Questão esclarece dúvida acerca da usucapião extrajudicial

Usucapião extrajudicial. Área urbana. Fração mínima de parcelamento

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da usucapião extrajudicial. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: É possível a usucapião extrajudicial de áreas urbanas menores que a fração mínima de parcelamento?

Resposta:  Em se considerando a prescrição aquisitiva de posse de imóveis, que pode acontecer tanto de forma ordinária, extraordinária ou especial, e a envolver imóveis urbanos ou rurais, como previsto nos artigos 183, da Constituição Federal, 9º., da Lei 10.257/2001, e 1.238 e seguintes, do Código Civil, bem como ao que está a dispor o art. 216-A, da Lei dos Registros Públicos, a qual carrega o “status” de aquisição originária, entendemos pela regular admissão de usucapião com área inferior ao módulo determinado para o tipo de imóvel envolvido com tal prescrição de tempo de posse, uma vez não se notar nas bases legais que estão a cuidar do referido instituto qualquer indicação da necessidade de obediência a limites dessas áreas, cuja exigência, a nosso ver, fica somente para retalhamento do solo feito dentro de outras normas legais que dele venham a cuidar de forma direta, sem proveito dessa restrição para a usucapião, por vê-la como primitiva dentro do sistema registral, sem qualquer análise quanto a estar ou não resultado de eventual parcelamento do solo.

Podemos aproveitar como sustentação ao entendimento aqui exposto, r. decisão do Plenário do STF, lançada em 29 de abril de 2015, nos autos de RE 422349/RS, cujo teor encontra-se disponibilizado no site http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/STF-RExtr-422349-RS_(29abr15)_usucapiao_urbano_especial.pdf, da qual destacamos o que abaixo se segue, para uma melhor análise do aqui em trato, a saber:

Acordam, ademais, os Ministros, por maioria de votos, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, em fixar a tese de que, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote)

[…..]

Assim, a desconformidade de sua metragem com normas e posturas municipais que disciplinam os módulos urbanos em sua respectiva área territorial não podem obstar a implementação de direito constitucionalmente assegurado a quem preencher os requisitos para tanto exigidos pela Carta da República; até porque – ressalte-se – trata-se de modo originário de aquisição da propriedade.

Há que se destacar, ainda, a existência de firmes posicionamentos doutrinários a corroborar a conclusão a que aqui se chegou.

Representativo desse entendimento doutrinário é o seguinte excerto da magistral obra Tratado de Usucapião, volume I, Editora Saraiva, 2008, de autoria do eminente jurista Benedito Silvério Ribeiro: “Cabe ressaltar que a função social da propriedade pode levar a contornar requisitos urbanísticos e mesmo do plano diretor da cidade, sem o rigor inerente ao parcelamento do solo” (p. 942).

Discorrendo sobre a norma do referido artigo e posicionando-se contra a fixação, por lei municipal, de limite mínimo para esse tipo de usucapião, disserta o aludido autor, em ensinamento aplicável também para a hipótese inversa, que é a retratada nestes autos, que “não se trata de atropelar preceito sobre postura municipal, de vez que à norma constitucional deve-se atribuir máxima eficácia, cediço também que é competente a União para legislar nesse particular, conforme o inciso I, do artigo 22 da CF” (op. cit., p. 945).

Há que se ressaltar que não se está, nesta oportunidade, declarando a inconstitucionalidade de qualquer norma municipal, a qual, ressalte-se, jamais foi revelada nos autos. Tanto a sentença como o acórdão que julgou a apelação não fazem referência específica a uma determinada lei municipal. A decisão objurgada deixou, simplesmente, de aplicar o disposto no art. 183 da Constituição Federal, sob os seguintes argumentos, que passo a transcrever: “Ora, no Município de Caxias do Sul, está afirmado nos autos sem contestação, o módulo mínimo de parcelamento do solo urbano é de 360 m². Esta é a vontade manifestada pela população pela sua Casa Legislativa Municipal, a qual está autorizada a sobre a matéria se manifestar por força do que dispõe o artigo 30, incisos I, II e VIII, da Constituição Federal.

Aliás, também a legislação infraconstitucional, especificamente a já citada Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, dispõe, quando se refere ao Plano Diretor, que ‘Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; (fato notório no que toca ao Município de Caxias do Sul).’

Portanto, não somente a área que o autor pretende ver declarada a usucapião, para esses efeitos, é claro, não é considerada jurídica e legislativamente terreno ou lote, como tampouco a procedência da ação, acaso se viesse a ocorrer, estaria respeitando o conceito jurídico de função social da propriedade.

O fato, para que não se perca de vista o foco do debate, é que os autores, malgrado tenham estabelecido composse em um terreno urbano de 360 m², inclusive erigindo no local uma residência, pretendem fracionar lote urbano em total violação à lei.

Assim sendo, conquanto reconheça-se que vivemos momentos onde soluções judiciais práticas e corajosas urgem, pois a superpopulação das cidades estão na mesma proporção das demandas para regulamentação das aquisições imobiliárias, o artigo 183 da Constituição Federal não se oferece como apanágio para todos os males. Tem ele lugar em situações diversas da ora sob análise, cuja discussão acadêmica sequer disputa lugar nestes autos, que trata de caso específico.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 22/09/2016.

