ARTIGO – MUDANÇA DE NOME DO TRANSEXUAL – O REGISTRO CIVIL MAIS UMA VEZ SOB OS HOLOFOTES DO STF – POR VITOR FREDERICO KUMPEL E GISELLE DE MENEZES VIANA

*Vitor Frederico Kumpel e Giselle de Menezes Viana

Não é incomum que ao jurista – embora acostumado a lidar com conceitos jurídicos complexos – faltem palavras para exprimir ideias aparentemente banais. As incertezas subjacentes a determinadas expressões passam batidas no irrefletido uso cotidiano. O hábito tem o peculiar efeito de camuflar perplexidades.

O nome é um exemplo por excelência desse paradoxo: embora encerre uma ideia bastante complexa, pouco tempo é dispendido para se refletir sobre o seu significado. Mas se o uso cotidiano dispensa maiores reflexões, não se pode dizer o mesmo quando há direitos em jogo. Especialmente se tais direitos estão sendo discutidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Adotando-se um conceito singelo, nome é a palavra que serve para designar o ser. Nomear é designar objetos por meio de linguagem. O nome surge na medida em que a palavra passa a traduzir uma ideia. O homem, então, passa a se referir àquilo que imaginava, usando um nome para cada ser ou coisa que passa a indicar1.

Embora pareça óbvia a indissociável ligação entre nome e linguagem, não é tarefa simples definir as nuances dessa conexão. Há correntes filosóficas sustentando que a linguagem advém da natureza das coisas. Outras entendem a linguagem como fruto de mera convenção. Para o naturalismo, cada objeto ou coisa tem um nome estabelecido por natureza, de modo que o logos está na physis. O convencionalismo, ao revés, defende que a ligação entre o nome e o objeto é arbitrária, ou seja, convencional2.

Quando visa designar uma pessoa natural, evocando uma personalidade única e irrepetível, o nome assume dimensões ainda mais profundas. Não por outro motivo surgiram inúmeras teorias ao longo do tempo com o fim de definir a sua natureza jurídica3. A dificuldade em defini-lo redunda na dificuldade em discipliná-lo. Daí tantas polêmicas em matéria de mudança nomástica4.

Dentre as hipóteses de alteração do nome, a mudança motivada pela transsexualidade é umas das mais debatidas. A jurisprudência, durante muito tempo, negou a alteração do nome e do sexo no registro civil ao transexual5. Nos últimos anos, porém, o tema alçou posição de destaque nas discussões jurídicas, e o entendimento enveredou para outra direção. Progressivamente, os tribunais passaram a admitir a modificação do prenome do transexual, e a correspondente retificação nos registros civis, até mesmo independentemente de cirurgia6-7.

A discussão jurisprudencial desaguou no STF, que tratou da questão na recentíssima ADI 4.275-DF. No julgamento, encerrado na sessão plenária realizada em 1º de março do corrente ano, discutiu-se a possibilidade de modificação do prenome e gênero no registro civil, mediante averbação por pessoa transexual independentemente de qualquer procedimento médico.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Geral da República, buscando dar interpretação conforme ao art. 58 da Lei dos Registros Públicos. Pela interpretação proposta, reconhecer-se-ia aos transexuais, independentemente de cirurgia de transgenitalização, a possibilidade de modificar o gênero e prenome junto ao assento de nascimento.

Duas correntes se firmaram no STF. A primeira, conduzida pelo relator Min. Marco Aurélio, quedou vencida com cinco votos. A segunda, encampada pelo min. Ricardo Lewandowski, prevaleceu com seis votos. Ambas as correntes reconheceram a possibilidade de alteração tanto do prenome quanto do gênero. Tal possibilidade estaria assentada no próprio art. 58 da Lei Registrária, que dá por definitivo o prenome mas admite a sua substituição por “apelidos públicos notórios”.

Ambas as correntes também reconheceram que, para a pessoa que não se submeteu à transgenitalização, são necessários alguns requisitos.

Duas foram as divergências entre as correntes. A primeira diz respeito aos requisitos que devem existir para o pedido de modificação de nome e gênero no registro civil. A segunda diz respeito à necessidade de judicialização do pedido.

