SEFAZ|SP: Consulta – ITCMD – Transmissão “causa mortis” e doação de direito relativo a bens móveis e imóveis – Contrato de alienação fiduciária ainda não quitado na data do fato gerador – Base de cálculo.

Ementa 

ITCMD – Transmissão “causa mortis” e doação de direito relativo a bens móveis e imóveis – Contrato de alienação fiduciária ainda não quitado na data do fato gerador – Base de cálculo.

I. Trata-se de hipótese em que o de cujus/doador não é o proprietário do bem, ocorrendo, portanto, a transmissão dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária.

II. As parcelas vincendas do contrato, na data do fato gerador, não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido, qual seja, o direito decorrente do contrato.

III. O valor venal do direito é o valor positivo obtido da subtração entre o valor venal do próprio bem – móvel ou imóvel – e o valor total que seria necessário para dar quitação às obrigações do contrato.

Relato 

1. A Consulente, entidade civil representativa dos notários do Estado de São Paulo, formula consulta a respeito da base de cálculo do ITCMD incidente na transmissão causa mortis ou doação relativa a bem objeto de contrato de alienação fiduciária com parcelas a vencer na data do fato gerador.

2. Sobre o assunto, menciona a resposta à consulta RC 686/2003, na qual esta consultoria tributária entendeu que: ( i ) as parcelas não cumpridas (não vencidas) até o falecimento do autor da herança não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido, na forma prevista pelo artigo 12 da Lei 10.705/2000, alterada pela Lei 10.992/2001, reproduzido no artigo 14 do Decreto 46.655/2002, por não ter havido a transmissão do bem aos herdeiros; e ( ii ) para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD, os direitos transmitidos devem ser avaliados com base nos valores pagos até a abertura da sucessão, sendo que eventual valor quitado pelos herdeiros antes do falecimento do autor da herança também deve compor o direito transmitido e, portanto, ser incluído na base de cálculo do ITCMD.

3. Cita também a orientação dada pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, em www.aasp.org.br/aasp/servicos/centrodeestudos/itcmd/files/assets/basic-html/page1.html, em que constou (conforme disponível na data de 30/05/2016): “nos contratos de alienação fiduciária, a propriedade do credor é resolúvel, sendo que, até a quitação do preço, o devedor alienante (falecido) é mero possuidor do bem (depositário), nos termos do artigo 1.363 do Código Civil. Sendo assim, com a abertura da sucessão, o que se transmite aos herdeiros são direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, constituídos pelos valores já quitados até aquela data, e não a propriedade do bem, detido pelo credor, ainda que resolúvel”.

4. Dessa forma, expõe que, na hipótese de existência de contrato de alienação fiduciária, para obtenção da base de cálculo do ITCMD, via de regra, seria considerado o valor das prestações pagas até a data do óbito e, nos casos de o contrato conter cláusula de seguro prevendo a quitação do saldo devedor quando da morte do fiduciante, o valor total do bem. Posicionamento esse que, no entendimento da Consulente, tem sido, efetivamente, adotado pela SEFAZ-SP.

5. Aduz que o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula nº 590, firmou o seguinte entendimento: “calcula-se o Imposto de Transmissão Causa Mortis sobre o saldo credor da promessa de compra e venda de imóvel, no momento da abertura da sucessão do promitente vendedor”.

6. Por fim, indaga qual a base de cálculo a ser considerada no momento da lavratura de escrituras públicas de doação e de inventários, nos quais constem bens com financiamento bancário e não quitados: se é o valor que foi efetivamente quitado até o momento da transmissão (parcelas pagas) ou se a base de cálculo deve ser equivalente ao valor integral do bem.

Interpretação 

7. De início, face à menção feita pela Consulente à súmula nº 590 do Supremo Tribunal Federal, cabe esclarecer que a orientação sumulada, acerca do cálculo do valor do imposto de transmissão causa mortis relativo à promessa de compra e venda de imóvel, só é apropriada para a hipótese de o de cujus ser o promitente-vendedor (proprietário do bem compromissado à venda), uma vez que, à data do óbito, ele detinha o direito de receber, do promissário-comprador, as parcelas ainda não vencidas do contrato pactuado, motivo pelo qual deve ser considerado, para o cálculo do imposto, o saldo credor da promessa de compra e venda, como restou sumulado.

