Artigo: A PROCURAÇÃO PARA A LAVRATURA DE ESCRITURA DE ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS PODE TER EFICÁCIA MESMO APÓS O FALECIMENTO DO MANDANTE – Por Letícia Franco Maculan Assumpção

*Letícia Franco Maculan Assumpção

Questão tormentosa que costuma se apresentar nos tabelionatos de notas é o pedido de lavratura de escritura em relação a negócios já realizados e quitados há muitos anos, sendo apresentada procuração que não foi revogada, mas havendo notícia de que o mandante já faleceu.

Sabe-se que o Código Civil, em seu art. 682 estabelece que cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma das partes;
III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Apesar do disposto no artigo acima reproduzido, a doutrina explica que a regra da causa extintiva que decorre da morte do mandante é atenuada em virtude das disposições do art. 674 do Código Civil, com fundamento no princípio do periculum in mora. Havendo risco de dano potencial, envolvendo o objeto do mandato, deverá o mandatário concluir negócio já iniciado, mesmo ciente da morte do mandante, de modo a prevenir eventuais prejuízos aos sucessores do mandante ou aos terceiros com quem o mandatário transacionar.

Pode-se entender que o perigo da demora pode se caracterizar pela simples necessidade de os promissários compradores terem que ingressar em juízo para obter a escritura definitiva, o que poderá acarretar danos aos sucessores do mandante e ao próprio mandatário, como o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, além de outros danos que possam ocorrer.

Além do disposto no art. 674 do Código Civil, também o art. 689 determina que “são válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa”.

J.M. CARVALHO SANTOS, ensina:

“Deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora. Pressupõe-se, como se vê, o mandato já em execução, quando se verifica a extinção dele por qualquer das causas apontadas, e se ocorre uma urgência tal que não possa o mandato ser abandonado, a não ser com graves prejuízos para os interesses do mandante, ou de seus sucessores, autoriza o Código prossiga o procurador a execução do mandato, sem aguardar novas ordens, nova procuração ou seu substituto. Condição exigida: se houver perigo na demora. Esta a razão decisiva e um dos pontos que bem nítida torna a diferença entre o mandato e a gestão de negócios, na qual o gestor, embora não haja urgência ou perigo na demora, é obrigado a continuar a sua gestão até que os representantes ou herdeiros assumam a direção do negócio começado. É dever do mandatário, verificada a hipótese aqui prevista, concluir o negócio já começado. Se assim não procede e com essa omissão for prejudicado o mandante, responderá o mandatário pelos prejuízos que este sofrer.” (sem grifos no original)

Também a jurisprudência tem atenuado os efeitos do art. 682 do Código Civil no que diz respeito à extinção do mandato pela morte do mandante, afirmando que, se o mandato houver sido outorgado pelo mandante com o propósito de representação em escritura pública referente a negócio jurídico firmado e quitado quando ainda em vida aquele, nada obsta que o mandatário o represente em referido ato, evitando prejuízos aos promissários compradores.

O entendimento do Poder Judiciário tem sido no sentido de que “o mandato passado para a lavratura de escritura de compromisso de compra e venda de imóvel não se extingue pela morte do promitente vendedor se a totalidade do preço já havia sido recebida em vida pelo mandante”:

“ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA – Anulação pretendida sob a alegação de nulidade da  alienação de imóveis realizada pela coapelada, na qualidade de mandatária, após o falecimento do mandante – Inaplicabilidade da regra do artigo 1316, II, do Código Civil de 1916 – Mandatária que apenas concluiu negócio começado pelo mandante, fazendo-o diante do evidente perigo na demora – Amparo na regra do artigo 1.308 do mesmo Estatuto. Demais documentos não se prestem a ensejar a anulação da sobredita escritura, já que deles não se extrai vínculo obrigacional entre o “de cujus” e os apelantes – Escritura lavrada que não contém máculas a ensejar a anulação pretendida – Improcedência corretamente decretada -– Sentença mantida – Recurso improvido. “O mandato passado para a lavratura de escritura de compromisso de compra e venda de imóvel não se extingue pela morte do promitente vendedor se a totalidade do preço já havia sido recebida em vida pelo mandante.” (5ª Câmara Cível do TJRJ, Apelação Cível nº 19.007, RDI 10/116-117; no mesmo sentido: 1ª Câmara Cível do TJPR, Apelação Cível nº 1.052/85, RDI 17-18/123-124).

