Senado aprova MP com novas regras para regularização fundiária rural e urbana

O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (31), por 47 votos favoráveis e 12 contrários, a medida provisória que estabelece regras para regularização de terras da União ocupadas na Amazônia Legal e disciplina novos procedimentos para regularização fundiária urbana, revogando regras atuais da Lei 11.977/2009. A matéria segue para sanção presidencial.

A MP 759/2016 foi aprovada na forma do projeto de lei de conversão do relator (PLV 12/2017), senador Romero Jucá (PMDB-RR), que torna possível regularizar áreas contínuas maiores que um módulo fiscal e até 2,5 mil hectares. A proposta permite que ocupantes anteriores a julho de 2008 participem do processo.

Pelo projeto de lei de conversão, o Incra fará uma pauta de valores de terra nua com base nos valores da reforma agrária. O preço final a pagar será de 10% a 50% desses valores. Áreas acima de 2,5 mil ha também poderão ser regularizadas parcialmente até esse limite. Na hipótese de pagamento à vista, haverá desconto de 20%, e a quitação poderá ocorrer em até 180 dias da entrega do título. O prazo de pagamento parcelado de 20 anos e a carência de três anos continuam conforme a legislação atual.

Críticas

Apesar do apoio maciço da base governista, a MP recebeu duras críticas da oposição. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), por exemplo, afirmou que a proposta é “o horror em matéria de retrocesso”. Para ela, a norma é um “presente de natal para os ruralistas” e vai aumentar a pobreza no campo e o êxodo rural. Para Jorge Viana (PT-AC), a MP vai facilitar a vida dos grileiros em todo o país e fragilizar os pequenos proprietários, além de promover a reconcentração de terras.

Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), João Capiberibe (PSB-AP), Lídice da Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Reguffe (sem partido-DF) também discursaram contra a aprovação do PLV.

Já os senadores Valdir Raupp (PMDB-RO), Eduardo Braga (PMDB-AM), Hélio José (PMDB-DF), Ivo Cassol (PP-RO), José Medeiros (PSD-MT), Waldemir Moka (PMDB-MS), Rose de Freitas (PMDB-ES), Cidinho Santos (PR-MT), Acir Gurgacz (PDT-RO) e Magno Malta (PR-ES) discursaram a favor da aprovação, por a entenderem positiva para o país.

Segundo Raupp, mais de 60 mil produtores rurais serão beneficiados apenas no estado de Rondônia. Hélio José disse que mais de um milhão de brasilienses também serão beneficiados. Cassol e Medeiros afirmaram que o PT teve 13 anos no governo federal para fazer a reforma agrária, o que não teria acontecido.

Reurb

O texto aprovado também disciplina novas normas para regularização fundiária urbana (Reurb). A medida cria o conceito de núcleo urbano informal, que são os clandestinos, irregulares ou aqueles nos quais, atendendo à legislação vigente à época da implantação ou regularização, não foi possível realizar a titulação de seus ocupantes. Para fins de Reurb, os municípios poderão dispensar exigências de percentual e de dimensões de áreas destinadas ao uso público ou quanto ao tamanho dos lotes regularizados.

No caso de o núcleo urbano estar total ou parcialmente em área de preservação permanente, em unidade de conservação de uso sustentável ou em área de proteção de mananciais, a regularização deverá levar em conta as regras do Código Florestal (Lei 12.651/2012) e elaborar estudos técnicos que justifiquem as melhorias ambientais em relação à situação anterior, inclusive por meio de compensações ambientais. Os estudos precisam ser aprovados pelos municípios. O texto cria as modalidades de Reurb-S, para a população de baixa renda, e Reurb-E, para núcleos urbanos informais ocupados por população de maior renda.

Áreas da União

De acordo com as regras do projeto de lei de conversão, a União e suas autarquias e fundações poderão transferir aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal áreas federais ocupadas por núcleos urbanos informais para que eles promovam a regularização por meio do Reurb. No caso de pessoas físicas de baixa renda que ocupem imóveis da União regularmente para moradia e com isenção de pagamento de taxas (foro, taxa de ocupação), elas poderão requerer diretamente ao oficial de registro a transferência gratuita da propriedade.

