TRF|2: Administrativo e civil – Pensão estatutária por morte


  
 

Companheiro – Condição não ostentada – União estável – Inexistência – Namoro qualificado – Requisitos objetivos – Publicidade, continuidade e durabilidade preenchimento – Elemento subjetivo (affectio maritalis) – Ausência – Formação da família – Projeção para o futuro – Concessão do benefício – Impossibilidade – Sentença de procedência reformada.

E M E N T A
ADMINISTRATIVO E CIVIL. PENSÃO ESTATUTÁRIA POR MORTE. COMPANHEIRO. CONDIÇÃO NÃO OSTENTADA. UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA. NAMORO QUALIFICADO. REQUISITOS OBJETIVOS. PUBLICIDADE, CONTINUIDADE E DURABILIDADE PREENCHIMENTO. ELEMENTO SUBJETIVO (AFFECTIO MARITALIS). AUSÊNCIA. FORMAÇÃO DA FAMÍLIA. PROJEÇÃO PARA O FUTURO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA.

1. Tanto a união estável quanto o namoro qualificado são relações públicas, contínuas e duradouras (requisitos objetivos). O requisito subjetivo (affectio maritalis: ânimo de constituir família) é o elemento diferenciador substancial entre ambas.

2. Na união estável, a família já está constituída e afigura um casamento durante toda a convivência, porquanto, nela, a projeção do propósito de constituir uma entidade familiar é para o presente (a família efetivamente existe). No namoro qualificado, não se denota a posse do estado de casado: se há uma intenção de constituição de família, é projetada para o futuro, através de um planejamento de formação de um núcleo familiar, que poderá ou não se concretizar. Precedente do STJ.

III. Verificado, no caso concreto, que o Autor mantinha com a falecida um namoro qualificado, não faz jus à pensão estatutária por ela instituída. Embora a relação fosse pública, contínua e duradoura, não possuía o elemento subjetivo característico da união estável. O casal planejava formar um núcleo familiar, mas não houve comunhão plena de vida.

1. Remessa necessária provida. Apelação do Autor prejudicada.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas.

Decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, dar provimento à remessa necessária, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, prejudicada a apelação do Autor, nos termos do voto do Relator, constante dos autos, e das notas taquigráficas ou registros fonográficos do julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
[Assinado eletronicamente]

SERGIO SCHWAITZER

RELATOR

R E L A T Ó R I O
Cuida-se de remessa necessária e apelação cível interposta por R. de L. P. contra sentença – fls. 479/481 – que ratificou a tutela antecipada concedida à fl. 465 e julgou procedente o pedido, condenando a UNIÃO a conceder em favor da parte autora pensão por morte de R. Q. de S., bem como a pagar as parcelas atrasadas devidas desde a data do requerimento administrativo, até a efetiva implantação da pensão, corrigidas monetariamente de acordo com o Manual de Cálculo da Justiça Federal e acrescidas de juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano, de acordo com a redação do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, antes da alteração promovida pela Lei nº 11.960/09), autorizada, ainda, a compensação com quantias recebidas no âmbito administrativo.

O Autor, Delegado de Polícia Federal, requer pensão estatutária em razão do óbito de RENATA QUINAUD DE SOUZA, Escrivã de Polícia Federal, desde a data do requerimento administrativo (11/10/2013), sob o fundamento de que vivia em união estável com a ex-servidora até a data de seu falecimento, ocorrido em 08/08/2013, durante uma operação policial em Londrina/PR. Na inicial, o Autor afirma que o casal tinha planos de se casar e conviveu sob o mesmo teto alternando moradia entre Rio de Janeiro e Paraná, mas que RENATA chegou a concorrer a dois recrutamentos para efetivar residência no RJ ao seu lado, os quais foram negados. Aduz que firmaram contrato de união estável em 09/04/2013 com aquisição de alianças matrimoniais e que, embora não tenham tido filhos, a união era pública e notória, inclusive no Serviço de Recursos Humanos da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro, que lhe concedeu LICENÇA NOJO de 08 a 16/08/2013, e perante a ASSOCIAÇÃO DE DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL, que lhe concedeu AUXÍLIO FUNERAL. O pedido de pensão por morte foi negado administrativamente em 14/11/2013 (fls. 418/435), por serem as provas uma evidência de que o Autor e a ex-servidora mantinham, há cerca de um ano, apenas um relacionamento afetivo (namoro).