Para a corrente vencida, o pleiteante da modificação deve apresentar os preencher requisitos:

a) Idade mínima de 21 anos (maturidade adequada para a tomada de decisão);

b) Diagnóstico médico de transsexualismo (art. 3º da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), por equipe multidisciplinar constituída por médico, psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social

c) Acompanhamento conjunto por equipe multidisciplinar por dois anos.

A corrente vencida, conforme já mencionado, entendeu que os pressupostos devem ser aferidos em procedimento de jurisdição voluntária, com a participação do Ministério Público, observados os arts. 98 e 99 da Lei dos Registros Públicos.

A corrente vencedora desjudicializou a questão, entendendo que o requerimento deve ser feito diretamente ao registrador civil. Quanto aos requisitos, seriam os seguintes:

a)Idade superior a 18 anos;

b)Convicção, pelo menos 3 anos, de pertencer ao gênero oposto ao biológico;

c)Baixa probabilidade, de acordo com o pronunciamento do grupo de especialistas, de modificação da identidade de gênero.

Muitos questionam a insegurança que pode advir da referida modificação, que pode gerar inclusive consectários econômicos. Como já dito em outra ocasião, a necessidade de proteger terceiros não implica necessariamente impor obstáculos à mutabilidade do nome8. Mais efetivo que simplesmente dificultar alterações é garantir sua satisfatória publicidade9.

E têm havido diversos aprimoramentos neste sentido. Cite-se, por exemplo, o Provimento nº 63 do CNJ, determinando a obrigatoriedade do CPF nos assentos e certidões do registro civil. O controle da pessoa natural passa a ser feito por meio do CPF. Instaura-se uma espécie de “unitariedade matricial” da pessoa natural.

Por fim, cabe consignar que não pode o registrador civil proceder à averbação da modificação de gênero e nome sem que as normas estaduais contemplem os referidos requisitos e estabeleçam os documentos necessários a viabilizar a referida modificação. É esse controle qualificatório, somado à publicidade registral, que fornecerão a necessária segurança jurídica à mudança.

Sejam felizes e continuem conosco!

__________

1 N. Martins Ferreira, O Nome Civil e Seus Problemas, Rio de Janeiro, Baptista de Souza, 1952, pp. 12-13.

2 L. L. Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – Uma exploração hermenêutica da construção do direito, 11ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2014, pp. 152-153: “O Crátilo representa o enfrentamento de Platão á sofística. Com a tese convencionalista dos sofistas, a verdade deixa de ser prioritária. A palavra, para os sofistas, era pura convenção e não obedecia nem à lei da natureza e tampouco às leis divinas (sobrenatural). Como era uma invenção humana, podia ser reinventada e, consequentemente, as verdades estabelecidas podiam ser questionadas. Os sofistas provocam, assim, no contexto da Grécia antiga, um rompimento paradigmático(…)”. A formulação medieval dessa discussão corresponde à distinção que a filosofia moderna faz entre o realismo e o nominalismo, cf. J. Marias, Historia de la Filosofía, trad. port. de C. Berliner, História da Filosofia, São Paulo, Martins Fontes, 2004, pp. 143-147.

3 Cf. V. F. Kümpel – C. M. Ferrari, Tratado Notarial e registral, vol. II, São Paulo, YK, 2017, pp. 217 e ss.

4 Muitas destas foram abordadas em V.F. Kümpel, dinâmico, sistema registral permite a mitabilidade do nome, in Conjur. Para uma abordagem mais ampla, cf. V. F. Kümpel – C. M. Ferrari, Tratado Notarial e registral, vol. II, São Paulo, YK, 2017, pp. 258 e ss.

