1ª VRP/SP: RCPJ- PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – Serviço Social Autônomo – Lei municipal que determina sua criação – Eventual inconstitucionalidade por instituir ente diverso daqueles previstos no Art. 44 do Código Civil que não pode ser declarada por este Juízo administrativo – Havendo previsão legal permitindo sua criação, esta deve ser aceita – Aplicação subsidiária dos Arts. 46 e 54 a 61 do Código Civil, tendo em vista a segurança jurídica – Exceção com relação as exigências incompatíveis com o regime previsto na lei municipal – Não havendo impugnação específica quanto a este ponto, fica o pedido prejudicado. Vistos.

Processo 1072206-93.2017.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1072206-93.2017.8.26.0100

Processo 1072206-93.2017.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro civil de Pessoas Jurídicas – PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – Serviço Social Autônomo – Lei municipal que determina sua criação – Eventual inconstitucionalidade por instituir ente diverso daqueles previstos no Art. 44 do Código Civil que não pode ser declarada por este Juízo administrativo – Havendo previsão legal permitindo sua criação, esta deve ser aceita – Aplicação subsidiária dos Arts. 46 e 54 a 61 do Código Civil, tendo em vista a segurança jurídica – Exceção com relação as exigências incompatíveis com o regime previsto na lei municipal – Não havendo impugnação específica quanto a este ponto, fica o pedido prejudicado Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pela Municipalidade de São Paulo em face do Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, pleiteando o registro da constituição da empresa “São Paulo Negócios – SP Negócios”, que visa dentre outros objetivos identificar e articular novos investimentos nos setores econômicos e oportunidades de negócios no Município de São Paulo.Esclarece que o modelo de entidades escolhidos pelo Poder Executivo, qual seja, serviço social autônomo, de direito privado, com fins não econômicos, de interesse coletivo e de utilidade pública, vinculado à Secretaria Municipal da Fazenda, constitui-se entidade sui generis, cuja natureza juridica não está prevista nas normas gerais de direito civil, qualificando-se como entes paraestatais. Alega que a natureza juridica do serviço social é determinada pelo próprio Decreto que a criou. Por fim, salienta que a averbação pretendida tem fundamento no art. 114 da Lei nº 6015/73 como associação de utilidade pública, devendo o termo “associações” ser entendido como “associação civil”. Juntou documentos às fls.09/58.O Registrador informa que os entraves para para a averbação tiveram origem nos comandos dos artigos 46, 54 e 59 do Código Civil, tendo sido a pessoa jurídica instituída por Decreto Municipal, com seu Estatuto Social aprovado pelo Conselho Deliberativo e ratificado por Decreto Municipal. Aduz que, de acordo com o artigo 44 do CC, há cinco espécies de pessoas jurídicas de direito privado, sendo que a entidade em questão, não se enquadra no rol legal. Por fim, aduz que se o serviço social autônomo caracterizar-se como associação civil, deverá apresentar a documentação e preencher os requisitos legais desse tipo associativo ( fls.62/75 e 76/191).O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls.195/199).É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.Na presente hipótese não houve impugnação das exigências formuladas pelo Registrador de maneira específica. Denota-se que a Municipalidade não justificou as razões pelas quais entende que as exigências do Oficial são descabidas, apenas pleiteou, pura e simplesmente, o registro da entidade.A concordância parcial ou a não impugnação às exigências do Oficial prejudica a dúvida ou o pedido de providências, que só admite duas soluções: a determinação do registro ou averbação do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências e não apenas parte delas sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do Egrégio Conselho Superior.E