TRISTEZA EM PÓ – Por Amilton Alvares

*Amilton Alvares

Daniele Toledo do Prado relata, em seu livro “Tristeza em pó”, os horrores de uma jornada infernal em que foi acusada de matar a própria filha de um ano de idade. Ela foi chamada pela imprensa de “o monstro da mamadeira”, pois teria colocado cocaína na mamadeira da filha Victória. A Autora tinha vinte e um anos de idade na época. Foi presa e espancada na cadeia. Com uma sandália havaiana, outras detentas martelaram uma caneta no ouvido de Daniele. A caneta penetrou por inteiro e quebrou. Daniele perdeu a audição e a visão do lado direito do corpo, que também teve a mobilidade comprometida. Faz dez anos, e tudo aconteceu no eixo Rio-São Paulo, envolvendo as cidades de Taubaté, Pindamonhangaba e Caçapava.

Triste! Muito triste! A revelar que o clamor público por prisão, sem processo ou sem as garantias do devido processo legal e da ampla defesa, pode levar a aberrações como essa. Quando atuei na persecução criminal como órgão de acusação, nunca tive dúvidas de que é melhor um bandido na rua do que um inocente na prisão. Continuo pensando da mesma forma. E fatos lamentáveis, como essa brutal injustiça enfrentada por Daniele, com danos irreparáveis decorrentes da prisão cautelar, devem servir de alerta neste momento em que há clamor público por alargamento do encarceramento provisório e redução de recursos em liberdade, o que pode comprometer até mesmo as garantias da ampla defesa no processo penal.

A Autora move ação de indenização contra o Estado. Dinheiro e indenização jamais poderão reparar o dano sofrido por Daniele. Porque a justiça dos homens é muito diferente da justiça de Deus. Deus atira os nossos pecados perdoados nas profundezas do mar e deles não mais se lembra (Miquéias 7:19). Para prevenir dano moral e prejuízo à reputação, Deus ainda coloca uma placa no local dizendo que é proibido pescar. Aqui sempre há conseqüências danosas. Neste mundo de injustiças, as marcas e cicatrizes permanecem, sangram na alma e doem até a morte. Só mesmo o Espírito Santo de Deus poderá restaurar a vida desta jovem de trinta e um anos de idade. Senhor tem misericórdia da moça!

Açodamento não combina com segurança. Estamos vivendo tempos difíceis em nossa Pátria. Muita coisa boa tem acontecido na movimentação da Justiça, que hoje realiza feitos jamais imaginados. Mas o anseio por mudanças não pode levar a radicalizações e precipitações. Veja a advertência de Provérbios 21:5 – “ Os planos bem elaborados levam à fartura; mas o apressado sempre acaba na miséria”. Não há miséria maior do que a injustiça. A memória de Deus apaga todas as nossas transgressões, mas a mente humana não esquece. É bom ter em conta que só Deus é justo juiz. E Jesus de Nazaré, o nosso Advogado, está sempre pronto a interceder por nós, perdoando os nossos pecados diante do arrependimento (1ª João 2:1-2). A justiça dos homens não tem esse mecanismo de segurança. Não há Advogado como Jesus – o Cristo, pagador e perdoador de pecados. Então é bom preservar o que já temos em termos de segurança, pois, depois, não adianta chorar o leite derramado das perdas.

________

* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este devocional: ALVARES, Amilton. TRISTEZA EM PÓ. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 100/2016, de 01/06/2016. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2016/05/30/a-caminho-do-juizo-final-por-amilton-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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Artigo: O papel do notário no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro – Por José Flávio Bueno Fischer

*José Flávio Bueno Fischer

Todos nós temos acompanhado os escândalos de corrupção que têm assolado o Brasil nos últimos tempos e estamos cientes da importância das instituições, como Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, no combate e punição a este tipo de crime que prejudica gravemente a população brasileira. O que poucos sabem, no entanto, é a importância e o papel do notário, como verdadeiro colaborador do Estado e da população, no combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

E, diante da crescente desvalorização que os notários têm sofrido no Brasil, com diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional na tentativa de limitar sua autonomia e independência funcional, torna-se muito importante deixarmos claro o fundamental papel do notário como essencial colaborador da Sociedade, especialmente neste cenário político-econômico tão delicado que estamos vivendo hoje.