Na sentença vergastada, o MM. Juízo a quo considerou comprovada a união estável, sustentando o seguinte, in verbis:
“[…] Inicialmente, verifica-se que antes de falecer a Extinta realizou com o Autor da demanda um contrato de união estável, fl. 21, em 09/04/2013. Essa prova é por demais robusta, já que demonstra que, em vida, demonstraram vontade livre e consciente de constituir família.

[…] Outrossim, tem o fato da própria União Federal ter concedido ao Autor o instituto da licença nojo. Ora, concede-se tal instituto pelo falecimento de mulher/companheira, como se verifica às fl. 29 dos autos. A Administração Pública revela comportamentos totalmente contraditórios, já que em um primeiro momento reconhece que o Autor possui uma companheira falecida e em um segundo momento nega. Tal incoerência faz emergir o instituto civilista da venire contra factum proprium, que é cediço ser aplicado também à Administração Pública. Assim, constitui-se verdadeiro ato ilícito e caracteriza prova a favor do Autor e retira da Ré seu crédito, já que, ao que parece, ela não sabe como agir.

A falta de apenas um domicílio conjugal em comum, por si só, não desconfigura a união estável, pelo contrário, é prática comezinha no serviço público federal, já que as transferências e remoções dão-se sempre, tendo em vista o interesse público e não regras de interesse particular. No mais, constam às fl. 143-179 passagens aéreas que viabilizavam encontros, contas telefônicas, compensações de horário, requerimentos de remoção e, até mesmo, um trabalho temporários em Nova Iguaçu, cidade localizada nos arredores do Rio de Janeiro. A questão de endereços diferentes era, portanto, justificada no fato de serem ambos servidores públicos federais com lotações em Estados diferentes.

Há ainda nos autos, fotos, e-mails, cópia de paginas de redes sociais, documentos que, isoladamente, não são provas cabais, mas diante de um contexto comprobatório robusto, corrobora com o meu convencimento a favor do Autor.

Realizada a audiência de instrução e julgamento, foi tomado o depoimento pessoal do Autor que se revelou seguro e coerente, assim como das testemunhas trazidas por ele, quais sejam, DJALMA (fl. 463) e TATIANA (fl. 464). Registro que DJALMA era pai da Falecida que prestou seu testemunho a favor do Autor.”
A antecipação de tutela foi concedida em audiência, tendo a Il. Magistrada observado ser “inadmissível a atitude contraditória da Administração Pública, caracterizando verdadeiro ato ilícito, de venire contra factum proprium, já que defere licença nojo, benefício dado àqueles que perderam companheiros ou parentes muito próximos e negar a pensão, sustentando tal negativa no fato do autor não possuir relação marital com a extinta”.

Na apelação de fls. 483/488, o Autor insurge-se contra a aplicação do § 4º do art. 20 do CPC e a fixação dos honorários de sucumbência em R$ 3.500,00, alegando que a presente ação não é de pequeno valor nem de valor inestimável, de modo que os honorários de sucumbência devem ser fixados em consonância com os percentuais definidos pelo art. 20, § 3º do CPC.
Contrarrazões da UNIÃO às fls. 493/497.

É o relatório.

[Assinado eletronicamente]

SERGIO SCHWAITZER

RELATOR

V O T O
Analisando minuciosamente os documentos acostados aos autos, verifica-se que a relação do Autor com a falecida servidora não configura união estável, mas namoro qualificado, um tipo de relação bastante comum atualmente e que pode ser – como vem sendo – facilmente confundido com a união estável, devido às semelhanças que possui com ela no que tange aos requisitos objetivos.

