CSM/SP: Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Recorrente desprovido de personalidade jurídica – Ausência de capacidade processual configurada – Falta de legitimidade recursal revelada – Controle do princípio da unicidade sindical – Função estranha ao Oficial de Registro – Exigência questionada que ultrapassa as fronteiras do juízo de qualificação registral – Exame realizado a título de orientação, com vistas a eventual qualificação futura – Recurso não conhecido.


  
 

Apelação nº 0002839-82.2015.8.26.0095

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0002839-82.2015.8.26.0095
Comarca: BROTAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0002839-82.2015.8.26.0095

Registro: 2017.0000221990

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002839-82.2015.8.26.0095, da Comarca de Brotas, em que são partes é apelanteSINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE TORRINHA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BROTAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação, v.u. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 23 de março de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0002839-82.2015.8.26.0095

Apelante: Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Torrinha

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Brotas

VOTO Nº 29.735

Registro Civil de Pessoas Jurídicas – Recorrente desprovido de personalidade jurídica – Ausência de capacidade processual configurada – Falta de legitimidade recursal revelada – Controle do princípio da unicidade sindical – Função estranha ao Oficial de Registro – Exigência questionada que ultrapassa as fronteiras do juízo de qualificação registral – Exame realizado a título de orientação, com vistas a eventual qualificação futura – Recurso não conhecido.

Irresignado com a r. sentença que, forte no princípio da unicidade sindical, confirmou o juízo de desqualificação registral [1], o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Torrinha interpôs recurso de apelação com vistas ao registro de seus atos constitutivos, recusado, então indevidamente, porque, pondera, não cabe ao Oficial zelar pelo princípio invocado, de todo modo, acrescenta, não violado na hipótese vertente [2].

Após o recebimento do recurso [3], o Oficial ofereceu contrarrazões [4], os autos foram enviados ao C. CSM e a Procuradoria Geral da Justiça propôs o desprovimento da apelação [5].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade dos atos constitutivos do apelante [6], que, entretanto, e até por isso, é desprovido de legitimidade recursal, pois sequer tem personalidade jurídica. Enfim, não tem capacidade processual.

Ora, com efeito, a existência do idealizado sindicato, cuja natureza jurídica é de associação de direito privado, pressupõe a inscrição de seus atos constitutivos, justamente o registro controvertido, à luz do estabelecido no art. 45 do CC.

Em resumo, o pretenso sindicato recorre em nome próprio, porém ainda não adquiriu personalidade jurídica, motivo por que a apelação não comporta conhecimento, conforme precedente deste C. CSM, expresso na Apelação Cível n.º 391-6/5, rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 8.9.2005.

Aliás, em relação ao ente sindical, exige-se o duplo registro do estatuto social, a ser realizado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, para fins de atribuição de personalidade civil, e no Ministério do Trabalho, com vistas à obtenção de personalidade sindical.

Destarte, malgrado inadmitido o recurso, e, agora, apenas a título de orientação, para fins de qualificação registral futura, a exigência impugnada não se justifica.

Não se trata de exame de consulta. Ao contrário do exercício da função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, no âmbito do processo de dúvida registral, tem caráter disciplinador.

Enquanto, na função jurisdicional, visa-se à análise do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o exame das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas também serve de bússola aos Oficiais.

Dentro desse contexto, convém apreciar a exigência, para então sublinhar sua impertinência, em atenção, inclusive, a diversos precedentes desteC. CSM, que afirmam não competir aos Registradores o controle do princípio da unicidadesindical.

Assim se decidiu, por exemplo, na Apelação Cível n.º 028328-0/1, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 30.10.1995; Apelação Cível n.º 31.007-0/4, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 15.3.1996; e Apelação Cível n.º 0014630-42.2009.8.26.0068, rel. Des. Maurício Vidigal, j. 6.10.2011.

Também esse é o antigo entendimento da E. CGJ, de acordo com os pareceres (aprovados) dos hoje Desembargadores Márcio Martins Bonilha Filho e Marcelo Martins Berthe, apresentados, respectivamente, nos autos dos processos CG n.º 605/1995 e CG n.º31.791/1995, em 27 de março e 6 de dezembro de 1995.

Há tempos, o E. STF firmou posição no sentido da indispensabilidade do registro das entidades sindicais no Ministério do Trabalho, a quem cabe verificar a observância do princípio da unidade sindical. Convém lembrar, sob esse prisma, o v. acórdão proferido no MI n.º 144-8/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 3.8.1992:

Proibida a criação (de sindicato ou organização sindical de uma mesma categoria com base territorial idêntica), oregistro dado que, atributivo da personalidade jurídica, é o ato culminante do processo de constituição da entidade , há de ser, por imperativo lógico, o momento adequado àverificação desse pressuposto negativo da aquisiçãomesma da personalidade jurídica da entidade sindical. Essa função de garantia da unicidade sindical que, a meu ver, inere à competência para o registro daconstituição das entidades sindicais, é que induz asediar essa última, si et in quantum, no Ministério doTrabalho e não, no Registro Civil comum.

