Apelação – Retificação de registro – Pedido de exclusão de patronímico paterno, incluído em sua certidão de nascimento após julgamento de ação de reconhecimento de paternidade – Sentença de improcedência – Insurgência do autor – Acolhimento – Alteração possível

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1082392-49.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ALBERTO GERMANO, é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COSTA NETTO (Presidente sem voto), PIVA RODRIGUES E JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO.

São Paulo, 29 de maio de 2018.

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA

RELATORA

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO Nº 1082392-49.2015.8.26.0100

Relatora: Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira

Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado

APELANTE: ALBERTO GERMANO

APELADO: O JUÍZO

COMARCA: SÃO PAULO CENTRAL

JUÍZA PROLATORA: LETICIA FRAGA BENITEZ

VOTO N.º 1063

APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. Pedido de exclusão de patronímico paterno, incluído em sua certidão de nascimento após julgamento de ação de reconhecimento de paternidade. Sentença de improcedência. Insurgência do autor. ACOLHIMENTO. ALTERAÇÃO POSSÍVEL. Ordenamento jurídico brasileiro que, embora possua como regra a imutabilidade do registro civil, o que decorre do fato de que o nome é elemento da personalidade e permite a identificação social do ser humano em relação ao grupo que pertence, contempla, em caráter excepcional, sua relativização diante de justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros. CASO CONCRETO. Autor que, já em idade adulta, teve reconhecimento de paternidade “post mortem”, o que determinou, sem pedido, a inclusão do patronímico paterno em sua certidão de nascimento. Evento ocorrido em momento em que a identidade social do autor com o nome antecedente já estava consolidada, em seu ambiente pessoal e profissional, de maneira que a alteração poderá lhe acarretar prejuízos, assim como à sua prole. Art. 54 da Lei de Registro que não contempla o caráter obrigatório da inclusão do patronímico paterno no assento de nascimento, tratando-se, portanto, de direito ao reconhecimento social e de preservação da ancestralidade, e não imposição legal. Ausência de impedimento legal, aliada á presença de justo motivo e ausência de prejuízo a terceiros que autoriza a pretensão de manutenção do nome do autor, sem a inclusão do patronímico paterno. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO.

Vistos.

Trata-se de apelação interposta por ALBERTO GERMANO contra a r. sentença de fls. 39/40, cujo relatório se adota, que julgou improcedente ação de Retificação de Registro Civil, por ausência de justificativa razoável à exclusão do patronímico paterno de seus registros.

O apelante sustenta que é advogado, contando com 48 anos de idade, e que durante toda sua vida foi conhecido como ALBERTO GERMANO, descrevendo feitos profissionais que o contemplaram com essa identificação, jamais tendo se utilizado do sobrenome paterno “PEREIRA”, de maneira que a manutenção do nome Pereira lhe ocasionará diversos prejuízos, tanto na esfera pessoal, com a exigência de retificação de todos seus documentos, quanto em âmbito profissional, com a necessidade de adequação de diversos contratos por si firmados.

Explica que a alteração foi feita após propositura de ação de investigação de paternidade “post mortem” em relação a seu pai, ajuizada apenas para ser incluído em seus registros o nome paterno, , sem que fosse pretendido o acréscimo do patronímico paterno. Salienta que a sentença que julgou a ação de reconhecimento de paternidade é que determinou a inclusão do patronímico “PEREIRA” em seus registros, sem que a pretensão tenha sido formulada. Argumenta que a retificação do nome não irá gerar prejuízo a ninguém, pelo contrário, facilitará sua identificação, uma vez que será assegurada a utilização do nome pelo qual sempre foi conhecido, assim como evitará que seu filho seja afetado por tal alteração. Busca a reforma integral da r. sentença (fls. 46/57).

Recurso regularmente processado.

Parecer da Procuradoria Geral de Justiça opinando pelo improvimento do recurso (fls. 69/72).

É O RELATÓRIO.

Trata-se de ação de retificação de registro civil de nascimento por meio da qual o autor busca seja retirado de seu assento de nascimento o patronímico “PEREIRA”, acrescido por sentença que julgou procedente ação de reconhecimento de paternidade, o que foi negado pelo juízo “a quo”.

E respeitado o entendimento de primeiro grau, o recurso merece ser provido.

A questão debatida nos autos versa sobre a possibilidade ou não de alteração do registro civil do autor para exclusão do patronímico de seu pai PEREIRA o qual somente foi acrescentado em sua certidão de nascimento no ano de 2008, por força de sentença que julgou procedente ação de reconhecimento de paternidade, ocasião em que o apelante já somava cerca de 40 anos de idade (fls. 37).

A prova documental demonstra claramente que o autor , pessoa com 48 anos de idade, ao longo da maior parte de sua vida foi identificado como “ALBERTO GERMANO”, nome pelo qual se tornou conhecido não apenas no ambiente social, mas em sua atividade profissional como advogado, onde o próprio nome do escritório é “AG Sociedade de Advogados”, em referência a suas iniciais.