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STJ: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIÁRIA (TIME-SHARING). NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO. USO EXCLUSIVO E PERPÉTUO DURANTE CERTO PERÍODO ANUAL. PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETÁRIO. PENHORA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

Clique aqui e leia a íntegra do Acórdão.

Fonte: INR Publicações | 22/09/2016.

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STJ afirma que a multipropriedade imobiliária (timesharing) exibe natureza jurídica de direito real

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu, por maioria de votos, que a “a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil”.

O Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (relator primitivo), inaugurou o julgamento e afirmou:

“(…) Vale ressaltar que a adoção da forma livre de criação dos direitos reais seria capaz de promover um ambiente de insegurança jurídica aos negócios imobiliários devido à impossibilidade de se prever as formas variadas e criativas de novos direitos reais que surgiriam e os efeitos jurídicos que poderiam irradiar.

Soma-se a isso o fato de que a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), em harmonia com o princípio numerus clausus dos direitos reais perfilhado pelo ordenamento jurídico pátrio, é categórica ao estabelecer que:

“Art. 168. No Registro de imóveis serão feitas:

(…)

§ 1º No registro de imóveis serão feitas, em geral, a ‘transcrição’, a ‘inscrição’ e a ‘averbação’ dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis, reconhecidos em lei inter vivos e causa mortis, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade”. (grifou-se)

Logo, a expressão “direitos reais reconhecidos em lei” prevista no § 1º do art. 168 da Lei nº 6.015/1973 deixa claro que a taxatividade e a tipicidade dos direitos reais também alcança os atos de registro.

Nesse cenário, diante da inviabilidade de criação de um novo direito real por convenção privada, inafastável a conclusão de que o contrato de time-sharing possui a natureza jurídica de direito pessoal que está relacionado diretamente a um direito real, o do titular do bem objeto da multipropriedade.

Pelo sistema da multipropriedade, o imóvel figura como propriedade de um empreendedor que concede e organiza a utilização periódica do bem e que tem a prerrogativa de representar os titulares do contrato de time-sharing . Malgrado o nome do instituto, o direito dos adquirentes é meramente pessoal, sujeitando-se a extenso rol de preceitos obrigacionais previstos em convenção ou regulamento interno e que deverão ser respeitados a fim de possibilitar a fruição do bem.

Em verdade, trata-se de situação jurídica complexa e atípica que envolve relações obrigacionais específicas interligadas por diversas fontes de interesses – os multiproprietários entre si, e entre estes e a administração do empreendimento – em colaboração recíproca para a satisfação na utilização do bem.

(…)

Conclui-se, então, que o contrato de time-sharing não garante direito real, mas mero direito pessoal, logo, é perfeitamente possível a penhora do imóvel sob o qual incide a multipropriedade, como decidido pelo Tribunal de origem. (…)”

Nada obstante, acabou por prevalecer a tese defendida pelo Ministro João Otávio de Noronha, que cravou:

“(…) Sob a perspectiva dessa expressiva lição doutrinária, não vejo também como admitir, no contexto do Código Civil de 2002, óbice a se dotar o instituto da multipropriedade imobiliária de caráter real, especialmente sob a ótica da taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225.

Primeiro, porque o vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, não traz nenhuma vedação nem faz referência à inviabilidade de consagrar novos direitos reais. Segundo, porque com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que, circunscrito a um vínculo jurídico de aproveitamento econômico e de imediata aderência ao imóvel, detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo.

Mais reflexões poderiam ser feitas sobre o conteúdo e aspectos inerentes à multipropriedade imobiliária, que, embora tenha recebido há décadas uma boa aceitação no Brasil, submete-se a elevado grau de incertezas acerca dos direitos e prerrogativas dos multiproprietários, em especial, diante do inconcebível descuido regulador de sua disciplina jurídica pela via institucional própria, o que, certamente, tem proporcionado insegurança jurídica na formatação dessa nova figura.

Considerando o que acima expendido, com a devida vênia do Ministro relator, concluo o seguinte:

a) a multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e

b) o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição de que é cotitular para uso exclusivo e perpétuo durante certo período do ano.

Nada obstante a inexistência, em relação ao contrato de multipropriedade imobiliária, de específico tratamento normativo e, até mesmo, a intensa divergência doutrinária acerca de sua natureza jurídica, o desfecho dado à presente causa é necessário porquanto a questão sobre ser possível ou não a criação de novo instituto de direitos reais – levando-se em conta a tipicidade e o sistema de numerus clausus –, em circunstâncias como a dos autos, nas quais se verifica a superação da legislação em vigor pelos fatos sociais, não pode inibir o julgador de, adequando sua interpretação a recentes e mutantes relações jurídicas, prestar a requerida tutela jurisdicional a que a parte interessada faz jus. (…)”

A íntegra do acórdão aqui referido foi publicada no Boletim Eletrônico INR nº 7702, de 22/09/2016, e pode ser acessada aqui.

Fonte: INR Publicações | 22/09/2016.

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