CSM/SP: Registro de Imóveis – Formal de Partilha – Ausência de recolhimento de Imposto de Transmissão “Causa Mortis” – Dever do Oficial de velar pelo recolhimento – Impossibilidade de reconhecimento de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido.

ACÓRDÃOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1042731-63.2015.8.26.0100

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 1042731-63.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LOURDES MARLI GONÇALVES, é apelado 3º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores, PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E SALLES ABREU (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 1042731-63.2015.8.26.0100

Apelante: Lourdes Marli Gonçalves

Apelado: Oficial do 3º Cartório de Registro de Imóveis da Capital

VOTO CSM N° 29.184

Registro de Imóveis – Formal de Partilha – Ausência de recolhimento de Imposto de Transmissão “Causa Mortis”– Dever do Oficial de velar pelo recolhimento – Impossibilidade de reconhecimento de decadência ou prescrição pela via administrativa – Recurso desprovido.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 3º Oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Capital, sob o fundamento de que o formal de partilha levado a registro não estava acompanhado de prova do recolhimento do imposto de transmissão causa mortis.

A sentença julgou procedente a dúvida, ressaltando o não recolhimento e o fato de que já havia, quando da expedição do formal, a obrigatoriedade de pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direito a Eles Relativos – causa mortis.

A recorrente alega que o formal foi expedido em 15 de abril de 1986, antes, portanto, da entrada em vigor da Lei Estadual n. 10.705/00, que instituiu o ITCMD. Diz, ademais, que a homologação da partilha faz presumir o recolhimento de qualquer tributo devido e que, mesmo que assim não fosse, sua cobrança já estaria prescrita.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

É fora de dúvida que, quando da homologação da partilha e expedição do formal, no ano de 1986, o então chamadoimposto “causa mortis” (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direito a Eles Relativos) era devido e precisava ser recolhido. Basta verificar a decisão de fl. 38 a sentença que homologou a partilha , em seu segundo parágrafo, que diz, expressamente: “O imposto ‘causa mortis’ será recolhido nos termos do Prov. 10/83.”

De fato, o Provimento 10/83 disciplinava a necessidade de recolhimento do imposto como pressuposto para expedição do formal. Logo, bastava à recorrente comprovar tal recolhimento, já que as peças entregues ao Oficial não o fazem.

Não se trata, absolutamente, de fazer retroagir a Lei Estadual n. 10.705/00, que instituiu o ITCMD. Cuida-se, somente, de prestigiar a função fiscalizadora do Oficial, que, nos termos do art. 289 da Lei de Registros Públicos, tem o dever de verificar o recolhimento do tributo então incidente (causa mortis).

Por outro lado, é cediço que o Oficial e o Corregedor Permanente, na seara administrativa, não podem decidir sobre prescrição ou decadência tributária, matéria de cunho jurisdicional, que demanda o contraditório, perante o juízo competente, com a participação da Fazenda Pública.

O Conselho Superior da Magistratura, nos autos da Apelação Cível n° 000.460.6/0-00, decidiu:

“Registro de imóveis Dúvida julgada improcedente Formal de partilha Inexistência de prova do recolhimento do imposto de transmissão ‘causa mortis” Prescrição do imposto que não pode ser reconhecida neste procedimento de dúvida, deque não participa a Fazenda do Estado Provas, ademais, insuficientes para reconhecer a inexistência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição Recurso provido para julgar a dúvida procedente.

(…)

Ao oficial de registro cumpre fiscalizar o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do oficio, na forma do art. 289 da Lei n° 6.015/73, e dentre estes impostos se encontra o de transmissão “causa mortis”, cuja prova do recolhimento, ou isenção, deve instruir o formal de partilha.

Inexistente tal prova, correta a recusa manifestada pelo Sr. Oficial ao registro do título porque não tem, entre suas atribuições, a de reconhecer prescrição de crédito tributário. Neste sentido o seguinte trecho do v. acórdão prolatado por este C. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 154-6/4, da Comarca de Lorena, que relatei: “O art. 289 da Lei de Registros Públicos é categórico ao estabelecer que “cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.’

Por outro lado, não lhes compete, evidentemente, o reconhecimento de eventual prescrição de créditos tributários, matéria estranha, de todo, à atividade registrária. Cogita-se de questão que só pode ser objeto de discussão e decisão em esfera própria, a qual, sem dúvida, não coincide com o restrito âmbito de atuação dos registradores.

É inviável, ademais, o reconhecimento da prescrição neste procedimento de dúvida porque, a par da natureza administrativa, dele não participa o credor tributário que é o titular do direito cuja pretensão a apelada pretende seja declarada extinta”.