De fato, é comum encontrar, hodiernamente, namorados residindo juntos por circunstâncias da vida e interesses particulares, frequentando as respectivas casas, viajando juntos, hospedando-se nos mesmos quartos de hotéis, participando da vida familiar um do outro, usando alianças (que não são mais exclusividade de noivos e casados), compartilhando contas bancárias e fazendo poupança juntos, algumas vezes até com a intenção de formarem uma família no futuro. As relações amorosas vêm passando por transformações, com a mudança de costumes e valores.

Na diretriz da Súmula 382 do STF, o mesmo domicílio, por estar longe de constituir união estável, não vem sendo mais considerado pela jurisprudência elemento essencial à configuração da vida more uxório, eis que amigos “dividem o mesmo teto” e até mesmo namorados que não pretendem constituir família vivem juntos, por conveniência ou qualquer outro motivo particular. A coabitação, em razão das mudanças sociais, é considerada apenas um indício de união estável, e um relacionamento sério sem coabitação depende de provas robustas para ser reconhecido como união estável.

Tanto a união estável quanto o namoro qualificado são relações públicas, contínuas e duradouras, sendo que, na união estável, a família já está constituída e afigura um casamento durante toda a convivência, porquanto, nela, a projeção do propósito de constituir família é para o presente (a família existe efetivamente), enquanto, no namoro qualificado, se há uma expectativa de constituição de família, é projetada para o futuro, através de um planejamento de formação de um núcleo familiar, que poderá ou não se concretizar. No namoro qualificado, o casal faz planos para o futuro, mas ainda não vive como uma família.

Apesar de o namoro qualificado se tratar de convivência amorosa pública, contínua e duradoura, apresentando contornos de união estável, nele não se denota a posse do estado de casado, eis que, nesse tipo de relação, a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita, e a vida pessoal, a liberdade de cada um e os interesses particulares ainda são preservados.

O requisito subjetivo, então, é que distingue a união estável do namoro qualificado, devendo ser aferido caso a caso, valorando-se juridicamente os fatos. O elemento diferenciador substancial entre a união estável e o namoro qualificado é a affectio maritalis, a intenção de constituir família.

A família, no caso da união estável, deverá estar imediatamente consumada e concretizada, ao passo que, no namoro qualificado, o que existe é mera proclamação para o futuro de uma vida em comum, um objetivo futuro de constituir família, sem que haja ainda essa comunhão de vida.

Confira-se, a seguir, recente e importante julgado da 3ª Turma do Eg. STJ (REsp 1454643/RJ), no qual o Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, classificando a relação, naquele caso concreto, como namoro qualificado, ressaltou as características que o diferem da união estável, na qual “há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes”.

Naquele caso, o Tribunal não reconheceu o direito da ex-esposa (divorciada) à meação de imóvel adquirido pelo ex-marido com seus próprios recursos quando eram noivos e já moravam juntos, por entender que, antes do casamento, não viviam em união estável, mas tinham um namoro qualificado.
No paradigmático julgamento, aflora a preocupação daquela Turma em delimitar as fronteiras de cada instituto, evitando assim a generalização, sob uma mesma expressão – “união estável” -, de toda e qualquer relação amorosa séria.

Com efeito, no Acórdão assim ementado, aquele Sodalício preocupou-se em não deixar que relações com aparência de união estável, inclusive em estágio de “noivado”, produzam os mesmo efeitos no mundo jurídico que a verdadeira união estável, considerada como entidade familiar e equiparada ao casamento:

“RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.

2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.

2.1. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro – e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.

4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família.

A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento.
E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.

4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido.

Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento.

Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.

5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.

(Resp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)
No caso dos autos, infere-se que o Autor namorava a ex-servidora há aproximadamente um ano, desde setembro de 2012, e que o relacionamento, quanto aos requisitos objetivos (publicidade, continuidade e durabilidade), assemelhava-se à união estável como entidade familiar, por terem uma relação séria, sólida, contínua, duradoura e pública.

