1ªVRP/SP: Dúvida – Registro de instrumento de alienação fiduciária da propriedade superveniente – Inviabilidade – Princípio da Legalidade – Rol taxativo do artigo 167 da Lei de Registros Públicos – Dúvida procedente.

Processo 1111191-68.2016.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – S.B.S. – Registro de Imóveis – Dúvida – Registro de instrumento de alienação fiduciária da propriedade superveniente – Inviabilidade – Princípio da Legalidade – Rol taxativo do artigo 167 da Lei de Registros Públicos – Dúvida procedente. Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do (…)º Registro de Imóveis da (…), a requerimento do Banco Santander S/A, diante da negativa em se proceder ao registro de alienação fiduciária da propriedade superveniente do imóvel objeto da matrícula nº (…). Os óbices registrários referem-se: a) existência de registro prévio de alienação fiduciária envolvendo o mesmo imóvel e o mesmo credor (Av.01), logo, imprescindível o cancelamento da alienação anterior; b) ausência de previsão legal de registro de alienação fiduciária condicional ou de propriedade superveniente. Foram juntados os documentos de fls.04/48. O suscitado apresentou impugnação às fls.49/53, refutando os entraves acima mencionados, sob o argumento de que, caso se verifique a condição, a garantia de alienação fiduciária da propriedade superveniente se tornará eficaz de pleno direito, transferindo ao credor fiduciário, na oportunidade, a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem imóvel. Juntou documentos às fls.54/70. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, sugerindo a possibilidade de averbação do título (fls.74/80).É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. A alienação fiduciária de bem imóvel em garantia, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.514/97, é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Ao devedor é conferida a posse direta sobre a coisa. Diante desta característica, o instituto da alienação fiduciária não possibilita que se dê o mesmo imóvel em garantia por diversas vezes, instituindo-se diversos graus na ordem de preferência. Com a quitação da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária do imóvel, com o cancelamento do seu registro. A presente hipótese, todavia, trata de questão peculiar, isto porque B.R.C.S., devedor fiduciante, alienou a propriedade superveniente, ou seja, houve a instituição da garantia sobre a propriedade plena que o devedor fiduciante terá sobre o imóvel quando houver sua consolidação pela quitação da dívida. Na verdade, o novo negócio jurídico entabulado pelas partes pende de condição, ou seja, a consolidação da propriedade na pessoa do devedor fiduciante. Todavia, para que tal o ato negocial ocorra, é necessária a possibilidade do devedor B. dispor do bem. Parece que isso não seria possível, por não se encontrar o bem na esfera de disponibilidade do devedor. A questão posta a desate é polêmica e foi objeto de discussão no XL Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, sendo que adotado o seguinte posicionamento, proposto pelo especialista no tema, Melhim Namem Chalhub:”Tendo o devedor fiduciante contratado a alienação fiduciária, demitiu-se da propriedade e, portanto, não pode constituir qualquer garantia sobre o mesmo imóvel. Pode, entretanto, constituir caução de direito aquisitivo do imóvel ou alienar fiduciariamente a propriedade superveniente, que vier a adquirir quando cancelada a garantia fiduciária” (g.n) Neste contexto, na V Jornada de Direito Civil, foi elaborado o Enunciado 506, que estabeleceu:”Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc”. A interpretação acima mencionada refere-se aos artigos 1.361, § 3º e 1420, § 1º do Código Civil, tratando-se da chamada garantia real a “non domino”, aquela outorgada por quem ainda não é proprietário do imóvel, sob a condição suspensiva referente à retomada da propriedade pelo devedor fiduciante. Posto isso, na esfera registrária não se analisa a validade negócio jurídico, mas sim se o título é apto a ingressar no fólio real, atentando-se aos princípios que norteiam os atos registrários. Importante destacar que um dos principais princípios que regem a matéria é o da legalidade, que se desdobra em dois aspectos. O primeiro diz respeito à taxatividade dos direitos inscritíveis no registro de imóveis, sendo que o legislador não deixou a critério da parte decidir quais direitos gostaria de levar a registro, de modo que não terá acesso à Serventia Extrajudicial direito não previsto expressamente na lei. O segundo é atinente ao controle de legalidade exercido pelo registrador sobre os títulos previstos em lei, abrangendo tanto os aspectos extrínsecos ou formais, como os intrínsecos e materiais. A legislação vigente não contempla o ingresso da constituição de alienação fiduciária nos termos pretendidos pelo suscitado. O rol do artigo 167 da Lei de Registros Públicos é taxativo, é dispõe em seu item 35:”Artigo 167: No Registro de Imóveis, além da matrícula são feitos:I – o registro:(…)35 – da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel”O dispositivo legal é claro ao estabelecer que a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel é passível de registro, diferentemente da alienação fiduciária sobre a “propriedade superveniente”, circunstancia esta que torna inviável o ingresso. A esse respeito, Afrânio de Carvalho preleciona que:”Quando a lei prevê, em disposição especial, os atos compreendidos no registro, quer em numeração genérica, como o Código Civil, quer em numeração casuística, como a nova Lei de Registros (art.167), deixa de fora todos os omitidos” (Afrânio de Carvalho. Registro de Imóveis, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. P.76). Por fim, deixo de acatar a sugestão do Douto Promotor de Justiça, pois a presente hipótese versa sobre o registro de alienação fiduciária da propriedade superveniente do imóvel, não sendo o caso de averbação, respeitado entendimento diverso. Logo, conclui-se que os óbices impostos pela Registradora mostram-se corretos. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pela Oficial do (…)º Registro de Imóveis (…), a requerimento do Banco Santander (Brasil) S/A, e mantenho os óbices registrários. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RAFAEL SUZUKI MIYAMOTO (OAB 314874/SP)