ainda que assim não fosse, entendo que a pretensão da Municipalidade de São Paulo não subsiste, senão vejamos:A “São Paulo Negócios SP Negócios” configura serviço social autônomo destinado, dentre outros objetivos, a identificar e articular oportunidades de investimentos nos setores econômicos e oportunidades de negócios no Município de São Paulo.Trata-se de entidade paraestatal, de cooperação com o Poder Público, realizando atividade privada de interesse público, logo, tem natureza de pessoa jurídica de direito privado. Tais entes podem ser criados por lei, ou ter sua criação autorizada por esta, sendo que no segundo caso, a personalidade juridica do ente dependerá da inscrição dos atos constitutivos no registro civil.Como ensina Hely Lopes Meirelles:”Serviços sociais autônomos são todos aqueles instituídos em lei, com personalidade de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias.” (Direito Administrativo Brasileiro. 16a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 331). Como destaca o doutrinador, deve o Serviço Social autônomo optar por uma das fôrmas de instituições particulares convencionais fundações, sociedades civis ou associações. O que se vê dos autos, contudo, é que foi utilizada, para a SP Negócios, uma formatação sui generis, que não se adequa a nenhuma das hipóteses previstas na legislação civil.Assim, teria o legislador municipal, por meio da Lei 16.665/2017 e dos Decretos 57727/17 e 57765/17, instituído nova modalidade de ente privado. Ainda que de forma específica ao criar o mencionado Serviço, em tese o Município teria usurpado competência da União, a quem compete privativamente legislar sobre direito civil (Art. 22, I, Constituição Federal). Há, assim, margem para que se alegue a inconstitucionalidade da entidade organizada de tal forma.Contudo, não é este juízo administrativo competente para declarar eventual inconstitucionalidade. Cito o decidido na Apelação nº 1123982- 06.2015.8.26.0100, j. 18/10/16, Rel. Pereira Calças:”Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Escritura Pública de venda e compra, englobando cessão – Ausência de recolhimento de imposto – ITBI que é devido pela cessão e pela venda e compra – impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido.” (grifei)Em que pese o mencionado precedente tratar de tema tributário, foi ali estabelecido que não pode o juízo administrativo declarar inconstitucionalidade de lei, assim como em outros precedentes (cf. AC0038442-73.2011, AC43.694-0/0e AC18.671-0/8)Conclui-se, portanto, que o registro ora pretendido não pode ser declarado ilegal apenas pela forma em que a entidade foi instituída, uma vez que há lei específica determinando sua criação desta forma. Se a lei invade competência da União, cabe ao interessado impugná-la pelas vias adequadas. O que não se pode é obstar o registro, neste âmbito administrativo, apenas pela forma utilizada, quando há legislação que permita que isso ocorra.Contudo, não há como reconhecer a aplicação de um Decreto Municipal que institui seu próprio Estatuto Social sem observar as regras contidas nos artigos 46, 54 e 59 do CC, em especial pela segurança jurídica esperada dos registros públicos, princípio este que deve tanto o Registrador como este juízo observarem quando da realização de atos registrais.Isso porque tal regramento civil tem caráter genérico, sendo o Art. 46 relativo a todas as pessoas jurídicas e os Arts. 54 a 61 relativo às associações. Uma vez que a lei municipal cria regime novo, este deve ser subsidiariamente regido pelo Código Civil, tendo em vista que, à míngua de regramento específico, permitir o registro apenas da forma prevista no decreto representaria ofensa à segurança jurídica, pois não se saberia ao certo de que modo a entidade funcionaria em determinas circunstâncias. Tendo o Código Civil disciplinado tais questões nos artigos citados, sua aplicação é essencial para que se garante um mínimo de confiabilidade no ente a ser registrado.Neste contexto, de acordo com os ensinamentos