Porém, quanto ao requisito subjetivo, faltava aos namorados a concretização do compromisso pessoal e mútuo de constituir família, havendo apenas um propósito ou planejamento de formação de núcleo familiar. O próprio Autor alega que os planos de constituição de família, inclusive com filhos, não foram concretizados devido ao falecimento abrupto e prematuro da ex-servidora.

Para fins de concessão de pensão por morte a companheiro, a união estável deve existir na data do óbito do instituidor, de modo que mera expectativa, ou planejamento, de constituição de entidade familiar não autoriza a concessão do benefício, ainda que a interrupção dos planos tenha se dado por uma vicissitude da vida (acidente fatal).

A Il. Magistrada da causa observou, na sentença, que fotos, e-mails e cópias de páginas de redes sociais (fls. 284/336), isoladamente, não são provas cabais da união estável, mas, diante do contexto comprobatório, que considerou robusto, sustentou que corroboram com o convencimento a favor do Autor.
Dentre as provas que considerou decisivas para o seu convencimento, merecem destaque (a) o contrato de fl. 21 (fls. 467/468), (b) o formulário de inclusão de dependente (fls. 334/337), que, no entanto, não chegou a ser protocolizado, (c) a concessão pela Administração de licença nojo (fl. 29), (d) o depoimento pessoal do Autor (fl. 462) e (e) os depoimentos testemunhais de fls. 463/464, em especial o do pai da falecida.

No Ofício de fls. 407/417, o Delegado de Polícia Federal e Coordenador de Recursos Humanos listou vários documentos aceitos pela Administração como prova da existência de união estável, sendo exigida a apresentação de pelo menos três para concessão do benefício.

São eles (fls. 409/410 e 416): conta bancária conjunta; certidão de nascimento de filho havido em comum; certidão de casamento religioso; declaração do imposto de renda da ex-servidora que conste o Autor como dependente; disposições testamentárias; declaração especial feita perante tabelião, firmada pelos conviventes; escritura pública de união estável firmada pela ex-servidora; prova do mesmo domicílio; prova de encargos domésticos e de sociedade ou comunhão dos atos da vida civil; procuração ou fiança reciprocamente outorgada; registro em associação de qualquer natureza, que conste o interessado como dependente; ficha de assistência médica, da qual conste a ex-servidora como responsável; escritura de compra de imóvel pela ex-servidora, em nome do dependente; justificação judicial; apólice de seguro que conste a ex-servidora como instituidora e o Autor como beneficiário; registro nos assentamentos funcionais indicando relação de família ou dependência entre a ex-servidora e o Autor; contrato de plano de saúde que conste um dos interessados como dependente; comprovantes (faturas) de cartões de crédito; faturas de concessionárias de serviços públicos; documentos bancários.

No entanto, conforme informado no referido Ofício, o Autor não apresentou administrativamente nenhuma dessas provas, apenas declarações de testemunhas e contrato particular de união estável, além de documentos que demonstraram fartamente apenas a publicidade da relação amorosa, o que levou ao indeferimento do pedido, nos termos do Parecer nº 1783/2013-DELP/CRH/DGP, de 12/11/2013, ratificado pelo Parecer nº 1913/2013-DELP/CRH/DPG, de 19/12/2013.

Em que pese a comprovação da união estável prescinda da apresentação dos documentos mencionados às fls. 409/410 e 416, sendo admitidos outros documentos como prova, constatase, no caso em apreço, que as provas documentais juntadas pelo Autor nos presentes autos convencem quanto à existência de namoro qualificado, não de união estável.

Assim, um contrato particular de união estável apenas com firma reconhecida (fl. 467/468), ao qual não foi dada publicidade, não tem o condão de produzir efeitos contra terceiros, mormente no presente caso, em que somente os depoimentos testemunhais colhidos em audiência respaldam a tese autoral no sentido da existência da alegada união, já que o contexto fático-probatório dos autos evidencia a existência de outra modalidade de relação (namoro qualificado).

