Artigo – Concubinato, união estável e regime de bens – Por Maykon Felício Damascena

*Maykon Felício Damascena

1-PERSPECTIVA HISTÓRICA E EVOLUÇÃO.

O Código Civil Brasileiro de 1916 não reconhecia nenhuma família fora do casamento, adotava o modelo unitário baseado somente no casamento. Havia o instituto do Concubinato Puro que seriam pessoas que vivia em comunhão fora do casamento, mas não tinham nenhum impedimento para casar; e já Concubinato Impuro pessoas que vivam em comunhão fora do casamento e existia algum impedimento para realizar o casamento; o concubinato podemos assim definir como mera sociedade de fato e não tinha direito de proteção ao Direito de Família.

Mesmo do concubinato ter nascido na “clandestinidade” fora do Direito de Família, a jurisprudência começou a dar algumas súmulas para melhor regulamentar essa matéria, assim se segue:

Súmula 380 STF –“ Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum;” ou seja, partilha do patrimônio adquirido do esforço comum, vale lembrar que essa matéria só poderia ser tratada na vara cível e não na vara de família.

Súmula 382 STF – “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato;” assim se explica que para caracterização do concubinato não há necessidade da coabitação.

Outro fato interessante relativo ao concubinato era Indenização por Serviços Prestados Domésticos e Sexuais, pode até soar estranho quando falamos dessa forma, mas nada mais era do que, mesmo a concubina morando sob as expensas e dependência do concubino a mesma não poderia de forma nenhuma pleitear alimentos por não ser direito de família, diante disso, a jurisprudência atentou para lhe dar direito dessa prestação “mas com outro nome” vamos assim dizer; e essa indenização prestada era mensal. Atualmente essa indenização não existe mais por determinação do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, aos poucos, foi-se evoluindo, onde concubinato teria seus efeitos jurídicos através da jurisprudência. Até que em 1970 na Lei 6015/73 regulamentou tal matéria no artigo 56 a 58 naquela época; e em 1976 houve a Lei Previdência Social hoje revogada que previa um benefício à concubina pela morte do concubino.

E na Constituição Federal no artigo 226, §3º reconheceu a distinção entre concubinato puro que passou a chamar união estável e concubinato impuro, e ainda, a união estável passou a ser entidade familiar; ou seja, da clandestinidade para tolerância e da tolerância para efeitos jurídicos, mas concubinato até hoje é sociedade de fato e não é entidade familiar.

O Código Civil Brasileiro de 2002 adota a Teoria do Desestímulo ao Concubinato, pois assim vejamos:

Artigo 550 do mesmo código: “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”; ou seja, proibição de doação para concubina sob pena de anulabilidade (prazo de 02 anos contados do término do casamento), a legitimidade se caso cessar pela viuvez passará para os herdeiros.

Ainda, artigo 793: “É válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato”; aqui relata proibição do seguro de vida para concubina sendo cláusula nula.

Artigo 1801 do Código Civil de 2002: Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários: III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; observa-se aqui que existe uma proibição de herança ou legado para concubina sob pena de nulidade.

O Supremo Tribunal Federal RE 397.762 / BA entende não haver divisão do benefício entre concubina e a viúva, mas essa decisão não tem efeito vinculante e por essa razão alguns Tribunais Regionais Federais vem decidindo diferente dando direito a concubina do benefício a depender do caso analisado.

1.2- CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL

Neste momento iremos discorrer sobre este tema segundo a luz do Código Civil Brasileiro no seu artigo 1723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Temos aqui que originalmente, os elementos objetivos eram: diversidades de sexos, continuidade, durabilidade, publicidade, inexistência de impedimento matrimonial.

O elemento objetivo da diversidade de sexos deixou de existir em virtude de decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN 4277 / DF, com efeito erga omnes, na qual foi admitida a união estável homoafetiva. Importante lembrar que também o Superior Tribunal de Justiça, no Resp. 1.183.378 / RS, reconheceu o casamento homoafetivo. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução autorizando os cartórios de todo o país a receber os pedidos de habilitação para casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A referida Resolução ainda esclarece:

“§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”; – assim seja, não se constituirá na união estável exceto se casado(a) mas separado de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o regime de separação obrigatória só se aplicará à união estável no caso dos conviventes serem pessoas maiores de 70 anos.

