CSM/SP: Registro de Imóveis – Recusa ao registro de hipoteca – Lei Municipal que impede a oneração do imóvel, que era público, sem autorização legislativa – Ausência de autorização – Desqualificação correta – Falta de menção à Lei Municipal que exigiu a autorização legislativa na matrícula do bem imóvel – Conhecimento da lei que se presume – Apelação desprovida.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0002681-96.2015.8.26.0363

Registro: 2016.0000729874

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0002681-96.2015.8.26.0363, da Comarca de Mogi-Mirim, em que são partes é apelante CERÂNTOLA DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MOGI MIRIM.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 30 de setembro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0002681-96.2015.8.26.0363

Apelante: Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi Mirim

VOTO N.º 29.543

Registro de Imóveis – Recusa ao registro de hipoteca – Lei Municipal que impede a oneração do imóvel, que era público, sem autorização legislativa – Ausência de autorização – Desqualificação correta – Falta de menção à Lei Municipal que exigiu a autorização legislativa na matrícula do bem imóvel – Conhecimento da lei que se presume – Apelação desprovida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda. contra a sentença de fls. 32/33, que manteve a recusa ao pretendido registro da escritura pública de abertura de crédito com garantia hipotecária e outras avenças, tendo como credora a recorrente, como devedora Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda. e como garantia o imóvel identificado na mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim.

Sustenta a apelante, nas razões de fls. 35/38, que a omissão na mat. n.º 39.202 acerca da necessidade de autorização legislativa para a constituição de hipoteca é razão suficiente a autorizar o ingresso do título apresentado, em prestígio de sua boa-fé, da segurança jurídica e do princípio da publicidade registral. Argumenta, ainda, que prescreveu qualquer pretensão à retomada do imóvel pela Municipalidade.

Recebido o recurso no duplo efeito e enviados os autos ao C. CSM, a Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 53/54, opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

De acordo com o r. 1 da mat. n.º 29.929 do RI de Mogi Mirim (fls. 22), o Município de Mogi Mirim, uma vez autorizado pela Lei Municipal n.º 1.371/1982 (fls. 18/20), vendeu o bem imóvel lá descrito a Stiloflex Indústria e Comércio Ltda., que ficou obrigada a destinar a área para fins industriais e a só aliená-lo mediante prévia autorização legislativa (arts. 4º e 5º da Lei Municipal n.º 1.371/1982 fls. 19).

A av. 2 da mesma matrícula dá conta de que três galpões foram construídos no bem imóvel; a av. 3, por sua vez, revela que parte do bem imóvel foi desmembrada e permutada com o Município de Mogi Mirim; o remanescente onde foram construídos os galpões, mediante autorização dada pela Lei Municipal n.º 1.880/1989, foi transferido a José Benedito de Mattos, conforme av. 4, dando origem a nova matrícula, que recebeu o n.º 39.202, com encerramento do assento original (fls. 22).

O r. 1 da mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim, sem mencionar a Lei Municipal que autorizou o negócio (art. 1º da Lei Municipal n.º 1.880/1989 fls. 17), refere-se à transferência do bem de Stiloflex Indústria e Comércio Ltda. a José Benedito de Mattos; o r. 2, também sem citar a lei autorizativa (art. 1º da Lei Municipal n.º 1.880/89 fls. 17), dá conta de que o imóvel foi incorporado ao patrimônio de Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda., que, em seguida, deu-o em hipoteca em favor da Caixa Econômica Federal, consoante o r. 3, garantia essa cancelada por meio da av. 4 (fls. 21).

Pleiteia o apelante o registro na mat. n.º 39.202 de nova hipoteca, desta vez em seu favor, pretensão essa vetada tanto pelo Oficial como pelo MM Juiz Corregedor Permanente que analisou a dúvida.

E a desqualificação do título está correta.

A Lei Municipal n.º 1.371/1982, que autorizou a venda do bem imóvel aqui tratado pelo Município de Mogi Mirim a Stiloflex Indústria e Comércio Ltda., prescreve em seu art. 4º:

Artigo 4º A empresa adquirente poderá dar em garantia o imóvel para fins de financiamento na obtenção de recursos junto aos órgãos oficiais para a implantação do projeto industrial.