Para conseguir fazer a transferência, o ocupante deverá pedir à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) uma certidão autorizativa, que valerá como título hábil perante o cartório de registro de imóveis. Em ambas as modalidades de Reurb (Reur-S e Reurb-E), tanto os beneficiários, individual ou coletivamente, quanto os órgãos governamentais envolvidos poderão pedir a regularização. Estão aptos a fazê-lo também o Ministério Público e a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários que não tenham recursos financeiros. Para a aprovação e o registro de conjuntos habitacionais que componham a Reurb será dispensada a apresentação do habite-se e, no caso do Reurb-S, as respectivas certidões negativas de tributos e contribuições previdenciárias.

Legitimação

Imóveis que poderão ser regularizados pelo Reurb-S contarão com o mecanismo de legitimação fundiária, por meio do qual haverá um título global para todas as propriedades adquiridas no terreno regularizado. Para isso, o poder público encaminhará, para registro imediato da aquisição de propriedade, uma Certidão de Regularização Fundiária (CRF) com o projeto de regularização fundiária aprovado, a lista dos ocupantes, sua qualificação e a identificação das áreas que ocupam, dispensadas cópias da documentação referente à qualificação do beneficiário.

Segundo o governo, a ideia é aplicar a legitimação fundiária somente para núcleos urbanos informais consolidados. Além dos imóveis residenciais, também os de fins comerciais poderão ser regularizados com esse mecanismo. Para pleitear a regularização por meio da legitimação fundiária no Reurb-S, o beneficiário não poderá ser concessionário, foreiro ou proprietário de imóvel urbano ou rural ou ser beneficiário de mais de uma legitimação com a mesma finalidade (urbana ou comercial).

A MP permite ainda ao governo usar a legitimação de posse para reconhecer a posse de imóvel objeto do Reurb, com identificação de seus ocupantes, o tempo da ocupação e a natureza da posse. Ela não poderá ser aplicada a imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público, mas poderá ser transferida como herança ou entre vivos.

Depois de cinco anos da legitimação de posse, o ocupante poderá ter o título convertido em título de propriedade com o usucapião por cinco anos, conforme previsto na Constituição, ou segundo critérios definidos em lei. O beneficiário da legitimação de posse não poderá ser beneficiário de mais de uma fundiária de imóvel urbano com mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano diferente.

Direito real de laje

Principalmente para as favelas, onde as construções precárias são erguidas sobre outras devido à falta de espaço, o PLV decorrente da MP cria o direito de laje. Definido como a coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titulares distintos em uma mesma área, ele servirá para regularizar a construção de outra residência acima da construção-base. Cada uma delas pagará seus próprios tributos. Esse tipo de direito poderá ser aplicado somente quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes. De acordo com o texto aprovado, haverá a possibilidade de outra residência abaixo da construção-base e um segundo andar até o limite de altura permitido no município.

Cada morador deverá participar com as despesas para a manutenção das áreas e equipamentos comuns, como o telhado, a estrutura, as instalações gerais de água, esgoto e luz e outras. Na venda, terão direito de preferência os proprietários da laje mais próxima ou da construção-base. Se a construção-base vier a ruir, o direito de laje estará extinto se ela não for reconstruída dentro de cinco anos.

Venda

Também poderá ser aplicada a imóveis rurais a regra atual da legislação que permite a venda direta de imóveis residenciais da União ou de suas empresas na Amazônia Legal ao ocupante que esteja nele por ao menos cinco anos. Enquadram-se nesse caso os imóveis rurais de até 2,5 mil hectares (25 km²). Isso valerá para ocupações posteriores a 22 de julho de 2008 ou em áreas nas quais tenha havido interrupção da cadeia possessória depois dessa data. Também poderá contar com a compra direta, pelo preço máximo da terra nua, o ocupante de outro imóvel, desde que a soma das áreas seja de até 2,5 mil ha.