Vale lembra que não é requisito da união estável lapso temporal mínimo, ter filhos e coabitação.

No elemento subjetivo temos o animus familiae, ou affectio matitalles ou convivência more uxório, caracteriza-se que estão convivendo como se casados fossem; pode-se entender que se não tiver ânimo de constituir família caracteriza-se como namoro qualificado e não como união estável, sendo possível registro em cartório de contrato de namoro mas não impede caracterização da união estável.

Recurso Especial 1.454.643/RJ relata sobre diferença entre namoro qualificado e união estável, devendo ser provado o  animus familiae.

Neste ponto, por último e não menos importante, pode-se falar em Concubinato de Boa-Fé que daria ensejo a União Estável Putativa quando alguém convive com outro sem saber que aquela pessoas é casada, isso relata-se segundo entendimento Maria Berenice Dias e Cristiano Chaves de Farias; mas Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal não entende como caracterização de União Estável Putativa.

1.3-Efeitos pessoais da união estável

No código civil em seu artigo 1.724. “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.” No artigo 1566 relata sobre efeitos pessoais do casamento onde fidelidade e coabitação são requisitos exclusivos do casamento não sendo da união estável, mas fidelidade pode-se dizer que se compara com lealdade e respeito citado para união estável.

Outros efeitos pessoais da união estável:

*Acréscimo de sobrenome de companheiro depende de decisão judicial – Lei 6015/73 artigo 56-58;

*Possibilidade de exercer a curatela e inventariança – artigo 612 Novo Código Processo Civil;

*Estabelece parentesco por afinidade – artigo 1595 do Código Civil de 2002;

*Direito de sub-rogação locatícia – Lei 8245/91 em seu artigo 12, caso em que um deles vier a falecer sub-rogará o outro no contrato de locação;

*Impedimento para testemunhar – artigo 228 Código Civil de 2002;

*Enquadramento como herdeiro necessário? – artigo 1845 do Código Civil de 2002, na letra fria da letra não, mas existe entendimento contrário.

Efeitos exclusivos do casamento presunção de paternidade na constância do casamento mas Recurso Especial do 23 / Paraná o Superior Tribunal de Justiça manda aplicar a União Estável.

1.4- Efeitos Patrimoniais da União Estável

Neste diapasão retrata-se no Código Civil Brasileiro:

“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Esse contrato escrito nada mais é do que contrato de convivência entre os companheiros. O propósito do “contrato de convivência” é o de dispor regras atinentes ao regime de bens, organizando e planejando as relações econômico-patrimoniais do casal, estabelecendo a forma de aquisição patrimonial e também de divisão desses bens, móveis e imóveis. Fixam-se critérios sobre a participação do companheiro nos frutos do patrimônio particular e na atividade empresarial do outro, bem como na eventual administração dos bens, no caso de ausência ou falecimento.

O contrato de convivência é diferente do pacto antenupcial, pois neste último deve ser por escrito público e poderá ser registro no cartório de registro de imóveis, mas no contrato de convivência poderá ser escrito público ou particular, não será registrado no cartório de registro de imóveis, poderá fazer doações e reconhecer filho e ainda neste não poderá ter cláusula de pacto sucessório, herança de pessoa viva e nem renunciar a direito, sabe-se que nesse tipo de contrato o mesmo começará a surtir efeitos a partir da data da celebração inclusive regime de bens escolhido; não se comunicando o regime de bens adquiridos após separação de fato cessando o regime de bens automaticamente.

Outros efeitos jurídicos patrimoniais da União Estável:

*Direito sucessório sobre os bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso; nos bens particulares o companheiro(a) não é meeiro e nem herdeiro – artigo 1790 do CC/2002; – este artigo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, conforme será tratado no tópico seguinte.

*Direitos de alimentos – artigo 1694 do Código Civil Brasileiro de 2002;

*Direito Real de Habitação – Lei 9278/96, artigo 7º, mas Superior Tribunal de Justiça está entendendo que deve seguir a mesma regra do casamento; é o que condiz na letra do artigo 1831 do CC/2002 que deverá ser aplicado por analogia.