Parágrafo Único Á exceção do disposto no “caput” do artigo, é vedado à empresa adquirente transacionar a gleba, sem prévia autorização legislativa. (fls. 23)

Por sua vez, a Lei Municipal n.º 1.880/1989, que autorizou Stiloflex Indústria e Comércio Ltda. a ceder o imóvel em dação em pagamento a José Benedito de Mattos e a Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda., estabelece em seu art. 3º:

Artigo 3º Fica mantida a destinação industrial da área objeto da presente lei; bem como todas as demais disposições da Lei nº 1.371/82; inclusive no tocante à transação.

Cabe destacar que a qualificação do título é restrita ao aspecto formal, motivo pelo qual não é atribuição do Oficial questionar e examinar a constitucionalidade das leis municipais. Assim, ainda que os atos legislativos tratem de compra e venda com encargo, incomum figura jurídica, não é dado nem ao Oficial nem à Corregedoria Geral ou Permanente analisar, no âmbito administrativo, a compatibilidade dessas leis com a Constituição.

Feita essa observação, nota-se que a hipoteca acordada na escritura pública de fls. 24/26 não podia mesmo ser registrada.

Na esteira da Lei Municipal n.º 1.371/1982, repetida na parte que aqui interessa pela Lei Municipal n.º 1.880/1989, o imóvel matriculado sob o nº 39.202 no RI de Mogi Mirim só pode ser “transacionado” com prévia autorização legislativa.

Essa autorização, a propósito, foi concedida anteriormente, por meio da Lei Municipal n.º 1.880/1989, por ocasião da dação em pagamento da área a José Benedito de Mattos e a Jobema Indústria e Comércio de Móveis Ltda.

Não tendo havido autorização legislativa para a constituição da hipoteca, correta a exigência feita pelo Oficial.

Ainda que o alcance do termo “transacionar”, utilizado no parágrafo único do art. 4º da Lei Municipal n.º 1.371/1989, possa dar margem à dúvida, a interpretação conjunta com seu caput leva à lógica conclusão de que a autorização legislativa também é necessária para fins de constituição de hipoteca.

Com efeito, o caput do art. 4º abre uma única exceção à regra de exigência de autorização legislativa: dação em garantia do bem imóvel para fins de obtenção de recursos junto a órgãos oficiais com vistas à implantação do projeto industrial.

Por se enquadrar então nessa exceção, o título contemplando a hipoteca registrada sob nº 3 na mat. nº 39.202 foi qualificado positivamente. Tratava-se de hipoteca constituída com o fim de obtenção de recursos de órgão oficial, no caso,a Caixa Econômica Federal.

Já no caso do título em exame, a qualificação foi negativa porque a apelante de modo algum pode ser tida como órgão oficial.

Para defender o ingresso do título mesmo sem a autorização legislativa, a recorrente destaca a omissão na mat. n.º 39.202 a respeito das restrições impostas pelas Leis Municipais n.ºs 1.371/1982 e 1.880/1989.

Assim, portanto, pelo seu entendimento, a falta de textual menção no assento registral aos atos legislativos municipais impediria a desqualificação do título, pois o registro imobiliário tem por função principal tornar públicas as informações relevantes sobre os imóveis.

De fato, a mat. n.º 39.202 do RI de Mogi Mirim não menciona as leis municipais que exigem autorização legislativa para a alienação ou oneração do bem imóvel. Entretanto, embora recomendável que a matrícula trouxesse tal informação, o lapso não tem o condão de tornar inócuas as leis que reclamam, como requisito de validade, a prévia autorização legislativa.

Isso porque, segundo a regra do art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”. A despeito de ser uma ficção jurídica, trata-se de princípio fundamental para a preservação da ordem e para o bom funcionamento da sociedade.

Desse modo, a falha na matrícula não é motivo que, por si só, justifique o ingresso do título recusado pelo Oficial.

Ademais, não se pode esquecer que a mat. n.º 39.202, lacunosa em relação às leis municipais, teve sua origem na mat. 29.929, também do RI de Mogi Mirim, no bojo da qual as duas leis municipais e a necessidade de autorização legislativa são mencionadas.

Note-se, ainda, que a mat. n.º 39.202 faz expressa referência ao fato de que sua origem decorre do encerramento da mat. n.º 29.929.

Daí conclui-se que, malgrado a informação não conste da mat. n.º 39.202, havia possibilidade da recorrente ter ciência da restrição imposta pelas leis municipais.

