Apelação e Reexame Necessário – Mandado de segurança – ITCMD sobre herança – Sobrepartilhas extrajudiciais – Cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão de recolhimento do tributo após o prazo legal – Afastada a cobrança da multa de protocolização (art. 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00)


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1058565-82.2017.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUIZO EX OFFÍCIO, são apelados KARINA ROSSET WEINBERGER e FERNANDO ROSSET.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram parcial provimento aos recursos para o fim de se conceder parcialmente a segurança. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente) e LUCIANA BRESCIANI.

São Paulo, 31 de julho de 2018.

Renato Delbianco

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto nº 14.572

Apelação Cível nº 1058565-82.2017.8.26.0053

Recorrente : JUÍZO EX OFFICIO

Apelante : ESTADO DE SÃO PAULO

Apelados : KARINA ROSSET WEINBERGER E OUTRO

Interessado : DELEGADO DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DA CAPITAL – DRTC I

Comarca : SÃO PAULO

Juíza de 1º Grau: ANA LUIZA VILLA NOVA

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança – ITCMD sobre herança – Sobrepartilhas extrajudiciais – Cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão de recolhimento do tributo após o prazo legal – Afastada a cobrança da multa de protocolização (art. 21, inciso I, da Lei Estadual n.º 10.705/00) – Reconhecida a incidência de multa e juros de mora (arts. 19 e 20) apenas com relação a uma das sobrepartilhas – Afastada a preliminar de inadequação da via eleita – Ordem concedida integralmente – Recursos parcialmente providos para o fim de se conceder parcialmente a segurança.

Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interpostos nos autos do mandado de segurança que visava à desconstituição de cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão do recolhimento de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) após o prazo legal, tendo a ordem sido concedida pela r. sentença de fls. 287/289.

Ao recurso oficial somou-se tempestivo apelo do Estado de São Paulo, na condição de assistente litisconsorcial passivo (fls. 299/317), aduzindo, preliminarmente, inadequação da via mandamental, tendo em vista que a pretensão dos impetrantes se resume em afastar a aplicação da legislação de regência do ITCMD, em ofensa às Súmulas n.ºs 266, 269 e 271 do C. Supremo Tribunal Federal. No mérito, sustenta que a exação decorre do princípio federativo (art. 155, inciso I, da Constituição Federal), tendo o Estado de São Paulo editado a Lei n.º 10.705/00, regulamentada pelo Decreto Estadual n.º 46.655/02, que prescrevem as hipóteses de incidência de penalidade quando o tributo for recolhido extemporaneamente, isto é, após o prazo de 60 dias da abertura da sucessão (arts. 20 e 21).

O recurso recebeu resposta (fls. 322/331).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o relatório.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado em face de ato praticado pela autoridade apontada como coatora, Delegado Regional Tributário da Capital (DRTC I), almejando à desconstituição de cobrança de multas de protocolização e moratória e juros de mora em razão do recolhimento de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) após o prazo legal, tendo a r. sentença concedido a segurança.

Apelou o Estado de São Paulo, na condição de assistente litisconsorcial passivo, pugnando pela inversão do julgado.

Inicialmente, afasta-se a preliminar de inadequação da via eleita, eis que a insurgência dos impetrantes se dá em face dos efeitos concretos da legislação que dispõe sobre a incidência do ITCMD no Estado de São Paulo, mais precisamente sobre penalidades e juros de mora, não havendo que se cogitar do manejo da via mandamental contra a lei em si e, portanto, em ofensa à Súmula n.º 266 do C. Supremo Tribunal Federal.

De igual modo, não se vislumbra ofensa ao entendimento sumulado nos verbetes n.ºs 269 e 271, também do Excelso Pretório, no sentido de que o mandado de segurança não é substitutivo da ação de cobrança e não produz efeitos patrimoniais pretéritos, porquanto a pretensão dos impetrantes não é propriamente a de cobrar algo, e sim desconstituir uma cobrança que reputam ser ilegal e/ou abusiva.

No mérito, parcial razão assiste ao Fisco apelante.

Os impetrantes Karina Rosset Weinberger e Fernando Rosset, na condição de herdeiros de Issac Mauro Rosset, falecido em 16.02.2016, promoveram extrajudicialmente o inventário e partilha dos bens deixados por seu genitor, ocasião em que recolheram o ITCMD no valor total de R$ 3.322.051,28, nos termos da escritura pública lavrada em 08.04.2016 (fls. 33/82). Logo em seguida, procederam à realização de três escrituras públicas de sobrepartilha, nos seguintes termos:

(i) em 13.04.2016, trazendo à colação a quantia R$ 200.000,00 em espécie, a título de numerário cuja existência alegaram desconhecer, ocasião em que promoveram o recolhimento do ITCMD no valor de R$ 3.800,00 (fls. 83/88);

(ii) em 29.09.2016, trazendo à colação 28% e 35,17% de dois imóveis rurais e 12,5% de um prédio, cuja existência alegaram igualmente desconhecer, ocasião em que promoveram o recolhimento do ITCMD no valor de R$ 13.044,14 (fls. 95/104);

(iii) em 22.06.2017, trazendo à colação 12,5% de um prédio, correspondente ao quinhão cabível ao espólio de Issac, deixado por Henrique Rosset, avô dos impetrantes, ocasião em que promoveram o recolhimento do ITCMD no valor de R$ 20.480,88 (fls. 89/94).