Com efeito, a intervenção do notário é de grande vantagem na luta contra a crescente criminalidade nas estruturas econômicas, uma vez que suas características lhe permitem proporcionar um importante serviço de controle de legalidade, em virtude de sua independência profissional e de sua competência especializada. O adequado manejo e sistematização da documentação a seu cargo, por meio de seguros e modernos mecanismos de guarda e conservação, permitem a rastreabilidade das operações pelos Órgãos Estatais de forma rápida e eficiente.

Vejamos, neste sentido, a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, que está sendo considerada uma das mais fundamentais ferramentas de combate ao crime organizado, em especial os de lavagem de dinheiro.

A CENSEC é um sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal – CNB/CF, que tem por finalidade gerenciar um banco de dados com informações sobre existência de testamentos, procurações e escrituras públicas de qualquer natureza, inclusive separações, divórcios e inventários lavradas em todos os cartórios do Brasil. Através desta Central, é possível o intercâmbio de documentos eletrônicos entre os 10 mil cartórios notariais do País, o que possibilita a rastreabilidade rápida e eficiente, pelos Órgãos Estatais, de atos notariais lavrados até mesmo em cidades pequenas e distantes do Brasil.

À título de ilustração, vejamos um exemplo de um fraudador que compra um imóvel no Rio Grande do Sul para lavar dinheiro e, em razão dos recursos da compra serem ilegais, coloca o imóvel em nome de um terceiro, um “laranja”. O terceiro, então, na condição de aparente proprietário do imóvel, outorga uma procuração para o fraudador no Rio de Janeiro, dando-lhe poderes para a venda do imóvel. Antes da CENSEC, era quase impossível saber que o fraudador havia participado do negócio, em razão da procuração ter sido outorgada em outro Estado. Agora, com a Central, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia têm uma ferramenta efetiva de investigação, através da pesquisa eletrônica dos atos notariais praticados em todo País.

Com a CENSEC, que combina segurança tecnológica com segurança jurídica, o notariado brasileiro se tornou um aliado ainda mais forte do Estado na rastreabilidade das operações e, consequentemente, na luta contra a lavagem de dinheiro e contra o preocupante crescimento da criminalidade e da corrupção e de sua penetração nas estruturas econômicas e estatais.

Além disso, na última sexta-feira, dia 20 de maio, foi realizada reunião na sede da Receita Federal do Brasil, em Brasília, para dar início as tratativas entre o notariado brasileiro e o principal órgão administrativo de gestão e execução das atividades de arrecadação, lançamento e cobrança de tributos federais, com o objetivo de fechar parcerias para maior segurança jurídica na comunicação de transações imobiliárias e da criação, alteração e extinção de empresas mercantis.

De acordo com notícia veiculada no site do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal[1], um dos assuntos bastante debatidos na reunião foi a importância da escritura pública notarial nos atos de constituição, alteração e extinção de empresas, visando à prévia qualificação e, consequentemente, maior agilidade nos processos de registro junto aos órgãos competentes, redundando, ainda, em maior transparência e eficiência na fiscalização destes atos empresariais.

Atualmente, no Brasil, não é exigida, por lei, escritura pública, e nem mesmo reconhecimento de firma, para atos de constituição, alteração e extinção de empresas. Em razão disso, muitas pessoas que tiveram seus documentos perdidos ou roubados foram vítimas de fraude e surpreendidas por dívidas decorrentes da inserção de seu nome como sócio “laranja” em empresas “fantasmas”.