A formalização da união estável através de instrumento público, perante tabelião, confere maior certeza à situação de fato e garante segurança jurídica aos conviventes. Ao contrário do que ocorre com a certidão de casamento, que se impõe contra terceiros com eficácia erga omnes, o que acontece, quando a concessão de pensão por morte a companheiro é judicializada, é que, não havendo outras provas documentais convincentes da união estável, o contrato não lavrado por escritura pública, não registrado no Cartório competente e ainda celebrado sem a assinatura de testemunhas só terá validade inter partes (arts. 219 e 221 do NCC), tanto que terceiros podem rejeitá-lo, impugnando a existência da relação.

A afirmação na “Cláusula primeira” do contrato particular de fl. 467/468 no sentido de que já viviam em união estável, alternando residência entre Foz do Iguaçu/PR e Niterói/RJ, não se coaduna com o que se extrai da história narrada pelo próprio Autor e dos fatos revelados pela documentação acostada aos autos. Dentro do contexto fático-probatório, o instrumento particular evidencia, ao contrário, o compromisso de um casal de namorados com a formação no futuro de uma família, compromisso este corroborado pela compra de um par de alianças.

Em que pese o contido na “Cláusula primeira”, a vontade declarada dos contratantes não pode se sobrepor à realidade, eis que qualquer relação amorosa não oficializada por matrimônio somente gerará efeitos jurídicos se realmente se tratar de uma entidade familiar, a qual independe, inclusive, da existência de um contrato para produzir efeitos.

Conforme formulário não preenchido encaminhado por e-mail pela ex-servidora ao Autor (fls. 334/336), um dos documentos obrigatórios exigidos pelo Setor de Recursos Humanos do DPF para inclusão de dependente na condição de companheiro é a declaração pública de união estável expedida em cartório, a qual, de acordo com o art. 215 do NCC, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

Embora o Autor afirme que, em razão do óbito da ex-servidora, não tiveram tempo de formalizar sua designação como dependente junto ao Órgão a que ela estava vinculada, é mister ressaltar que, da data da assinatura do instrumento particular de fls. 467/468 até o falecimento de RENATA, passaram-se 4 meses, tempo mais do que suficiente para que o casal atendesse às exigências da Administração, ou seja, para que o documento fosse levado a registro público, ou para que a união estável fosse oficializada por meio de escritura pública, possibilitando, assim, a designação expressa junto ao Órgão.

Aliás, a escritura pública de união estável, em tese, poderia ser utilizada, inclusive, para favorecer os pedidos de transferência da ex-servidora para o RJ (fls. 228/237), local de residência também de sua família. Nesse ponto, cabe observar ainda que as tentativas de transferência comprovam apenas que a ex-servidora pretendia residir perto de seus familiares e de RUBENS, pessoa com quem estava se relacionando amorosamente, não gerando convicção acerca da alegada união estável.

Ademais, considerando que RENATA participava de operações policiais, exercendo atividade de risco, a preocupação em oficializar a união por meio de escritura pública deveria estar presente na vida do casal, para proteger, em caso de morte, os direitos do Autor como companheiro, pois, como é sabido, o namoro não gera direitos e deveres, nem consequências patrimoniais.

Ora, se a assinatura de uma escritura pública de união estável e sua comunicação ao Setor de Recursos Humanos do DPF só traria benefícios ao casal e se o óbito da ex-servidora não é justificativa para o fato de o contrato particular não ter sido levado a registro público nos quatro meses anteriores e de o formulário não ter sido protocolado no referido Setor no mesmo período, por que, então, o casal não optou por oficializar, a qualquer tempo, sua união em cartório?

Embora a inclusão como dependente seja dispensável para fins de concessão de pensão por morte, se comprovada a união estável por outros meios, a conclusão que, mais uma vez, emerge do exame das provas apresentadas é que a relação do Autor com a falecida não se tratava de união estável, mas de namoro qualificado desprovido da firme convicção de que vivenciavam uma relação familiar, tanto que a família de fato não se constituiu, sendo projetada para um futuro interrompido pela morte abrupta de RENATA.

