente vendedor e do credor fiduciário, pois somente os direitos aquisitivos serão levados à excussão, sub-rogando-se o arrematante na posição jurídica dos executados.

Considerando a regra do artigo 1.420 do Código Civil, não há razão para que não possam ser hipotecados, independentemente de anuência do credor fiduciário.

Diferentemente do artigo 29 da Lei n. 9.514/1997, neste caso, a anuência expressa do credor fiduciário pode ser dispensada porque a hipoteca, a princípio, não implica transferência dos direitos de titularidade do devedor fiduciante, que continua responsável pelo pagamento das prestações do financiamento.

Ainda que, futuramente, sejam penhorados em processo de execução hipotecária, não será necessária a concordância do credor fiduciário, tendo em vista que a penhora é constrição judicial.

Ademais, o direito do devedor fiduciante, por se tratar de um direito real de aquisição sobre imóvel, como já dito, é considerado imóvel para efeitos legais (artigo 80, inciso I, do Código Civil).

Assim, se o direito real sobre bem imóvel é considerado pela lei como um imóvel, nada impede que ele seja oferecido em hipoteca, que recai justamente sobre bens imóveis.

Em suma, o óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado, com autorização do registro da hipoteca judicial sobre os direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia pertencentes ao devedor fiduciante.

Vale reiterar, por fim, que o registro da hipoteca judicial sobre os direitos aquisitivos derivados da alienação fiduciária em garantia não afasta a aplicação do artigo 835, § 3º, do Código de Processo Civil: em eventual execução hipotecária, a penhora recairá, em regra, sobre tais direitos.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e autorizar o registro.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida registral julgada procedente – Recusa de ingresso de escritura de compra e venda – Bem em regime de enfiteuse – Domínio útil adquirido por um dos cônjuges casado sob o regime da comunhão parcial de bens por sucessão hereditária e domínio direto adquirido onerosamente na constância do casamento – Divórcio posterior do casal – Aplicabilidade do art. 1.660, I, do CC em relação à segunda aquisição – Aquisição do domínio direto tem natureza jurídica de aquesto e entra na comunhão – Preservação da continuidade depende da prévia inscrição do formal de partilha ou da retificação do título – Exigência mantida – Recurso não provido.


Apelação Cível nº 1007752-59.2023.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007752-59.2023.8.26.0047
Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1007752-59.2023.8.26.0047

Registro: 2024.0000333269

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007752-59.2023.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante LUCAS AGUIAR GUIDO DE MORAES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1007752-59.2023.8.26.0047

APELANTE: Lucas Aguiar Guido de Moraes

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis

VOTO Nº 43.312

Registro de imóveis  Dúvida registral julgada procedente  Recusa de ingresso de escritura de compra e venda  Bem em regime de enfiteuse  Domínio útil adquirido por um dos cônjuges casado sob o regime da comunhão parcial de bens por sucessão hereditária e domínio direto adquirido onerosamente na constância do casamento – Divórcio posterior do casal  Aplicabilidade do art. 1.660, I, do CC em relação à segunda aquisição  Aquisição do domínio direto tem natureza jurídica de aquesto e entra na comunhão  Preservação da continuidade depende da prévia inscrição do formal de partilha ou da retificação do título – Exigência mantida  Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Lucas Aguiar Guido de Moraes, contra a r. sentença de fls. 67/70, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Assis, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o acesso ao registro imobiliário da escritura de compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 1.373 daquela serventia (fls. 31).

Alega o apelante, em resumo: que o bem transacionado, por ter sido adquirido por herança, não se comunica ao cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial; que não há prova de que a ex-esposa do vendedor contribuiu para o resgate oneroso da enfiteuse; que o valor que caberia à ex-mulher pelo resgate da enfiteuse é irrisório; e que a ex-esposa não participou do ato notarial que extinguiu a enfiteuse. Pede, ao final, o provimento da apelação para determinar o registro do título. Subsidiariamente, requer a definição da extensão dos direitos que o cônjuge do vendedor possui sobre o bem (fls. 76/101).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 133/142).