8. Nesse mesmo sentido vai a previsão contida no artigo 16, III, do Decreto 46.655/2002 (RITCMD), verbis:

“Artigo 16 – O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art. 13):

(…)

III – o valor do crédito existente à data da abertura da sucessão, quando compromissado à venda pelo ‘de cujus’.

(…)” (G.N.)

9. Observe-se que a hipótese tratada na referida súmula (transmissão causa mortis de direito do promitente-vendedor em relação ao bem de sua propriedade compromissado à venda) difere da situação analisada na citada RC 686/2003, posto que, nessa resposta, o de cujus era o devedor alienante em contrato de alienação fiduciária, ou seja, era aquele que estava pagando as parcelas avençadas em contrato (e não recebendo, como acontece com o promitente-vendedor) para, após adimplir todas as obrigações previstas, obter a propriedade plena do bem.

9.1. Assim, se traçarmos um paralelo entre os dois tipos de contratos (alienação fiduciária em garantia e compromisso de compra e venda), caberia ao de cujus da resposta em estudo o papel de promissário-comprador e não o de promitente-vendedor, de que trata a súmula 590 do STF, razão pela qual essa súmula não se aplica à hipótese da RC 686/2003.

10. Desse modo, tendo em vista que a indagação da Consulente versa sobre a base de cálculo do ITCMD na transmissão causa mortis ou doação de bens com financiamento bancário não quitado, portanto, sob o ponto de vista dos herdeiros/donatários de devedor alienante em contrato de alienação fiduciária, hipótese também tratada tanto na RC 686/2003 como no pronunciamento do AASP, informamos que esta resposta irá analisar somente tal situação.

11. Sendo assim, analisaremos, em primeiro lugar, a hipótese de transmissão causa mortis de bem móvel ou imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária não quitado, a respeito da qual se verifica, consoante restou explanado na RC 686/2003, que, com a abertura da sucessão, o que se transmitiu aos herdeiros foram os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária e não a propriedade do bem. Dessa forma, como ao fiduciante (de cujus) cabia a posse direta do bem (móvel ou imóvel) e o direito à propriedade superveniente, após adimplidas todas as obrigações contratuais, são esses os direitos transferidos aos herdeiros, que também assumem as obrigações não cumpridas do contrato.

12. Nesse contexto, consigne-se que as parcelas não vencidas até o falecimento do autor da herança (data do fato gerador) não se constituem em dívida a onerar o bem transmitido nesta hipótese (que é o direito decorrente do contrato), na forma prevista pelo artigo 14 do Decreto 46.655/2002 (RITCMD), uma vez que, como já assinalado, não houve, nesse caso, a transmissão do próprio bem (móvel ou imóvel) aos herdeiros.

13. Isso posto, cabe transcrever o artigo 12 do RITCMD, que trata da base de cálculo do imposto:

“Artigo 12 – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional (Lei 10.705/00, art. 9º, com alterações da Lei 10.992/01).

§ 1º – Considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

(…)”. (G.N.)

14. Dessa maneira, como a hipótese é de transmissão de direito relativo a bem (móvel ou imóvel) objeto de contrato de alienação fiduciária, em que somente parte das parcelas foram quitadas até a data do fato gerador, trata-se, dessa forma, de se estabelecer qual é o valor venal do direito que está sendo transmitido (valor da base de cálculo).

15. Nesse ponto, observe-se que, caso tomemos, como valor do direito transmitido, a simples somatória das parcelas pagas pelo transmitente até a data do fato gerador, corremos o risco de quantificar esse direito desproporcionalmente ao valor venal do próprio bem (móvel ou imóvel) na mesma data.