Em arremate, qualquer discussão a respeito da prescrição agitada (em recurso apenas) pela recorrente é irrelevante, especialmente nessa seara administrativa, para definir a potência registral da escritura pública de abertura de crédito com garantia hipotecária e outras avenças.

Posto isto, nego provimento à apelação.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0002681-96.2015.8.26.0363

Procedência: Mogi Mirim

Apelante: Cerântola do Brasil Indústria e Comércio Ltda.

Apelado: Oficial do Registro de Imóveis da Comarca

VOTO CONVERGENTE (n. 42.780):

1. Como já houve oportunidade de dizer em caso análogo (cf. autos 0002682-81.2015), é princípio do registro de imóveis o da legalidade, a cujo controle se obriga o registrador, submetido que se acha à integralidade do ordenamento normativo posto.

2. Desse modo, ainda que, no caso, fosse de supor – datum, neque concessum – padecer de omissão a matriz do imóvel objeto, por nela não se enunciar a necessidade de autorização legislativa para constituir-se hipoteca relativa a prédio matriculado, isto não levaria a superar o óbice ao registro da versada garantia, exatamente porque o registrador público deve observar a inteireza da legalidade.

3. Calha, de toda a sorte, que não era obrigatória a inscrição matricial dos termos das Leis ns. 1.371/1982 e 1.880/1989, de Mogi Mirim, pois ressalvada a hipótese de expressa imperação legal em contrário (p.ex., a que se refere à hipoteca legal: n. 2 do inc. I do art. 167 da Lei n. 6.015, de 31-12-1973)- , a publicidade ex lege tem o mesmo efeito presuntivo (ou ficcional) da publicidade registrária.

Sequer parece mesmo ser conveniente que o registro tenda à praxis de inscrever matéria objeto de publicidade secundum legem, salvo haja determinação legal em contrário. Já porque isto conspiraria contra as exigências econômicas de tempo, gastos, esforços e espaço na matrícula (da qual se reclama visualidade gráfica). Já porque seria inviável que, na quase infinda indicação de requisitos e condições expressas nas leis, o registro dificilmente seria integral. Já porque o excesso, na registração, é causa frequente de nulidade.

4. Por derradeiro, bem observou o r. voto de relação não ser da competência do registrador “questionar a constitucionalidade das leis municipais”. Aliás, não lhe é da competência arguir inconstitucionalidade alguma de normas ou atos normativos.

Com efeito, no domínio administrativo, a recusa da observância de norma por incompatibilidade vertical é dacompetência privativa do Chefe do Poder (em nosso caso, do Presidente de nosso Tribunal de Justiça), com incontinenti adoção de medidas para que, em via jurisdicional, venha a declarar-se a inconstitucionalidade agitada.

No território administrativo que inclui a jurisdição administrativa –, entender que todo e qualquer agente possa recusar, por aventada inconstitucionalidade, a observância da normativa, é admitir, no fim e ao cabo, o caos burocrático e a instauração da insegurança jurídica.

TERMOS EM QUE, nego provimento à apelação, acompanhando o correto r. voto de relatoria.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público (DJe de 25.11.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 29/11/2016.

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1ª VRP/SP: Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – irresignação parcial – averbação de Ata de Assembléia Geral Extraordinária – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao culto – mandato por tempo vitalício – possibilidade.