Após a decisão de fls. 144, a certidão da matrícula nº 1.373 do Registro de Imóveis de Assis foi acostada aos autos (fls. 150/154).

É o relatório.

Tratam os autos da negativa de registro de escritura de compra e venda, por meio da qual o apelante adquire o imóvel objeto da matrícula nº 1.373 do Registro de Imóveis de Assis. Entre os proprietários do bem, consta Mario Cesar Garcia Duarte, casado com Marília Pastorello Duarte sob o regime da comunhão parcial de bens, titular de parte ideal correspondente a 16,666% do imóvel. Ocorre que na escritura apresentada a registro, Mário, na condição de divorciado, vendeu sua parte no bem sem a participação de sua ex-esposa.

Considerando essa situação, o Oficial obstou o registro, exigindo, de forma alternativa, a inscrição de formal de partilha do divórcio ou a retificação da escritura para que nela passe a constar Marília como transmitente.

E a recusa à inscrição está correta.

Pela análise da matrícula nº 1.373 do Registro de Imóveis de Assis, constata-se que o Mario Cesar Garcia Duarte, casado com Marília Pastorello Duarte sob o regime da comunhão parcial de bens, recebeu, em virtude do falecimento de Cézar Garcia Duarte, o domínio útil de 16,666% do imóvel (cf. R.4 da matrícula nº 1.373 – fls. 151).

Na forma do art. 1.659, I, do Código Civil, não há comunhão desse bem, pois ele sobreveio, na constância do casamento, por sucessão.

No entanto, ainda de acordo com a matrícula nº 1.373 do Registro de Imóveis de Assis, os detentores do domínio útil do bem, por meio de escritura prenotada em novembro de 2011, adquiriram o domínio direto do imóvel da Mitra Diocesana de Assis, encerrando-se o regime de enfiteuse até então existente. E essa transferência onerosa do domínio direto ocorreu durante a constância do casamento de Mário e Marília (cf. R.10 da matrícula nº 1.373 – fls. 152/153).

Diferentemente do que ocorreu com a sucessão causa mortis, que o inciso I do art. 1.659 do Código Civil determina a exclusão da comunhão, no caso da aquisição do domínio útil na constância do casamento de Mário e Marília, aplicável o art. 1.660, I, do CC:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

E em se tratando de bem adquirido onerosamente durante casamento regido pela comunhão parcial de bens, não há espaço para prova de que o esforço comum não ocorreu. Isso porque o esforço comum é presumido de forma absoluta, bastando a comprovação da aquisição onerosa, ainda que só em nome de um dos cônjuges, para que haja partilha.

Embora o encerramento do regime de enfiteuse pelo resgate e a comunhão de frutos sejam figuras completamente distintas, o inciso V do art. 1.660 prevê regra que aqui se aplica. Da mesma forma que os frutos dos bens particulares de cada cônjuge entram na comunhão, a aquisição do domínio útil de bem imóvel por sucessão, tornando-o particular (art. 1.659, I, do CC), não impede a partilha entre os cônjuges do domínio direto adquirido onerosamente na constância do casamento.

Isso o resgate da enfiteuse se dá a título oneroso, mediante pagamento ao nu proprietário. Essa a razão pela qual a consolidação da propriedade plena – mediante aquisição do domínio útil – se deu a título oneroso durante o casamento. Dizendo de outro modo, o valor proporcional do domínio direto em relação à propriedade plena tem a natureza de aquesto.

À evidência, não é a propriedade plena da parte ideal do bem que coube a Mário que se comunica. A comunhão se limita à diferença do valor da propriedade e do valor do domínio útil, esse último recebido por sucessão e, portanto, incomunicável. Ou, de modo modo, o valor proporcional do domínio direto, representado pelo valor do resgate é que tem a natureza de aquesto.

Assim, consoante nota devolutiva copiada a fls. 51, para que a continuidade seja respeitada (art. 237 da Lei nº 6.015/73), o registro da escritura depende da prévia inscrição do formal de partilha ou da retificação do título, com a inclusão de Marília na qualidade de transmitente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.04.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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