Aliás, justamente em razão de tentativas rotineiras de falsificação de assinatura em documentos societários levados a registro, as Juntas Comerciais de alguns Estados brasileiros, como Mato Grosso, Tocantins, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro, passaram a adotar, por meio de resolução, a obrigatoriedade do reconhecimento de firma nos atos a serem arquivados.[2]

Melhor ainda, no entanto, é a alternativa trazida na reunião do Notariado brasileiro com a Receita Federal, da escritura pública para os atos de constituição, alteração e extinção de empresas, pois somente a escritura permite aos órgãos responsáveis pela fiscalização pública rastrearem contratos sociais e possível existência de “laranjas”, evitando fraudes.

Assim, é inegável que a intervenção do notário é essencial para o Estado e para a Sociedade na luta contra a corrupção, a fraude e a lavagem de dinheiro. A CENSEC e a disponibilidade do Notariado Brasileiro em trabalhar em conjunto com órgãos estatais buscando medidas para coibir estes crimes, a exemplo da reunião realizada com a Receita Federal, acima mencionada, comprovam que os notários sempre estiveram e estão mobilizados pela contínua melhora do nosso país.

Na medida em que o notário preserva para o Estado os valores de segurança jurídica e legalidade dos negócios, prevenindo litígios e auxiliando no combate à corrupção e à criminalidade, é merecedor da confiança estatal, na qualidade de delegado de uma função pública, sendo um importante instrumento do Estado Democrático pós-moderno na busca pela paz social.


[1] COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL. CNB/CF debate integração de base de dados com a Receita Federal e parceria nos atos empresariais. Notícia publicada em 24.05.2016. Disponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NzYxMA==. Acesso em 25 mai 2016.

[2] COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL – CONSELHO FEDERAL. Juntas Comerciais adotam reconhecimento de firma como mecanismo de prevenção contra fraudes com documentos. Notícia publicada em 26.10.2015. Disponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NjU0Nw. Acesso em 20 nov 2015.

______________________

* José Flávio Bueno Fischer – 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF, membro do Conselho de Direção da UINL

Fonte: Notariado | 31/05/2016.

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CGJ/SP: Tabelião de Notas – Escritura pública de inventário e partilha – Espólio, que não detém capacidade, não pode ser parte na escritura, quanto mais diante da presença de interessados menores – Pena de repreensão bem aplicada – Sentença mantida.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2015/50558
(126/2015-E)

Tabelião de Notas – Escritura pública de inventário e partilha – Espólio, que não detém capacidade, não pode ser parte na escritura, quanto mais diante da presença de interessados menores – Pena de repreensão bem aplicada – Sentença mantida.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo tirado em face de sentença que condenou o recorrente à pena de repreensão, diante da lavratura de escritura pública de inventário e partilha, tendo como uma das partes Espólio, representado por inventariante. Verificou-se que a escritura pública de inventário referiu-se à partilha dos bens de Nelson António Vieira. Ele faleceu em 19 de maio de 2006 e, quando do falecimento, eram seus herdeiros, todos maiores e capazes: Maria Silvia Vieira, Tânia Vieira, Nelson António Vieira Júnior e Ana Maria Vieira Afonso. Porém, a escritura pública de inventário e partilha só foi lavrada em 13 de dezembro de 2012, quando a herdeira Ana Maria Vieira Afonso já havia falecido. Por isso, figurou, como parte, seu Espólio, representado pelo viúvo, inventariante. No entanto, dois foram os problemas: em primeiro lugar, o inventário de Ana Maria Vieira Afonso ainda não havia sido aberto. Só o foi em 14 de março de 2013 e o viúvo, Leonardo Moreno Afonso, só foi nomeado para o cargo de inventariante em 23 de maio de 2013. Portanto, ao tempo da lavratura da escritura, ao contrário do que nela constou, não havia ainda “inventariante”; em segundo lugar, Ana Maria Vieira Afonso deixou dois filhos menores que, portanto, eram interessados na partilha dos bens de Nelson António Vieira. Logo, houve violação do que preceitua o art. 982, do Código de Processo Civil.