do Desembargador Nestor Duarte:”O Estatuto encerra a disciplina fundamental da associação e a caracteriza, por isso deve conter sob pena de nulidade os elementos que a identificam e requisitos acerca da admissão e demissão de associados, direitos e deveres destes em relação à entidade; as fontes de onde retirará os recursos para manutenção e atingir os fins a que se destina; o modo de constituir-se e funcionar os órgãos deliberativos e diretivos, bem como as condições para sua própria alteração; e, por fim as regras para a dissolução. A lei nº 11.127, de 28.06.2005, alterou a redação do artigo 54 CC para destacar o requisito pelo qual, também, deve o estatuto conter a disciplina de gestão administrativa e da aprovação das contas respectivas, de modo que tanto os órgãos deliberativos como os mera gestão devem ter, no âmbito de suas atribuições, a atuação delimitada claramente no Estatuto. A falta de alguma dessas disposições invalida o estatuto” (Código Civil Comentado, Doutrina e Jusrisprudência, Coord: Ministro Cézar Peluso, 2ª Edição Revisada e Atualizada, Ed: Manole).Ainda que a entidade ora discutida não seja uma associação, todo o embasamento jurídico previsto para elas existe para que não só seus membros mas a própria sociedade civil possam saber como seu funcionamento será regido. Assim, naquilo em que não for incompatível com a forma criada pela lei municipal, deve ser aplicado o regramento das associações, garantido a segurança jurídica com relação ao funcionamento do Serviço Social Autônomo.Ainda, de acordo com a explanação da D Promotora de Justiça, com a qual coaduno: “no registro de pessoas jurídicas, ao registrador não cabe qualquer margem de discricionariedades, ao contrário, cabe a ele a exata aplicação da lei e correta qualificação do título, avaliando a possibilidade do registro com a preservação da essência da pessoa juridica, exatamente de acordo com o estatuto social e com a legislação vigente, portanto vinculado ao princípio da legalidade estrita, o que impede o registro pretendido”.Em outras palavras: I- não há óbice ao registro apenas pela forma e denominação adotada pois, em que pese o rol do Art. 44 do Código Civil, há lei municipal que permite a criação na forma em que pretendida, não podendo o juízo administrativo afastar sua aplicação; II- Sendo pessoa jurídica de direito privado, aplicam-se os requisitos do Art. 46 do Código Civil, e por assemelhar-se mais a associação que outras formas de pessoa jurídica, aplicam-se subsidiariamente os requisitos dos Arts. 54 a 61 da mesma lei, III- Tais requisitos das associações devem ser aplicados no que não for incompatível com o regime criado pelo legislador municipal.Contudo, uma vez que as razões do pedido de providência não adentraram o mérito de todos os requisitos expostos da nota devolutiva, fica prejudicada uma análise deste juízo quanto tal compatibilidade. Pelo exposto, fica mantida a nota devolutiva, devendo o requerente alterar o estatuto para fins de adequá-lo ao acima mencionado, reservada sua opção de demonstrar, perante o Oficial, que as exigências relativas as associações não se aplicam ao ente que se pretende ver registrado, com eventual remessa a este juízo de divergências específicas existentes quanto a estes pontos. Não obstante, para o registro, o estatuto deve conter todas as previsões exigidas pelo Art. 46 do Código Civil relativas às pessoas jurídicas.Por fim, a simples alegação da requerente da efetivação do registro de outras entidades pelo Oficial do 4º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital não vincula a automática efetivação do ato pelo 1º RTD, já que o registrador tem plena liberdade de qualificar o título que lhe foi apresentado. Diante do exposto, julgo prejudicado o pedido de providências formulado pela Municipalidade de São Paulo, em face do Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, com observação.Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.P.R.I.C. – ADV: RAPHAEL ANDRADE PIRES DE CAMPOS (OAB 257112/SP).