Em 2009, o Tribunal de Justiça de São Paulo, pela sua Coordenadoria de Correições, Organização e Controle das Unidades Extrajudiciais já examinou caso em que foi lavrada escritura utilizando-se procuração, sendo que tinha ocorrido o falecimento do mandante após a conclusão do negócio, mas antes da lavratura da escritura, tendo determinado o registro. Destaca-se, por ser mais relevante, a seguinte parte do voto:

“Oportuna, ainda, as sábias ponderações do Desembargador AROLDO MENDES VIOTTI (na ocasião Juiz Auxiliar da Corregedoria), emitidas em 08.02.1989, no parecer referente à Apelação Cível nº 9.675-015, da Comarca de Itapeva:

“Restou apurado, assim, que o outorgante vendedor Verceslau Odrozvãoz dos Santos faleceu em 1973, anteriormente, portanto, ao negócio jurídico celebrado em 1981, no qual, representado por mandatário, vendeu imóvel ao apelante.

Ninguém questiona que o mandato se extingue, “ex vi legis”, pela morte do mandante (artigo 1.316, inciso II, do Código Civil). (…)

Ocorre que não deflui da sistemática legal a conclusão de que ato praticado por mandatário após o falecimento do mandante seja, necessariamente e em todos os casos, inválido ou ineficaz. Ao contrário, o artigo 1.321 do próprio Código Civil contempla hipótese em que tal conseqüência é expressamente afastada. A jurisprudência tem reconhecido outras situações em que admitida a não incidência daquela presunção de invalidade (cf. “Revista de Direito Imobiliário do I.R.I.B.”, volume 10, pág. 116, o volume 17/18, pág. 123).

Por isso, em que pese a estranheza e mesmo à suspeição que possam ser geradas por negócio jurídico como o instrumentado no titulo em exame, a sua eventual nulidade, a respectiva inidoneidade á produção dos efeitos a que tende, não emergem de pronto, não resultam de claro diagnóstico de ato vedado por lei. O vício que porventura no ato jurídico se contenha não é daqueles que produzem repercussão na esfera da legislação formal que incumbe aos registradores observar e tutelar. Em outras palavras: pelo motivo apontado, o título não pode ser considerado formalmente imperfeito; a nulidade, se existir, é insista, interna, ao título, não se revelando na esfera registrária em ordem a impedir o ingresso deste.”

O inteiro teor do Acórdão está disponível em:

https://www.extrajudicial.tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=5&nuSeqpublicacao=1705) e é abaixo reproduzido, com grifos nossos:

Coordenadoria de Correições, Organização e Controle das Unidades Extrajudiciais – Despachos/Pareceres/Decisões 56266/2006 – Acórdão _ DJ 562-6/6 – Data inclusão : 26/03/2009

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 562-6/6, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante EDUARDO LAGONEGRO e apelado o 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 30 de novembro de 2006

(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de Compra e Venda – Provável falecimento de outorgante vendedora representada por procurador e conseqüente extinção do mandato, que não autoriza a recusa do título – Qualificação registrária limitada ao juízo cognitivo formal – Recurso provido.

  1. Trata-se de dúvida suscitada pelo 17º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, julgada procedente (fls. 29/31).

O Oficial recusou o ingresso da escritura pública no registro do imóvel, apresentada em 15 de junho de 2.005 e prenotada sob número 110.775, porque há notícia do falecimento de uma das outorgantes vendedoras, Julieta do Amaral Marin, a qual estava representada por procurador, de modo que, nos termos do artigo 682, inciso II, do Código Civil, houve extinção do mandato.

A decisão recorrida, baseada na fundamentação do Oficial, manteve a recusa.

O recorrente sustenta que a notícia do falecimento de uma das vendedoras, por uma simples carta assinada pelo marido de uma das netas da falecida, não comprova o falecimento, nem a condição de herdeiro do subscritor. Informa, baseado nos documentos instruídos com o recurso, que adquiriu os direitos do imóvel por cessão de direitos de compromisso de compra e venda, de Daniel Rossi e Maria Albuquerque Melo, os quais, por sua vez, adquiriram o imóvel dos proprietários, por compromisso de compra e venda, e, assim sendo, a lavratura da escritura decorreu de negócio jurídico anteriormente firmado, o que confere caráter de irrevogabilidade do mandato, nos termos do artigo 674 do Código Civil.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

  1. Há indícios de que Julieta do Amaral Marin é falecida, conforme carta enviada por um dos herdeiros de Julieta ao Oficial do 17º Serviço de Registro de Imóveis, acompanhada de instrumento particular de doação, cessão de direitos hereditários e de posse (fls. 08 e 10/11), embora afirme não haver prova do óbito e da condição de herdeiro do subscritor da referida carta.