Fonte: DJe | 24.01.2017.

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1ªVRP/SP: Registro de doação com reserva de usufruto – Certidão do Tabelião do recolhimento do imposto – impossibilidade de exibição do recolhimento da guia – fé pública do tabelião – Dúvida improcedente.

Processo 1117997-22.2016.8.26.0100 – Pedido de Providências – REGISTROS PÚBLICOS – Mônica Marques Alves Zanardo e outro – Dúvida – Registro de doação com reserva de usufruto – Certidão do Tabelião do recolhimento do imposto – impossibilidade de exibição do recolhimento da guia – fé pública do tabelião – Dúvida improcedente Vistos. Trata-se de dúvida suscitada por Mônica Marques Alves Zanardo em face do Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, tendo em vista negativa em se proceder aos registros da escritura de doação com reserva de usufruto, datada de 29.07.1980, e da carta de sentença extraída dos autos do Divórcio Consensual dos doadores, que tramitou perante o MMº Juízo da 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Regional de Pinheiros (processo nº 1014/89). Ressalta o Oficial que o registro da carta de sentença depende do registro da escritura de doação, logo, o objeto do presente procedimento é somente a escritura. Neste contexto, o óbice registrário refere-se à ausência do recolhimento do imposto ITCMD. Juntou documentos às fls.44/50. Insurge-se a suscitante, sob o argumento de que diligenciou junto ao Tabelionato de Notas e à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e não localizou a mencionada guia, todavia, a prova do recolhimento está no corpo da escritura lavrada pelo 14º Tabelião de Notas da Capital, que detém fé pública. Juntou documentos às fls.06/33. O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls.54/55).É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Em que pesem as alegações do Registrador, entendo que a dúvida é improcedente. Trata-se de matéria já enfrentada pelo E. Conselho Superior da Magistratura que, no v. acórdão nº996-6/6, observou que : “É certo que ao Oficial de Registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, na forma do art. 289 da Lei nº 6.015/73, sob pena de responsabilização pessoal do Oficial Delegado, e dentre estes impostos se encontra o ITCMD, cuja prova de recolhimento deve instruir o formal de partilha, salvo hipótese de isenção devidamente demonstrada. Todavia, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor, como demonstra o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 28.382-0/7, da Comarca da Capital, em que figurou como relator o DD. Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, cuja ementa é a seguinte: “Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha extraído de autos de arrolamento – Verificação, pelo Oficial, de recolhimento de imposto, mas não de seu valor – Recurso provido. “ Na hipótese, tem-se que a prova do recolhimento do ITCMD foi certificada no corpo da escritura de doação (fls. 08/11), pelo 14º Tabelião de Nostas da Capital, que detém fé pública. A questão referente à eventual diferença no valor do recolhimento é matéria que refoge ao âmbito registrário e deverá ser fiscalizada pelo Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Como bem mencionado pelo Registrador, esta questão foi recentemente decidida pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura (Apelação nº 1058111-29.2015.8.26.0100, Rel: Des. Ricardo Dip):”Dúvida inversa – Recurso – Doação – Prova do pagamento de tributo – Usufruto – Morte dos usufrutuários – Cindibilidade do título””…2. A prova do recolhimento do tributo incidente no negócio jurídico objeto do título levado a registro é indispensável, mas na impossibilidade de exibir-se a guia de sua recolha do tributo ou certidão acerca do pagamento ainda que impossibilidade somente relativa (ou seja, mera difficultas praestandi) – , é suficiente a asserção tabelioa sobre a exibição da guia no plano probatório ad tabulam (vale dizer, sem excluir via própria contenciosa de eventual interesse do Fisco)”. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada por Mônica Marques Alves Zanardo em face do Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, e consequentemente determino o registro dos títulos levados à registro. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. São Paulo, 19 de dezembro de 2016. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: ROSANA BERTELLI MARTINS DIAS FOUTO (OAB 76778/SP)