16. Assim, para fins do ITCMD, para se determinar o valor venal desse direito, que já traz para aquele que o recebeu a obrigação de pagar as parcelas não vencidas do contrato, deve-se, em relação à data do fato gerador:

16.1. Levantar o valor venal do próprio bem (móvel ou imóvel), cujo direito está sendo transmitido ( A );

16.2. Calcular o valor total que seria necessário para quitar as obrigações do contrato (valor presente à data do óbito) ( B );

16.3. Obtidos tais valores (A e B), o valor venal do direito transmitido será o resultado positivo da subtração entre esses dois valores, ou seja:

Valor do direito = A – B; desde que positivo ( A > B )

17. Caso o valor total de quitação das obrigações contratuais seja superior ao valor venal do bem – móvel ou imóvel ( B > A ), não há que se falar em valor venal do direito, já que, em princípio, o valor da obrigação relativa ao bem é maior que o valor do próprio bem (móvel ou imóvel). Portanto, nesse caso, não há imposto a pagar.

18. Todavia, essa regra não pode ser aplicada quando o contrato de alienação fiduciária estiver acobertado por seguro, já que a instituição financeira, nesse caso, recebe o valor do saldo devedor no caso de morte do fiduciante, sendo, portanto, transferido aos sucessores o próprio bem (móvel ou imóvel) e não o direito relativo a ele. Nessa situação, deverá o imposto ser calculado sobre o valor venal (valor de mercado) do bem (móvel ou imóvel).

19. Por fim, firme-se que esses mesmos entendimentos são aplicáveis na hipótese de transmissão, por doação, de bem móvel ou imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária não quitado, a respeito da qual o doador figura como fiduciante.

Responsáveis pela Consulta

DENISE MARIA DE SOUSA CIRUMBOLO

Consultor Tributário

RENATA CYPRIANO DELLAMONICA

Supervisor Fiscal

IVAN OZAWA OZAI

Diretor Adjunto

Fonte: Blog 26 | 28/06/2016.

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Questão esclarece dúvida acerca de georreferenciamento para imóvel rural objeto de desapropriação

Imóvel rural. Desapropriação. Georreferenciamento

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca de georreferenciamento para imóvel rural objeto de desapropriação. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: É necessário o georreferenciamento para imóvel rural objeto de desapropriação?

Resposta: A desapropriação (seja ela amigável ou judicial) deve ser precedida de georreferenciamento. Explicamos:

No caso de desapropriação amigável, a exigência para o georreferenciamento encontra amparo no art. 176, § 4º da Lei de Registros Públicos, que determina que o “geo” deve ser exigido nos casos de transferência de propriedade. Neste caso, deve-se entender por transferência de propriedade aquela realizada voluntariamente (compra e venda, doação etc.), ou a forçada (no caso, a desapropriação). Deve-se, ainda, observar os prazos previstos para tal exigência (art. 10 do Decreto nº 4.449/2002).

Já no caso de desapropriação judicial, a exigência encontra fundamentação no art. 225, § 3º da mesma Lei, que determina a exigibilidade do “geo” quando o imóvel rural for objeto de ação judicial, independentemente da área do imóvel ou do prazo carencial, caso a ação de desapropriação tenha sido ajuizada posteriormente à edição do Decreto nº 5.570/2005. Se a ação foi ajuizada anteriormente ao Decreto mencionado, deve-se observar os prazos fixados no art. 10 do Decreto nº 4.449/2002.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 28/06/2016.

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Desde que autorizado judicialmente, é possível lavratura de inventário com testamento (SP).

DICOGE 5.1

PROCESSO Nº 2016/52695 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Parecer nº. 133/2016-E

Tabelionato de Notas – Proposta feita pelos MM. Juízes das Varas de Família e Sucessões do Foro Central da Capital, sobre a possibilidade de ser lavrada escritura pública de inventário, na hipótese de existir testamento – Decisão desta Corregedoria Geral, contrária ao pleito (Processo nº 2014/62010) – Posição revista – Inteligência do artigo 610 do novo CPC – Compreensão da função do Tabelião – Desjudicialização, como forma de desonerar os interessados e o Judiciário – Proposta acatada – Alteração das NSCGJ.

Vistos.