O subscritor dessa carta, Paulo Fernando Forte Franchim, é casado com Lucila Maria Martins Franchim, pelo regime da comunhão universal de bens, conforme cópia de certidão de casamento (fls.9), observando-se que sua cônjuge é filha de Lucilla Marin Martins, que, por sua vez, é filha de Julieta, e, nesta condição, assinou juntamente com outros filhos, genros, noras e netos desta, o apontado instrumento particular de doação e cessão de direitos hereditários de partes ideais do domínio de imóvel (fls. 10/11).

Diante destes documentos, tudo indica que Julieta é falecida, embora não haja certidão de óbito.
No entanto, considerando que (a) indícios extraídos de carta e cópia de instrumento particular, ainda que veementes, induz apenas a juízo de probabilidade (não de certeza), sem força suficiente para quebra de presunção de veracidade do instrumento público (que leva a marca da fé pública), bem como que (b) a qualificação registrária tem caráter de exame formal (extrínseco), não se admitindo recusa por razões atreladas aos elementos intrínsecos do título, tal como “falsidade da procuração ou substabelecimento” (CSM, Apelação Cível nº 16.865-0/9-Praia Grande), fica difícil sustentar, no caso, a negativa de registro.

Ademais, mesmo que fosse possível ter como certo (não só como de boa probabilidade) o falecimento de Julieta do Amaral Marin antes da outorga da escritura apresentada para registro, isso, por si, também não autorizaria a negativa de registro.

É certo que a escritura de compra e venda em foco, lavrada aos 5 de abril de 2005, aponta Julieta do Amaral Marin como outorgante vendedora, representada por procuração.

É certo, ainda, que o artigo 682, inciso II, do Código Civil, prescreve a conseqüência extintiva do mandato para a hipótese de morte do mandante ou do mandatário.

É certo, também, que a hipótese do artigo 674 do mesmo Código, a respeito da possibilidade de o mandatário concluir o negócio já começado, mesmo ciente da morte do mandante, se houver perigo na demora, não se aplica ao caso em tela, pois, os contratos anteriores, datados de 11/9/1981 e 10/7/2000, apresentados com o recurso de apelação (fls. 46/48 e 49/51) não devem ser considerados como negócio já começado, em relação à escritura de compra e venda ora apresentada, lavrada em 2.005, para a finalidade pretendida.

Todavia, prescreve o artigo 689 do Código Civil que “são válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra causa”. Todavia, ainda, já se julgou no sentido de que “o mandato passado para a lavratura de escritura de compromisso de compra e venda de imóvel não se extingue pela morte do promitente vendedor se a totalidade do preço já havia sido recebida em vida pelo mandante” (5ª Câmara Cível do TJRJ, Apelação Cível nº 19.007, RDI 10/116-117; no mesmo sentido: 1ª Câmara Cível do TJPR, Apelação Cível nº 1.052/85, RDI 17-18/123-124).

Isso, pois, indica que, nada obstante a morte do mandante, o ato jurídico praticado pelo mandatário, em nome do mandante pode, em determinadas situações, ser válido. E, daí, pela simples possibilidade eventual de ser considerado válido, não cabe ao registrador, em qualificação registrária (marcada pela restrição cognitiva do título: formal, sem espaço de dilação probatória e de análise dos elementos intrínsecos do negócio), truncar o ingresso do respectivo título ao registro imobiliário sob a afirmação de sua invalidade, ficando esta assertiva reservada à esfera jurisdicional (essa sim, de ampla cognição: não só formal, mas também material, em que é possível a investigação dos elementos extrínsecos e intrínsecos do negócio).

Assim, aliás, já houve pronunciamento do Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 51.301-0/2, da Comarca de Campinas, j. 05.11.1998, rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição):

“Verifica-se, portanto, que anteriormente à data em que lavrada a escritura de venda e compra já haviam ocorrido dois fatos que caracterizam hipóteses legais de extinção do mandato outorgado pelos titulares do domínio, ou seja, o falecimento da mandatária (Código Civil, artigo 1.316, II) e o subseqüente casamento do outro outorgante da procuração (Código Civil, artigo 1.316, III).