Fonte: DJE/SP | 26/09/2017.

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2ª VRP/SP: RCPN. Processo administrativo disciplinar: Responsabilidade Objetiva ou Responsabilidade Subjetiva do titular da delegação (notário ou registrador)?

Processo 0054811-42.2016.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 0054811-42.2016.8.26.0100

Processo 0054811-42.2016.8.26.0100 – Processo Administrativo – Registro Civil das Pessoas Naturais – C.G.J. e outro – M.A.S.L. e outro – VISTOS, Trata-se de processo administrativo disciplinar instaurado em face do Sr. S. R. W., Tabelião de Notas da Comarca da Capital, em cumprimento à determinação da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, em virtude da expedição de carta notarial relativa ao processo nº. 108270-16.2016.8.26.0008, em 15.08.2016, sem que houvesse a observância do disposto no item 216, incisos IV e V, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (a fls. 01/143).O Sr. Tabelião foi interrogado (a fls. 166/167).Em defesa prévia, pugnou por sua responsabilidade pela ação do preposto, em decorrência de culpa in eligendo e in vigilando (a fls. 172/175).Encerrada a instrução (a fls. 176), o Sr. Tabelião, em alegações finais, reiterou suas proposições anteriores e referiu à presença de indícios de ilícito penal na carta notarial expedida (a fls. 181/271).É o breve relatório. Decido. Inicialmente, deve-se destacar ser incontroverso, bem como estar documentalmente provada, a expedição de carta de sentença notarial de forma absolutamente irregular, pois em desconformidade ao estabelecido no item 216, incisos IV e V, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; destarte, patente o equívoco na realização do ato notarial em questão, porquanto ausentes documentos essenciais. No que pese o reconhecimento pelo Sr. Tabelião acerca da prática do ilícito administrativo, tenho pela não configuração da responsabilidade administrativadisciplinar, ante a ausência de culpa daquele relativamente ao equívoco praticado pelo preposto. O ato notarial foi praticado pelo Sr. Substituto do Tabelião à época, posteriormente demitido em razão do erro ora em exame neste processo administrativodisciplinar e outros que se sucederam. No expediente verificatório não foi apurado ausência de orientação e, tampouco fiscalização, da parte do Sr. Tabelião; pelo contrário, o quadro probatório é indicativo à existência de orientação e fiscalização. Todavia, é certo que o Sr. Substituto cometeu uma série de erros, entre estes o presente, culminando com sua exclusão do quadro de serventuários da unidade. Sabidamente, uma delegação extrajudicial, sobretudo na Capital, pratica diversos atos; sem a possibilidade do acompanhamento pessoal do Sr. Titular da Delegação relativamente a todos. Portanto, é exigido a orientação, controle e fiscalização da parte deste quanto aos prepostos que nomeia para realização dos deveres decorrentes da delegação. Tenho a compreensão da responsabilidade administrativa-disciplinar ter por fundamento a culpa; assim, ausente culpa, está excluída a possibilidade da imposição de sanção administrativa. A situação é desafiadora, posto que o exagero desse entendimento, de um lado, poderia redundar na impossibilidade de punição administrativa do Titular da Delegação quando o equívoco for praticado por preposto sem a participação daquele. De outro, poderia haver o entendimento que todo erro havido no serviço delegado decorreu da inadequada orientação e fiscalização, daí que sempre haveria responsabilização administrativadisciplinar do Titular. Esse é um falso conflito, em virtude da solução dessa questão desde a aplicação das teorias acerca da relação de causalidade para o fim de estabelecer a extensão da responsabilidade disciplinar. Os precedentes desta Corregedoria Permanente foram se formando a partir do constante ir e vir entre o fato e a norma, na busca de um paradigma a ser aplicado a todos os Oficiais e Tabeliães, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, guiados pelo direito fundamental, também direito humano, do devido processo legal. Os precedentes fixaram a possibilidade da responsabilização disciplinar do Oficial ou Tabelião somente no caso da possibilidade de comportamento (culposo) com aptidão para impedir ato contrário ao ordenamento jurídico (erro praticado pelo Titular ou preposto).Assim, ocorrendo erro de preposto, que poderia ser evitado com a orientação e ou fiscalização do Titular da Delegação, ocorre sua responsabilização administrativa-disciplinar; a exemplo de equívocos repetidos, situações perceptíveis com um mínimo de diligência e erros crassos que denotem clara falta de orientação ou fiscalização. De outra parte, ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tenho aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente. No presente caso, havia