Fonte: DJe | 24.01.2017.

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Processo CG n° 1112560-34.2015.8.26.0100 – (Parecer 134/2016-E) – Registro de Imóveis – Artigo 38, § 1º, da Lei nº 8.245/91 – Caução em bem imóvel – Garantia real anômala inscrita por meio de averbação, sem a necessidade de lavratura de escritura pública – Caução em segundo grau – Exigência de que essa circunstância conste nº título – Exigência afastada – Publicidade da primeira averbação que permite o credor ter conhecimento acerca da limitação de sua garantia – Óbice afastado – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1112560-34.2015.8.26.0100
(134/2016-E)

Registro de Imóveis – Artigo 38, § 1º, da Lei nº 8.245/91 – Caução em bem imóvel – Garantia real anômala inscrita por meio de averbação, sem a necessidade de lavratura de escritura pública – Caução em segundo grau – Exigência de que essa circunstância conste no título – Exigência afastada – Publicidade da primeira averbação que permite o credor ter conhecimento acerca da limitação de sua garantia – Óbice afastado – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo espólio de Lydia de Jesus Cepeda Rico contra a sentença de fls. 66/68, que, confirmando o teor da nota devolutiva de fls. 35/36, indeferiu a averbação na matrícula nº 7.735 do 17° RI da Capital de caução oferecida para garantir o adimplemento de contrato de locação, no qual figuram como locador o espólio apelante e como locatária Michele Lopes Couto.

Sustenta o recorrente: a) que a caução prevista na Lei nº 8.245/91 tem natureza pessoal; e b) que a exigência de que o locador declare que tem ciência da existência de caução anterior não tem base legal. Pede, por fim, o provimento do recurso, com a efetivação da averbação da caução (fls. 83/87).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 100/102).

É o relatório.

Tendo em vista que o ato perseguido pelo apresentante é de averbação e não de registro em sentido estrito, a apelação deve ser recebida como recurso administrativo, cabível na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo [1].

Espólio de Lydia de Jesus Cepeda Rico e Michele Lopes Couto firmaram contrato de locação, o primeiro na qualidade de locador e a segunda na de locatária (fls. 16/28). De acordo com a cláusula 14ª (fls. 19), integrada pelo item 7.1b do quadro resumo (fls. 28), o imóvel matriculado sob o nº 7.735 nº 17° RI da Capital foi dado em caução para garantir as obrigações decorrentes do contrato de locação.

