Apelação – Responsabilidade civil por ato de serviço notarial – Matrícula duplicada – Ausência de prova de propriedade do imóvel arrematado – Erro no registro público – Responsabilidade objetiva do Estado – Danos materiais – Pretensão do autor de condenar os requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais, em razão de erro no registro de matrícula de imóvel arrematado judicialmente


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0017741-04.2010.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que é apelante FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado ODAIR JOSÉ TENANI.

ACORDAM, em Órgão Julgador Não informado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores OSVALDO MAGALHÃES (Presidente sem voto), ANA LIARTE E FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 5 de fevereiro de 2018

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

4ª CÂMARA

APELAÇÃO CÍVEL N° 0017741-04.2010.8.26.0099

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADO: ODAIR JOSÉ TENANI

ORIGEM: 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA

VOTO N° 14.116

APELAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE SERVIÇO NOTARIAL – MATRÍCULA DUPLICADA – AUSÊNCIA DE PROVA DE PROPRIEDADE DO IMÓVEL ARREMATADO – ERRO NO REGISTRO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – DANOS MATERIAIS – Pretensão do autor de condenar os requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais, em razão de erro no registro de matrícula de imóvel arrematado judicialmente – sentença de primeiro grau que, após reconhecer a ilegitimidade passiva do Cartório de Registro de Imóveis em despacho saneador, julgou procedente a ação para condenar a FESP ao pagamento de indenização por danos materiais no valor atualizado pago pelo imóvel possibilidade – o Egrégio Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, §6º, da CF/88 – sentença mantida. Recursos de agravo retido e de apelação desprovidos.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos da “ação de indenização por perdas e danos”, julgada procedente pelo Juízo “a quo”, sob o fundamento de ter restado demonstrado nos autos o erro no serviço de registro de imóveis, em razão da existência de duas matrículas do imóvel, condenando, pois, a FESP ao pagamento da quantia de R$63.951,73, por se tratar de um serviço delegado pelo Poder Público, consoante r. decisum de fls. 207/208, cujo relatório se adota.

Em suas razões de recurso (fls. 211/230), a FESP sustentou, preliminarmente, a ocorrência de prescrição, nos termos do art. 206, §3º, do CC. Ademais, alegou sua ilegitimidade passiva “ad causam”, defendendo que o oficial do Cartório é civilmente e criminalmente responsável por seus atos registrários, conforme inteligência do art. 28 da Lei nº 6.015/73. Neste sentido, aduziu que os serviços notariais e de registro são de caráter privado, embora exercidos por delegação do Poder Público, de modo que não incide a responsabilidade objetiva do Estado. No mérito, consignou que a Fazenda Pública não pode responder por atos de tabeliães e notários, que não mantêm nenhum vínculo funcional com o Estado. Ao final, pleiteou a improcedência da demanda.

Recurso regularmente processado, livre de preparo, tendo em vista que a apelante é isenta do recolhimento de custas, nos termos do art. 1.007, §1º, do CPC/2015, desafiando contrarrazões do autor às fls. 236/247.

O apelo foi distribuído livremente à Colenda 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 252), sob a relatoria do Des. J. L. Mônaco da Silva.

Em seguida, foi redistribuído à Egrégia 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado (fls. 253), sob a relatoria do Des. Moreira Viegas, que não conheceu do recurso, com fundamento na responsabilidade civil do Estado, remetendo os autos à Seção de Direito Público (fls. 257/260), que, por sua vez, foram distribuídos à Colenda 4ª Câmara de Direito Público (fls. 264).

Ressalta-se, ainda, que esta Colenda 4ª Câmara de Direito Público suscitou conflito de competência perante o Egrégio Órgão Especial do TJ-SP (fls. 269/278), que, porém, foi improcedente, sendo declarada a competência desta Colenda 4ª Câmara de Direito Público, sob o fundamento de que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, mas por delegação do Poder Público.

Em seguida, os autos foram encaminhados à este Relator para julgamento.

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

Insurge a FESP contra a r. sentença de primeiro grau que julgou procedente a demanda reparatória, sob o fundamento de ter restado demonstrado nos autos o erro no serviço de registro de imóveis, em razão da existência de duas matrículas do imóvel, condenando, pois, a FESP ao pagamento da quantia de R$63.951,73, por se tratar de um serviço delegado pelo Poder Público.

Porém, pelo que se depreende dos autos, o recurso não comporta acolhimento.

In casu, o autor, ODAIR JOSÉ TENANI, adquiriu um terreno, situado no bairro Jardim do Sul, por meio de carta de arrematação judicial, proferida nos autos da execução fiscal ajuizada pelo Município de Bragança Paulista em face de PASQUALINO SANTANGELO (autos nº 1.091/79, remunerado para 2.033/86).