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”

*Direito benefício previdenciário – Lei 8213/91;

*Impenhorabilidade bem de família – Lei 8009/90;

*Direito estabelecer sociedade empresarial – Artigo 977 do CC/2002 (questão do regime da comunhão universal ou separação obrigatória não pode constituir empresa entre si, mas não se aplica a união estável.

Novo Código de Processo Civil artigo 73, §3º retrata sobre consentimento do companheiro para ações reais imobiliárias.

1.5- Supremo Tribunal Federal declara inconstitucional artigo 1790 do Código Civil Brasileiro.

A Suprema Corte – O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu julgamento que discute a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão, inclusive em uniões homoafetivas. A decisão foi proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida. No julgamento realizado no dia 10-05-2017, os ministros declararam inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens.

O RE 878694 trata de união de casal heteroafetivo e o RE 646721 aborda sucessão em uma relação homoafetiva. A conclusão do Tribunal foi de que não existe elemento de discriminação que justifique o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro estabelecido pelo Código Civil, estendendo esses efeitos independentemente de orientação sexual.

Nesse julgamento, prevaleceu o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 878694, que também proferiu o primeiro voto divergente no RE 646721, relatado pelo ministro Marco Aurélio.

O referido ministro sustentou que o STF já equiparou as uniões homoafetivas às uniões “convencionais”, o que implica utilizar os argumentos semelhantes em ambos. Após a Constituição de 1988, argumentou, foram editadas duas normas, a Lei 8.971/1994 e a Lei 9.278/1996, que equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável.

O Código Civil entrou em vigor em 2003, alterando o quadro. Isso porque, segundo o ministro, o código foi fruto de um debate realizado nos anos 1970 e 1980, anterior a várias questões que se colocaram na sociedade posteriormente. “Portanto, o Código Civil é de 2002, mas ele chegou atrasado relativamente às questões de família”, afirma.

“Quando o Código Civil desequiparou o casamento e as uniões estáveis, promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite”, completou. O artigo 1.790 do Código Civil pode ser considerado inconstitucional porque viola princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso.

Para fim de repercussão geral, foi aprovada a seguinte tese, válida para ambos os processos:

“No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”

De acordo com Maria Berenice dias em seu artigo jurídico vai dizer: “produziu a lei civil verdadeiro retrocesso aos direitos dos conviventes, direitos que já estavam consolidados na legislação infraconstitucional. Descabido não deferir aos companheiros direitos iguais aos assegurados aos cônjuges. Ao depois, a restrição em sede de direito sucessório aos bens adquiridos na vigência da união estável não corresponde ao regime de bens da comunhão parcial, que é assegurado à união estável no art. 1.525.

*Maykon Felicio Damascena é graduado em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce – Univale de Governador Valadares – MG em 2007, pós-graduado em Direito do Trabalho e em Direto Notarial e Registral. Exerceu profissão de advogado entre 2009 e 2011. Aprovado em concurso, é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de Caraí – MG desde 05 de setembro de 2011.

Fonte: Recivil | 12/09/2017.

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1ª VRP/SP: Tabelionato de Protestos de Títulos – Décio Delfini Maziero – Reconhecimento da união estável após a morte de companheira, na escritura de partilha, conforme item 113 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Efeitos ex tunc – Comunicação dos bens adquiridos na constância da convivência, mesmo que declaradas proporções distintas na condição de solteiros – Partilha sobre a totalidade do bem, com meação ao companheiro e divisão do restante entre os herdeiros – Dúvida improcedente.