Trata-se de consulta formulada pelos MM. Juízes das Varas de Família e Sucessões do Foro Central da Capital, visando à alteração do posicionamento desta Corregedoria Geral da Justiça, acerca da impossibilidade de realização de inventário extrajudicial havendo testamento válido. Sustentam, em resumo: a) que a análise judicial dos requisitos formais do testamento ocorre quando do julgamento da ação de abertura, registro e cumprimento de testamento; b) que o Tabelião verifica se a partilha é efetivada dentro dos parâmetros legais, de modo que tem condições de avaliar se houve o cumprimento da real vontade do testador.

O Colégio Notarial do Brasil manifestou-se favoravelmente à proposta (fls. 38/45).

É o relatório.

Opino.

No ano de 2014, a questão da possibilidade de realização de inventário extrajudicial existindo testamento foi analisada pelo Juízo da Corregedoria Permanente da Capital e por essa Corregedoria Geral da Justiça.

Na época, a MM. Juíza da 2ª Vara de Registros Públicos da Capital decidiu que não havia óbice na lavratura do inventário extrajudicial, “tratando-se de testamento já aberto e registrado, sem interesse de menores e fundações ou dissenso entre os herdeiros e legatários, e não tendo sido identificada pelo Juízo que cuidou da abertura e registro do testamento qualquer circunstância que tornasse imprescindível a ação de inventário”.

Porém, quando o tema foi analisado por essa Corregedoria Geral da Justiça, esse entendimento não foi prestigiado.

Em parecer de maio de 2014, opinou-se pela vedação da lavratura de escritura pública de inventário, na hipótese de existir testamento, ainda que todos os herdeiros fossem capazes e estivessem de acordo com a partilha, e não havendo fundação (Processo 2014/62010).

O entendimento exposto no parecer baseou-se, principalmente, na superficialidade da análise que o Juiz faz quando da apresentação do testamento, restringindo-se aos aspectos formais e extrínsecos, não se tratando de uma declaração definitiva da perfeição do ato de última vontade, mas, apenas, autorização para que se inicie a execução da vontade do falecido. Assim, caso a tese da possibilidade de se realizar inventário extrajudicial prevalecesse, retirar-se-ia do Juiz o poder de identificar cláusulas testamentárias que permitissem interpretações distintas (artigo 1.899 do Código Civil), disposições nulas (artigo 1900 do Código Civil) ou que demandassem aplicação das regras interpretativas previstas nos artigos 1.901 e 1.911 do Código Civil.

O parecer foi aprovado, agregando-se, ainda, outros fundamentos: a) sucessão legítima e sucessão testamentária revelam diversidade estrutural e funcional; b) a presidência do inventário por Juiz de Direito garante o cumprimento da vontade do testador e a proteção de interesses de familiares próximos; c) inadequação da apreciação de questões de conteúdo não patrimonial pelo tabelião; d) a interpretação das normas testamentárias é atividade própria de Juiz.

Não obstante o respeito guardado pelo posicionamento anterior e, da mesma maneira, por seus defensores, entendo que a questão possa ser revista. E passo a expor as razões para tanto.

Começo pela análise do art. 610, do Código de Processo Civil, que parece, numa primeira leitura, configurar o empecilho legal à iniciativa.

Dispõem o art. 610 e seu §1º, do Código de Processo Civil:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.

  • 1 Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

A leitura do caput não deixa margem à dúvida de que o inventário deva ser judicial, em dois casos: havendo interessado incapaz ou testamento. No entanto, insta examinar a razão pela qual se determina a forma judicial, em cada um dos casos.

No primeiro caso, a razão é evidente. O legislador pressupõe a necessidade de intervenção judicial e o acompanhamento pelo Ministério Público, em todas as fases do processo de inventário, por conta da hipossuficiência inerente à incapacidade de um dos interessados.

No segundo caso – existência de testamento -, qual seria a razão para se processar o inventário, exclusivamente, em juízo?

Não há qualquer interesse juridicamente preponderante a ser protegido, a priori.

O fundamento, segundo penso, reside no fato de que, havendo testamento, o próprio Código de Processo Civil – na esteira do que já fazia o diploma de 73 – estabelece a forma como se inicia o procedimento. Cuida-se dos artigos 735 a 737, que tratam dos testamentos – cerrado e público – e codicilos.