a confiança do Sr. Tabelião que suas orientações seriam seguidas, bem como sistema de controle. Não obstante, houve o equívoco na expedição da carta de sentença notarial. Assim, o Sr. Tabelião adotou os comportamentos fixados no ordenamento jurídico numa esfera de previsibilidade; portanto, qual seria o fundamento para sua punição? O único paradigma de responsabilização do Sr. Tabelião é a compreensão da incidência da responsabilidade objetiva disciplinar dos Titulares de Delegação. E aqui, a questão recebe contornos interessantes, pois os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, órgão hierarquicamente superior a esta Corregedoria Permanente, são no sentido da possibilidade da responsabilidade objetiva disciplinar e, por consequência, a aplicação de sanção administrativa ao Sr. Tabelião. Até 2012, os precedentes seguiam a responsabilidade disciplinar fundada na culpa. A partir do processo n. 14.970/2012, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça passou a aplicar a responsabilidade disciplinar objetiva. Depois disso, houve diversos precedentes que permanecem, a exemplo do recente Recurso Administrativo n. 0022088-39.2016.8.26.0562, j. 21.07.2017.No esteio do entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (responsabilidade disciplinar objetiva), houve ainda o MS n.° 2207878-70.2014.8.26.0000, rel. Des. João Carlos Saletti, j. 27.5.2015, e o MS n.° 2225875-32.2015.8.26.0000, rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. 04.05.2016; julgados pelo Colendo Órgão Especial. Insta salientar a existência de precedente anterior diverso (de responsabilidade disciplinar subjetiva), também do Colendo Órgão Especial, no MS n.° 0002389-07.2013.8.26.0000, rel. Des. EnioZuliani, j. 24.07.2013.As decisões da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, de forma difusa, mencionam a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CARTÓRIO. IRREGULARIDADE EM LAVRATURA DE PROCURAÇÃO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REGULAR. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. É ADMISSÍVEL A SINDICÂNCIA COM EFEITOS PUNITIVOS, DESDE QUE RESGUARDADOS OS DIREITOS DE DEFESA. ART. 22 DA LEI 8.935/94. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS NOTÁRIOS E OFICIAIS DE REGISTRO. MULTA DEVIDA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. É legal a sindicância instaurada com caráter punitivo e não meramente investigatório ou preparatório de processo disciplinar. Precedente: MS 18.664/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 1S, julgado em 23.04.2014, DJe 30.04.2014.2. Estando as condutas objeto da sindicância perfeitamente subsumidas às normas que serviram de alicerce à imposição da pena de multa, não há ofensa ao princípio da legalidade.3. Agravo Regimental de MARCO ANTÔNIO PRATES a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 29.243 RJ, Rel. Min. MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 17.09.2015).Como pode ser constatado pelo exame do conteúdo do acórdão acima transcrito, a referência à responsabilidade objetiva, salvo melhor juízo, refere-se à responsabilidade civil perante terceiros e não à responsabilidade administrativa. Tanto isso é verdade que na ementa consta o artigo 22 da Lei 8.935/94, o qual, sabidamente, não se aplica à responsabilidade disciplinar e sim à responsabilidade civil.Em grande parte, respeitosamente, a fundamentação dos precedentes administrativos acima mencionados passa pela aproximação da responsabilidade civil com a disciplinar.Essa proposição, eventualmente, é passível de confrontação científica, porquanto a estrutura e função dos pressupostos da responsabilidade civil e da responsabilidade administrativa disciplinar são absolutamente diversos. Elucidativo a respeito é o estudo acadêmico do Desembargador e Professor Luís Paulo AliendeRibeiro:Disto resulta, como há muito sustento e pelas razões já expostas neste texto, que a responsabilidade civil ou contratual do titular da delegação, fundada no §6º do art. 37 da Constituição Federal, e que, a meu ver, não acolhe o que se buscou com a recente alteração da redação do art. 22 da Lei 8.935/1994, levada a efeito pela Lei 13.286/2016, se mostra presente sempre que terceiro, usuário do serviço, sofrer prejuízo imputável à falha do serviço público delegado, no âmbito de sua prestação material, sem que precise indicar em que ponto da organização técnica, da estrutura dos serviços, utilização de meios informatizados ou fiscalização dos trabalhos e do pessoal tenha se dado a causa do dano.De pouca relevância, a meu ver e pelas razões já expostas, rotular tal responsabilidade de objetiva ou subjetiva. O que importa é fixar que esta reponsabilidade patrimonial, extracontratual ou civil não se transpõe para a esfera administrativa ou disciplinar.Aqui o que se busca, como antes referido, é a regularidade do serviço e não a retribuição de um ilícito. (grifos meus) (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Responsabilidade administrativa do notário e do registrador, por ato próprio e por ato de preposto. In: Revista de Direito Imobiliário RDI, ano 39 volume 81 julho/dezembro 2016. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2016, p. 414/415).Estabelecidas essas premissas, passo a expor as razões pelas quais, pela primeira oportunidade, respeitosamente, deixo de seguir os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; porquanto contrários à minha convicção pessoal.Essa situação, no esteio da aplicação analógica das disposições da Lei do Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, Lei n. 9.784/99, cujo artigo 50, inciso VII, dispõe:Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;Implica-se, então, na necessidade de maior fundamentação ante a possibilidade de equívoco ao se afastar dos precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; o que passo a realizar. Nas pesquisas doutrinárias que realizei, não localizei entendimentos acerca da possibilidade de imputação objetiva da responsabilidade administrativa disciplinar no âmbito do direito administrativo sancionador. Pelo contrário, os autores consultados defendem a necessidade da culpa para configuração da responsabilidade administrativa disciplinar.Fábio Medina Osório assevera:Para que alguém possa ser administrativamente sancionado ou punido, seja quando se trate de sanções aplicadas por autoridades judiciárias, seja quando se cogite de sanções impostas por autoridades administrativas, necessário que o agente se revele “culpável”. Essa assertiva não decorre de nenhum processo hermenêutico desprovido de suporte na Constituição. Ao contrário, como ocorre com todo o Direito Administrativo Sancionador brasileiro, os princípios se reconduzem à Carta Magna, por meio de processos argumentativos reconhecedores das potencialidades de complexos dispositivos constitucionais. Essa mesma operação há de ser feita na exploração da culpabilidade vigente no campo do Direito Punitivo, em concreto no tocante ao Direito Administrativo Sancionador. (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 343).Rafael Munhoz de Mello refere:A culpabilidade exige que a sanção administrativa seja imposta unicamente a quem, devendo agir de outro modo, pratica a conduta típica. O sujeito que age de tal maneira é culpado pela ocorrência da infração administrativa. “Ser culpado” significa contribuir para a ocorrência da infração administrativa em situações em que era exigível comportamento diverso. De modo singelo, pode-se afirmar que “ser culpado” significa não ser inocente: “ensu sentido más amplio, el término ‘culpabilidad’ se contrapone al de ‘inocencia’”, no dizer de José Cerezo Mir. O princípio da culpabilidade veda a imposição de sanção administrativa retributiva a pessoas que não contribuíram de modo algum para a ocorrência da infração administrativa, ou o fizeram a despeito de terem agido licitamente e adotado a diligência exigida no caso concreto.(…)Tratando-se de princípio constitucional, como defendido no presente trabalho, o legislador infraconstitucional não pode afastar a culpabilidade do campo do direito administrativo sancionador, outorgando à Administração Pública competência para impor sanções administrativas retributivas independentemente da culpa do particular. (DE MELLO, Rafael Munhoz. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da constituição federal de 1988. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 184 e 189).Marçal Justen Filho afirma:O Estado Democrático de Direito exclui o sancionamento punitivo dissociado da comprovação da culpabilidade. Não se pode admitir a punição apenas em virtude da concretização de uma ocorrência danosa material. Pune-se porque alguém agiu mal, de modo reprovável, em termos antissociais. A comprovação do elemento subjetivo é indispensável para a imposição de penalidade, ainda quando se possa pretender uma objetivação da culpabilidade em determinados casos.FranckModerne ensina que “a repressão administrativa, como a repressão penal, obedece ao princípio da culpabilidade e que as sanções administrativas, como as sanções penais, não podem ser infligidas sem que o comportamento pessoal do autor da infração não tenha revelado uma culpa, intencional ou de negligência”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2015, p. 596).O Desembargador e Professor Ricardo Dipensina:Em ambos os quadros (dolo e culpa em sentido estrito), a culpa é um mal, porque sempre implica uma desordenação voluntária relativa aos fins exigíveis da conduta humana. É exatamente porque se poderia e deveria agir de outro modo, para assim cumprir os fins a que se tinham por devidos, que alguém pode dizer-se culpado