Dívida

O texto aprovado exige o pagamento antecipado de toda a dívida imobiliária de beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida se eles atrasarem mais de 90 dias as prestações, os encargos contratuais e legais, tributos e condomínios. O total a pagar incluirá a subvenção dada pelo governo para baixar o valor da parcela.

Segundo o texto, após o atraso, o mutuário deverá ser notificado pessoalmente em três ocasiões ou por edital, para que pague a dívida total em 15 dias, sob pena de perder o imóvel. A venda por contrato de gaveta e o uso do imóvel para finalidade diversa de moradia também implicará o vencimento antecipado da dívida. As regras valem para imóveis com cláusula de alienação fiduciária e contrato firmado junto ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Os contratos junto ao FAR são destinados a família com renda mensal de até R$ 1.395.

Ações judiciais contestando cláusulas contratuais ou de procedimentos de cobrança e leilão serão resolvidas como perdas e danos e não impedirão a reintegração de posse do imóvel. Para as construtoras de unidades do Minha Casa, Minha Vida em municípios com até 50 mil habitantes, o texto permite ao Ministério das Cidades fixar novas condições de pagamento e prazos para a conclusão das residências. O prazo máximo será de até 12 meses da publicação da futura lei. As obras com mais de 15% de execução em 31 de dezembro de 2016 ficam fora dessas condições.

Taxa

Atualmente, a lei já prevê que o devedor em alienação fiduciária de imóvel terá de pagar ao credor, a título de taxa de ocupação, 1% ao mês do valor do contrato desde a venda em leilão do imóvel perdido até ser decretada a posse final pelo credor.

O texto do relator, por sua vez, prevê o pagamento desde a consolidação da propriedade com averbação no cartório de registro de imóveis, ato que ocorre antes do leilão. Quanto ao valor, permite ainda que se use o maior valor entre aquele estipulado no contrato e o usado para fins de tributação da transmissão inter vivos. Essas regras valem não só para os contratos do Minha Casa, Minha Vida, mas para todos os contratos fiduciários de imóveis.

Seguro

Dos usuários, pessoas físicas ou jurídicas, que ocupem imóveis da União enquadrados no regime de ocupação onerosa ou ocupantes de imóveis funcionais será exigido seguro patrimonial, na forma a ser regulamentada pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Também poderá ser exigido seguro de famílias carentes ou de baixa renda nos projetos de assentamento.

Na área de garantia de operações de seguro, o texto aprovado estabelece que a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), estatal da União, poderá oferecer garantia contra riscos comerciais, em operações de crédito ao comércio exterior para micro, pequenas e médias empresas; e garantia do mercado de seguros rurais privados, na forma de cobertura suplementar, nas modalidades agrícola, pecuária, aquícola, florestal e de penhor rural.

Débitos

O PLV estabelece ainda a data de 31 de julho de 2017 como prazo final de inclusão de dívidas rurais em dívida ativa da União como parâmetro para obtenção de descontos na quitação de dívidas de crédito rural e contraídas no âmbito do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra. Também há dispositivo sobre o financiamento para compra de imóvel rural com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária (FTRA) contratado a partir da publicação da futura lei.

O limite de crédito será de até R$ 140 mil por beneficiário, com prazo de pagamento de até 35 anos, incluídos 36 meses de carência. Essas condições valerão para tomador do crédito com renda bruta familiar de até R$ 18 mil.

Vagos

Quanto aos imóveis privados abandonados, o texto permite sua transferência para os municípios ou o Distrito Federal na condição de bem vago. A intenção do proprietário de não ficar com o imóvel será presumida quando ele não quitar os tributos incidentes por cinco anos. A transferência do imóvel para o poder público seguirá processo administrativo no qual deve ser comprovado o tempo de abandono e de inadimplência fiscal. O interessado terá 30 dias para impugnar a iniciativa.

Se, depois de incorporado ao patrimônio público, o proprietário reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado em três anos, o Executivo terá o direito ao ressarcimento prévio das despesas que fez, inclusive tributárias, durante a posse provisória. Esses imóveis poderão ser destinados a programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros, a interesse do município ou do Distrito Federal.