Em seu recurso, o apenado alega, em síntese, que a escritura não padeceu de qualquer vício e que não houve falta disciplinar. Afirma que a transmissão dos bens de Nelson António Vieira deu-se com a morte, pelo princípio da saisine. Ao tempo de sua morte, havia quatro herdeiros capazes. E todos eles compareceram ao ato notarial. A filha Ana Maria faleceu após a morte de Nelson António Vieira, mas antes da lavratura da escritura. Contudo, ao tempo em que faleceu, já havia herdado o respectivo quinhão dos bens de seu pai. Por isso, foi representada, na escritura pública, pelo Espólio. As filhas menores de Ana Maria não são parte na escritura e, no que diz respeito a elas, foi aberto inventário judicial, para que recebam seu quinhão. Diante desse quadro, o apenado entende que não havia óbice ao inventário extrajudicial, uma vez que nenhum incapaz era parte na escritura.

Assevera que primeiro se faz o inventário extrajudicial e a partilha de bens aos quatro filhos herdeiros e, depois, transmitido o quinhão de Ana Maria, ele é partilhado, novamente, no inventário judicial aberto. Não se trata de inventários conjuntos ou de sucessão por representação, mas, sim, de inventários sucessivos.

Alega, ademais, que não houve qualquer prejuízo aos menores e que a solução judicial teria sido a mesma do inventário extrajudicial. Por fim, no que toca ao fato de ter constado que o viúvo de Ana Maria era inventariante – sem inventário ainda aberto –, aduz que houve mero erro de semântica. Ele não era inventariante, mas administrador provisório e a escritura foi retificada posteriormente.

É o breve relato.

Passo a opinar.

O recurso não comporta provimento.

A exposição dos fatos já foi feita no relatório. Urge, pois, responder à questão central: o Tabelião poderia ter lavrado a escritura pública de inventário e partilha apontando como uma das partes, um dos herdeiros, o Espólio de Ana Maria Vieira Afonso? A resposta é negativa, por duas razões.

Em primeiro lugar, Espólio não pode figurar como parte, herdeiro, em escritura pública de inventário e partilha, por conta de falta de capacidade. Isso contrariaria o art. 982, do Código de Processo Civil.

A questão é respondida com clareza pela Professora Juliana da Fonseca Bonates, especialista no tema: “Se algum herdeiro falecer antes de ultimada a partilha extrajudicial, esta só continuara possível se a partilha desse herdeiro pós morto for realizada anteriormente, de modo que os herdeiros do herdeiro possam participar em nome próprio. Também pode ser lavrada a escritura de partilha extrajudicial da sucessão que primeiro abriu, desde que o segundo inventário também possa ser resolvido dessa maneira, e todos os que houvessem de participar deste último concordem com aquele que estava pendente. Embora o espólio possa transigir com autorização judicial (Código de Processo Civil, art. 992, II) não poderá ser considerado ‘capaz’ (Código de Processo Civil, art. 982, com a nova redação dada pela Lei 11.441/2007, e Código Civil, art. 2.016) para a partilha amigável extrajudicial. É da essência da via administrativa que não seja necessário suprir a incapacidade de nenhum interessado, muito menos obter autorização judicial. De qualquer modo, os herdeiros do herdeiro são interessados, e sem sua participação a escritura não poderá ser lavrada.” (in Separação, divorcio, partilhas e inventários extrajudiciais – Questionamentos sobre a Lei 11.441/2007, coord. António Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz Delgado, p. 321). O espólio é nada mais do que uma universalidade de bens, uma entidade sem personalidade jurídica, representada, judicial e extrajudicialmente, pelo inventariante ou, antes dele, pelo administrador provisório. Não se enquadra, portanto, no conceito de “agente capaz” previsto no art. 982, do Código de Processo Civil.

