Registro de imóveis – Recusa de ingresso de carta de adjudicação – Apresentação de CND – Exigência afastada, conforme posição do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Recurso provido.


  
 

Apelação nº 1015179-66.2016.8.26.0625

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1015179-66.2016.8.26.0625
Comarca: TAUBATÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1015179-66.2016.8.26.0625

Registro: 2018.0000187361

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1015179-66.2016.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, em que são partes é apelante INCAPITAL PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TAUBATÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso e julgaram improcedente a dúvida, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de março de 2018.

PINHEIRO FRANCO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1015179-66.2016.8.26.0625

Apelante: Incapital Participações Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Taubaté

VOTO Nº 37.288

Registro de imóveis – Recusa de ingresso de carta de adjudicação – Apresentação de CND – Exigência afastada, conforme posição do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Incapital Participações Ltda. contra a sentença de fls. 239/240, que manteve a recusa ao registro da carta de sentença expedida nos autos de ação de adjudicação compulsória que correu perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Taubaté, sob argumento de que é correta a exigência contida na nota de devolução expedida pela Registradora, consistente na apresentação de “certidão negativa de débitos expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RBF) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGN), referente a todos os créditos tributários federais e à Dívida Ativa da União (DAU) por elas administrados, em nome da N & F Construtora e Incorporadora Ltda. devidamente atualizada (art. 47, inciso I, letra “b” da Lei Federal n. 8.212/91 e artigo 1º. Da Portaria Conjunta RFB/PGFN no. 1.751/14).” (fls. 23/24).

Sustenta o apelante que as certidões negativas federais são inexigíveis, uma vez que tais débitos tributários não guardam relação com o ato de registro do título.

Sobrevieram contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, respeitando o entendimento do MM° Juiz sentenciante, assim como da D. Procuradoria de Justiça, o recurso deve ser provido.

Cuida-se de carta de sentença apresentada para registro perante o cartório de imóveis, expedida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Taubaté, extraída dos autos de n° 1010932-76.2015.8.26.0625.

O ingresso da carta foi negado, com expedição de nota devolutiva contendo a exigência de apresentação de certidão negativa relativa a tributos federais e contribuições previdenciárias em nome da transmitente (Lei 8.212/91, art. 47, I, b).

O tema objeto do debate não é novo. Tampouco é unânime na doutrina quanto à possibilidade de afastamento dessa exigência pela via administrativa.

Nada obstante, há diversos precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura quanto à inexigibilidade da certidão negativa de tributos federais (CND) para ingresso de títulos no registro de imóveis [1].

De fato, a exigência da CND pode configurar forma heterodoxa e atípica de exigibilidade de débitos tributários, sem o devido processo legal, em afronta à Constituição Federal, por traduzir verdadeira sanção política ao jurisdicionado.

O próprio Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias.

Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI), conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO:

O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso [2].

A doutrina reiteradamente citada vai nesse mesmo sentido quanto à impossibilidade de cobrança atípica, em ofensa ao due process of law:

“Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (…) São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.” [3]

A matéria já se encontra normatizada no âmbito administrativo nesta Corte, conforme Item 119.1 do Capítulo XX das Normas de Serviço Extrajudicial:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais [4]. (g.n).

Não bastasse a mencionada previsão normativa, recentemente, o C. Conselho Nacional de Justiça-CNJ, no julgamento do Pedido de Providências n° 0001230-82.2015.2.00.000, por votação unânime, firmou entendimento de que, reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1°, inciso IV da Lei n° 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação de quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições para o ingresso de qualquer título do registro de imóveis.

Neste cenário, a exigência imposta deve ser afastada.

Por essas razões, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida.

PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator


Notas:

[1] CSM, Apelação n° 0004526-23.2015.8.26.0539. Rel. Desembargador PEREIRA CALÇAS, Apelação n° 0006907-12.2012.8.26.0344, Rel. Desembargador RENATO NALINI.

[2] STF, RE 666405/RS.

[3] MACHADO, Hugo De Brito, Sanções Políticas no Direito Tributário, Revista Dialética e Direito Tributário nº 30, p. 46/47.

[4] CTN, art. 192; CPC, arts. 1.026 e 1.031 e Proc. CG 61.983/82; Apelação nº 006907-12.2012.8.26.0344, Marília (SP); NSCGJSP, XIV, 59.2. (DJe de 02.05.2018 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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