Tais artigos encontram-se no capítulo sobre os procedimentos de jurisdição voluntária. Indaga-se, no entanto, qual a natureza desses procedimentos? Sem ingressar na polêmica sobre o atual conceito de jurisdição, cabe, para o presente estudo, adotar a tese ainda hoje aceita, cunhada, ainda nos anos cinquenta do século passado, por Frederico Marques.

Para o autor, a jurisdição voluntária não é jurisdição, mas atividade anômala dos Juízes e Tribunais, a eles conferida por força da tradição. Diz Frederico Marques: “Não se trata de atividade jurisdicional, malgrado o nome que ostenta; e, no entender de muitos, é função que pode ser atribuída, com igual nomen juris, a órgãos não judiciários.”1

Sob seu ponto de vista, não obstante parte da doutrina conceitue a jurisdição voluntária como função materialmente administrativa e formalmente jurisdicional, é preferível dizer que “a jurisdição voluntária é atividade administrativa, sob o aspecto material, e de caráter judiciário, do ponto de vista subjetivo; e isto porque distinguimos jurisdição de função judiciária em sentido estrito.”2

Define a jurisdição voluntária, assim, em contraposição à verdadeira jurisdição – a contenciosa -, dizendo: “A impropriamente denominada jurisdição voluntária, que não é voluntária nem jurisdição, constitui função estatal de administração pública de direitos de ordem privada, que o Estado exerce, preventivamente, através de órgãos judiciários, com o fito e objetivo de construir relações jurídicas, ou de modificar e desenvolver relações já existentes.”3

A jurisdição voluntária é, na verdade, espécie do gênero administração pública de interesses privados. Possui, basicamente, duas características que a diferenciam:

  1. a) como função estatal, ela tem natureza administrativa, do ponto de vista material, e é ato judiciário, do ponto de vista subjetivo ou orgânico;
  2. b) em relação às suas finalidades, é função preventiva e também constitutiva.

O que se conclui dessa breve digressão é que o procedimento de abertura, registro, arquivamento e determinação de cumprimento do testamento, que constitui o teor dos artigos 735 a 737, centra-se no Poder Judiciário por meras razões históricas.

Nada impediria que, cuidando-se de funções materialmente administrativas, elas fossem delegadas a outra esfera. Aliás, é o que ocorreu com o inventário, em regra.

Retomando: havendo testamento, o inventário processa-se judicialmente. Por quê? Porque sua fase inicial tem origem no Poder Judiciário. Mas isso seria razão para que todas as demais fases do procedimento de inventário também corressem perante o Poder Judiciário? Ora, se, como visto, a própria fase inicial poderia, sem qualquer problema, diante de sua natureza ontológica, ser realocada para a esfera administrativa, é imperioso analisar se as demais fases também o poderiam.

A resposta a essa questão encontra-se, no meu ponto de vista, no §1º, do art. 610: se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública. Significa dizer: ultrapassada a fase de abertura, registro, arquivamento e determinação de cumprimento do testamento – procedimento de jurisdição voluntária -, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública.

Parece-me, sempre guardado o devido respeito à opinião contrária, a maneira mais correta de entender a intenção do legislador, quando delegou às serventias extrajudiciais a função de fazer inventários e partilhas por escritura pública, sendo os interessados capazes e concordes.

Estabelece-se, dessa forma, um procedimento misto: cumpre-se a fase de jurisdição voluntária perante a Vara das Sucessões – com análise dos requisitos extrínsecos e de validade do testamento, inclusive com a intervenção do Ministério Público – e, presentes os requisitos do art. 610, §1º, do Código de Processo Civil, faculta-se aos interessados realizar o inventário e a partilha extrajudicialmente.

Aliás, o mero fato de se tratar de um procedimento de jurisdição voluntária não impede, de forma alguma, que o Juiz analise eventual impossibilidade, de qualquer natureza, de remessa à via extrajudicial. Aliás, deve fazê-lo. Como se verá, na redação que se propõe, a autorização do Juiz das Sucessões é condição necessária para o envio. E mesmo o Tabelião, à vista de alguma circunstância que indique, a seu sentir, malgrado a autorização do Juiz das Sucessões, eventual impossibilidade de realização do inventário, poderá submeter a questão ao Juiz Corregedor Permanente.