Aliás, é preocupante a compreensão que o apenado tem do art. 11, da Resolução n° 35, do Conselho Nacional da Justiça:

Art 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil.

Da leitura desse artigo, o Tabelião compreende que existe autorização para que Espólio figure, como parte, no ato notarial. Nada mais equivocado.

Disposição semelhante está nos itens 105 e 105.1, do Capítulo XIV, das NSCGJ:

105. É obrigatória a nomeação de inventariante extrajudicial, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil.

105.1. A nomeação do inventariante extrajudicial pode se dar por escritura pública autónoma assinada por todos os herdeiros para cumprimento de obrigações do espólio e levantamento de valores, poderá ainda o inventariante nomeado reunir todos os documentos e recolher os tributos, viabilizando a lavratura da escritura de inventário.

Ora, o Espólio, a que se referem o art. 11 e os itens 105 e 105.1 é a universalidade de bens objeto do inventário extrajudicial. Como pode haver obrigações ativas e passivas pendentes, é obrigatória a nomeação de um inventariante, que representará o Espolio, tal como se faz, aliás, nos inventários judiciais.

Em nenhum momento, absolutamente, o art. 11 e os itens 105 e 105.1 autorizam a interpretação de que Espólio possa figurar, como parte, herdeiro, em escritura pública de inventário e partilha.

A segunda razão que impedia a lavratura da escritura era o fato de que havia, sim, interessados menores. Ressalte-se: interessados. Não se afirma que os menores, herdeiros de Ana Maria, sejam herdeiros de Nelson António Vieira.

Ninguém disse isso. Mas que eram interessados no inventário extrajudicial, é claro que eram.

Afinal de contas, o Espólio de Ana Maria Vieira Afonso era, como visto, a universalidade de bens que ela deixou. E, segundo o princípio da saisine – tão ressaltado pelo Tabelião – também essa universalidade foi transmitida aos herdeiros com sua morte. Quem são os herdeiros? Os menores, incapazes. Como, diante desse quadro, afirmar que eles não eram interessados na partilha de bens de Nelson António Vieira e no quinhão que seria transmitido ao Espólio de sua mãe? É evidente que eram interessados, nos termos do art. 982, do Código de Processo Civil.

Repito, por oportuno, parte da lição acima exposta: “Se algum herdeiro falecer antes de ultimada a partilha extrajudicial, esta só continuará possível se a partilha desse herdeiro pós-morto for realizada anteriormente, de modo que os herdeiros do herdeiro possam participar em nome próprio. Também pode ser lavrada a escritura de partilha extrajudicial da sucessão que primeiro abriu, desde que o segundo inventário também possa ser resolvido dessa maneira, e todos os que houvessem de participar deste último concordem com aquele que estava pendente… De qualquer modo, os herdeiros do herdeiro são interessados, e sem sua participação a escritura não poderá ser lavrada.”

A falta disciplinar acentua-se, ainda, diante da circunstância de que a escritura fez constar a existência de Espólio, representado por inventariante, quando o inventário sequer havia sido aberto. Com a devida vênia, não se trata de mero erro de semântica. O ato foi lavrado sem que nem mesmo houvessem sido apresentadas as peças do suposto inventário, com o que se verificaria a existência de menores. Isso não seria mesmo possível, pois o inventario judicial só foi aberto no ano seguinte. Trata-se de clara negligência e a retificação posterior da escritura não afasta, em absoluto, a falta cometida.

Diante do quadro acima, a reprimenda era mesmo de rigor. A pena de repreensão foi bem aplicada e encontra adequação à espécie.

Pelo exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência, respeitosamente, é no sentido de negar provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 23 de abril de 2015.

Swarai Cervone de Oliveira

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso. Publique-se. São Paulo, 28.04.2015. – (a) – HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.05.2015
Decisão reproduzida na página 69 do Classificador II – 2015

Fonte: INR Publicações | 31/05/2016.

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