Consulado brasileiro impede que pai registre gêmeos gerados no exterior após barriga de aluguel; Especialistas vão contra a decisão


  
 

Dois homens brasileiros, casados desde janeiro de 2016 e que mantêm união estável desde 2012, não conseguiram registrar como filhos dois gêmeos nascidos há cinco meses, no México, após processo de barriga de aluguel. Isso porque a instituição da Cidade do México se recusou a registrá-los, apesar de a legislação brasileira garantir esse direito desde março de 2016, constando, tanto no passaporte com que voltaram ao Brasil quanto na documentação das crianças, somente o nome do pai biológico. O Itamaraty assegura que – de acordo com seu manual e a Convenção de Viena –, ao gerar a certidão de nascimento, o consulado deve se pautar pelo que prevê a lei local – no caso, a mexicana.

Desde março de 2016, os cartórios brasileiros são obrigados a reconhecerem como filhos de casais homoafetivos crianças concebidas a partir do uso de materiais genéticos, ao contrário da lei do México, que só permite o registro em nome do pai biológico. Com isso, o casal só conseguiu registrar os bebês em dezembro do ano passado, após entrar com processo administrativo junto a um cartório do Rio de Janeiro. O Itamaraty pretende levar o tema ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que se abra um debate a respeito. A instituição justifica que a recusa se deu pelo seguinte fato: ao validar o registro dos meninos, o consulado brasileiro no exterior deve espelhar o documento feito no país em que foram gerados.

Uma das advogadas do casal e vice-presidente da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Ana Gerbase entende que o Itamaraty deve proteger os direitos e as garantias dos filhos brasileiros dos casais hétero e homoafetivos, assim como determina o Provimento 52 do CNJ. “O Itamaraty considera que o Provimento 52 deve ser interpretado levando em conta a Lei de Registros Públicos, a Convenção de Viena e o Manual do Serviço Consular, que determinam que o registro de nascimento deve ser feito conforme os dados constantes da certidão local. O ato normativo foi expedido em março de 2016, exatamente para adequar a legislação vigente à realidade da reprodução assistida e às diversas formas de famílias, sem distinção entre filhos de casais hétero ou homoafetivos”, esclarece.

Para Gerbase, interpretar o Provimento à luz das normas vigentes “significa transformá-lo em ‘letra morta’”. De acordo com ela, ao negar o registro em nome de ambos os genitores, o consulado violou não apenas o Provimento 52 do CNJ, mas, principalmente, “os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Brasileira, que também assegura a liberdade de se ter filhos e de planejá-los de maneira responsável (arts. 5º, caput e 226, § 7º, da CF), o dever da não-discriminação e igualdade às várias formas de família e aos filhos que delas se originem (arts. 3º, IV, 226 e 227, caput e § 6º, da CF). Portanto, foi violado o direito dos filhos ao estado de filiação e ao nome da célula familiar de que derivam”.

A advogada chama atenção para o fato de o item 4.4.45, I, do Manual Consular prever o registro de filhos havidos fora do casamento, bastando requerimento – assinado pela mãe brasileira – e o reconhecimento de paternidade. No item seguinte, entretanto, o Manual afirma que filhos de casais homoafetivos não têm o mesmo direito: “A autoridade consular somente deverá lavrar os registros previstos nesta NSCJ com base em certidão estrangeira de nascimento emitida na sua jurisdição”, prevê.

De acordo com Gerbase, está clara a discriminação aos filhos dos casais de mesmo sexo. “Se a lei do país de origem não permitir que filhos de casais homoafetivos tenham o nome dos pais na certidão, o consulado segue a regra local. Porém, se a lei do país não permitir o registro do nome de um genitor – caso ele não seja casado com outro genitor, a autoridade consular não precisa seguir a regra local, podendo proceder o registro, incluindo o nome do genitor, bastando um simples pedido”, assevera.

A advogada ainda ressalta que, neste caso, o Itamaraty acenou com a possibilidade de rever o Manual, demonstrando interesse em adequar suas normas à realidade. “Cabe destacar a atuação do Ministério Público e do Juiz da Vara de Registros Públicos no Rio de Janeiro, que prontamente mandou averbar as certidões das crianças com o nome do segundo genitor, adequando os sobrenomes”, completa.

A opinião da desembargadora Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, vai ao encontro do que defende Ana Gerbase. De acordo com ela, o Manual do Itamaraty está defasado. “Existe uma resolução do CNJ que autoriza o duplo registro dos pais, mães ou até de três pessoas, em casos de multiparentalidade. Essa possibilidade, aqui no Brasil, começou há mais de dez anos [em 2006]. Seguir este Manual, na era da informática e com o livre acesso à informação, é absolutamente descabido. O Itamaraty não pode colocar esse obstáculo. Isso mostra ao mundo que não somos a realidade que já somos. Essa negativa me surpreende muito”, conclui.

Fonte: IBDFAM | 08/03/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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