A carta de arrematação foi registrada no CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA, gerando a matrícula de nº 28.666 em 19.05.1986 (fls. 16).

Em seguida, o adquirente do imóvel, ODAIR, alienou o bem para ANTONIO CARLOS SANTARSIERI e NICOLA SANTARSIERI, que, posteriormente, o venderam a HIDEO ISHIZU e MITUCO SHIZU.

Ocorre que, em 1988, os proprietários do bem, HIDEO e MITUCO, constataram que o imóvel possuía duplicidade de matrícula, sendo o referido bem registrado com a matrícula de nº 33.103 em 04.04.1988, com anotação de proprietário MASATO TIUMAN e posterior registro de venda para ANTONIO FRANCISCO DE CAMPOS e GERSEI APARECIDA ALFONSI DE CAMPOS.

Diante dessa situação, HIDEO e MITUCO promoveram “ação ordinária de anulação de registro imobiliário cc. ação de reivindicação (processo nº 461/88 – fls. 20/23)” em face dos proprietários da matrícula do imóvel de nº 33.103.

Após 10 (dez) anos de tramitação, a aludida ação foi julgada improcedente, reconhecendo-se como válida a matrícula de nº 33.103, pois, embora fosse posterior à matrícula de nº 28.666, possuía título originário legítimo (fls. 26/42 e 43/46).

Durante a instrução processual da lide, foi constatado que o réu-executado pela Fazenda Municipal, PASQUALINO SANTANGELO, não era proprietário do imóvel, tendo em vista que possuía apenas compromisso de promessa de compra e venda.

Com efeito, inexistindo a propriedade do executado, o bem jamais poderia ter sido penhorado, de modo que foi constatado o erro no registro do Cartório e na própria penhora e posterior arrematação do imóvel.

Ora, após a ação anulatória de registro proposta por HIDEO e MITUCO ter sido julgada improcedente, eles ingressaram com “ação de indenização pelo direito de evicção” (fls. 48/50) contra os proprietários anteriores do bem, ANTONIO CARLOS SANTARSIERI e NICOLA SANTARSIERI, que, quando citados, denunciaram à lide ODAIR JOSÉ TENANI.

O aludido processo foi julgado procedente em 19.09.2001, condenando-se, na demanda principal, ANTONIO e NICOLA a indenizarem HIDEO e MITUCO e, na lide secundária, o autor, ODAIR, foi condenado a pagar a mesma indenização em favor de ANTONIO e NICOLA (fls. 51/60, 61/63 e 64/74), de modo que o autor, ODAIR, desembolsou a quantia de R$57.750,00 (fls. 75/78).

Destarte, ressalvado o entendimento do Egrégio Órgão Especial do TJ-SP quanto à competência desta Seção de Direito Público para julgamento da questão, registre-se que a causa petendi (remota) da pretensão inicial vincula-se à reparação de danos suportados pelo autor, em decorrência de suposto erro em registro de imóvel (arrematado judicialmente) no Cartório de Registro de Imóveis de Bragança Paulista, ocasionado por negligência de funcionários do Cartório. Assim, requereu o postulante a reparação dos prejuízos que alega ter suportado (fls. 02/11).

A priori, cumpre afastar a preliminar de prescrição da demanda, tendo em vista que a pretensão do autor apenas surgiu quando do trânsito em julgado da ação de indenização pelo direito de evicção proposta em face dele pelos atuais “proprietários” do imóvel, de modo que não decorreu 05 (cinco) anos entre o trânsito em julgado da demanda e o ajuizamento da presente ação.

É, portanto, a partir ciência inequívoca da violação de um direito que esse se considera violado; não basta a sua violação, sendo necessário a ciência inequívoca do fato, a partir da qual se inicia a fluência do prazo prescricional. Ainda que seja juridicamente possível o exercício da pretensão desde a violação do direito, não há como se exigir de seu titular que ajuíze a ação antes da ciência da ilicitude e seus efeitos.

Ressalta-se, ainda, que o prazo para ajuizamento de indenização por danos materiais em face da Fazenda Pública é quinquenal, nos termos do Decreto nº 20.910/32 [1].

Já a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela FESP no seu apelo, bem como no agravo retido interposto anteriormente, confunde-se com o mérito da demanda, razão pela qual será analisada em seguida.

Pois bem.