No que se refere ao AUXÍLIO FUNERAL, foi concedido pela ASSOCIAÇÃO DE DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL, entidade de natureza privada que, conforme salientado pelo Delegado de Polícia Federal e Coordenador de Recursos Humanos (fl. 411), tem o propósito justamente de “proporcionar serviços e benefícios assistenciais, além de defender direitos e prerrogativas de seus associados”.

Apesar de ter concedido LICENÇA NOJO ao Autor, na condição de companheiro, em razão do óbito de RENATA, não está a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA vinculada, em processo administrativo distinto, aos fundamentos daquele Ato no momento da análise de outro pedido (concessão de pensão por morte).

Ademais, conforme observado pelo Delegado de Polícia Federal e Coordenador de Recursos Humanos (fl. 413), o afastamento foi concedido indevidamente, eis que o Autor não foi incluído como dependente da ex-servidora em seus assentamentos funcionais e não comprovou que vivia em união estável com a mesma.
Portanto, se o Autor também não comprovou sua condição de companheiro no processo administrativo de concessão de pensão por morte, sendo-lhe negado o benefício em observância ao princípio da legalidade, não há se falar em venire contra factum proprium, muito menos em ato ilícito.

Em relação às declarações escritas (fls. 46/53 e 378/380) e aos depoimentos colhidos em audiência (fls. 462/464), duas observações devem ser feitas.
A primeira diz respeito à natureza jurídica da união estável. Trata-se de fato jurídico que gera efeitos jurídicos. A união estável não é inaugurada nem criada por um negócio jurídico. A essência da relação não é definida pelo contrato, muito menos pelo olhar da sociedade, ou de testemunhas em audiência. Essa modalidade de união é uma situação de fato que se consolida com o decorrer do tempo (donde surgiu o requisito “relação duradoura”, ou “razoável duração”) e não depende de nenhum ato formal para se concretizar.

Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um “contrato de namoro” não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato, a união tiver sido estável. A contrario sensu, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável, o “contrato de união estável” celebrado antecipadamente à consolidação desta relação não será eficaz, ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico.

Dessa forma, embora os depoimentos colhidos em audiência tenham convencido a Il. Juíza de que o Autor e a ex-servidora eram companheiros, os documentos juntados aos autos e a história narrada pelo próprio Autor apontam outra realidade, a qual não pode ser ignorada em função da própria natureza jurídica do instituto.

E, em segundo lugar, ainda que se admitisse a prova exclusivamente testemunhal para a demonstração da união estável, a prova teria que ser precisa e indubitável. No caso dos autos, embora os depoentes tenham afirmado que o Autor e a ex-servidora viviam em união estável, as respostas acerca dos detalhes acerca da relação indicam que ambos ainda eram namorados, embora pensassem em formar uma família, conforme já constatado nas provas documentais:

(grifos nossos)

“que conheceu Renata no início de 2012”, “que quando Renata vinha ao Rio ficava sempre na residência do autor. O mesmo acontecia com o autor quando ia a Foz do Iguaçu”, “que resolveram fazer contrato de União Estável, a fim de dar uma satisfação para a família, momento no qual passaram um a ter a chave da casa do outro, que pretendiam se casar, aguardando tão somente tempo hábil para prepararem uma festa de casamento” – fl. 462 “que quando Renata vinha ao Rio ficava na casa do autor e não mais na casa dos pais, que quem tomou as providências em relação ao velório foi o autor e o depoente”, “que Renata aguardava sua transferência para o Rio de Janeiro para realizar planos de casamento formal” – fl. 463 “que não se casaram porque pretendiam fazer festa, que Renata vinha ao Rio de Janeiro ficava no apartamento do casal”, “que Renata possuía um planejamento familiar com Rubens, que ela pretendia fazer obra no apartamento e engravidar” – fl. 464 Por fim, quanto ao restante dos documentos juntados, melhor sorte não assiste ao Autor.