Processo 1035377-16.2017.8.26.0100 – Dúvida – Tabelionato de Protestos de Títulos – Décio Delfini Maziero – Reconhecimento da união estável após a morte de companheira, na escritura de partilha, conforme item 113 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Efeitos ex tunc – Comunicação dos bens adquiridos na constância da convivência, mesmo que declaradas proporções distintas na condição de solteiros – Partilha sobre a totalidade do bem, com meação ao companheiro e divisão do restante entre os herdeiros – Dúvida improcedente, afastando-se o óbice ao registroVistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por Décio Delfini Maziero em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, após negativa de registro de escritura de partilha dos bens em razão do falecimento de sua companheira, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 155.398 na citada serventia.O óbice se deu em razão do imóvel ter sido adquirido em 2009 por Fátima Solange Antunes e Décio Delfini Maziero, ambos solteiros, na proporção de 80% e 20%, respectivamente. Como no título o imóvel foi partilhado em sua totalidade, exigiu o Oficial fosse retificada a escritura para constar a partilha de 80% do bem, que era de propriedade da de cujus.O suscitante aduz que a exigência é descabida, pois uma vez reconhecida extrajudicialmente a união estável por todos os herdeiros, teria havido a comunicação da propriedade, tendo sido a partilha realizada sob este fundamento, com a meação do imóvel e divisão do restante entre os herdeiros. Ainda, aduz que a nota devolutiva não cumpriu com as exigências de informação previstas nas Normas da Corregedoria, requerendo a tomada das providências cabíveis. Juntou documentos às fls. 09/95.O Oficial respondeu às fls. 100/102, com documentos às fls. 103/152. Informa que, uma vez que o imóvel foi adquirido na proporção de 80% e 20% a cada um dos proprietários na condição de solteiros, pois não mencionaram a existência de união estável, a partilha não poderia ser realizada como foi, devendo ser retificada. Alternativamente, também poderia ser retificada a escritura de aquisição do imóvel, para constar que viviam em comunhão.O Ministério Público opinou às fls. 159/162 pela procedência da dúvida.Às fls. 164/174, o suscitante manifestou-se sobre a fundamentação do D. Promotor.Decisão de fl. 189 requereu ao Oficial informações acerca da formalidade da nota devolutiva, o que foi respondido às fls. 184/188, em que aduz que o motivo da devolução seria “fático e não propriamente jurídico”, razão pela qual não seria aplicável o disposto nas Normas de Serviço, que exigem fundamentação legal da exigência. Aduz que o suscitante teria encaminhado e-mail funcional no qual concordou com os termos da dúvida, não havendo o que acrescentar na nota devolutiva.Resposta do suscitante às fls. 191/193.É o relatório. Decido.Apesar das fundamentadas razões apresentadas pelo Oficial e pelo D. Promotor, o entrave deve ser afastado. De fato, consta das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XIV, o item 113, nos seguintes termos:”113. A meação de companheiro pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança absolutamente capazes, estejam de acordo.”E, em estrito cumprimento do acima exposto, os herdeiros e interessados, na escritura de fls. 11/18, reconheceram o status de companheiro e companheira do ora suscitante e da falecida, com início em 10/03/1991.O efeito de tal reconhecimento é que o bem, que antes era dividido em partes ideais em condomínio, passou a pertencer, em sua totalidade, a ambos os companheiros, em mancomunhão. Veja-se que tal reconhecimento post mortem pelos herdeiros é permitido pela citada Norma de Serviço, para os fins de conceder meação ao companheiro supérstite. E, uma vez havido tal reconhecimento, os óbices aqui apresentados restam superados.Em primeiro lugar, vê-se preservada a continuidade registrária. Há um efeito ex tunc advindo do ato dos herdeiros, de modo que a união estável passa a produzir efeitos desde seu início, no ano de 1991. Se o bem foi adquirido na condição de solteiros em 2009, mas reconheceu-se que estavam os adquirentes, já nesta época, em união estável, a consequência é que o bem passa a comunicar-se, integrando o patrimônio comum dos conviventes em sua totalidade, ainda mais porque não houve formalização da união estável, aplicando- se o regime da comunhão parcial de bens, conforme Art. 1.725 do Código Civil. Se é este o regime de bens aplicável, e se adquiriram o bem na condição de companheiros, então o imóvel faz parte do patrimônio comum dos conviventes, sendo ambos proprietários de 100% do bem, que passará a ser partilhado. Neste sentido:”Aplica-se à união estável havida entre o falecido e [a companheira supérstite] o regime de bens da comunhão