Inexiste nos autos ou na documentação apresentada ao registrador, no entanto, qualquer indício de que o mandatário conhecesse tais fatos extintivos do mandato, ou circunstância que abalasse a presunção de boa-fé daqueles que compareceram à lavratura do ato notarial, na verdade praticado em complementação ao compromisso de venda e compra firmado pelos alienantes em data próxima à da outorga da procuração, ocasião em que os mandatários receberam a parcela do preço que lhes cabia e atribuíram aos então compromissários compradores a obrigação, posteriormente cumprida, de pagar as parcelas de financiamento bancário.

Aplica-se à presente hipótese, portanto, a disposição do artigo 1.321 do Código Civil, com o reconhecimento, nesta esfera administrativa, da validade dos atos praticados pelo mandatário que ignorava a morte ou o subseqüente casamento dos mandantes, reservada para ação própria eventual discussão a esse respeito.

Esta a orientação deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, expressa nos autos da Apelação Cível n.º 034.291, da Comarca de Itapetininga, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, j. 11.10.96.”

Oportuna, ainda, as sábias ponderações do Desembargador AROLDO MENDES VIOTTI (na ocasião Juiz Auxiliar da Corregedoria), emitidas em 08.02.1989, no parecer referente à Apelação Cível nº 9.675-015, da Comarca de Itapeva:

“A qualificação registrária sob o prisma da legalidade, no Ofício Predial, obedece a critérios formais: o exame é extrínseco e se circunscreve àquilo que no bojo do título se contém. Em princípio, não é dado ao oficial valer-se de subsídios extra-tabulares a exemplo de fatos de seu conhecimento pessoal para a caracterização de óbice registral concernente à observância da legalidade. Bem por isso é que adverte Afrânio de Carvalho: “Como a legalidade é aferida em vista tão somente do que o ‘ titulo mostra em sua face, a passagem pelo exame não impede que às vezes ele se revele mais tarde um sepulcro caiado devido a presença de vícios internos, invisíveis ou imperceptíveis a simples inspeção ou leitura do documento” (“Registro de Imóveis”, Forense, 3ª ed. 1982, pág. 278). E é igualmente por essa razão que, considerado o registro existente, a detecção de nulidade, por vistosa que se apresente, no título que o gerou, não enseja a aplicação do disposto no artigo 214 da Lei nº 6.015/73, de incidência reservada àquelas nulidades próprias do mecanismo do registro. (…)

Restou apurado, assim, que o outorgante vendedor Verceslau Odrozvãoz dos Santos faleceu em 1973, anteriormente, portanto, ao negócio jurídico celebrado em 1981, no qual, representado por mandatário, vendeu imóvel ao apelante.

Ninguém questiona que o mandato se extingue, “ex vi legis”, pela morte do mandante (artigo 1.316, inciso II, do Código Civil).(…)

Ocorre que não deflui da sistemática legal a conclusão de que ato praticado por mandatário após o falecimento do mandante seja, necessariamente e em todos os casos, inválido ou ineficaz. Ao contrário, o artigo 1.321 do próprio Código Civil contempla hipótese em que tal conseqüência é expressamente afastada. A jurisprudência tem reconhecido outras situações em que admitida a não incidência daquela presunção de invalidade (cf. “Revista de Direito Imobiliário do I.R.I.B.”, volume 10, pág. 116, o volume 17/18, pág. 123).

Por isso, em que pese a estranheza e mesmo à suspeição que possam ser geradas por negócio jurídico como o instrumentado no titulo em exame, a sua eventual nulidade, a respectiva inidoneidade á produção dos efeitos a que tende, não emergem de pronto, não resultam de claro diagnóstico de ato vedado por lei. O vício que porventura no ato jurídico se contenha não é daqueles que produzem repercussão na esfera da legislação formal que incumbe aos registradores observar e tutelar. Em outras palavras: pelo motivo apontado, o título não pode ser considerado formalmente imperfeito; a nulidade, se existir, é insista, interna, ao título, não se revelando na esfera registrária em ordem a impedir o ingresso deste.”

Pelo exposto, conheço e dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a dúvida e admitir o registro do titulo prenotado em questão.

(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Ainda em São Paulo, foi julgado em 2005 um procedimento de dúvida, no seguinte sentido:

“EMENTA: Alienação de imóvel com base em procuração. Alienantes falecidos […]. Por se tratar de propósito jurídico maior (regularização fundiária) e tendo sido os instrumentos lavrados com a finalidade certa e declinada, o mandato mantém seus efeitos. Dúvida improcedente.” (Processo nº 000.04.083265-1, São Paulo, D.O.E. 09/02/2005).