Argumenta-se, no entanto, que a razão de se processar o inventário, com testamento, perante o Juiz cifra-se na circunstância de apenas a ele ser conferido o poder de interpretar as disposições testamentárias e examinar requisitos de validade, o que se faria, somente, na fase de execução do testamento e não na fase da jurisdição voluntária.

Discordo desse raciocínio.

A interpretação das cláusulas testamentárias e a verificação dos requisitos de validade situam-se no campo da análise das questões de direito. E tal análise, segundo entendo, pode ser feita, também, pelo Tabelião.

Por duas razões: em primeiro lugar, porque, se perante os Tabeliães lavra-se, necessariamente, o testamento público, justamente sob o pressuposto da redução de ambiguidades e nulidades, não se vê por que eles não seriam capazes de interpretar os testamentos em geral (aliás, o Tabelião é, por definição, o profissional responsável por garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios); em segundo lugar, porque a escolha por lhes delegar essa função já foi, em parte, feita pelo legislador, quando deslocou os inventários e partilhas às serventias extrajudiciais, desde que presentes duas vitais condições: capacidade dos interessados e concordância entre eles. Ora, em inventários e partilhas, sem testamento, com interessados capazes e concordes, poderia haver, da mesma forma, ilegalidades. Não obstante, o legislador atribuiu aos Tabeliães o poder de realizá-los, confiando em que saberão evitá-las.

Repito: o Tabelião, segundo a Lei 8.935/94 e as NSCGJ, é o profissional responsável por garantir a eficácia da lei e a segurança jurídica, sendo seu dever aconselhar as partes e realizar a qualificação de suas manifestações de vontade.

Coerentemente, o Código Civil impõe que os testamentos públicos sejam lavrados em sua presença e que os cerrados sejam por ele aprovados. Vale dizer, no momento mais importante, que é a lavratura do testamento, quando se aconselha o testador, se qualifica juridicamente a sua vontade, de forma a impedir invalidades e a evitar ambiguidades nas disposições testamentárias, a lei impõe a presença do Tabelião.

Se é assim, soa incongruente que se conclua que, no momento de interpretar aquilo que só pôde ser feito, da forma e com o conteúdo como foi feito, em virtude da presença do Tabelião, esse mesmo Tabelião seja alijado da possibilidade de exame do testamento.

Some-se a isso o fato de que estamos tratando de hipótese de interessados capazes e concordes, o que reduz, em muito, a possibilidade de controvérsia e a necessidade de interpretação das disposições testamentárias. Ainda que problemas dessa ordem houvesse, eles seriam excepcionais. Não se pode, contudo, fixar regras com base na excepcionalidade, mas, sim, pensando no que geralmente ocorre.

Finalmente, há de se destacar o Enunciado nº 600, da VII Jornada de Direito Civil, ocorrida em Brasília, entre os dias 28 e 29 de setembro de 2015, sob a coordenação geral do Ministro Ruy Rosado de Aguiar: “Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.” Consigne-se que o grupo que debateu o tema de família e sucessões foi coordenado pelo Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Otavio Luiz Rodrigues Junior. O peso de ambos os coordenadores deixa entrever que não se trata de posição assumida sem reflexão.

O que se disse, até aqui, parece suficiente para afastar os óbices de natureza conceitual. Insta, agora, raciocinar em termos práticos.

É clara a posição do legislador, atualmente, de estimular a desjudicialização dos procedimentos, principalmente nas hipóteses em que ausente conflito. Aliás, já era essa a direção apontada com a edição da Lei n. 11.441/07, que possibilitou, além do inventário e partilha, a realização de separação e divórcio consensual na via administrativa. Outro recente exemplo a ser mencionado é a usucapião administrativa, prevista no art. 1.071, do Código de Processo Civil.

