CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Compra e venda de imóvel – Espólio que promoveu a venda autorizado por alvará expedido em inventário judicial – Imóvel, porém, que foi parcialmente adquirido, a título oneroso e na vigência do Código Civil de 1916, por pessoa casada em regime de separação obrigatória de bens – Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal – Presunção de comunicação dos aquestos – Falecimento da esposa sem que promovido o inventário da meação na parte do imóvel adquirida por seu marido a título oneroso – Pretensão de registro de venda da integralidade do bem, pelo espólio do marido posteriormente falecido – Ausência de menção, na matrícula do imóvel, da partilha relativa à metade ideal adquirida a título oneroso – Afronta ao princípio da continuidade – Dúvida procedente – Apelação não provida.


  
 

Apelação nº 1135175-81.2016.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1135175-81.2016.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1135175-81.2016.8.26.0100

Registro: 2018.0000266221

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1135175-81.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante ALICE BICUDO FROMER PIAZZI, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e mantiveram a recusa do registro, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de abril de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1135175-81.2016.8.26.0100

Apelante: Alice Bicudo Fromer Piazzi

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 37.289

Registro de imóveis – Dúvida – Compra e venda de imóvel – Espólio que promoveu a venda autorizado por alvará expedido em inventário judicial – Imóvel, porém, que foi parcialmente adquirido, a título oneroso e na vigência do Código Civil de 1916, por pessoa casada em regime de separação obrigatória de bens – Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal – Presunção de comunicação dos aquestos – Falecimento da esposa sem que promovido o inventário da meação na parte do imóvel adquirida por seu marido a título oneroso – Pretensão de registro de venda da integralidade do bem, pelo espólio do marido posteriormente falecido – Ausência de menção, na matrícula do imóvel, da partilha relativa à metade ideal adquirida a título oneroso – Afronta ao princípio da continuidade – Dúvida procedente – Apelação não provida.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença que manteve recusa a registro de escritura pública de compra e venda imobiliária, por suposta violação ao princípio da continuidade, uma vez que o quinhão do imóvel adquirido a título oneroso comunicar-se-ia à esposa do comprador, que, todavia, jamais teria constado como proprietária na matrícula do bem. Do inventário dos bens deixados pela esposa, a parte ideal do imóvel sequer teria figurado.

A recorrente, pretensa compradora da totalidade do imóvel, alegou, em síntese, que a metade do imóvel transferida por escritura de compra e venda teria sido, em verdade, objeto de permuta entre os irmãos, de tal arte que caracterizada a aquisição a título gratuito, obstando qualquer hipótese de comunicação com aquela que, até então, era casada com o adquirente. Ponderou que a escritura pública somente foi lavrada depois da obtenção de alvará judicial autorizando a transação. Requereu a modificação da r. sentença, para que se julgue improcedente a dúvida.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Anoto, primeiro, que o alvará judicial para que espólio celebre escritura de compra e venda consiste em mera autorização para a prática de negócio jurídico por ente não personalizado, motivo pelo qual não altera a amplitude da qualificação que deve ser realizada para o registro do título.

A certidão de fls. 99/102 demonstra que Affonso Álvares Rubião adquiriu a metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 17.488 do 5º Registro de Imóveis de São Paulo mediante sucessão hereditária de sua genitora, e adquiriu a outra metade ideal mediante contrato de compra e venda, celebrado com Guilherme Álvares Requião, que foi registrado em 18 de agosto de 1986 (fls. 100/101), ocasião em que Affonso era casado com Maria Isabel Parodi Alvares Rubião pelo regime de separação obrigatória de bens.

Conforme a Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal, os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento celebrado pelo regime da separação legal de bens são presumidos como de propriedade comum dos cônjuges, pois também é presumida a existência de esforço comum para a aquisição.

Como exposto, consta na matrícula do imóvel (R7 – fls. 101/102) que Affonso Álvares Rubião adquiriu a metade ideal do imóvel mediante compra e venda celebrada por escritura pública que foi registrada em 18 de agosto de 1986, ocasião em que era casado pelo regime da separação legal de bens (R7 – fls.101/102).

O registro do título aquisitivo faz presumir a propriedade (art. 1.425 e seguintes do Código Civil) e produz todos os efeitos legais enquanto não for cancelado, ainda que por outro modo se prove que o título foi desfeito, anulado, extinto ou rescindido (art. 252 da Lei nº 6.015/73).

Portanto, a matrícula faz presumir que Affonso adquiriu a metade ideal do imóvel por compra e venda quando era casado pelo regime da separação legal de bens, fato ocorrido na vigência do Código Civil de 1916.

Por essas razões, o resultado da dúvida não se altera diante das alegações de que o vendedor posteriormente outorgou escritura declaratória de que a metade ideal do imóvel teria, na realidade, sido objeto de permuta, e de que a nº Súmula nº 377 do Supremo Tribunal não seria compatível com o Código Civil vigente. Ao contrário, o registro da compra e venda na matrícula do imóvel produz todos os efeitos enquanto não for desfeito, ou, no presente caso, não for retificado para constar que a aquisição da metade ideal por Affonso ocorreu mediante negócio jurídico distinto, celebrado a título não oneroso.

Em decorrência, para efeito de julgamento da dúvida também não se mostra relevante a alegação de que existiria acordo informal entre os irmãos para a permuta dos bens que compunham o acervo hereditário decorrente do falecimento de sua genitora.

Por sua vez, Maria Isabel faleceu em 16 de março de 1999 (fls. 44), quando ainda casada com Affonso que faleceu em 28 de outubro de 2004 (fls. 42), e não consta na matrícula do imóvel que em razão de partilha realizada em razão da morte de Maria Isabel foi a metade ideal do imóvel, adquirida a título oneroso, integralmente atribuída ao seu cônjuge.

Incidem, neste caso, os arts. 195 e 237 da Lei de Registros Públicos que dispõem:

Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”, e:

Art. 297 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.

Igual conclusão decorre da lição de Afrânio de Carvalho:

O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed.Forense, 1998, pág. 253).

Por fim, a negativa do registro encontra respaldo na jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como a seguir se verifica:

“Registro de Imóveis – Proprietária casada no regime da separação obrigatória de bens – Bem adquirido na constância da união – Cônjuges falecidos – Escritura de inventário da falecida esposa por meio da qual a totalidade do imóvel é partilhada – Impossibilidade de registro – Aplicabilidade da Súmula 377 do STF – Comunhão que se presume – Necessidade de prévia inscrição do formal de partilha extraído do inventário do falecido marido, no qual sua parte no imóvel será dividida – Alegação de prescrição da ação de sonegados Matéria estranha ao procedimento de dúvida Apelação desprovida.” (1027173-17.2016.8.26.0100, de minha relatoria, DJ 20/3/17).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de imóvel. Aquisição da nua propriedade pela mulher e do usufruto pelo marido. Regime de Separação obrigatória de bens. Falecimento do cônjuge usufrutuário. Cancelamento do usufruto vitalício. Recusa do registro da compra e venda realizada pelo cônjuge sobrevivente sem a apresentação do formal de partilha. Comunicação dos aquestos nos termos da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Recusa do registro mantida. Recurso não provido” (Apelação nº 0000376-81.2013.8.26.0114, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 18/3/2014).

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de escritura pública de alienação de imóvel sem prévio inventário do cônjuge prémorto. Regime de separação legal de bens. Imóvel adquirido na constância do casamento. Comunicação dos aquestos. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao princípio da continuidade. Registro inviável. Recurso não provido” (Apelação nº 0045658-92.2010.8.26.0100, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. em 27/10/2011).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 07.05.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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