Posteriormente, foram surpreendidos com a cobrança, pelo Fisco estadual paulista, das quantias correspondentes a: R$ 48.878,09, a título de multa de protocolização; R$ 48.878,09, a título de multa moratória; R$ 42.670,57, a título de juros moratórios, cobrados de cada um dos impetrantes, perfazendo-se o montante de R$ 280.853,50.

Como cediço, nos termos do art. 2.022 do Código Civil, ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha. A legislação de regência permite a realização de sobrepartilha via escritura pública, nos termos do art. 25 da Resolução CNJ n.º 35/07[1], caso em que serão aplicadas as mesmas regras relativas ao inventário extrajudicial, notadamente a disposição atinente ao recolhimento do imposto antes da lavratura da escritura pública (art. 18, § 1.º, da Lei Estadual n.º 10.705/00).

No caso dos autos, inaplicável à espécie a incidência da chamada “multa de protocolização”, prevista no art. 21, inciso I, da Lei Estadual n.º 10.705/00, in verbis:

Art. 21. O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:

I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);

Como se pode observar, tal penalidade incide quando o inventário ou arrolamento não for requerido no prazo de 60 dias da abertura da sucessão. Ora, tendo o autor da herança falecido no dia 16.02.2016 e seus herdeiros promovido o inventário extrajudicial em 08.04.2016 (fls. 33/82), não há falar na aludida multa. Ademais, não é possível ao Fisco elastecer a hipótese de incidência de tal penalidade para aplicá-la aos casos de sobrepartilha quando o legislador assim não previu.

Com relação aos juros moratórios, bem como a multa moratória (arts. 19 e 20 da Lei Estadual n.º 10.705/00[2]), há de se verificar se os fatos que deram ensejo às sobrepartilhas, bem como as datas em que as escrituras públicas foram lavradas, são suficientes a dar ensejo à sua incidência por ocasião do recolhimento do tributo sobre os bens remanescentes.

No que toca às duas primeiras sobrepartilhas (fls. 83/88 e 95/104), verifica-se que os bens remanescentes eram desconhecidos até então pelos herdeiros, não havendo como lhes imputar, ao menos por hora, juros de mora e multa, porquanto se presume que tenham procedido à sua colação assim que tomaram conhecimento da sua existência. Tal presunção pode ser ilidida pelo Fisco a seu tempo e modo, quer pela via administrativa (art. 11) ou pela judicial ordinária, não havendo como, porém, nesta seara de cognição estrita, concluir de modo contrário.

Relativamente à terceira sobrepartilha (fls. 89/94), na qual os herdeiros colacionaram a existência de 12,5% de um prédio, correspondente ao quinhão cabível ao espólio de seu pai Issac Mauro Rosset, deixado por Henrique Rosset, avô dos impetrantes, constata-se a existência de mora no recolhimento do imposto, pois a escritura pública veio a ser lavrada somente em 22.06.2017, não obstante o formal de partilha do inventário dos bens de Henrique Rosset tivesse sido expedido em 21.09.2016 (fls. 107/108), ou seja, quando já transcorrido o prazo máximo previsto em lei para recolhimento do imposto de transmissão mortis causa, vale dizer, 180 dias, a teor do disposto no art. 17, § 1.º, da Lei n.º 10.705/00[3].

Observe-se que, neste último caso, com a homologação da partilha no inventário dos bens deixados pelo avô dos impetrantes, já se mostrava possível identificar o quinhão cabível ao seu pai e, consequentemente, todos os critérios da hipótese de incidência sobre o bem remanescente, do qual passaram a ter conhecimento oficialmente com a expedição do formal de partilha, e não a partir do recebimento do bem pelo espólio, vale dizer, em outubro de 2017, como alegam os impetrantes, pois, se acaso assim fosse, não teriam procedido à lavratura da escritura pública de sobrepartilha em 22.06.2017 (antes, portanto, do recebimento do bem).