Na forma do artigo 38, § 1°, da Lei nº 8.245/91, os interessados apresentaram o contrato no 17° Registro de Imóveis da Capital, com o fim de averbar a garantia na matrícula do imóvel dado em caução.

A averbação foi negada pelo registrador, em virtude de o bem ter sido oferecido anteriormente em caução para garantir as obrigações decorrentes de outro contrato de locação (cf. Av. 11 da matrícula nº 7.735 – fls. 50) e essa circunstância não ter sido mencionada no título apresentado.

Assim, para a averbação do título, o registrador pediu ou o cancelamento da caução constante da Av. 11, ou a retificação do contrato, para constar que se trata de garantia em segundo grau, ou, finalmente, a juntada de declaração firmada pelo locador, declarando ciência em relação à caução anterior (fls. 36).

Mantida a desqualificação do título pela sentença de fls. 66/68, recorre o locador requerendo a averbação da caução.

Com razão o recorrente, conquanto não pelos fundamentos que apresentou.

Inicialmente, cabem algumas considerações acerca da natureza jurídica da caução prevista nº artigo 38, § 1°, da Lei nº 8.245/91.

Respeitadas tanto a posição que defende que a caução da lei de locações é um direito meramente pessoal, quanto a que sustenta que a garantia, não obstante o que diz a lei, deve ser registrada, a exemplo da hipoteca, adota-se aqui a tese de que se trata de garantia real anômala, averbável na matrícula do bem, na forma do artigo 38, § 1°, da Lei nº 8.245/91, aplicando-se-Ihe o regime do Código Civil destinado à hipoteca.

Garantia real, porque não parece razoável que se proceda à averbação da caução na matrícula, como dispõe o artigo 38 § 1º, da Lei nº 8.245/91, caso os seus efeitos fossem ficar restritos aos contratantes.

Averbável, em razão do que preceitua a Lei de Locações [2], que, com o intuito de facilitar a inscrição da garantia dada em contrato específico, permitiu o ingresso registral da caução, independentemente da lavratura de escritura pública [3]

Anômala, em virtude dos dois pontos acima citados: ingresso registral por meio de averbação, ao invés de registro; e desnecessidade de lavratura de escritura pública para constituir a garantia. De resto, não tendo a Lei de Locações criado nova espécie de direito real de garantia, aplica-se à caução a regulamentação traçada para a hipoteca no Código Civil (artigos 1.473 e seguintes do Código Civil).

Nem se argumente que o artigo 40, VII, da Lei nº 8.245/91 [4] que permite o locador exigir a substituição da garantia na hipótese de alienação do imóvel, retira da caução o direito de sequela, característica essencial dos direitos reais de garantia.

Respeitado o posicionamento exposto no parecer lançado no processo CG nº 867/95, o artigo 40, VII, da Lei de Locações preceitua que o locador “poderá” exigir a substituição da garantia no caso de alienação do imóvel. Isso, todavia, não significa que a garantia se extingue com a venda do bem dado em caução. A meu ver, embora a caução esteja preservada mesmo após a alienação do imóvel, pode o credor optar por exigir nova garantia, no caso de, por exemplo, não querer executar bem que já não pertence ao caucionante.

O posicionamento que aqui se adota prevalece amplamente no Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Locação de imóvel não residencial – Execução de título extrajudicial – Demanda de empresa locadora em face de caucionantes – Decisão que determinou a penhora do bem dado em caução – Manutenção – Necessidade – Garantia real que vincula a coisa – Direito de sequela – Existência – Legitimidade constritiva que deflui da natureza do compromisso caucionário” (AI nº 2171847-51.2014.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado. ReI. Des. Marcos Ramos, j. em 12/11/2014).

“Agravo de instrumento Ação de execução de título executivo extrajudicial Contrato de locação imóvel dado em caução real Penhora de imóvel Cabimento Alegação de impenhorabilidade por se tratar de bem de família Descabimento Caução não averbada em Registro de Imóveis Irrelevância Garantia que remanesce válida entre as partes contratantes” (AI nº 0004713-39.1999.8.26.0362, 30ª Câmara de Direito Privado. ReI. Des. Andrade Neto, j. em 12/8/2015).