parcial nos termos do Art. 1.725 do Código Civil, o qual é conforme previsões normativas anteriormente vigentes, bem como, entendimento jurisprudencial majoritário.Essa previsão determina a formação de uma comunhão de direitos entre os conviventes, assim há uma universalidade de direitos relativamente ao patrimônio constituído na união. (…)Deste modo, havendo universalidade de direitos em relação aos bens que compõem a união estável, bem como aos que integram a herança, é necessário inventariar a totalidade do patrimônio (comum) e proceder sua partilha” (Apelação Cível nº 0000974-65.2011.8.26.0062, Rel. José Renato Nalini, j. 27/07/12)Não há qualquer problema em dizer que, mesmo que se declararam solteiros à época da compra, agora constar que estavam em união estável: como se sabe, por muitos anos apenas eram reconhecidos os estados civis de solteiro, casado, separado, divorciado ou viúvo. Não era aceita a declaração do estado civil “em união estável”, condição que vem sendo reconhecida apenas mais recentemente, inclusive constando em escrituras públicas.Ora, não podendo se declarar conviventes, declararam-se solteiros, sem prejuízo a possibilidade de reconhecimento futuro da existência da união estável quando adquiriam o bem, havendo assim a comunicação. Como dito, não importa que tal reconhecimento seja feito após a morte de um deles, vez que há permissão normativa para que seja realizado pelos herdeiros em comum acordo.Ainda, a cadeia lógica do registro fica preservada. Inicialmente em condomínio na proporção de 80% e 20%, reconheceu-se a união estável, passando ambos a serem proprietários de 100% do bem. Com a morte de um deles, é feita a partilha, recebendo o supérstite 50% em razão da meação, sendo os 50% restantes partilhados entre os demais herdeiros, podendo ser incluído entre eles também o companheiro sobrevivente, nos termos da legislação sucessória. No caso concreto, o bem passou a pertencer na sua totalidade ao suscitante apenas em razão de cessões de direitos sucessórios ocorridos na partilha, mas consta do título que, antes de tal cessão, a partilha foi feita conforme acima descrito: recebida a meação do suscitante e partilhada a meação correspondente a de cujus.Vê-se, portanto, superada a preocupação do Oficial à fl. 185, quando diz que “se Décio já tinha 20%, ao receber mais 100%, ficaria com 120%”. Como explanado acima, com o reconhecimento da união estável, Décio não recebeu 100% do bem somado a sua parte ideal de 20%. Este 1/5 do bem deixou de ser de sua propriedade exclusiva, assim como os 4/5 de Fátima, passando a totalidade do bem ao patrimônio comum, com a partilha realizada partindo desta situação. A questão é resolvida quando se considera que a situação é análoga a um bem pertencente a cônjuges em comunhão parcial: há a meação e o monte partilhável. Não há somas de partes ideais, mas a comunicação destas e posterior partilha. Em outras palavras, Décio recebeu 100% do imóvel, 50% em meação e 50% em herança. Não recebeu 100% como herança, somados aos 20% de que já era proprietário.Quanto ao Art. 5º da Lei 9.278/96, tal norma diz que o bem passa a pertencer em condomínio, na proporção das partes ideais estabelecidas pelos conviventes. Ocorre que, com o advento do Código Civil e o entendimento de que o regime de bens do casamento é aplicável à união estável, não há que se dizer em partes ideais e em condomínio: reconhecido o início da união estável antes da aquisição do bem e aplicável a comunhão parcial, há a comunicação do imóvel, que passa a pertencer 100% a ambos os conviventes, não havendo condomínio.Ainda que tenham os conviventes adquirido o bem em proporção díspare, o reconhecimento ao direito à meação, conforme o item 113 das NSCGJ, importa na comunicação das partes ideais ao patrimônio comum destes. Ao adquirir o bem em proporções diversas, presume-se a propriedade particular de cada parte ideal, sendo proprietários da totalidade em condomínio.Aqui, com a concordância de todos os herdeiros e interessados – o que afasta qualquer prejuízo a terceiros – tal presunção ficou afastada, pois foi reconhecida a comunicação do bem para fins de meação, que deixa de ter condôminos e passa a ter proprietários de sua totalidade em mancomunhão. Ora, só assim se poderia dar aplicação a mencionada norma da corregedoria, pois não se poderia ver reconhecido direito a meação sem o reconhecimento de que o bem se comunicou ao patrimônio comum. Neste sentido, já decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura que, uma vez que todos os herdeiros reconheceram a comunicação, não cabe ao registrador questioná-la, in verbis:”[A]s duas únicas interessadas, maiores e capazes, (compareceram) perante o Tabelião e, consensualmente, realiza(m) a partilha com base no pressuposto de que