É patente, com efeito, que a incumbência de garante da unicidade sindical supera, prática e juridicamente, as forças do ofício do registro civil de pessoas jurídicas: se a lei futura decidir cometer-lhe a tarefa, a fim de exorcizar a lembrança dos tempos de manipulação do movimento sindical pelo Ministério do Trabalho, não bastará transferir-lhe nominalmente a competência, mas será necessário dotálo, não apenas de instrumental de informações sobre o quadro sindical preexistente, mas também de poderes para solver, em sede administrativa, eventuais conflitos, dos quais, hoje, não o municia a Lei de Registros Públicos.

Daí se extrai a meu ver a opção, nos quadros da ordem pré-constitucional, pela recepção, sob a Constituição nova, da competência legal do Ministério do Trabalho para o registro de entidades sindicais.

Detentor do cadastro geral das organizações sindicais já constituídas, o Ministério do Trabalho dispõe, assim, do instrumental de informações imprescindível ao registro, que pressupõe, como visto, a salvaguarda do princípio da unicidade. (grifei)

Com o mesmo entendimento, é oportuno mencionar o v. acórdão exarado na ADI n.º 1121-9/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. 6.9.1995, de cuja ementa retiro o seguinte trecho:

O registro sindical qualifica-se como ato administrativo essencialmente vinculado, devendo ser praticado peloMinistro do Trabalho, mediante resolução fundamentada, sempre que, respeitado o postulado da unicidade sindical e observada a exigência de regularidade, autenticidade e representação, a entidade sindical interessada preencher, integralmente, os requisitos fixados pelo ordenamento positivo e por este considerados como necessários à formação dos organismos sindicais. (grifei)

Na mesma linha, no julgamento do Ag. Reg. no RE n.º222.285/SP, rel. Carlos Velloso, ocorrido no dia 26 de fevereiro de 2002, o E. STF assentou: “certo é que a regra da unicidade sindical, ‘a mais importante das limitações constitucionais ao princípio daliberdade sindical’, é preservada justamente mediante o registro no Ministério do Trabalho, já que este é detentor das informações que propiciam verificar se a unicidade sindical estaria sendo violada ou não.”

Trata-se de posição sumulada pela Excelsa Corte, em sessão plenária ocorrida em 24 de setembro de 2003:

Súmula 677. Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder aoregistro das entidades sindicais e zelar pela observânciado princípio da unicidade. (grifei)

Essa compreensão foi prestigiada em julgamentos recentes do E. STF, no Ag. Reg. no AI n.º 789.108/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 5.10.2010, e noAg. Reg. no RE com Agravo n.º722.245/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. 26.8.2014.

Por fim, em reforço, realço que no C. STJ, embora não se ignore a existência de julgados afirmando a suficiência do registro civil [7], consolidou-se intelecção na mesma direção, revelada em acórdãos de sua C. Corte Especial, nos Embargos de Divergência emRESP n.º 510.323/BA, rel. Min. Felix Fischer, j. 19.12.2005, e no AgRg nos Embargos de Divergência em RESP n.º 509.727/DF, Min. José Delgado, j. 29.6.2007 [8].

A esse respeito, o e. Min. Luiz Fux, quando ainda no C. STJ, sublinhou, no REsp n.º 711.624/MG, julgado em 15 de abril de 2008, que “o registro da entidade sindical no Ministério do Trabalho e Emprego é ato vinculado que complementa e aperfeiçoasua existência legal.” (grifei)

Além disso, há pouco tempo, no AgRg no REsp n.º 1.147.828/RO, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 9.6.2015, destacou-se que o “Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que é indispensável o registro dos sindicatos no Ministério do Trabalho para defesa em juízo dos direitos dos seus filiados, pois é o meio eficaz para a preservação do princípio da unicidade sindical.”

Em suma: a exigência questionada ultrapassou as fronteiras do juízo de qualificação registral, ao sindicar o cumprimento do princípio da unicidade sindical.

De todo modo, à vista das considerações iniciais, não conheço da apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0002839-82.2015.8.26.0095 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 46.266 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou apósafirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regrastécnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, nãocompete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] Fls. 44.

[2] Fls. 48-55.

[3] Fls. 59.

[4] Fls. 61-63.

[5] Fls. 74-76.

[6] Fls. 2-3, 4 e 6.

[7] REsp n.º 537.672, rel. Min. Humberto Martins, j. 24.10.2006; e REsp n.º 1.314.602/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15.5.2012.

[8] Cf., ainda, AgRg no Agravo de Instrumento n.º 1.175.547/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 1.º.10.2009; e RMS nº 41.881/MS, rel. Min. Castro Meira, j. 18.6.2013. (DJe de 28.04.2017 – SP)

Fonte: INR Publicações

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