No corpo desse último acórdão citado, o relator faz as seguintes considerações sobre o tema:

Inicialmente cumpre assentar que tanto a caução real, quanto a hipoteca, se qualificam juridicamente como um direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, remanesce vinculado ao pagamento de uma dívida, assegurando ao credor, em caso de inadimplência, o direito de penhorá-lo e promover sua venda judicial para a satisfação de seu crédito. Ambos os institutos se identificam em todos seus elementos essenciais. Não há entre eles nenhuma diferença ontológica que possa justificar tratamento ou efeito jurídicos distintos. Hipoteca é direito real de garantia que vincula um bem imóvel ao cumprimento de uma obrigação. Tem por função assegurar ao credor a satisfação do crédito, colocando-o a cavaleiro da insolvência do devedor. Da mesma forma a caução. Todos os princípios gerais que regem a hipoteca também se aplicam à caução, tais como o princípio da causalidade (vinculação da garantia a uma determinada obrigação principal), princípio da indivisibilidade (a garantia não se reduzirá, ainda que a obrigação principal tenha sido parcialmente paga). Em ambos se aplica a vedação do pacto comissório, ou seja, da cláusula que permite ao credor incorporar ao seu patrimônio o bem dado em garantia. Tanto o bem caucionado, quanto o hipotecado devem ser excutidos mediante procedimento adequado, com realização de hasta pública. Enfim, nada há com significação jurídica que diferencie estes dois direitos de garantia.

O hoje Desembargador José Antônio de Paula Santos Neto, na época em que oficiava como Juiz Auxiliar nesta Corregedoria Geral, apresentou parecer, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça Des. José Mário Antônio Cardinale, em que, citando decisão da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, essa mesma tese é adotada:

“De se destacar, desde logo, que o ordenamento, para a caução em bem imóvel, contempla formato específico, qual seja o da hipoteca, passível de registro (art. 167, inciso l, item 2, da Lei nº 6.015/73), ressalvada a exceção expressamente prevista à guisa de garantia de contrato de locação, admissível porquanto estabelecida em lei especial (art. 38, § 1º, da Lei nº 8.245/91), hipótese em que se concebe caução pura e simples, mediante averbação. Límpida, a respeito, a sentença proferida pelo MM. Juiz Oscar José Bittencourt Couto, em 17/06/99, na dúvida n° 000.04.003661-8 da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, transcrita na própria decisão recorrida. Vale reproduzir, aqui, o trecho que segue:

‘Adotada a idéia de que caução é gênero do que são espécies o penhor, a anticrese e a hipoteca, não há como afastar oentendimento de que ‘caução de imóvel’, considerados os conceitos de garantia real, tecnicamente, é hipoteca.

‘Entretanto, estando estabelecida na Lei de Locação a possibilidade de se prestar caução em bem imóvel, possibilitando o ingresso da garantia no fólio real através de averbação, não resta dúvida quanto a ter o legislador criado uma garantia real anômala, mais simples e menos formal que as demais garantias reais estabelecidas na legislação brasileira até então’.

Essa peculiar e novel modalidade de garantia, por engendrada em diploma legal particularmente voltado à regência das relações locatícias, acha-se, evidentemente, a elas adstrita. Não se estende para além dos contratos de locação e apenas neste contexto se admite” (Processo CG nº 110/2005).

Esse introito é necessário no caso em análise, pois, caso se concluísse que a caução da Lei de Locações gera mero direito pessoal entre os contratantes, toda discussão a respeito da obrigatoriedade de constar no título referência ao fato de se tratar de segunda caução seria despicienda.

Com efeito, só se cogita a impossibilidade do credor da segunda caução executar a garantia antes do vencimento da primeira caução, a exemplo do que ocorre com a hipoteca (artigo 1.477 do CC), caso se trate de direito real. Isso ocorre porque uma das características básicas dos direitos reais de garantia é a preferência, que, além de colocar o crédito hipotecário em posição privilegiada em relação aos quirografários, põe o crédito garantido pela primeira hipoteca em posição superior ao vinculado a uma segunda hipoteca.