5 L. Brandelli, Nome Civil da Pessoa Natural, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 170.

6 “RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUAL QUE PRESERVA O FENÓTIPO MASCULINO. REQUERENTE QUE NÃO SE SUBMETEU À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, MAS QUE REQUER A MUDANÇA DE SEU NOME EM RAZÃO DE ADOTAR CARACTERÍSTICAS FEMININAS. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO AO SEXO PSICOLÓGICO. LAUDO PERICIAL QUE APONTOU TRANSEXUALISMO. Na hipótese dos autos, o autor pediu a retificação de seu registro civil para que possa adotar nome do gênero feminino, em razão de ser portador de transexualismo e ser reconhecido no meio social como mulher. Para conferir segurança e estabilidade às relações sociais, o nome é regido pelos princípios da imutabilidade e indisponibilidade, ainda que o seu detentor não o aprecie. Todavia, a imutabilidade do nome e dos apelidos de família não é mais tratada como regra absoluta. Tanto a lei, expressamente, como a doutrina buscando atender a outros interesses sociais mais relevantes, admitem sua alteração em algumas hipóteses. Os documentos juntados aos autos comprovam a manifestação do transexualismo e de todas as suas características, demonstrando que o requerente sofre inconciliável contrariedade pela identificação sexual masculina que tem hoje. O autor sempre agiu e se apresentou socialmente como mulher. Desde 1998 assumiu o nome de “Paula do Nascimento”. Faz uso de hormônios femininos há mais de vinte e cinco anos e há vinte anos mantém união estável homoafetiva, reconhecida publicamente. Conforme laudo da perícia médico-legal realizada, a desconformidade psíquica entre o sexo biológico e o sexo psicológico decorre de transexualismo. O indivíduo tem seu sexo definido em seu registro civil com base na observação dos órgãos genitais externos, no momento do nascimento. No entanto, com o seu crescimento, podem ocorrer disparidades entre o sexo revelado e o sexo psicológico, ou seja, aquele que gostaria de ter e que entende como o que realmente deveria possuir. A cirurgia de transgenitalização não é requisito para a retificação de assento ante o seu caráter secundário. A cirurgia tem caráter complementar, visando a conformação das características e anatomia ao sexo psicológico. Portanto, tendo em vista que o sexo psicológico é aquele que dirige o comportamento social externo do indivíduo e considerando que o requerente se sente mulher sob o ponto de vista psíquico, procedendo como se do sexo feminino fosse perante a sociedade, não há qualquer motivo para se negar a pretendida alteração registral pleiteada. A sentença, portanto, merece ser reformada para determinar a retificação no assento de nascimento do apelante para que passe a constar como “Paula do Nascimento”. Sentença reformada. Recurso provido”. (TJSP, 10ª Câm., Apel. Cível n. 0013934-31.2011.8.26.0037, rel. Carlos Alberto Garbi, j. 23-9-2014).

7 “Ação de retificação de assento civil. Alteração do nome por contra dos constrangimentos sofridos em razão do transexualismo. Insurgência contra sentença de improcedência do pedido porque o autor não se submeteu à cirurgia de ablação dos órgãos sexuais masculinos. Desnecessidade. Desconformidade entre sexo biológico e sexo psicológico que pode ser demonstrada por perícia multidisciplinar. Constrangimentos e humilhações que justificam o pedido de alteração do prenome masculino para feminino. Exigência de prévia cirurgia para interromper situações vexatórias constitui violência. Dilação probatória determinada. Sentença anulada para esse fim. Recurso provido”. (TJSP, 3ª Câm., Apel. Cível n. 0040698-94.2012.8.26.0562, rel. Carlos Alberto de Salles, j. 24-6-2014).

8 Cf. V. F. Kümpel, Dinâmico, sistema registral permite mutabilidade do nome, in Revista Consultor Jurídico, 2017.

9 F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, v. 7, São Paulo, RT, 2012, p. 114.

Fonte: Arpen/SP | 20/03/2018.

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1ª VRP/SP: Usucapião administrativa. Impugnação Fundada. Incongruência das NSGCJ/SP.

