Recurso administrativo – Registro de nascimento de brasileiro nascido no exterior – Repartição consular brasileira – Transcrição/traslado de atos – Gratuidade não extensível – Previsão legal – Determinação de não cumprimento de lei estadual – Regulamentação da matéria – Incompetência do CNJ


  
 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0006466-44.2017.2.00.0000

Requerente: M. H. M. C.

Requerido: CARTÓRIO DO PRIMEIRO DISTRITO DO RECIFE – REGISTRO CIVIL

Advogado: PE01033 – BRUNO SANTOS CUNHA

EMENTA:

RECURSO ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE NASCIMENTO DE BRASILEIRO NASCIDO NO EXTERIOR. REPARTIÇÃO CONSULAR BRASILEIRA. TRANSCRIÇÃO/TRASLADO DE ATOS. GRATUIDADE NÃO EXTENSÍVEL. PREVISÃO LEGAL. DETERMINAÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DE LEI ESTADUAL. REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA. INCOMPETÊNCIA DO CNJ.

1. Não há irregularidade na cobrança de emolumentos pela prática de transcrição/traslado de atos registrados em repartição consular brasileira, contanto que prevista em lei.

2. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça determinar o não cumprimento de lei estadual oriunda do legítimo exercício da competência legislativa dos Estados.

3. É vedado ao Conselho Nacional de Justiça regulamentar, por meio de atos normativos, matéria que exige tratamento por meio de lei.

4. Recurso administrativo conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 6 de março de 2018. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Cármen Lúcia, João Otávio de Noronha, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema do Vale, Daldice Santana, Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos, Luciano Frota, Rogério Nascimento, Arnaldo Hossepian e Valdetário Andrade Monteiro.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

Trata-se de recurso administrativo interposto por BRUNO SANTOS CUNHA e M. H. M. C. contra decisão da CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA que arquivou pedido de providências formulado em desfavor do CARTÓRIO DO PRIMEIRO DISTRITO DE RECIFE – REGISTRO CIVIL.

A controvérsia versa sobre extensão de gratuidade aplicada ao registro de nascimento a transcrição/traslado do registro consular de M. H. M. C., brasileira registrada em repartição consular no exterior.

Sustenta o primeiro recorrente que foi surpreendido, no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º Ofício do Recife (PE), com a cobrança ilegal pela transcrição/traslado do referido registro consular, no montante aproximado de R$ 150,00, o que englobaria os custos de transcrição/traslado, autenticação de cópias do registro consular da menor e registro e reconhecimento de firma dos pais.

Assim, a parte recorrente requereu:

a) o reconhecimento da irregularidade da cobrança pelos serviços de registro civil nacionais da transcrição/traslado dos registros consulares de nascimento de brasileiros nascidos no exterior, determinando-se, por conseguinte, a integral aplicação do art. 30 da Lei de Registros Públicos aos atos em comento;

b) o reconhecimento, em consequência do disposto no item “a” acima, da irregularidade da cobrança pelos serviços de registro civil nacionais de quaisquer outros valores referentes a registro e reconhecimento de firmas, cópias e autenticações supostamente necessárias para a efetivação da transcrição/traslado do registro consular;

c) a determinação ao Cartório do Primeiro Distrito de Recife – Registro Civil para que providencie, sem nenhum custo (inclusive acessório e/ou conexo), a transcrição/traslado do registro consular da menor; e

d) a elaboração pelo Conselho Nacional de Justiça de ato normativo que explicite a matéria e instrua os serviços de registro civil nacionais acerca da gratuidade acima exposta, na forma do item III da presente petição (proposta de emenda à Resolução CNJ n. 155/2012).

Instado a manifestar-se a respeito dos fatos narrados, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) informou que não houve irregularidade na atuação da serventia requerida, pois o que ocorreu foi a aplicação expressa da Lei estadual n. 11.404, de 19 de dezembro de 1996 – que consolida as normas relativas às taxas, custas e emolumentos no âmbito do Poder Judiciário de Pernambuco – ao caso concreto.