Em Minas Gerais, o então Juiz da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, Juiz Fernando Humberto dos Santos proferiu esclarecedora sentença nos autos n°: 0083821-07.2011, em procedimento de dúvida, tendo esclarecido que é possível a lavratura da escritura mesmo após o falecimento do mandante, desde que se demonstre que o negócio já tinha sido realizado e que a escritura observe exatamente os termos do negócio, não admitindo alteração:

“No caso em tela, mesmo que o falecimento do mandante tenha colocado fim ao mandato, é de se considerar que o mandatário, agindo de boa-fé, e respeitando os estreitos limites do mandato que lhe fora outorgado, poderá lavrar a escritura de compra e venda definitiva. No entanto, assinalo, não poderá estabelecer novas cláusulas ou alterar o estipulado no contrato primevo (promessa de compra e venda). É sabido que o direito brasileiro resguardou o direito das partes em concluírem, através do mandato, os negócios jurídicos iniciados e firmados. Quer isto dizer que, in casu, o mandatário tem sim o poder de lavrar a escritura formalizando o ato definitivo da compra e venda, mas, como já dito, respeitando obrigatoriamente os limites negociais já fixados na promessa realizada anteriormente.  A escritura lavrada não pode conter nenhuma divergência com o prometido.”

Há diversos outros julgados admitindo a eficácia da procuração para lavratura da escritura definitiva, mesmo com a morte do mandante, nos casos de mandato outorgado para dar cumprimento a contrato de compromisso de compra e venda, cujo preço já tenha sido recebido: APC 9.329 RJ – RDI n. 6; 1.052/85 TJPR RDI n. 17/18; 19.007 RJ – RDI n. 10; 24.416 SP RDI 3; 2882/91 RJ RDI 33, e decisão da 1ª VRP da Capital do Estado de São Paulo processo n. 000.04.083265-1 em que pese decisões (antigas) em sentido contrário : AC 4149-0/85 e 2597-0/87).

Conclui-se, pois, que, mesmo após o falecimento do mandante, o mandatário, agindo de boa-fé e respeitando os estreitos limites do mandato que lhe fora outorgado, poderá lavrar a escritura de compra e venda definitiva, desde que já tenha sido devidamente realizado e quitado o negócio em vida, o que deve ser demonstrado ao tabelião. O mandatário, no entanto, não poderá estabelecer novas cláusulas ou alterar o estipulado no contrato de promessa de compra e venda. A escritura lavrada não pode conter nenhuma divergência com o prometido.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros Função Notarial e de Registro e Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil. É professora e coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do Centro de Direito e Negócios – CEDIN.

Fonte: CNB/CF | 19/05/2017.

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1ª VRP | SP: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – CANCELAMENTO DE AVERBAÇÃO – CLÁUSULAS RESTRITIVAS DE INCOMUNICABILIDADE, IMPENHORABILIDADE E INALIENABILIDADE

Processo Digital nº 1126499-47.2016.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro de Imóveis

Requerente: M.S.

Trata-se de pedido de providências formulado por M. S., em face do Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, pretendo o cancelamento da averbação nº 08 da matrícula nº 73.747, referente às cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.

A negativa para efetivação do ato foi a necessidade de escritura pública para a revogação das cláusulas mencionadas, uma vez que o ato foi constituído por tal forma. Esclarece o Registrador que as partes podem por outro ato notarial alterar os negócios ajustados, revogando as restrições, entretanto, isso não poderá ser feito por mero requerimento de cancelamento da publicidade, visto que as cláusulas continuariam a existir no mundo jurídico e poderiam, em tese, causar prejuízos a terceiros e trazer insegurança aos negócios que envolvam o bem imóvel. Juntou documentos às fls.34/41.

O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido (fls.44/45). Foram juntados documentos às fls.52/56, 60/64 e 74/76.

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Pretende o requerente o cancelamento da averbação nº 08 da matrícula nº 73.747, referente às cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.

Verifico que o entendimento relativo à questão não é pacífico. Ademar Fioranelli já tratou deste tema com bastante propriedade em sua obra “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade e Incomunicabilidade – Série Direito Registral e Notarial”, 1ª edição – 2ª tiragem, Saraiva, São Paulo, 2010, p. 69, 71 e 72.