Espécie: PROCESSO
Número: 1000162-42.2018.8.26.0100

Processo 1000162-42.2018.8.26.0100 – Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – Tec Fama Administração e Assessoria Empresarial Ltda – – Marcelo Emanuel Fangio Ferreira Cabral – Vistos.Trata-se de procedimento iniciado após encaminhamento, pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, dos autos de usucapião administrativa, após impugnação, em observância ao Art. 216-A, §10º, da Lei 6.015/73.Consta dos autos (fls. 02/723) que Tec Fama Administração e Assessoria Empresarial Ltda. requereu usucapião extrajudicial do imóvel situado na Avenida Prof. Abraão de Morais, nº 283 e 285. Foram apresentados documentos, incluindo ata notarial, comprovando a posse do bem. Foram notificados os confrontantes, os titulares de domínio e as Fazendas Públicas do Município, Estado e União, além de publicado edital para ciência de terceiros interessados. Houve impugnação por Marcelo Emanuel Fangio Ferreira Cabral (fls. 391/400). Aduz que o justo título apresentado é nulo ou ineficaz, pois lavrado por Neuza Simões Cabral, que declarou-se inventariante do titular de direitos sobre o bem, quando não continha poderes para tanto.Houve tentativa, pelo Oficial, de conciliação entre requerente e impugnante (fls. 701/709). O impugnante alegou que não foi possível a conciliação (fl. 710). A requerente (fl. 713) solicitou a homologação de desistência do feito, o que foi indeferido pelo Oficial, por falta de previsão legal (fl. 714). À fl. 715, manifestou-se a requerente alegando que teria sido alcançado um acordo com o impugnante, e que juntaria aos autos naquela data (19 de dezembro de 2017) o pedido de baixa de impugnação. Não foram apresentados quaisquer documentos, razão pela qual o Oficial encaminhou os autos a este juízo, conforme disposto no §10º do Art. 216-A da Lei de Registros Públicos.O Ministério Público apresentou parecer à fl. 729, aduzindo ser o caso de conversão do procedimento extrajudicial em judicial.É o relatório. Decido.Conforme o item 429.5, nos pedidos de usucapião extrajudicial, após impugnação fundamentada, os autos serão encaminhados ao juízo competente, que poderá, de plano, julgar a pertinência da impugnação. Pois bem. Do que consta dos autos, o título que justificaria a posse dos requerentes (fls. 53/60), a possibilitar a usucapião ordinária, foi assinado pelo espólio de Manuel Ferreira Cabral, na condição de anuente cedente, representado pela inventariante Neuza Simões Cabral, “nomeada nos termos do alvará citado”.O impugnante aduz que tal alvará é inexistente, pois nunca houve autorização para venda do imóvel. Além disso, alega que o espólio não teria prometido qualquer venda, e sim os herdeiros e a viúva, de modo que qualquer negociação dependeria da anuência destes últimos. Sendo um destes herdeiros, e alegando não ter concordado com a escritura, o impugnante reputa contaminado o título que daria origem ao direito da requerente sobre o bem.Entendo, assim, como fundamentada a impugnação. Do que consta dos autos, não há provas a sustentar, em cognição sumária, a validade dos poderes da inventariante para lavrar a escritura. Sendo este elemento essencial para a justificativa da posse, qualquer dúvida relativa a sua validade ou eficácia demanda análise judicial com ampla dilação probatória, o que afasta a possibilidade da usucapião extrajudicial.Ainda, a impugnação não se encaixa nas hipóteses do item 429.2 do Capítulo XX das NSCGJ. Cito:429.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais ou semelhantes pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião; e a que o Oficial de Registro de Imóveis, pautado pelos critérios da prudência e da razoabilidade, assim reputar.Junte-se a isso a manifestação da própria requerente (fls. 713), que em nenhum momento sustenta estar infundada a impugnação, entendendo ser “um problema da família vendedora cumprir o contrato de venda, assinado por todos vendedores, inclusive o impugnante”.Por tais razões, considero como fundamentada a impugnação, o que inviabiliza o prosseguimento do procedimento extrajudicial.Não obstante, deve-se discutir qual o procedimento a ser adotado quando julgada válida a impugnação. Assim consta da Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, Tomo II:”429.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente. 429.