Amazônia Legal

Para terras da União fora da Amazônia Legal, a medida permite a venda com dispensa de licitação para ocupantes de terras rurais da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), inclusive remanescentes de colonizações oficiais em data anterior a 10 de outubro de 1985. Segundo o projeto de lei de conversão, o preço obedecerá aos mesmos critérios estabelecidos para as terras da Amazônia Legal.

Iguais regras para venda direta poderão ser aplicadas ainda às áreas urbanas e rurais da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), dentro ou não da Amazônia Legal. Poderão ser doadas, por outro lado, áreas rurais ao Incra para fins de reforma agrária, e áreas urbanas e rurais aos municípios de Manaus e Rio Preto da Eva (AM) para fins de regularização fundiária, se as ocupações estiverem consolidadas até a data de publicação da futura lei.

Venda de ocupação precária

O texto permite ainda a venda direta de imóveis inscritos em ocupação, que é uma espécie de autorização do governo federal para particulares ocuparem terrenos da União de forma precária. O valor mínimo do imóvel será o de mercado, mas sua avaliação seguirá metodologia por trecho ou região, desde que homogêneos, além de critérios estabelecidos no zoneamento ou plano diretor do município. Essa venda poderá ser feita à vista, com desconto de 25%, ou parceladamente. As demais condições serão estipuladas em ato da SPU. Quem não optar pela compra, continuará submetido ao regime de ocupação.

O comprador poderá usar seus recursos do FGTS, contanto que tenha um mínimo de três anos de trabalho sob o regime do fundo e a operação seja financiável nas condições vigentes para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) mediante a contratação da Caixa Econômica Federal como agente financeiro dos contratos de parcelamento. Do total que arrecadar, a União repassará 20% aos municípios e ao Distrito Federal, onde estão localizados os imóveis.

Venda de foro

Igual critério de avaliação será usado na venda de terrenos da União atualmente sob o regime de enfiteuse, quando se paga um foro anual pelo uso do imóvel. Além do valor da terra, o cadastrado deverá pagar as taxas pendentes com a SPU. As pessoas carentes e de baixa renda não precisarão pagar pelo domínio pleno do imóvel.

O pagamento também poderá ser à vista, com 25% de desconto, ou parcelado e com uso do FGTS. Estão de fora os imóveis administrados pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministério da Defesa e seus comandos militares (Marinha, Exército e Aeronáutica), os da faixa de fronteira e os terrenos de marinha da faixa de segurança na orla marítima (30 metros a partir do final da praia). Dos terrenos de marinha e acrescidos a serem vendidos, excluem-se as áreas de preservação permanente (APP) ou áreas em que seja vedado o parcelamento do solo.

Esses terrenos terão de estar situados em área urbana consolidada, definida como aquela incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica; com sistema viário implantado e vias de circulação pavimentadas; organizada em quadras e lotes; com edificações residenciais, comerciais, industriais; e presença de, no mínimo, três equipamentos de infraestrutura urbana (esgotamento sanitário, água potável, energia elétrica, entre outros). Do arrecadado pela União, serão repassados 20% aos municípios, e ao Distrito Federal, onde estão localizados os imóveis.

Programa patrimonial

Já a parte que ficar com a União na venda de terrenos em regime de ocupação ou de foro será depositada no Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) para uso no Programa de Administração Patrimonial Imobiliária da União (Proap). Para o mesmo programa serão direcionados 2,5% das receitas patrimoniais da União arrecadadas anualmente por meio da cobrança de taxa de ocupação, foro e laudêmio, recuperação de dívida ativa, arrendamentos, aluguéis, cessão e permissão de uso, multas e outras taxas patrimoniais. Entre as finalidades do programa, incluídas pelo projeto de lei de conversão, está a gestão e a manutenção das unidades da Secretaria do Patrimônio da União.

Fonte: Agência Senado (Com informações da Agência Câmara) | 31/05/2017.