É este o nome que figura em sua certidão casamento, em sua inscrição junto à OAB, por inferência de seu próprio certificado de graduação na faculdade de direito, em suas contas (fls. 08, 12/13 e 20) e também nos documentos de identificação de seu próprio filho (fls. 81/82) e a alteração pela inclusão do patronímico paterno “Pereira” ocorreu apenas em 2.008, por força de investigação de paternidade “post mortem” que importou no reconhecimento da paternidade de Álvaro Magalhaes Pereira” em relação ao autor, quando houve a averbação da certidão de nascimento e consequente inclusão dos dados paternos no registro público.

É fato que o ordenamento jurídico pátrio adota como regra a imutabilidade do nome, mas essa previsão decorre do fato de que o nome é elemento da personalidade, e portanto, inato ao ser humano na medida em que retrata a identidade social do indivíduo e permite seu reconhecimento perante o grupo a que pertence, aqui considerada sua ancestralidade .

Contudo, na própria Lei de Registros Públicos há hipóteses em que se permite a alteração ou modificação do prenome (arts. 56, 57 e 58, todos da Lei nº 6.015/73) e a própria jurisprudência tem se empenhado em relativizar essa imutabilidade segundo análise de razoabilidade da pretensão (justo motivo) e ausência de prejuízo a terceiros, admitindo-a em situações diversas como exposição a vexame ou constrangimento, questões emocionais relacionadas a circunstâncias específicas do relacionamento familiar, como em caso de abandono paterno, entre outras.

Veja-se a respeito:

“Ação de Retificação de Registro – Pretensão de exclusão de patronímico paterno em razão do abandono – Possibilidade – Princípio da imutabilidade registrária que deve ceder por força do princípio a dignidade da pessoa humana – Ausência de prejuízo quanto ao elemento identificador da pretendente – Precedente do E. STJ – Recurso provido.” (TJSP, Apelação nº 1043301-78.2017.8.26.0100, Des. Rel. Luiz Antonio Costa, 7ª Câmara de Direito Privado, j. 04/04/2018).

No mesmo sentido:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.” (REsp 1304718/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, j. 18/12/2014).

E na hipótese relatada, como detectado pelo Ministério Público de primeiro grau no parecer de fls. 27/28, mostra-se possível e adequada a alteração pretendida, pois o fato é que o autor construiu toda sua vida pessoal e profissional sendo identificado como “ALBERTO GERMANO”, assim se tornando conhecido e reconhecido no meio social, e a busca de sua identidade genética quando já adulto, de forma a assegurar sua descendência e suas raízes, não justifica que se ignore seu histórico de vida para incluir o sobrenome paterno, quando para si essa busca de identidade foi alcançada pela simples inclusão do nome do pai e avós paternos na certidão, com o reconhecimento da filiação.

Enquanto direito inerente à personalidade, ninguém, melhor do que o próprio titular do nome, poderá aferir se a inclusão do patronímico paterno atende ao anseio de identificação social e familiar, especialmente quando se constata que o genitor é pessoa falecida, de que resulta a ausência de oposição de sua parte.

Por outro lado, não se extrai da Lei de Registros Público seja a inclusão do patronímico paterno regra legal impositiva, o que se extrai da própria redação do artigo 54. In verbis:

“Art. 54 O assento de nascimento deverá conter:

(…)

4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança

(destaquei).

Ora, se ao tempo do próprio nascimento é possível aos genitores decidir quais os nomes de família que comporão a identificação dos filhos, certamente não se poderia obstar, em razão de reconhecimento de paternidade tardio, que a identificação nominal do filho permanecesse imutável junto a seu assento, apenas com o acréscimo de informações quanto ao pai e seus próprios familiares.

Assim, tem-se que a falta de obrigatoriedade à inclusão do patronímico paterno na identificação nominal do filho, aliada ao fato comprovado nos autos de que a alteração não atende aos interesses do autor, adulto, pelo reconhecimento social de sua identificação como “Alberto Germano”, de maneira que a alteração tardia lhe causará prejuízos e dificuldades no âmbito pessoal e profissional, inclusive com reflexos sobre a identificação de seu próprio filho, resulta na plena configuração do justo motivo à alteração pretendida.

Em consequência, na medida em que a pretensão do autor se afigura legítima e não acarreta prejuízo a terceiros, não se vislumbrando má-fé, emulação ou tentativa de burlar a lei, possível acolher seu pedido, retificando seu registro de nascimento para que volte a constar “ALBERTO GERMANO”, privilegiando, assim, seu interesse.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO.

MARIELLA FERRAZ DE ARRUDA POLLICE NOGUEIRA

RELATORA

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1082392-49.2015.8.26.0100 – São Paulo – 9ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira – DJ 11.06.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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