todos os imóveis foram adquiridos na vigência de tal união, com comunicação.Deveras, foi esta a posição assumida pela filha comum dos conviventes e por sua mãe, companheira sobrevivente do de cujus.Logo, descabe questioná-la, embora ressalvados, como ocorreria em qualquer outra hipótese de sucessão, eventuais direitos de terceiros” (Apelação Cível nº 1.206-6/0, Rel. Munhoz Soares, j. 30/03/10)Por fim, cumpre colacionar o exposto na sentença prolatada no Processo nº 504/91, desta Primeira Vara de Registros Públicos, pelo M.M. Juiz Marcelo Martins Berthe, em caso análogo, em que se discutia direitos de concubina falecida sobre o bem, com concordância do proprietário e dos demais herdeiros:”Embora sejam sempre norteadas pelo rigor da forma, não podem (as normas registrais) passar ao largo dos fatos, desprezando a realidade, em nome de uma pseudo-segurança. Quando, como no caso, não se vislumbra prejuízo a terceiros, nem a qualquer princípio registrário; e sendo possível a superação do óbice formal como se viu, não há porque deixar de atender aos legítimos interesses de todas as partes envolvidas. Não se justifica a forma, pela forma apenas. Aquela só tem cabimento no superior interesse público, que no caso não será afrontado. Verificado isso, considerando a excepcionalidade e as peculiaridades de cada caso, cabe ao juiz deliberar pela solução mais adequada, de modo que não se alcance desfecho iníquo (…)”De todo o exposto, fica superado o óbice. Apenas para esclarecimento quanto ao princípio da continuidade, deve o Oficial realizar único registro, em que conste que do título: a) foi reconhecida a união estável entre os proprietários à época da aquisição, b) com isso, o bem passou a pertencer a ambos em sua totalidade e c) nesta condição, e com a morte de Fátima, foi partilhado conforme consta da escritura.Finalmente, resta a questão atinente as formalidades da nota devolutiva. Consta do Capítulo XX das NSCGJ:”40.1. A nota de exigência deve conter a exposição das razões e dos fundamentos em que o Registrador se apoiou para qualificação negativa do título, vedadas justificativas de devolução com expressões genéricas, tais como “para os devidos fins”, “para fins de direito” e outras congêneres.”Da nota devolutiva, constou apenas:”Retificar a escritura para constar que está sendo partilhado 80% [do bem]”Em primeiro lugar, não há reprimenda a ser feita com relação ao óbice apresentado per se, tendo em vista partir da cautela do Oficial ao realizar o registro, além de ser amplamente justificável perante a legislação vigente, conforme constou do presente procedimento, apesar de restar superado por conta desta sentença.Não obstante, da forma em que constou da nota devolutiva, nenhum esclarecimento é feito com relação às razões da exigência. O dever de fundamentação está claramente exposto nas Normas de Serviço. Por óbvio, não se pode exigir que a nota devolutiva contenha ampla discussão teórica e legal das razões da recusa de registro. Ainda assim, deve ser dada ao menos alguma justificativa, para que o apresentante entenda o fundamento da recusa do título.Do que se lê no presente caso, o Oficial apenas deu a solução para que o óbice fosse superado, e não a justificativa para sua oposição. Nem se diga que os e-mails juntados demonstram a compreensão do apresentante, pois este apenas procurou saber como melhor solucionar a pendência, nunca tendo tido a oportunidade para entender as razões para tal, que deveriam constar da nota.Quando instado a se manifestar sobre a questão, se vê que o Oficial, diante da inconformidade do suscitante, passou a atacá-lo pessoalmente, ao denunciar o uso de e-mail funcional e a escolha de advogado que teria errado ao assisti-lo na escritura. Em nenhum momento, contudo, explica porque deixou de seguir o disposto nas normas de serviço. Assim, conclui-se que o Oficial deixou de observar o disposto no item 40.1 das NSCGJ. Por outro lado, trata-se de erro pontual, pois não há histórico de qualquer outra reclamação quanto as demais notas devolutivas apresentadas por ele, além de se tratar de falta de baixa gravidade, pois não trouxe ao apresentante qualquer prejuízo, ainda mais se considerado que este foi capaz de interpôr a presente dúvida inversa, com posterior afastamento do óbice.Destarte, não há que ser tomada qualquer medida disciplinar, devendo apenas o Oficial atentar-se para que, em suas notas devolutivas, haja uma mínima fundamentação quanto ao seu entendimento.Do exposto, julgo improcedente a dúvida inversa suscitada por Décio Delfini Maziero em face do Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, afastando o óbice apresentado.Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.Oportunamente, arquivem-se os autos.P.R.I.C. – ADV: LEONARDO CARVALHO RANGEL (OAB 285350/SP).