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Constrições judiciais: ineficácia, nulidade e anulabilidade de atos diante da Lei nº 13.097/2015. Fé pública registral ou inoponibilidade

Registrador de imóveis em Taboão da Serra/SP, Daniel Lago Rodrigues apresentou o tema. Ivan Jacopetti do Lago, Sérgio Jacomino e Pedro Cortês também participaram do painel

Uma plateia cheia e atenta assistiu a mais que uma palestra no fim da tarde de quarta-feira, em Curitiba/PR. O tema “Constrições judiciais: ineficácia, nulidade e anulabilidade de atos diante da Lei nº 13.097/2015. Fé pública registral ou inoponibilidade” foi, na prática, uma aula do registrador de imóveis em Taboão da Serra/SP e diretor de Assuntos Institucionais do IRIB, Daniel Lago Rodrigues. Como moderadores, integraram a mesa o presidente do Instituto, Sérgio Jacomino; o registrador imobiliário em Paraguaçu Paulista/SP, Ivan Jacopetti do Lago; e o advogado Pedro Cortês.

A palestra objetivou analisar se a Lei nº 13.097/2015 internalizou no Direito brasileiro o princípio da fé pública ou se limitou a reforçar um sistema de mera inoponibilidade. Para tanto, Daniel Lago abordou as noções de segurança jurídica estática, onde ninguém é privado de seu direito subjetivo sem que consinta, ou seja, protege-se o verus dominus – e de segurança jurídica dinâmica, onde o adquirente não pode ser privado do direito adquirido por motivo que lhe era desconhecido e que não lhe exigia conhecer, quer dizer, protege-se o terceiro de boa-fé.

A partir de uma noção estipulativa de que a fé pública registral pode ou não ser convalidante, o palestrante pontuou, no sentido figurado, que a distinção entre este princípio e o da legitimação registral trazem efeitos similares aos da guilhotina e do dominó. “Quando há fé pública, há corte. Aquela cadeia dominial vai ter um corte e, dali em diante, é vida nova; em outras palavras, aquele que adquiriu depois do corte não vai mais sofrer as consequências dos registros que lhe são anteriores, efeito guilhotina. Já na legitimação registral, se o registro é causal, o vício do título macula o registro e, uma vez que derrubo o título, também derrubo o registro, temos o efeito dominó. Por derivação, todos os registros de títulos e registros posteriores vão cair por terra. Isso, de certo modo, traz alguma insegurança”.

Daniel Lago, após fazer uma digressão acerca da classificação de várias leis dentro dos conceitos da boa-fé registral e de seus efeitos frente a relações determinantes da perda do direito real pelo adquirente – bem como inovações trazidas pela Lei nº 13.097/2015, fez uma crítica à redação original da Lei nº 7.433/1985 e sua repercussão no ambiente de negócios imobiliários. Em seguida, distinguiu os efeitos da fraude contra credores (material) e da fraude contra a execução (processual) e sua aplicação no âmbito registral, seja em razão da inoponibilidade averbada, seja por conta de ordem específica de ineficácia.

Por fim, Daniel Lago concluiu que a “Lei da Concentração na Matrícula instituiu nova previsão de fé pública no registro imobiliário brasileiro e reforçou o sistema de inoponibilidade já existente, sendo absolutamente necessário que haja atuação legislativa, doutrinária e jurisprudencial para que a matrícula imobiliária, tanto quanto possível, seja o único repositório de informações relevantes ao adquirente”.

Ivan Jacopetti do Lago, na oportunidade, apresentou um contraponto à ideia de não haver fé- pública no parágrafo único do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015, onde estão presentes, segundo ele, tanto os efeitos como os requisitos clássicos da fé pública registral. Quanto aos efeitos, há a eficácia material do registro, pela qual o terceiro adquirente fica protegido, ainda que confrontando sua posição contra o verum dominus e, com isso, superando a limitação da tradição, pela qual ninguém transfere mais direitos do que possui. Consta na lei, em seu parágrafo único, que em relação ao terceiro adquirente de boa-fé, “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção”.