O jurista JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ao traçar a evolução histórica da responsabilidade civil do Estado, leciona que:

“Na metade do século XIX, a ideia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. A solução era muito rigorosa para com os particulares em geral, mas obedecia às reais condições políticas da época. O denominado Estado Liberal tinha limitada a sua atuação (…), de modo que a doutrina de sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época. (…) A noção de que o Estado era o ente todo-poderoso confundida com a velha teoria da intangibilidade do soberano e que o tornava insuscetível de causar dano e ser responsável foi substituída pela do Estado de Direito, segundo a qual deveriam ser a ele atribuídos os direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas. (…) A teoria foi consagrada pela doutrina clássica de PAUL DUEZ, segundo a qual o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou. A doutrina, então, cognominou o fato como culpa anônima ou falta do serviço. (…) Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público. (…) Diante disso, passouse a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poder haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado (…)” [2].

A responsabilidade do Ente Estatal, deste modo, com a evolução do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, mudou de um viés subjetivo (lastreado na culpa do agente) para um foco objetivo (teoria do risco administrativo), exigindo da Administração a estrita observância das regras de conduta a que estava submetida, sob pena de, em caso de ato desvirtuado de legalidade e causador de um dano, ser compelida ao ressarcimento do prejuízo ocasionado.

Art. 37. (…)

§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Neste ponto, porém, a doutrina moderna fomentou a necessidade de diferenciação da responsabilidade administrativa decorrente de atos (i) comissivos ou (ii) omissivos. Em relação àqueles, a responsabilidade do Estado seria imediata, objetiva, a partir da constatação dos respectivos pressupostos: nexo de causalidade e dano; já para os casos de omissão administrativa, impenderia acrescer aos demais pressupostos a existência, ou não, do “dever legal de atuação pelo Estado” (faute du service), sendo indispensável, aqui, a averiguação de uma “omissão negligente” (ilegalidade ato ilícito em sentido lato).

Na hipótese sub examine, trata-se de imputação de conduta comissiva da Administração (erro de registro de imóvel arrematada judicialmente que causou a posterior perda do bem pelo particular), trazendo a lume a responsabilidade civil do Estado, sob o enfoque da responsabilidade objetiva.

Suficiente, pois, para fins de constatação da responsabilidade que haja prova do (i) ato comissivo, independentemente do elemento volitivo do agente; (ii) dano; (iii) nexo de causalidade entre ambos.

E, segundo se depreende dos elementos de informação contidos nos autos, de fato, é necessário reconhecer o ato ilícito, ainda que inexistente má-fé do ente Estadual.

Na hipótese dos autos, repisando, observasse que o autor pagou o valor de imóvel arrematado em hasta pública, após penhora determinada em processo judicial.

O postulante, então, desembolsou o valor devido, adquiriu o imóvel, registrou em Cartório e em seguida alienou o bem para terceiros. Porém, anos depois, precisou indenizar o valor pago pelo imóvel, atualizado, para um terceiro, em razão de erro no registro do bem em Cartório.

Com efeito, não obstante o entendimento pessoal desse Relator, observa-se que o Egrégio STF já tratou da matéria sub judice, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, §6º, da CF/88, in verbis:

“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Atividade notarial e de registro. Danos materiais. Responsabilidade objetiva do Estado. Possibilidade. Precedentes. 1. A Suprema Corte já assentou o entendimento de que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. Agravo regimental não provido.”

(RE 788009 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 10-10-2014 PUBLIC 13-10-2014)

Ressalta-se que no caso julgado pelo Egrégio STF, também tinha sido interposto recurso especial dirigido ao STJ, para fins de afastar a responsabilidade objetiva do Estado de São Paulo, sob o fundamento de que, no caso de atos dos notários e oficiais de registro, a responsabilidade não pode ser pura do ente estatal, vejamos:

“ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE DO NOTÁRIO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência mais recente desta Corte foi firmada no sentido da responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que há responsabilidade pura do ente estatal. 2. Em hipóteses como a dos autos, em que houve delegação de atividade estatal, verifica-se que o desenvolvimento dessa atividade se dá por conta e risco do delegatário, tal como ocorre com as concessões e as permissões de serviços públicos, nos termos do que dispõem os incisos II, III e IV da Lei n. 8.987/95. 3. ‘O art. 22 da Lei 8.935/1994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal.’ (REsp 1087862/AM, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 19/05/2010.)

Porém, como já mencionado, foi interposto recurso extraordinário para a Suprema Corte, sustentando a existência de responsabilidade civil objetiva do Estado em relação aos danos cometidos por ato notarial, sendo esta tese aceita pelo egrégio STF (“A Suprema Corte já assentou o entendimento de que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal”).

Assim, sabendo-se que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, mas por delegação do Poder Público, nos termos do art. 236 da CF, compete ao Estado fiscalizá-los e zelar para que sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente (arts. 37 e 38 da Lei n. 8.935/94).