Compulsando os autos (fls. 273/278 e 280/283), não está claro nem mesmo que o plano de adquirir um imóvel era do casal, tanto que o Autor vendeu o próprio apartamento em 23/08/2013, poucos dias depois do óbito da namorada, para, em seguida, em 16/09/2013, comprar outro imóvel. O e-mail em que a ex-servidora compartilhou com o Autor um link com um anúncio de imóvel comprova apenas que ela o auxiliou nas pesquisas (fl. 279).

De seu turno, as confirmações de compras de passagens aéreas e os recibos de bilhetes eletrônicos (fls. 84/168 e 372), assim como as mensagens eletrônicas planejando o cronograma de compra de passagens (fls. 329/330) demonstram tão somente que, como qualquer casal apaixonado, o Autor e a falecida procuravam se ver com frequencia e sempre que possível, inclusive durante licença para capacitação (fls. 223/227), trabalho temporário em Nova Iguaçu (fls. 253/257) e horas livres acumuladas em decorrência do cumprimento de horário corrido no trabalho (fls. 238/252).

As contas telefônicas acostadas às fls. 184/217 comprovam que o casal se comunicava principalmente por telefone, em razão da distância, mas não são sequer um indício de união estável, no máximo denotam que o Autor e a falecida tinham um compromisso sério, como muitos casais de namorados que, mesmo residindo bem próximos, passam “horas a fio” ao telefone.

As fotografias de fls. 54/78, se considerados todos os outros documentos probatórios juntados, não provam nada além da existência de um relacionamento amoroso, contínuo e público entre o Autor e a falecida.

No que tange à transferência bancária realizada em 04/07/2013, no valor de R$ 1.000,00, para a conta da ex-servidora (fl. 259), reproduzo os fundamentos exarados no Ofício nº 541/2014-CRH/DGP/DPF, à fl. 414:

“não indica qualquer vinculação de tal depósito com supostas despesas ordinárias da servidora falecida, capaz de caracterizar que o requerente concorria ou contribuía diretamente para a subsistência da pessoa com quem mantinha relacionamento amoroso. A transferência demonstrada poderia ter ocorrido a qualquer título, em razão do pagamento por empréstimo, despesas assumidas em viagens ou outra circunstância não esclarecida e comprovada”.
Quanto aos comprovantes de quitação de dívidas no valor total de R$ 2.950,00, oriundas do contrato de locação do imóvel em que RENATA residia, em Foz do Iguaçu/PR, desde 2007 (fls. 259/272) e pagas à proprietária MORGANA CLAUDIA DA SILVA, a título de aluguel, condomínio e IPTU atrasados, sobrelevam as datas das transferências (posteriores ao óbito).

Tais operações não comprovam que, durante o relacionamento, o Autor participava financeiramente das despesas da residência da falecida. A existência dessas dívidas, até então desconhecidas pelo Autor, é, inclusive, um indício de que a ex-servidora preservava a sua vida pessoal, não havendo ainda “embaralhamento de vidas” ou assistência material recíproca na relação.

Os documentos de fls. 219/222, referentes à compra de um livro de Direito, feita pela internet, em nome da ex-servidora e no endereço do Autor, não comprovam que o imóvel do Autor, em Niterói, também era residência da falecida, apesar de a mesma frequenta-lo sempre que vinha ao RJ.

Destarte, tendo em vista que o Autor e a ex-servidora não chegaram a constituir família, eis que não restou configurada, no caso, a comunhão de vidas e de esforços, consubstanciada na assistência moral e material recíproca irrestrita, não faz jus o Autor à pensão por morte de RENATA QUINAUD DE SOUZA.

Face ao exposto, dou provimento à remessa necessária, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, prejudicada a apelação do Autor, como de direito, nos termos da fundamentação supra.

Condeno o Autor no pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, a teor do art. 20, § 4º do CPC.

É como voto.

[Assinado eletronicamente]
SERGIO SCHWAITZER
RELATOR

Fonte: Notariado | 11/07/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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