Processo 1112077-67.2016.8.26.0100 – Pedido de Providências – Tabelionato de Protestos de Títulos – Templo de Umbanda Familia Pena Azul – – Fernanda Moreira Sadiró Novaes – Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – irresignação parcial – averbação de Ata de Assembléia Geral Extraordinária – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao culto – mandato por tempo vitalício – possibilidade – Pedido prejudicadoVistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Templo de Umbanda Família Pena Azul, em face da negativa do Oficial do 5º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital em proceder à averbação da Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 02.04.2016, para a lavratura da ata de fundação e votação do Estatuto Social da Entidade. O Oficial emitiu nota devolutiva (fls.32/33), apontando várias irregularidades na redação do Estatuto Social, sendo que a requerente discordou apenas de algumas delas, quais sejam: a) que a entidade não pode ser caracterizada como “organização religiosa”, como consta em seu estatuto, pois dedica-se a outras atividades não atinentes à liturgia e culto; b) necessidade de se adequar a terminologia utilizada no Estatuto, com a consequente substituição dos termos associados, associação, sócios e sociedade; c) existência de divergência entre a data da efetiva fundação da organização religiosa constante do Estatuto (0.01.2012) e a data da Assembléia Geral na qual deliberou-se sobre a fundação (02.04.2016); d) que deve haver a fixação de mandato por prazo determinado para o Ministro Religioso. Em relação aos outros óbices, houve concordância com o cumprimento das exigências. Houve a juntada de documentos pela requerente (fls.10/35). O Ministério Público opinou pela prejudicialidade do pedido ante a impugnação parcial das exigências e, no mérito, pela parcial procedência do pedido (fls.47/51).É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador e o Douto Promotor de Justiça. Na presente hipótese houve impugnação parcial das exigências formuladas pelo Registrador. A requerente demonstrou irresignação apenas em relação a três exigências das onze formuladas, quais sejam: a) que a entidade não pode ser caracterizada como “organização religiosa” como consta em seu estatuto, pois dedica-se a outras atividades não atinentes à liturgia e culto, conforme previsto no artigo 3º, IV e VI do Estatuto; b) exigência da utilização do termo membro, em vez de associado; c) mandato de duração do ministro religioso. A concordância parcial com as exigências do Oficial prejudica o pedido, que só admite duas soluções: a determinação da averbação do título protocolado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissenso entre a apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o título pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências – e não apenas parte delas – sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura. No mérito verifico que a pretensão seria parcialmente procedente. A obediência ao Estatuto Social garante os interesses próprios da associação, nos termos em que foi criada, a par da vontade de seus associados, devendo ser clara e precisa em seus termos. De acordo com o artigo 3º , incisos IV, VI e VII do Estatuto Social:”Artigo 3º: A organização religiosa observará os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência, com as seguintes finalidades:(…)IV – manter o intercambio cultural e cooperação com entidades religiosas afins;(…)VI – dar assistência material à comunidade carente, inclusive colaborando em campanhas públicas de auxilia às pessoas;VII – promover atividades de organização associativas ligadas à Cultura, a Arte e Educação”. Vê-se que a entidade prevê em seu Estatuto prestação de serviços a terceiros que não são membros da crença. Esta peculiaridade é importante, sobretudo diante da atual jurisprudência da E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Cito:CGJSP – PROCESSO:54.191/2015 Relator:Elliot Akel”Ora, aqui a situação é completamente diferente. A recorrente prestará assistência material não a terceiros, mas, somente, a seus próprios membros, que não são associados, mas clérigos, exclusivamente. Isso não desvirtua, absolutamente, a natureza de organização religiosa da recorrente, nem lhe dá feição mista. A prestação de assistência material aos seus clérigos – Bispos, Sacerdotes Católicos e Diáconos da Igreja Católica Apostólica Romana – é inerente aos próprios fins__ da organização religiosa. Trata-se dos meios para que se alcance o fim de propagação da fé. Repita-se: nem a assistência material será prestada a terceiros, nem os membros podem associar-se como se daria numa associação qualquer. Membros, aqui, são apenas os clérigos, assim reconhecidos pela Igreja Católica Apostólica Romana.” (grifo nosso)CGJSP – PROCESSO:51.999/2015 Relator:Elliot Akel”O presente caso, contudo, é diferente. Analisando-se o estatuto da recorrente, verifica-se que ela não se dedica a outras atividades, mas apenas ao culto e à liturgia, com uma única exceção no art. 18, que menciona a assistência aosfiéis necessitados, algo que não a caracteriza como entidade religiosa mista (na lição de Pontes de Miranda).”De acordo com os ensinamentos de Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado: Parte Geral – Introdução – Pessoas físicas e jurídicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t. 1, p. 324,§ 82, 6):”6. Sociedades e associações pias ou morais. O fato de ter nome de santo, ou aludir a alguma religião o nome da associação pia, ou moral, não a faz sociedade ou associação religiosa. Sociedade religiosa é a que se dedica ao culto. Se, ao lado do culto, pratica beneficência, ou ensino moral ou assistência moral, é mista. Se o culto é secundário, cessa qualquer caracterização como sociedade ou associação religiosa.”E ainda, de acordo com Paulo Lobo (Direito Civil: parte geral. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186-187): “A CF, art. 5º, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia. Somente para esses fins pode ser considerada organização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de “organizações religiosas” para os fins da Constituição e do CC, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia. Essas outras atividades deverão ser organizadas sob outras formas de personalidade jurídica (…), ainda que seus resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa”(g.n.) Concluise que as recentes decisões elencadas modificam a posição anterior da doutrina e jurisprudência ao dizer que as organizações religiosas não estão restritas as atividades de culto e liturgia, podendo prestar assistência a seus membros. No caso em análise contata-se que o intercambio cultural e cooperação com entidades religiosas afins, bem como participação em campanhas públicas de auxílio às pessoas e atividades de organização relacionadas a Cultural, Arte e Educação, não podem ser consideradas atividades exclusivamente religiosas, tendo sido aventadas de forma ampla, sendo que sequer se restringem aos seus fiéis ou pessoas a eles relacionadas. Conforme decidido pelo MMº Juiz Josué Modesto Passos, no Processo nº 0015547-23.2013 desta Vara:”O problema posto pela má técnica da Lei n. 10.825/03, que inseriu na lei um termo (“organização religiosa”) sem dar-lhe uma definição, está em saber onde inserir a pessoa jurídica que, criada e mantida com os fins últimos de dar culto e propagar a fé, desempenhe também outras atividades, como sucede com a requerente”Ademais, o rol de pessoas jurídicas de direito privado previsto no art. 44 do Código Civil não é exaustivo, conforme o enunciado da III Jornada de Direito Civil: “144 Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.”Assim, podemos entender que também é possível a pessoa jurídica “associação religiosa”, voltada para as entidades que além do culto e baseada em princípios religiosos, prestam assistência a terceiros, sendo assim, nas palavras de Pontes de Miranda, “associações mistas”. Analisando os incisos I, II e III verifica que o Templo Família Pena Azul presta serviços religiosos consistente em propagar a fé em Jesus Cristo, realizar trabalhos espiritualistas de umbanda, visando o bem estar e a elevação espiritual do Homem e difundir o conhecimento da doutrina umbandista por todos os meios admitidos em lei. Com isso, negada a possibilidade da requerente se caracterizar como organização religiosa devido a suas atividades voltadas a terceiros, a retificação para constar em seu estatuto, como “associação religiosa” afastaria o óbice corretamente apresentado pelo Oficial. No mais, em relação ao segundo óbice, correta a exigência do Registrador. A necessidade de substituição dos termos “associados”, “associação”, “sócios” e “sociedade” está correta, já que referem-se à várias espécies de pessoas jurídicas diversas daquela escolhida pela requerente. Ao contrário do que faz crer a interessada, não se trata de mero jogo de palavras, mas a adequação técnica do Estatuto Social. A respeito do assunto já decidiu o Egrégio Conselho Superior da Magistratura:”Ressalte-se, por derradeiro, que há total pertinências nas exigências realizadas pelo zeloso registrador, quais sejam, a necessidade o emprego da correta terminologia (“associação” e “associados” e não “sociedade” e “sócios”) e do prévio registro na serventia onde esteja, arquivados seus atos constitutivos; da uniformização do nome social e, ainda, da colheita das assinaturas dos eleitos na lista de presença”. (CSMSP – Apelação Cível 00.737-6-5 – Rel. Gilberto Passos de Freitas). Não merece acolhida o pedido de requerente para constar como data real de fundação janeiro de 2012, tendo em vista que a Assembleia Geral Extraordinária, momento em que foi votado o Estatuto e deliberado sobre sua constituição, foi realizada em 02.04.2016, sendo considerada esta última. Note-se que a presença de duas datas divergentes causará dúvidas em detrimento de terceiros. Por fim, em relação ao último óbice, referente à fixação de um mandato para o ministro religioso, deve ser o estatuto claro sobre o lapso temporal de sua duração ou sobre eventual vitaliciedade. Diante do exposto, julgo prejudicado o pedido de providências formulado pelo Templo de Umbanda Família Pena Azul, em face do Oficial do 5º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, com observação. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RAFAEL NOVAES DA SILVA (OAB 300696/SP)