Caso a caução da Lei de Locações gerasse mero direito pessoal – o que aqui se refuta – as garantias de diferentes graus concorreriam em pé de igualdade, sem preferência entre elas.

No que se refere à negativa da averbação, o registrador teve por objetivo mostrar que o credor, no momento da inscrição, tinha conhecimento da limitação de sua garantia, cuja execução, por conta da anterior averbação de outra caução (Av. 11 da matrícula nº 7.735 – fls. 50), dependerá do vencimento dessa primeira garantia (artigo 1.477 do CC).

Em que pese o zelo do registrador, a desqualificação não se justifica.

Prescreve a cláusula 14ª do contrato de locação apresentado no Registro de Imóveis:

“Para garantir todas as obrigações decorrentes desse contrato, até a efetiva devolução das chaves do imóvel, osCAUCIONANTES qualificados no item número 7 do quadro resumo, por si, seus herdeiros ou sucessores, dão ao LOCADOR,EM CAUCÃO O(S) IMÓVEL(IS) descrito(s) e caracterizado(s) no item 7.1 do quadro resumo, cuja CAUCÃO OUE NÃO SE INTERROMPERÁ se, findo o prazo contratual, deixar o LOCATÁRIO ou quem suas vezes fizer, de restituir o imóvel locado eATÉ QUE SE TORNE EFETIVA ESSA RESTITUIÇÃO, COM O CUMPRIMENTO DE TODAS AS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS, PERMANECERÁ CAUCIONADO O(S) IMÓVEL(IS) DADO(S) EM GARANTIA” (fls. 19).

Não obstante se trate de uma segunda caução, a omissão a respeito desse fato no título não é suficiente para obstar a averbação pretendida.

Isso porque a publicidade advinda do registro imobiliário gera presunção absoluta de que todos conhecem as informações lá inscritas. Assim, frente ao princípio da publicidade, como conceber que o credor da garantia não tem conhecimento da primeira caução, averbada sob nº 11 na matrícula nº 7.735?

Ora, o credor é o principal interessado em saber se a garantia que recebeu é efetiva, de modo que se a aceitou sem conferir a matrícula do bem, agiu de modo bastante desidioso.

Depois, no caso em tela, foi o próprio credor da garantia que questionou a exigência formulada pelo Oficial perante o Corregedor Permanente (fls. 9/15). Assim, se ele não sabia da existência da primeira caução quando apresentou o título, obrigatoriamente tomou conhecimento dela quando recebeu a nota devolutiva.

Note-se que os precedentes da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, citados pelo Oficial, não são aplicáveis à espécie.

Naqueles, embora o imóvel já tivesse sido dado em caução em contrato anterior, constava no título se tratar de primeira e única caução.

A informação estava errada, portanto.

No caso dos autos, por outro lado, o contrato não faz referência ao grau da caução, e o Oficial exige que essa informação conste expressamente no contrato.

Não havendo erro na informação do título e estando a primeira caução averbada na matrícula do bem, cabe ao interessado efetuar a consulta no fólio real e se certificar que a garantia que recebeu o satisfaz.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação corno recurso administrativo e a ele dar provimento para, afastada a exigência, determinar a averbação da caução.

Sub censura.

São Paulo, 14 de junho de 2016.

Carlos Henrique André Lisboa
Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento para, afastada a exigência, determinar a averbação da caução. Publique-se. São Paulo, 16 de junho de 2016. – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:

[1] Artigo 246. – De lodos os atos e decisões dos juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

[2] Art. 38. A caução poderá ser em bens móveis ou imóveis.

§ 1º A caução em bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula.

[3] Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

[4] Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:

(…) VII – desapropriação ou alienação do imóvel.

Diário da Justiça Eletrônico de 12.08.2016
Decisão reproduzida na página 98 do Classificador II – 2016

Fonte: Boletim Eletrônico INR – Pareceres dos Juízes Auxiliares da CGJ nº. 134/2016-E | 24/01/2017.

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