em dada situação concreta. Se, pois, a culpa pressupõe a possibilidade de ter agido de outra maneira, são seus pressupostos indispensáveis (i) a contingência da ação e (ii) a liberdade de agir ou não agir, bem como a liberdade de agir de um modo ou de outro. Assim sendo, não há culpabilidade possível quanto não haja contingência na conduta e liberdade no exercício (a de agir ou não agir) e de especificação (a de eleger os meios de agir) (DIP, Ricardo. Conceito e natureza da responsabilidade disciplinar dos registradores públicos. São Paulo: QuartierLatin, 2017, p. 101). De outra parte, ainda que não seja minha compreensão, há autores que adotam a tese da mera voluntariedade para imposição de sanção administrativa, atenuando a compreensão supra exposta.Por todos, cito Daniel Ferreira:O que, então, poderia parecer significativo avanço e no mesmo sentido já defendido por Eduardo Rocha Dias, Marçal Justen Filho, Fábio Medina Osório, Heraldo Garcia Vitta, e, ainda mais recentemente, por José Roberto Pimenta Oliveira e Rafael Munhoz de Mello soa um pouco estranho, porque ninguém menos que Celso Antônio Bandeira de Mello professor de todos, cidadão ímpar e indubitavelmente vanguardista na defesa dos direitos e garantias individuais sustenta tese contrária e a partir da 17ª edição (de 2004) também no seu Curso de direito administrativo.Ou seja, se algo é dito e porque dito por Celso Antônio Bandeira de Mello, então o cuidado no afirmar em contrário deve ser extremado.Apenas ele, José dos Santos Carvalho Filho, e nós mesmos admitimos a (geral) responsabilização administrativa estribada numa conduta simploriamente voluntária para a qual se prescindiria da culpa ou do dolo do infrator, salvo previsão legal em contrário, expressa ou implícita. (FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa: a partir da constituição federal de 1988. Fórum: Belo Horizonte, 2009, p. 266-267).Não obstante a isso, mesmo estes autores não aceitam a tese da responsabilidade administrativa disciplinar objetiva. A esse respeito são elucidativas as considerações de Daniel Ferreira:Responsabilidade sem culpa não equivale a responsabilidade objetiva.Exigir voluntariedade e evidentemente diferente de se reclamar, apenas, o nexo de causalidade entre a ação (omissiva ou comissiva) e o resultado (de dano ou de perigo) para o fim de se reconhecer como realizada a conduta típica.Isto configura engano, porque não está em jogo aproximar, e.g., a responsabilidade por infração administrativa da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, por conta da qual se “prescinde da investigação de culpa ou dolo, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo administrado e o comportamento danoso”, como centrada e precisamente afirmou a professora Dinorá Grotti, da PUC/SP. .Afastando a possibilidade da responsabilidade administrativa-disciplinar objetiva, foi a recente decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, no Recurso Administrativo nº 0048142-07.2015.8.26.0100, j. 07.08.2017, como se observa do seguinte extrato do voto do Desembargador Salles Abreu, Presidente da Seção de Direito Criminal, como segue:Há de se observar a concorrência de elementos objetivo e subjetivo para a caracterização da infração disciplinar do notário. Ou seja, a conduta havida por infração disciplinar ou funcional, deve-se observar uma conduta dolosa ou culposa do notário ou seu preposto, observando-se, neste último caso, uma falha no dever de cuidado na verificação da legalidade e legitimidade do ato. Mais que isto, a responsabilidade administrativa somente surge com a existência de uma conduta ilícita no aspecto dos deveres administrativos, sendo certo que tal qualificação da ilicitude não pode ser irrazoável ou mesmo fugir ao princípio da legalidade. Não se pode considerar ilícito administrativo a conduta que, em seu aspecto material e legal, não comporta nenhuma ilicitude conhecível de ofício, mas que tem seu regime de confronto vinculado à questão da eficácia ou ineficácia privada do ato, ou mesmo da aferição da divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante.Embora a configuração do ilícito administrativo não se sujeite objetivamente ao princípio da tipicidade, não se pode esvaziar o conceito formal de culpa para se configurar a conduta culposa punível no âmbito administrativo.Ante ao exposto, julgo improcedente este processo administrativo disciplinar.Em razão do mencionado nos autos pelo Sr. Tabelião acerca dos supostos indícios da prática de ilícito penal, determino a remessa de cópia integral dos autos à Central de Inquéritos Policiais e Processos CIPP para conhecimento pelo Ministério Público, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, para a consideração que possa merecer.Encaminhese cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício.P.R.I.C.