A Corregedoria Nacional de Justiça, então, determinou o arquivamento do feito porquanto o registro civil de nascimento e o traslado de documentos registrados no exterior são atos diversos, de modo que a gratuidade alcança apenas aquele.

Concluiu que a gratuidade fora conferida ao registro de nascimento da menor e que eventual concessão da isenção de pagamento pelo traslado careceria de lei do Estado de Pernambuco ante a natureza jurídica dos emolumentos.

Em recurso administrativo, a parte reproduz argumentos desenvolvidos na petição inicial. Sustenta que nascimento de brasileiro registrado no exterior e posterior traslado feito em serventia extrajudicial são partes de um ato composto, razão pela qual a gratuidade deveria estenderse ao traslado.

Alega que a Lei estadual n. 11.404/1996, ao prever a cobrança pelo referido traslado, estaria indo de encontro à lei nacional que garante a gratuidade do registro de nascimento e, por isso, seria ilegal.

Ao final, requer os recorrentes:

a) a concessão de medida liminar para que se determine ao Cartório do Primeiro Distrito de Recife – Registro Civil que providencie, de forma imediata e sem custo, a transcrição/traslado do registro consular da menor;

b) a oitiva das Corregedorias de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a fim de que sejam colhidas informações a respeito da situação da cobrança de emolumentos pelos cartórios de registro civil de pessoas naturais para transcrição/traslado dos assentos de nascimento de brasileiros ocorrido no exterior e identificar quais outros serviços acessórios e/ou conexos são cobrados nesses casos;

c) a oitiva da Procuradora-Geral da República e do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

d) a produção de eventuais provas, a serem oportunamente especificadas;

e) a realização de sustentação oral; e

f) o julgamento procedente do recurso administrativo para acolhimento integral dos pedidos formulados na petição que ensejou a abertura do presente pedido de providências.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

I – PRELIMINAR – Medida liminar

O primeiro pedido de que trata o presente recurso administrativo diz respeito à concessão de medida liminar para determinação ao Cartório do Primeiro Distrito de Recife – Registro Civil para que providencie, de forma imediata e sem custo, a transcrição/traslado do registro consular da menor M. H. M. C.

Ocorre que, para a concessão de pedido liminar, é imprescindível a demonstração de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

No presente caso, não se verifica o preenchimento de nenhum desses requisitos. As razões recursais apenas reproduzem os argumentos apresentados na petição inicial, os quais, segundo apreciação da Corregedoria Nacional de Justiça, não foram capazes de embasar a pretensão da parte, razão pela qual não há falar em presença do fumus boni iuris. Ademais, também inexiste possibilidade de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, uma vez que a não concessão da medida liminar em nada prejudica eventual decisão do Plenário do CNJ para dar provimento aos pedidos ora formulados.

Acrescente-se que determinar, liminarmente e pela via administrativa, a realização do traslado sem cobrança ensejaria indesejável interferência na competência legislativa estadual, porquanto estaria o Conselho Nacional de Justiça expedindo determinação para que o recorrido não aplique lei local que regulamenta a matéria no âmbito do Estado do Pernambuco.

Assim, ausentes os requisitos necessários para a concessão da medida, indefiro o pedido liminar.

II – MÉRITO

a) Registro de nascimento e traslado de documentos registrados no exterior

Para fundamentar sua pretensão, a parte recorrente assevera que o registro de nascimento de brasileiro nascido no exterior inicia-se com ato praticado em repartição consular brasileira, mas somente se perfectibiliza quando do traslado via serventia extrajudicial, sendo, portanto, um ato composto. Assim, tanto o ato praticado em repartição consular brasileira quanto o traslado estariam acobertados pela gratuidade conferida aos registros de nascimento (art. 45 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994).