Visa-se, com isso, a desburocratizar os procedimentos, tornando-os mais céleres. Ao mesmo tempo em que o deslocamento à via extrajudicial alcança esse desiderato, desafoga-se o Poder Judiciário. Ganha-se duas vezes: o serviço aos interessados torna-se mais eficaz e o Judiciário centra suas forças naquilo que é realmente relevante, a saber, dirimir conflitos. Em uma expressão: prestigia-se a pacificação social.

Conforme apontam as estatísticas do Colégio Notarial, gestor da Central de Separações, Divórcios e Inventários, no Estado de São Paulo, já ocorreram 320.985 procedimentos extrajudiciais dessa natureza, desde a entrada em vigor da Lei n. 11.441/07.

Ou seja, uma gama enorme de processos deixou de ingressar no Judiciário. E não consta, desde então, que o jurisdicionado desaprove essa diretriz.

No mesmo sentido, é interessante lembrar que o requerimento que ora se analisa não partiu do Colégio Notarial, mas de Juízes da Família e Sucessões do Fórum João Mendes Junior. Não se trata, portanto, de um pleito corporativo – embora, evidentemente, seja do interesse dos Notários que a iniciativa floresça.

Por fim, não se diga que se está pretendendo legislar, por meio das Normas de Serviço. Trata-se, ao contrário, de mera exegese, baseada no exame axiológico e sistemático do tema, o que não significa exercer a função de legislador positivo.

Ante o exposto, o parecer que ofereço propõe, respeitosamente, que se permita a realização de inventários extrajudiciais, mesmo se existente testamento, desde que os interessados sejam capazes e concordes, e que haja expressa autorização do

Juízo Sucessório.

Sub censura.

São Paulo, 14 de junho de 2016.

(a) Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

Notas de Rodapé

1 MARQUES, José Frederico, Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária, Campinas:Millennium, 2000, p. 15. O conceito de jurisdição defendido pelo autor é aquele delineado por Carnelutti, tendo a lide como ponto central, cabendo ao juiz compô-la, afirmando qual das pretensões deve ser tutelada. O traço distintivo da jurisdição é que o exercício dessa função está ligado a uma pretensão. Lado a lado com a construção de Carnelutti, Frederico Marques também coloca em relevo a característica sempre apontada por Chiovenda – a substitutividade: “A função jurisdicional tem assim caráter substitutivo. O juiz se substitui às partes em litígio para dizer e tornar efetiva a regra legal que deve regular a situação jurídica em que se verificou o conflito de interesses.” (p. 43).

2 ob. cit., p. 15/16.

3 ob. cit., p. 59.

DECISÃO: Aprovo, pelas razões expostas, a edição do Provimento sugerido, conforme minuta apresentada, a ser publicado, juntamente com o parecer, por três vezes, em dias alternados, no DJE. Publique-se. São Paulo, 17 de junho de 2016. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça. (DJe de 28.06.2016 – SP)

_______________

Provimento CGJ N.º 37/2016

Altera o item 129, do Capítulo XIV, das NSCGJ, incluindo subitens.

O DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA, NO USO DE SUAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS,

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento do texto da normatização administrativa;

CONSIDERANDO o exposto, sugerido e decidido nos autos do processo n.º 2016/00052695;

RESOLVE:

Artigo 1º – Dar nova redação ao item 129 e subitens, do Capítulo XIV, das NSCGJ, nos termos que seguem:

  1. Diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, que constituirá título hábil para o registro imobiliário.

129.1 Poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública, também, nos casos de testamento revogado ou caduco, ou quando houver decisão judicial, com trânsito em julgado, declarando a invalidade do testamento, observadas a capacidade e a concordância dos herdeiros.

129.2. Nas hipóteses do subitem 129.1, o Tabelião de Notas solicitará, previamente, a certidão do testamento e, constatada a existência de disposição reconhecendo filho ou qualquer outra declaração irrevogável, a lavratura de escritura pública de inventário e partilha ficará vedada, e o inventário far-se-á judicialmente.

Artigo 2º – Este provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.

São Paulo, 17 de junho de 2016.

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça

Fonte: DJE/SP | 28/06/2016.

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