Já em relação aos requisitos, a exigência de tratar-se de terceiro, que adquire pelo registro e está de boa fé, acontece de maneira análoga ao que se exige na Alemanha, Áustria, Suíça e Espanha. No que diz respeito ao artigo 55 da lei, Ivan Jacopetti sustentou que essa é uma modalidade de fé pública onde se concede ainda mais proteção ao terceiro adquirente, já que não mais se exige o requisito da boa-fé. “Assim, se na hipótese do artigo 54, parágrafo único, ainda pode o verum dominus demonstrar a má-fé do terceiro, a fim de proteger seu direito, na situação do artigo 55, nem mesmo isso é possível”, explicou.

Novo CPC e a Lei nº 13.097/2015

O fato de o novo Código de Processo Civil ter ou não revogado a Lei nº 13.097/2015 também foi abordado por Ivan Jacopetti. “A Lei da Concentração da Matrícula, mais do que regras de caráter processual, trouxe regras de direito material, haja vista tratar dos efeitos do registro. Por outro lado, é ilógica, do ponto de vista sistemático, a interpretação  de que o artigo 792, IV, do novo CPC teria derrogado a necessidade de averbação para caracterização da fraude à execução nas ações não executivas”.

Ele acrescentou, ainda, que – se a exigência se faz em relação às execuções, cujo risco patrimonial ao alienante é mais iminente – não há sentido em dispensá-la para ações de conhecimento, em que ainda poderá haver ou não um resultado desfavorável a ele. A interpretação sistemática do novo CPC, explicou Jacopetti, exige que se aplique ao artigo 792, IV, as hipóteses de bens não sujeitos a registro, mencionadas no artigo 792, parágrafo 2º.

Finalmente, o debatedor citou alguns acórdãos em que tribunais aplicaram a Lei nº 13.097. O primeiro deles, do TJSP (Apelação 1019197-56.2015.8.26, da 18ª Câmara de Direito Privado), datado de 12 de maio de 2017, reconhece que, nos termos da referida lei, devem estar na matrícula ações reais, pessoais reipersecutórias etc, sob pena de não afetarem o adquirente. O segundo deles, do TJAM (Agravo de Instrumento 4000781-44.2015.8.04.0000), que, com base no artigo 55 da lei, negou o bloqueio de matrículas abertas em empreendimento a pedido de suposto verum dominus, o qual pretendia ver valer seu direito contra terceiros.

Palestra – Daniel Lago Rodrigues

Fonte: IRIB | 01/06/2017.

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Encontro Nacional do IRIB discute os efeitos da recém-aprovada MP da regularização fundiária

Representantes do Ministério das Cidades e registradores imobiliários debatem as inovações da matéria aprovada ontem pelo Senado Federal e que segue para sanção presidencial

Menos de 24 horas após a aprovação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória nº 759/2016 (PLV nº12/2017), que segue para sanção presidencial, o IRIB promoveu uma inédita e grande discussão sobre os avanços da lei que será um marco no Direito urbanístico brasileiro e que tem como um de seus protagonistas o Registro Imobiliário.  Como palestrantes, dividiram a mesa de debates os representantes do Ministério das Cidades, Rodrigo Numeriano Dantas e Sílvio Eduardo Marques Figueiredo, os registradores de imóveis João Pedro Lamana Paiva e Gustavo Faria Pereira, e o coordenador do programa de regularização fundiária do Estado de São Paulo, Renato Guilherme Góes.

O painel “Regularização Fundiária – Reflexões sobre as inovações legislativas” abre o terceiro dia da 44ª edição do Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, que ocorre até sábado (3/6), em Curitiba/PR, reunindo cerca de 380 pessoas. Participou como debatedor o diretor de Tecnologia da Informação do IRIB e registrador imobiliário em São Paulo/SP, Flauzilino Araújo dos Santos, e presidiu o painel o registrador de imóveis em Votuporanga/SP, Bruno Berti Filho.