Segundo o renomado registrador:

“Alguns doutrinadores entendem não ser possível já que, consumada a doação, não haveria mais contrato entre as partes para ser modificado ou rescindido. Se o doador não tem mais a titularidade da coisa doada, faltar-lhe-ia condição para mudar ou extinguir o encargo. Prevalece contudo, entendimento de que, como contrato, a doação poderá ser distratada por mútuo acordo das partes envolvidas – doador e donatário -, sendo esta a doutrina dominante. Assim é o entendimento de Carlos Alberto Dabus Maluf (Das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, p. 171), que, após citar a opinião da grande maioria dos doutrinadores, conclui: “Portanto, consoante a melhor doutrina e a jurisprudência pacífica de nossos tribunais, entendemos ser plenamente viável e perfeitamente válida a revogação, desde que haja expresso consentimento das partes, ou seja, doador e donatário”.
De tudo se retiram as seguintes conclusões:

a) Vivos os doadores, as cláusulas poderão ser revogadas com expressa anuência do proprietário (donatário, herdeiro ou legatário), que poderá não ter interesse na renúncia pela qual o bem passa a ser disponível e de livre circulação. A aquiescência do donatário apresenta-se como medida imperiosa, sob pena de nulidade do ato praticado unilateralmente.

b) A renúncia, a exemplo do ato em que constituído o ônus (testamento ou escritura de doação), deverá ser formalizada por instrumento público adequado, sendo válida a afirmação contida no art. 472 do CC, segundo a qual o distrato se faz pela mesma forma do contrato quando exigida para a validade deste, não se podendo utilizar o disposto no art. 250, II, da Lei de Registros Públicos, já que nem todos os atos bilaterais de manifestação de vontade podem ser desfeitos a requerimento (instrumento particular) das partes contratantes”.
O artigo 472 do Código Civil é claro ao dispor que:

“O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.
Neste sentido, o fato de que o distrato pressupõe um contrato anterior, não lhe desfigura a natureza contratual, cuja característica principal é a convergência de vontades. Logo, tendo em vista que a escritura de doação foi realizada por instrumento público (fls.38/41), há a necessidade de atender a mesma forma que a lei exigiu para a celebração do contrato, sob pena de invalidade (art.166, IV do CC).

Questão semelhante foi objeto de decisão pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça no Processo nº 0046548-31.2010.8.26.0100:

“Dúvida. Escritura Pública de Doação (dos pais à filha) com as cláusulas temporárias de inalienabilidade e impenhorabilidade, extensiva aos frutos e rendimentos. Falecimento do cônjuge-doador. Deseja a cônjuge sobrevivente (doadora) com a anuência da filha donatária outorgar escritura de cancelamento das cláusulas sobre a totalidade do gravame. Impossibilidade por vilipendiar vontade alheia válida e eficaz sobre a parte ideal dele, falecido. Contudo, possível o cancelamento do gravame sobre a parte ideal da cônjuge sobrevivente com a anuência da filha donatária. Dúvida prejudicada”
Conforme verifica-se no corpo do v Acórdão:

“…Assim, a cônjuge supérstite pode apenas deliberar, por escritura pública da qual participe a donatária como anuente, sobre o cancelamento das cláusulas restritivas que recaem sobre a sua metade ideal, sem alcançar a do doador falecido, a qual só ficará livre depois de 36 meses da morte da doadora” (g.n).
No mais, como bem exposto pelo Registrador, tendo sido realizada a doação por meio de escritura pública, o cancelamento administrativo apenas retiraria sua publicidade dos livros registrais, mas manteria íntegra sua validade no negócio jurídico originário, o que não pode prevalecer, sob pena de se atingir eventual direitos de terceiros.

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado por M. S., em face do Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, e mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

Tania Mara Ahualli

Juíza de Direito

(DJe de 12.05.2017 – SP)

Fonte: CNB/SP – DJE/SP | 22/05/2017.

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Paraná define que o uso das expressões “cartório” e “cartório extrajudicial”

A partir de agora usar o nome cartório indevidamente em razão social, marca ou nome fantasia no Estado do Paraná acarretará multa de até R$ 2.115,74 (22 UPF/PR). É o que determina a lei Nº 18.994/2017, que proíbe a utilização dos nomes cartório ou cartório extrajudicial por pessoas física ou jurídica de direito privado.

A decisão é resultado da iniciativa do IRPEN, por intermédio do deputado estadual Wilmar Reichembach, que apresentou o Projeto de Lei que disciplina o uso de termos cartório e cartório extrajudicial em âmbito estadual.

Fonte: Anoreg/BR | 22/05/2017.

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