Nesse sentido, decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça em julgado citado pelos próprios impetrantes, ora apelados, inclusive:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO DEMONSTRADA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. HOMOLOGAÇÃO DOS CÁLCULOS. 1. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. Na sistemática de apuração do ITCMD, há que observar, inicialmente, o disposto no art. 35, parágrafo único, do CTN, segundo o qual, nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários. 3. Embora a herança seja transmitida, desde logo, com a abertura da sucessão (art. 1.784 do Código Civil), a exigibilidade do imposto sucessório fica na dependência da precisa identificação do patrimônio transferido e dos herdeiros ou legatários, para que sejam apurados os “tantos fatos geradores distintos” a que alude o citado parágrafo único do art. 35, sendo essa a lógica que inspirou a edição das Súmulas 112, 113 e 114 do STF. 4. O regime do ITCMD revela, portanto, que apenas com a prolação da sentença de homologação da partilha é possível identificar perfeitamente os aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese normativa, tornando possível a realização do lançamento (cf. REsp 752.808/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.5.2007, DJ 4.6.2007, p. 306; AgRg no REsp 1257451/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6.9.2011, DJe 13.9.2011). 5. Pelas características da transmissão causa mortis, não há como exigir o imposto antes do reconhecimento judicial do direito dos sucessores, seja mediante Arrolamento Sumário, seja na forma de Inventário, procedimento mais complexo. 6. Recurso Especial não provido. (REsp 1660491/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 16/06/2017).

(grifo nosso).

Com isso, entendo que, apenas com relação à sobrepartilha do bem posteriormente incorporado ao acervo do espólio do genitor dos impetrantes, cuja cópia da escritura pública encontra-se às fls. 89/94, é que deverá incidir juros e multa de mora (arts. 19 e 20 da Lei Estadual n.º 10.705/00), com termo inicial a partir do decurso do prazo máximo de 180 dias, contado da expedição do formal de partilha (fls. 107/108), devendo o Fisco providenciar o recálculo do tributo apenas considerando o valor do bem colacionado nesta sobrepartilha, e não sobre a totalidade do monte partível, desconsiderando-se, ainda, a multa de protocolização, repise-se, concedendo-se, ainda, prazo razoável para que os impetrantes possam recolher a diferença apurada.

Observo, outrossim, inexistir “motivo justo”, tal como ressalvado no aludido art. 17, § 1.º, a caracterizar a hipótese de dilação do prazo para recolhimento do imposto na sobrepartilha em período superior a 180 dias, não tendo os impetrantes trazido aos autos qualquer informação a respeito de fatos que pudessem realmente justificar tal excepcionalidade, não sendo o caso de se aplicar tal benefício sob pena de se criar pernicioso precedente.

Por fim, entendo não ser o caso de se aplicar o disposto no art. 138 do Código Tributário Nacional[5], que cuida da chamada “denúncia espontânea”, tal como pugnado pelos impetrantes em sede de contrarrazões, pois o pagamento deve abranger, inclusive, os juros de mora para conferir eficácia liberatória quanto à responsabilidade pela infração à legislação tributária.

Comportam parcial acolhida, portanto, os recursos oficial e voluntário interpostos para o fim de se conceder parcialmente a segurança, determinando-se o recálculo do ITCMD incidente sobre a sobrepartilha de fls. 89/94 com a incidência de juros e multa de mora, consoante o esposado, ficando, no mais, mantida a r. sentença tal como prolatada.

Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aventada, observado que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido analisada.

Ante tais ponderações, pelo meu voto, dou parcial provimento aos recursos interpostos para o fim de se conceder parcialmente a segurança.

RENATO DELBIANCO

Relator

Notas:

[1] Art. 25. É admissível a sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou do processo judicial.

[2] Art. 19. Quando não recolhido nos prazos previstos na legislação tributária, o débito do imposto fica sujeito à incidência de multa, no percentual de 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, limitado a 20% (vinte por cento).

Art. 20. Quando não pago no prazo, o débito do imposto fica sujeito à incidência de juros de mora, calculados de conformidade com as disposições contidas nos parágrafos deste artigo.

§ 1.º A taxa de juros de mora é equivalente: 1. por mês, à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais, acumulada mensalmente; 2. por fração, a 1% (um por cento). § 2.º Considera-se, para efeito deste artigo: 1. mês, o período iniciado no dia 1° e findo no respectivo dia útil; 2. fração, qualquer período de tempo inferior a um mês, ainda que igual a um dia. § 3.º Em nenhuma hipótese, a taxa de juros prevista neste artigo poderá ser inferior a 1% (um por cento) ao mês. § 4.º Ocorrendo a extinção, substituição ou modificação da taxa a que se refere o § 1°, o Poder Executivo adotará outro indicador oficial que reflita o custo do crédito no mercado financeiro. § 5.º O valor dos juros deve ser fixado e exigido na data do pagamento do débito, incluindo-se esse dia. § 6.º A Secretaria da Fazenda divulgará, mensalmente, a taxa a que se refere este artigo.

[3] Art. 17. (…). § 1.º O prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial.

[5] Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1058565-82.2017.8.26.0053 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Renato Delbianco – DJ 06.08.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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