O primeiro convidado a tratar dos impactos e reflexos da MP 759/2016 foi o diretor do Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos do Ministério das Cidades, Silvio Eduardo Marques Figueiredo. A intenção do governo federal, segundo ele, foi estabelecer um novo marco legal que desburocratiza, simplifica e destrava os processos de regularização fundiária. Dados de fontes diversas, segundo o palestrante, apontam que o Brasil possui mais de 50% dos seus imóveis urbanos com alguma irregularidade fundiária. “Isso significa que aproximadamente 100 milhões de pessoas moram em imóveis irregulares e estão privadas de algum tipo de equipamento urbano ou comunitário”.

Sílvio Figueiredo lembrou que, apesar da existência de uma lei importante, a Lei nº 11.977/2009, várias situações não tinham previsão legal e agora, que foram contempladas na Medida da Provisória, cujo original foi elaborado com a participação de diversos segmentos envolvidos na regularização, entre eles o Registro de Imóveis. “Entendo que o registrador de imóveis é o principal ator da regularização fundiária. Desde o princípio, os registradores participaram do Grupo de Trabalho ‘Rumos da Política Nacional de Regularização Fundiária’, que elaborou a MP, entre eles o diretor do IRIB Flauzilino Araújo dos Santos”, salientou.

No rol de novos institutos criados pela MP 759, Sílvio Figueiredo destaca a legitimação fundiária. “Esse novo instrumento possibilita a aquisição de direito de propriedade àquele que detiver área pública ou possuir área privada, integrante de núcleo urbano informal existente até 22 de dezembro de 2016. Por ser ato único de registro e aquisição originária, a unidade imobiliária restará livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames e não incide em uma série de tributos de transferência como o ITBI e ITCMD”, explicou.

Mais segurança jurídica para a moradia

Chefe da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, Rodrigo Numeriano Dubourcq Dantas afirmou que o objetivo da Medida Provisória foi trazer maior segurança à moradia. “Esse esforço do governo federal, juntamente com o IRIB e outras instituições, vem corrigir uma falha de segurança, pois faltavam mecanismos eficazes para que, além da titulação, ocorresse a realização do direito social à moradia. A regularização fundiária, nos moldes propostos, é muito mais que uma política de entrega de títulos, pois contempla medidas urbanísticas, ambientais e sociais, além de procedimentos de correção, administração e prevenção de riscos”, enumera o conferencista.

Na opinião de Rodrigo Numeriano, entre as várias novidades da nova lei, sobressai o direito de laje. Esse novo instrumento viabiliza a titulação de duas famílias residentes em unidades habitacionais sobrepostas, no mesmo lote, de forma que cada uma tenha sua matrícula, possibilitando que os moradores dessas unidades unifamiliares possam alienar autonomamente seus imóveis, além de criar uma nova mercadoria, no mercado imobiliário, que é “a laje”, passível de alienação.

“O direito real de laje permite a titulação sobreposta da moradia em perspectiva vertical. O condomínio urbano simples, por sua vez, trata da sobreposição solidária da moradia em perspectiva horizontal. Dessa forma, conseguimos dar soluções de segurança jurídica a situações que já estavam postas. O Direito Civil brasileiro, dessa forma, se curva à realidade”, afirmou.

Um dos importantes gestores da regularização fundiária, o coordenador institucional do Programa Cidade Legal da Secretaria de Estado da Habitação do Estado de São Paulo, Renato Guilherme Góes, disse que, desde o final de 2016, quando o governo federal editou a Medida Provisória nº 759, o mundo jurídico se debruça sobre o assunto, buscando entender as modificações apresentadas. “A conversão da MP em lei exige um esforço dos estados e dos municípios no sentido de se debruçarem sobre o texto, para produzir uma grande hermenêutica jurídica, pois suas legislações precisarão ser adequadas. E vocês, registradores de imóveis, não esperem as prenotações e os procedimentos de dúvidas, provoquem as Corregedorias estaduais e iniciem um debate para a atualização dos normativos da regularização fundiária”, aconselhou Renato Góes.