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.”Como se vê, conforme as normas da corregedoria deste Tribunal de Justiça, o juiz deverá, independentemente do resultado da impugnação, determinar o retorno dos autos ao Oficial. No caso de impugnação infundada, o Oficial deve prosseguir o procedimento extrajudicial. Quando fundamentada a impugnação, o Oficial extinguirá o procedimento, cancelando a prenotação.Ainda, diz o supracitado item que o juízo que acolheu a impugnação remeterá os interessados às vias ordinárias. Tal previsão está em consonância com o seguinte item das mesmas NSCGJ:”429.1. Sendo infrutífera a conciliação mencionada no caput e não sendo manifestamente infundada a impugnação, o Oficial de Registro de Imóveis remeterá os autos ao juiz competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá- la ao procedimento judicial.”Ao que parece, há uma contradição nos mandamentos normativos: por um lado, entendendo o Oficial ser fundamentada a impugnação, deve remeter os autos ao juízo competente, cabendo ao requerente adequar o procedimento, no sentido de seguimento da usucapião pelo rito judicial. Por outro, as mesmas normas dispõem que o juízo julgará a pertinência da impugnação e remeterá os autos ao Oficial, que os extinguirá.Ou seja, há previsões no sentido de que a impugnação fundamentada levará a conversão automática em procedimento judicial, cabendo ao interessado emendar a inicial para adequação procedimental, como também previsão de que os autos retornarão à serventia extrajudicial, extinguindo-se o procedimento.Na primeira hipótese, haveria uma obrigatoriedade na conversão, ficando o procedimento judicial em uma espécie de suspensão, aguardando a oportuna e eventual emenda do interessado. Já na segunda, respeitar-se-ia a autonomia do requerente, que poderia prosseguir com o procedimento judicial, se entender cabível, ou aceitar a extinção do feito, buscando outras formas de garantir seu direito, ou até mesmo por não ter interesse em um procedimento judicial.Entendo ser a segunda hipótese a mais pertinente. Ao entender pela pertinência da fundamentação, o juiz competente declara a impossibilidade do prosseguimento do feito pela via extrajudicial, uma vez que há efetivo conflito quanto aos direitos sobre o bem, que só poderia ser solucionado na via judicial. Contudo, se a parte optou, inicialmente, pelo procedimento administrativo, não se pode realizar uma conversão automática ao processo judicial, sob pena de, por uma lado, haver um risco de acumulação de processos judiciais a espera de adequação e, por outro, determinar que a parte prossiga com a usucapião quando há possibilidade de que só haveria interesse no instituto se este seguisse extrajudicialmente.Parece, também, ser esta a interpretação do Conselho Nacional de Justiça, que assim dispôs no Provimento 65/2017:”Art. 18. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas.§ 1º Sendo infrutífera a conciliação ou a mediação mencionada nocaputdeste artigo, persistindo a impugnação, o oficial de registro de imóveis lavrará relatório circunstanciado de todo o processamento da usucapião.§ 2º O oficial de registro de imóveis entregará os autos do pedido da usucapião ao requerente, acompanhados do relatório circunstanciado, mediante recibo.§ 3º A parte requerente poderá emendar a petição inicial, adequando-a ao procedimento judicial e apresentá-la ao juízo competente da comarca de localização do imóvel usucapiendo.”Como consta no §3º, a parte poderá emendar a petição inicial, o que demonstra a voluntariedade a ser observada para o procedimento judicial. Veja-se que, em sentido contrário, as NSCGJ, no item 429.1, prevê que “[caberá] ao requerente emendar a petição”, o que leva ao entendimento, como já exposto acima, de que haveria uma obrigatoriedade no prosseguimento do feito judicialmente, que deveria aguardar a emenda a ser realizada.Por tudo isso, entendo que, havendo impugnação por confrontante, proprietário tabular, ente público ou terceiro interessado, deverá o Oficial analisar sua pertinência, nos termos do item 429.2 do Capítulo XX das NSCGJ. Caso entenda como infundada a impugnação, deverá prosseguir com o procedimento, sendo cabível recurso do interessado ao juízo corregedor.No caso de entender fundamentada a impugnação, deverá buscar a conciliação entre as partes, como previsto no item 429. No insucesso, remeterá o processo ao juízo competente, que julgará a impugnação. Caso mantida, este devolverá o processo ao Oficial, que extinguirá o procedimento e a prenotação, cabendo ao interessado buscar a via judicial se entender pertinente o prosseguimento do feito deste modo.Nesta hipótese, poderá aproveitar todos os documentos apresentados e provas produzidas perante a via extrajudicial, pois tais documentos e demais provas servem como meio probatório perante o juízo competente, sendo o ônus de impugnação imposto a quem se sentir prejudicado pela prova aproveitada.Do exposto, julgo procedente a dúvida, determinando o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que deverá arquivar o feito e cancelar a prenotação, cabendo ao interessado iniciar o procedimento judicial se assim entender pertinente, podendo aproveitar-se dos documentos já apresentados.Oficie-se a E. Corregedoria Geral de Justiça acerca da presente decisão, tendo em vista a necessidade de normatização do procedimento a ser adotado, sobretudo quando se considera a contradição entre o procedimento previsto no Provimento 65/2017 do Colendo Conselho Nacional de Justiça e as Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivem-se os autos.P.R.I.C.São Paulo, 12 de março de 2018. Tania Mara AhualliJuiz de Direito – ADV: CYNTHIA VERRASTRO ROSA (OAB 136532/SP), JOAO ALVES DA SILVA (OAB 66331/ SP) (DJe de 20.03.2018 – SP)