Fonte: DJE/SP | 26/09/2017.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Doação conjuntiva em favor de marido e mulher – Bem que, em virtude do direito de acrescer estabelecido no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não poderia ter sido inventariado e partilhado – Desqualificação correta da escritura de inventário e partilha – Apelação não provida.

Apelação nº 1012088-83.2016.8.26.0037

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1012088-83.2016.8.26.0037
Comarca: ARARAQUARA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1012088-83.2016.8.26.0037

Registro: 2017.0000631321

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação n.º 1012088-83.2016.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante ESPÓLIO DE ELIZABETH APARECIDA STIVALETTI RAPATONI, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 15 de agosto de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1012088-83.2016.8.26.0037

Apelante: Espólio de Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 29.775

Registro de Imóveis – Doação conjuntiva em favor de marido e mulher – Bem que, em virtude do direito de acrescer estabelecido no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, não poderia ter sido inventariado e partilhado – Desqualificação correta da escritura de inventário e partilha – Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo espólio de Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni contra a sentença de fls. 218/219, que, em dúvida inversa, manteve a recusa ao registro, na matrícula n.º 9.891 do 2º Registro de Imóveis de Araraquara, de escritura de inventário e partilha dos bens deixados pelo espólio apelante.

Sustenta o apelante, em síntese, que o direito de acrescer previsto no parágrafo único do artigo 551 é renunciável; que a escritura de doação dá certa dúvida acerca dos beneficiários da doação (se só a falecida Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni ou se ela e seu marido); e que o marido de Elizabeth, passados dois anos do falecimento dela, não requereu que a propriedade que pertencia à falecida lhe fosse transferida. Pede, por fim, a reforma da sentença de primeiro grau e, de modo subsidiário, a autorização para que a renúncia ao direito de acrescer seja veiculada por escritura pública (fls. 267/274).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 254/257).

É o relatório.

De início, cabe registrar que embora no dispositivo da sentença tenha constado o acolhimento em parte do pedido (fls. 219), tecnicamente, tendo em vista que o óbice ao registro do título foi mantido, a dúvida mesmo que inversamente suscitada foi julgada procedente.

Consoante escritura copiada a fls. 234/236, no ano de 1991, José Stivalette e Dirce Gracia Stivalette doaram um terreno urbano, situado na Rua dos Andradas, no Município de Santa Lúcia, comarca de Araraquara, a Aldo Fernando Rapatoni e a Elizabeth Aparecida Stivaletti Rapatoni, marido e mulher. Referido título deu origem ao R.1 da matrícula nº 9.891 do 2º Registro de Imóveis de Araraquara (fls. 37/38).

Em 20 de junho de 2014, Elizabeth Aparecida faleceu (fls. 9).

Ao realizarem o inventário e a partilha extrajudiciais do patrimônio da falecida, seus herdeiros atribuíram o bem matriculado sob nº 9.891 no 2º Registro de Imóveis de Araraquara ao herdeiro filho Fernando Stivaletti Rapatoni (fls. 12/13 e 26).

Alegando afronta ao disposto no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil de 2002, que repete o parágrafo único do artigo 1.178 do Código Civil de 1916, o registrador de imóveis desqualificou a escritura de inventário e partilha (fls. 36).

Suscitada dúvida inversa, o óbice foi mantido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 218/219).

Agora, contra essa decisão insurge-se o espólio apelante.

Preceitua o artigo 551 do Código Civil:

Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

O caput do artigo acima transcrito trata da doação conjuntiva, que, salvo estipulação em contrário, entende-se distribuída igualmente entre os donatários. Já o parágrafo único cuida de hipótese mais específica: doação conjuntiva em favor de marido e mulher. Nesse caso, ao contrário do disposto no caput, em caso de morte de um dos donatários, a lei civil estabelece o direito de acrescer em benefício do cônjuge sobrevivo.

Ou seja, se marido e mulher forem beneficiados com a doação de um bem, ocorrendo a morte de um deles, o outro receberá o bem inteiro, independentemente de inventário, simplesmente em virtude do direito de acrescer.

Desse modo, correta a recusa do título no caso em análise, uma vez que, com a morte de Elizabeth Aparecida, o bem doado passou a pertencer integralmente a seu marido, de modo que não poderia ter sido inventariado e muito menos partilhado entre os herdeiros.

Recentemente, aprovei parecer da lavra do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Swarai Cervone de Oliveira, que foi assim ementado:

Registro de imóveis – doação a apenas um dos cônjuges – marido pré-morto – impossibilidade de se averbar a certidão de óbito, com efeitos translativos da propriedade à esposa – inteligência do art. 551, parágrafo único, do Código Civil – precedentes da Corregedoria Geral da Justiça e do Superior Tribunal de Justiça – recurso desprovido (processo n.º 204.333/2015, j. em 11/3/2016).

Assim, se no caso acima citado, por ter havido doação a apenas um dos cônjuges, não pôde se reconhecer o direito de acrescer do outro; aqui, em que ambos os cônjuges foram beneficiados pela doação, de rigor que se observe o direito de acrescer que favorece o sobrevivo.

Anoto, por fim, que embora a renúncia ao direito de acrescer seja, em tese, possível por escritura pública, na forma do artigo 108 do Código Civil, esse procedimento provavelmente não resolverá o problema do apelante.

Com efeito, a renúncia se limitará à parcela do bem que o cônjuge sobrevivo receberia em virtude do direito de acrescer estabelecido no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, ou seja, metade ideal do imóvel da matrícula n.º 9.891. No entanto, a outra metade ideal do bem, recebida por ocasião da doação propriamente dita, por ser de propriedade do marido, não entrará na partilha.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 25.09.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações

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