Fonte: DJE/SP | 29/11/2016.

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1ª VRP/SP: PP – Registro de Imóveis- Pleito de ato registrário sem o recolhimento das custas e emolumentos.

Processo 1088945-78.2016.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Noelia de Abreu – Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por Noelia de Abreu em face do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital, pleiteando que se efetue ato registrário sem o recolhimento das custas e emolumentos. Relata que, em 06.06.2016, foi lavrada perante o 26º Tabelionato de Notas da Capital, escritura de inventário e adjudicação do Espólio de Geralda de Abreu, sendo que tal ato foi praticado com isenção total de custas e emolumentos. Todavia, ao apresentar o título para registro, lhe foi exigido o depósito prévio dos emolumentos. Assim, sob o argumento da ausência de condições financeiras, requerer o registro de transferência de propriedade independentemente de pagamento. Juntou documentos às fls.08/19. O Registrador informa que o novo Código de Processo Civil não contemplou qualquer dispositivo relativo à gratuidade dos emolumentos dos atos notariais de inventário extrajudicial, bem como não houve menção quanto à gratuidade dos atos de registro. Esclarece que mesmo não sendo obrigado a acatar a gratuidade concedida pelo Tabelião, propôs uma redução no percentual de 50% dos seus emolumentos, bem como o adimplemento em 12 parcelas mensais (fls. 25/28). Intimada da proposta do Registrador, a requerente reiterou seus argumentos, afirmando que a totalidade de sua renda é utilizada para gastos necessários à sobrevivência. O Ministério Público requereu o encaminhamento do feito ao Colégio Notarial do Brasil. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Entendo não ser adequada a solicitação de parecer ao Colégio Notarial do Brasil, tendo em vista que a questão versa sob a gratuidade dos emolumentos em relação ao registro, logo, a competência para eventual análise seria da Associação dos Registradores de São Paulo (ARISP). Entre as várias inovações trazidas com o advento do Novo Código de Processo Civil, não há qualquer dispositivo específico sobre a gratuidade dos emolumentos, sendo tal tema abarcado de foram genérica nos artigos 98 a 102:”Art. 98: A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.§ 1º A gratuidade da justiça compreende:… IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido” (g.n)Ora, o dispositivo é claro ao estabelecer que somente em cumprimento de decisão judicial ou para continuidade de processo judicial deverão os registradores e notários praticar atos sem depósito das custas e emolumentos. Neste contexto, ao tratar das isenções e gratuidade, a Lei Estadual nº 11.331/2002, prevê em seu artigo 9º, II, que são gratuitos “os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo”Com efeito, a garantia da gratuidade na esfera dos emolumentos por atos de registro predial se opera por reflexo de decisão judicial proferida pelo juízo do processo que defere à parte, no feito próprio, o benefício da assistência judiciária. Logo, não é por pedido formulado ao Registrador, sem prévia decisão judicial de concessão da gratuidade, que se pode instituir a dispensa da cobrança da contraprestação pelo serviço prestado ou dos tributos devidos. Pertinente transcrever, também, trecho do parecer emitido pelo Meritíssimo Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. João Omar Marçura, aprovado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral da Justiça:’REGISTRO DE IMÓVEIS – Gratuidade da Justiça – Concessão pelo Juiz Corregedor Permanente no âmbito administrativo – Inadmissibilidade – Isenção de taxa – Necessidade de previsão legal – Recurso provido para revogar a concessão. (…) Respeitado o entendimento do ilustre corregedor permanente, a isenção depende de lei expressa e, no caso dos autos, têm-se a incidência conjugada do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal e do artigo 9º, II, da Lei Estadual 11.331/2002, de sorte que a isenção só haveria por ordem judicial, assim entendida aquela emanada de processo judicial e não administrativo, como ocorreu nestes autos. A razão de ser da Lei Estadual é clara, ou seja, visa a eficácia dos atos judiciais que se projetam no registro imobiliário.’ (Proc. CG n. 710/2003)”. Não há espaço para o exame e deferimento da gratuidade na esfera administrativa, nos termos do artigo 98 do CPC. Como bem explanou o Registrador: “a extensão do benefício aos atos extrajudiciais não necessários à efetivação da decisão judicial ou à continuidade do processo judicial seria uma interpretação da lei com uso de analogia, forma de interpretação vedada pelo Código Tributário Nacional que determina a interpretação literal nos casos de exclusão do crédito ou isenção. Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado por Noelia de Abreu em face do Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ANDRÉ FERREIRA (OAB 346619/SP)

Fonte: DJE/SP | 29/11/2016.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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