Este também foi o entendimento desta Colenda Corte de Justiça Paulista em caso análogo:

“APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REPORTADA A PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SERVIÇO NOTARIAL. PRELIMINARES AFASTADAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO PARA COMPOR O POLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. TABELIÃO. AGENTE PÚBLICO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. PRESCRIÇÃO AFASTADA. DETERMINADO O RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. RECURSO PROVIDO.” (AP nº 1017097-12.2015.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. AMORIM CANTUÁRIA, j. 14.11.2017)

Diante desses elementos de informação, portanto, a conclusão é no sentido de que o ato do serviço notarial (erro no registro de imóvel) foi, certamente, ilícito, pois não respeitou os critérios legais de registro público (comprovação de propriedade para matrícula do bem), todavia, insta saber se o ato causou danos materiais ao autor.

Com efeito, há prova inequívoca do pagamento de indenização do autor a terceiro reconhecido por sentença judicial (fls. 75/78), de modo que a comprovação do dano material decorre do desembolso efetuado pelo postulante, que ficou sem o imóvel e sem o dinheiro que tinha adquirido com a sua venda.

Por fim, quanto aos consectários legais a serem aplicados sobre as condenações impostas à Administração Pública, deverá incidir: (i) correção monetária a partir do vencimento de cada prestação, de acordo com o INPC [3], e (ii) juros de mora a partir da citação, na base 0,5% a.m. até 29.06.2009 (redação original do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97) e, a partir de então, segundo os percentuais aplicados à caderneta de poupança (observada a regra instituída pelo art. 1º da Lei 12.703/2012), na forma do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, com a redação atribuída pelo art. 5º, da Lei nº 11.960/2009 (vide teses firmadas no RE nº 870.947/SE – STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 20.09.2017).

Atente-se, enfim, com o fito de se evitar a oposição de sucessivos aclaratórios, ser descabida a aplicação do novo diploma adjetivo, Lei Federal nº 13.105/2016, no que tange à forma de arbitramento da verba honorária e à sua possível cumulatividade na fase recursal (§11, do art. 85).

Isso porque, seguindo a inteligência do disposto no art. 14, do CPC/2015, “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

Sendo assim, em prestígio à segurança jurídica e ao princípio da não-surpresa, bases norteadoras no novo código de processo civil, tem-se que o direito da parte vencedora à adequada forma de arbitramento dos honorários, assim como o eventual direito à fixação de verba honorária para a fase recursal, regulam-se pela lei vigente, respectivamente, na data de ajuizamento da demanda e na data de publicação da decisão que venha a ser impugnada.

Estes são os atos processuais que devem servir de marco temporal para se averiguar a correta forma de arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais, sob o risco de infligir às partes o agravamento de uma situação jurídica já consolida (ato jurídico perfeito art. 5º, XXXVI).

No caso em testilha, uma vez que a ação foi ajuizada em momento anterior ao início da produção dos efeitos do Código de Processo Civil/2015, a forma de arbitramento dos honorários sucumbenciais deve seguir o disposto na legislação até então vigente (CPC/73); do mesmo modo, tendo o recurso ora sub examine sido interposto contra sentença publicada sob a vigência do Código revogado, não há que se falar em aplicação da nova regra que determina o arbitramento de honorários para a fase recursal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos recursos de agravo retido e de apelação interpostos pela FESP, de modo a manter a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos, com observação quanto à (i) possibilidade de direito de regresso da FESP contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa e (ii) adequada forma de incidência dos consectários legais, a saber: a) correção monetária a partir do vencimento de cada prestação, de acordo com o INPC, e b) juros de mora a partir da citação, na base 0,5% a.m. até 29.06.2009 (redação original do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97) e, a partir de então, segundo os percentuais aplicados à caderneta de poupança (observada a regra instituída pelo art. 1º da Lei 12.703/2012), na forma do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, com a redação atribuída pelo art. 5º, da Lei nº 11.960/2009 (vide teses firmadas no RE nº 870.947/SE STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 20.09.2017).

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR

Notas:

[1] Art. 1º – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua naturezaprescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 26ª Ed., São Paulo: Atlas, 2013, pp. 550-553.

[3] Consoante entendimento majoritário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Precedentes: Mandado de Segurança nº 0023546-41.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. SOUZA NERY, j. 01.06.2011; Apelação Cível nº 0050370-04.2012.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. AMORIM CANTUÁRIA, j. 15.09.2015; Apelação Cível nº 1008156-98.2015.8.26.0562, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. REBOUÇAS DE CARVALHO, j. 15.09.2015; Apelação Cível nº 0016220-60.2013.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. TORRES DE CARVALHO, j. 10.08.2015; Apelação Cível nº 0040988-84.2012.8.26.0053, 14ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. JOÃO ALBERTO PEZARINI, j. 10.09.2015).

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 0017741-04.2010.8.26.0099 – Bragança Paulista – 4ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Paulo Barcellos Gatti – DJ 06.03.2018

Fonte: INR Publicações.

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