De acordo com o palestrante, o PLV nº 12/2017 não apenas referendou vários assuntos tratados na Medida Provisória como também inovou, superando lacunas do texto inicial, corrigindo imperfeições e criando novos instrumentos jurídicos pertinentes. “Surgem, agora, no Direito Civil e Urbanístico pátrio diversos institutos como a ‘legitimação fundiária’, o ‘direito de laje’, o ‘condomínio urbano simples’, o ‘condomínio de lotes’ e o ‘loteamento com acesso controlado’. Todo o procedimento da regularização fundiária urbana – tanto na esfera administrativa quanto registral – sofreu diversas e impactantes alterações. Novas regras, prazos e instrumentos jurídicos foram apresentados ao operador do Direito, que precisará, em tempo hábil, assimilar e colocar em prática esse novo e ousado regramento legislativo”, afirmou.

Vice-presidente do IRIB para o Estado de Goiás e registrador de imóveis em Silvânia, Gustavo Faria Pereira centrou sua apresentação nos institutos da legitimação fundiária ou da legitimação de posse. O palestrante abordou as origens desses institutos jurídicos, suas semelhanças e diferenças, bem como a correlação com a usucapião e a desapropriação.

“A legitimação fundiária ou a legitimação de posse surgem como instrumentos, dentre os vários disponíveis, para implementar a regularização fundiária, que exige um diálogo institucional  visando reconhecer ou tirar da marginalidade os núcleos informais que se encontram em situação consolidada, os quais podem ser vistos em praticamente todos os centros urbanos do país. Esses procedimentos tornam-se vetores de implementação aos direitos de personalidade e dignidade humana, bem como o direito à cidade, conforme preconizado por Henri Lefebvre.”, comentou Gustavo Faria.

Aperfeiçoamento dos instrumentos registrais

Registrador de imóveis em Porto Alegre/RS e membro nato do Conselho Deliberativo do IRIB, João Pedro Lamana Paiva iniciou sua apresentação dizendo que hoje o Brasil vive um momento ímpar, bastando apenas a sanção do presidente da República para o surgimento de uma lei que efetivará a regularização dos imóveis urbanos e rurais no país. “A nova lei também vai aperfeiçoar os instrumentos registrais. São muitas novidades e alterações, e isso exigirá do registrador de imóveis um esforço de atualização de seus conhecimentos. O preparo dos operadores da regularização fundiária é que fará toda a diferença, e isso terá reflexos em cada comunidade”,

Segundo Lamana Paiva, hoje é possível afirmar que só não regulariza imóvel quem não quer, porque já dispomos de mecanismos para tanto, em especial as Regularizações Fundiárias Urbana (REUrb-S e REUrb-E) e a Regularização Fundiária Rural. Por isso, é tão importante conhecer os conceitos, objetivos e procedimentos, quem está habilitado para promovê-las, quais as espécies de aplicação e etapas a percorrer, quando e onde há a viabilidade de implantação e onde elas não poderão ser implementadas etc. “A cooperação entre todos os agentes envolvidos é fundamental, o que exige do registrador imobiliário postura proativa, apontando caminhos e colocando-se à disposição da sociedade para a resolução dos seus conflitos. Assim a atividade registral imobiliária sairá prestigiada e fortalecida”, acredita.

No entendimento do registrador de imóveis gaúcho, a regularização fundiária é um conceito aberto e amplo, que se relaciona com todos os mecanismos e institutos que promovem a adequação e a conformação de um empreendimento imobiliário ao regramento posto. “A regularização fundiária é mais do que constou da Lei nº 11.977/09 e agora da MP nº 759/2016. Deve se referir ao cumprimento e à observância dos meios normais (ordinários) de se alcançar a formalidade jurídica (loteamentos, incorporações etc.). Devemos focar na prevenção, concentrando esforços para viabilizar as regularizações ordinárias e evitar a propagação de situações clandestinas”.

Palestra – Rodrigo Numeriano Dantas

Palestra – Sílvio Eduardo Marques Figueiredo

Palestra – Renato Guilherme Góes

Palestra – Gustavo Faria Pereira

Palestra – João Pedro Lamana Paiva

Fonte: IRIB | 01/06/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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