Fonte: DJE/SP | 14/09/2017.

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1ª VRP/SP: Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983, 1.150 do CC e 64 da Lei 8.934/94

1ª VRP/SP: Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983, 1.150 do CC e 64 da Lei 8.934/94- EMENTA NÃO OFICIAL

Processo 1041233-58.2017.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Jorge Saad Souen e outro – Vistos.Trata-se de dúvida inversa suscitada por Jorge Saad Souen e Marli Tadea Giannotti Souen, em face da negativa do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro de conferencia de bens relativa aos imóveis objeto das matrículas nºs 122.272, 122.273 e 122.274, transferidos à Clínica Professor Jorge Saad Souen LTDA.O óbice registrário refere-se à existência de decisão em procedimento de dúvida que tramitou perante este Juízo envolvendo os imóveis, objeto do presente feito (processo nº 1043170-40.2016.8.26.0100), no qual foi proferida sentença de procedência, entendo o Registrador que a questão está abarcada pela coisa julgada formal, não cabendo novo procedimento envolvendo os mesmos fatos.No referido procedimento, a exigência do Registrador referia-se à necessidade de lavratura de escritura pública para a transferência dos bens, uma vez que a exceção prevista no artigo 64 da Lei nº 8.934/94 não se estende às sociedades simples, devendo ser aplicada a regra do artigo 108 do Código Civil. Insurge-se o suscitante contra o óbice imposto, sob o argumento de que após ter sido proferida sentença por este Juízo, em sede de recurso, e em outros processos envolvendo a mesma questão, foi modificada a decisão pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura que passou a considerar como excessivamente burocrático exigir para um ato de conferencia de bens que o sócio tenha que registrar o instrumento particular no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, lavrar a escritura em um Cartório de Notas e registrar esta última no Registro de Imóveis. Juntou documentos às fls.17/59.O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida, autorizando o registro pretendido (fls.74/75). É o relatório.Passo a fundamentar e a decidir.Agiu com cautela e zelo o registrador ao negar o registro do título apresentado, amparado na existência de sentença de procedência da dúvida proferida por este Juízo.Contudo, verifico que em dois outros processos de dúvida envolvendo a mesma questão, referentes ao 1º e 4º Registro de Imóveis da Capital, em sede de recurso houve a modificação da sentença de procedência, entendendo o Egrégio Conselho Superior da Magistratura que o óbice deveria ser afastado:”Registro de Imóveis – Conferencia de bens – Bens transferidos pelos sócios para sociedade simples limitada – Óbice ao registro pela não formalização da transferência dos imóveis por escritura – Sentença de procedência da dúvida – Reforma da decisão – Sociedade simples limitada que é regida pelas normas aplicáveis às sociedades empresárias limitadas (arts. 983 e 1150 do CC) – Certidão de alteração de sociedade simples limitada, passada pelo Registro Civil da Pessoa Jurídica, que constitui documento hábil para a transferência de bens imóveis – Inteligência dos artigos 983, 1.150 do CC e 64 da Lei 8.934/94 – Recurso provido para julgar improcedente a dúvida” (Apelação nº 1036892-23.2016.8.26.100; Apelantes: Jorge Saad Souen e Marli Tadea Giannotti Souen; Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital).Ora, tendo em vista que a sentença proferida em âmbito administrativo não faz coisa julgada material, entendo desnecessária a propositura de ação judicial para discutir a questão, devendo ser revista a posição anterior e adotado o precedente mencionado pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura.Logo, entendo como superado o óbice.Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida inversa suscitada por Jorge Saad Souen e Marli Tadea Giannotti Souen, em face da negativa do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente determino o registro de conferencia de bens relativa aos imóveis objeto das matrículas nºs 122.272, 122.273 e 122.274, transferidos à Clínica Professor Jorge Saad Souen LTDA.Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.P.R.I.C.São Paulo, 11 de setembro de 2017.Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: FABIO ANTONIO MARTIGNONI (OAB 149571/SP).

Fonte: DJE/SP | 14/09/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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