Ocorre que, diversamente do alegado, o registro em repartição consular já garante a nacionalidade brasileira à menor. Trata-se de ato que atinge sua perfeição, validez e eficácia para o mundo jurídico na própria repartição. Desse modo, no instante em que foi registrada no exterior, M. H. M. C. passou a gozar do status de brasileira nata. Somente esse ato é alcançado pelo art. 45 da Lei n. 8.935/1994.

A transcrição/traslado é ato com finalidade diferente. Não se presta a garantir a condição de brasileiro nato a quem é destinatário do referido procedimento, mas sim a conceder àquele que já é cidadão brasileiro as condições para exercer a cidadania no território nacional e para praticar atos da vida civil, tais como comprovação e/ou alteração de estado civil, aquisição de imóveis e inventários. Portanto, ao segundo ato não se aplica o disposto no art. 45 da Lei n. 8.935/1994.

b) Impossibilidade de concessão da gratuidade do traslado via CNJ

Como já demonstrado anteriormente, registro de nascimento traslado são atos diferentes, que se perfectibilizam em momentos distintos.

Assim, a concessão da gratuidade pretendida careceria de previsão legal, ato normativo que o CNJ não tem competência para editar, visto que teria de fixar hipóteses de não incidência tributária, tratando-se, portanto, de nova isenção tributária.

Caberia ao legislador ordinário federal estabelecer essa regra caso fosse de seu interesse, tal como previsto no art. 45 da Lei n. 8.935/1994, ou, até mesmo, ao legislador ordinário estadual no âmbito de sua competência legislativa.

Entretanto, ambos não o fizeram. Ao contrário, o legislador do Estado de Pernambuco decidiu não oferecer isenção para o traslado, tendo fixado, por meio da Lei estadual n. 11.404/1996, os valores a serem cobrados para o caso em questão.

Assim, expedir determinação para a concessão da gratuidade na espécie implicaria não reconhecer a previsão contida em lei estadual e não respeitar a repartição constitucional de competência dos entes federados, o que ofenderia o pacto da federativo brasileiro.

Acrescente-se que conferir ao CNJ atribuição que apenas o Poder Legislativo possui é uma latente ofensa ao princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 1º da Constituição Federal de 1988.

c) Controle de legalidade exercido na via jurisdicional

Por fim, pretende a parte fazer valer suposto conteúdo de lei federal que se encontra em conflito com lei estadual, requerendo do Conselho Nacional de Justiça que determine à serventia recorrida o não cumprimento de legislação estadual.

Ainda que fossem procedentes os argumentos desenvolvidos pelos recorrentes, não cabe ao CNJ exercer controle de legalidade ou de constitucionalidade, seja na via difusa seja na via concentrada. Nesse contexto, seria necessária apreciação jurisdicional, e não administrativa.

De todo modo, via de regra, enquanto não declarada inconstitucional ou ilegal, a lei tem a presunção de constitucionalidade e legalidade, produzindo todos os efeitos cabíveis no mundo jurídico.

Dessa forma, não pode o CNJ negar cumprimento a lei alguma sob o fundamento de ser ela ilegal.

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento pelas razões seguintes:

a) quanto àcobrança pelos serviços de transcrição/traslado dos registros consulares de nascimento de brasileiros nascidos no exterior e dos serviços conexos, não se verifica irreguralidade;

b) quanto à determinação ao recorrido para que providencie o traslado em apreço sem nenhum custo, o CNJ não tem competência para determinar o não cumprimento de lei estadual;

c) quanto à elaboração de ato normativo que explicite a matéria e instrua os serviços de registro civil nacionais acerca da gratuidade, exorbita da competência do CNJ regulamentar matéria que exige tratamento por meio de lei.

É como voto.

Brasília, 2018-03-20.

Dados do processo:

CNJ – Pedido de Providências nº 0006466-44.2017.2.00.0000 – Recife – Rel. Cons. João Otávio de Noronha – DJ 22.03.2018

Fonte: INR Publicações.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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