Fonte: DJE/SP | 20/03/2018.

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Filiação socioafetiva: MP-GO pede questionamento de provimento da Corregedoria Nacional de Justiça

O Ministério Público de Goiás encaminhou representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que seja arguida a inconstitucionalidade do Provimento nº 63/2017, da Corregedoria Nacional de Justiça, apontando que ele foi expedido em flagrante extrapolação às atribuições do órgão e com afronta a dispositivos constitucionais. O ofício do MP-GO é assinado em conjunto pelo procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres Neto, e pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, Publius Lentulus da Rocha, e contém um estudo indicando as violações presentes no provimento.

A Corregedoria Nacional de Justiça é órgão integrante do Conselho Nacional de Justiça e tem, entre suas atribuições, definir diretrizes para a atuação de cartórios extrajudiciais no País. Como resultado dessa atribuição, foi expedido, em 14 de novembro do ano passado, o Provimento nº 63, que instituiu novas regras para emissão, pelos cartórios de registro civil, de certidão de nascimento, casamento e óbito, além de abordar pontos como a previsão do reconhecimento voluntário e a averbação de filiação socioafetiva nos ofícios do registro civil das pessoas naturais dos Estados de todo o País.

Contudo, o estudo feito pelo MP-GO ressalva que essa previsão da averbação da filiação socioafetiva sinaliza, inicialmente, uma violação aos princípios da proteção integral, do melhor interesse da criança e da prioridade absoluta, inseridos no artigo 227 da Constituição Federal. Isso porque, conforme destacam os integrantes do MP, o provimento “trata de forma indevidamente simplificada da condição da criança e do adolescente, não aplicando o rigor necessário que a matéria requer, ferindo a concepção de sujeitos titulares de direitos especiais, resultante de uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.

O MP-GO destaca também que a edição do provimento afrontou a competência para legislar sobre direito civil, que é privativa da União. Mais ainda: observa que não existe previsão legal sobre o reconhecimento voluntário de vínculo de filiação socioafetiva no Código Civil.

Intervenção do MP

A representação reforça que o procedimento hábil ao reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva de crianças e adolescentes é uma ação judicial de jurisdição voluntária ou contenciosa, com a “imprescindível” intervenção do Ministério Público, nos termos do artigo 127, caput, da Constituição Federal e artigo 698 do Código de Processo Civil. “A ausência de atuação do Ministério Público em procedimentos de reconhecimento voluntário de paternidade socioafetiva infantojuvenil e reconhecimento de vínculo de adoção sem observância às normas cabíveis demonstra-se flagrantemente inconstitucional, diante da indispensabilidade da intervenção ministerial, colocando em risco atos tão significativos que envolvem pessoas expostas à vulnerabilidade, as quais merecem dedicação e atenção singular”, salienta o ofício.

Outro aspecto pontuado no documento é o fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecer, no artigo 47, que o vínculo de adoção deve ser constituído por sentença judicial, pressupondo ainda a atuação de equipe multiprofissional. “Desta forma, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha declarado a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva, não há menção em seu julgado sobre a licitude da declaração de paternidade por quem sabe não possuir vínculo biológico. Também o tema em questão não se encontra consolidado no âmbito do Poder Judiciário, inexistindo normativa que autorize a pluralidade de pais em assentos de nascimento”, pondera o MP-GO.

Na avaliação dos integrantes do MP-GO, o CNJ, ao editar o provimento questionado, afrontou as funções constitucionais a ele atribuídas, já que ele deve se limitar a editar atos normativos primários que estejam dentro de sua competência, ou seja, que versem apenas sobre controle administrativo, financeiro e funcional do Poder Judiciário, “não podendo interferir em assuntos de direitos fundamentais que fogem de sua atribuição”.

Fonte: MP/GO | 20/03/2018.

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