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações – DJE/SP |  13/05/2016.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c”, e § 2°, da Lei n.º 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra um dos sócios da loteadora por crime contra a administração – Fato que, por si só, obsta o registro – Impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede administrativa – Dúvida procedente – Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 9000001-12.2015.8.26.0063

Registro: 2016.0000196883

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 9000001-12.2015.8.26.0063, da Comarca de Barra Bonita, em que são partes é apelante RIO LENÇÓIS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARRA BONITA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 15 de março de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 9000001-12.2015.8.26.0063

Apelante: Rio Lençóis Empreendimentos Imobiliários Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barra Bonita

VOTO N.º 29.123

Registro de Imóveis – Loteamento – Negativa de registro – Artigo 18, III, “c”, e § 2°, da Lei n.º 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra um dos sócios da loteadora por crime contra a administração – Fato que, por si só, obsta o registro – Impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede administrativa – Dúvida procedente – Recurso não provido.

RIO LENÇÓIS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. interpôs recurso de apelação contra a sentença de fls. 22/24, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barra Bonita e manteve a recusa do registro do loteamento Vista Alegre na matrícula n.º 25.960, por força da existência de ação penal em curso, por crime contra a Administração Pública, contra um dos sócios da loteadora.

Sustenta a apelante a ausência de risco para os futuros adquirentes; que a existência da ação penal não é causa que obsta o registro do loteamento; a aplicabilidade do princípio da presunção de inocência; e que é inconstitucional o tratamento mais severo dos réus em processos por crime contra o patrimônio ou contra a administração (fls. 29/51).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento da apelação para afastamento do óbice (fls. 68/70).

É o relatório.

Respeitado o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, o caso é não provimento do recurso.

Guilherme Fernandes, um dos sócios da empresa loteadora denominada Rio Lençóis Empreendimentos Imobiliários Ltda. (fls. 22/24), responde a processo na Justiça Federal por coação no curso do processo (fls. 163/166 do pedido de registro de loteamento).

Sobre o tema, dispõe a Lei n.º 6.766/79:

Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

(…)

III – certidões negativas:

(…)

c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública.

()

§ 2º – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente” (grifei).

A certidão de objeto e pé acostada a fls. 166 do pedido de registro de loteamento dá conta de que o processo criminal contra o sócio Guilherme Fernandes tramita perante a 1ª Vara Federal de Jaú e está na fase de oitiva de testemunhas.

Não há dúvida de que o delito de coação no curso do processo, previsto no artigo 344 do Código Penal, é um crime contra a administração. Isso porque referido delito está inserido no capítulo do Código Penal que trata dos crimes contra a administração da justiça, o qual, por sua vez, encontra-se no título denominado “Dos Crimes Contra a Administração Pública”.

E a redação do § 2º do artigo 18 da Lei n.º 6.766/76 é clara a respeito da impossibilidade de se registrar loteamento na hipótese de um dos sócios da loteadora estar sendo processado por crime contra a administração.

O legislador separa duas hipóteses em relação às ações penais contra o loteador: a) crimes contra a administração e contra o patrimônio impedem o registro do loteamento; b) processos por outros delitos, em regra, não obstam o registro, desde que o requerente comprove que tais demandas não prejudicarão os adquirentes dos lotes.

Desse modo, em se tratando de processo por crime contra a administração, não há espaço para que o requerente comprove a ausência de prejuízo. No caso, o prejuízo aos adquirentes é presumido até que o loteador processado seja absolvido ou reabilitado.

Note-se que o fato de o registro ser obstado por processo criminal em curso não infringe o princípio da presunção de inocência, uma vez que a lei, inspirada em interesse maior, apenas condiciona o registro do loteamento à absolvição do loteador.

Sobre o tema, recente julgado do Conselho Superior da Magistratura: “Registro de Imóveis – Loteamento urbano – Negativa de registro – Artigo 18, III, “a” e “c”, e §§ 1º e 2°, da lei nº 6.766/1979 – Existência de ação penal em curso contra um dos sócios da loteadora que, por si só, obsta o registro – Presunção constitucional de não culpabilidade que é insuficiente para afastar o óbice – desqualificação mantida – Dúvida procedente – Recurso não provido” (Ap. n.º 000556-37.2013.8.26.0408, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 28/4/2015, v.u.).

Nesse mesmo sentido: Apelação Cível n.° 439-6/5, relator Desembargador José Mário Antônio Cardinale, julgado em 06.12.2005; e Apelação Cível n.° 856-6/8, relator Desembargador Ruy Camilo, julgado em 11.11.2008. No mesmo sentido, há outros precedentes do Conselho Superior da Magistratura, abordando a questão da existência de ações penais, podendo-se citar os seguintes: Apelação Cível n.º 0008191-43.2012.8.26.0445 (Relator e Corregedor Desembargador José Renato Nalini), Apelação Cível n.º 0078848-38.2009.8.26.0114 (Relator e Corregedor Desembargador Maurício Vidigal) e Apelação Cível n.º 1.114-6/0 (Relator e Corregedor Desembargador Ruy Camilo).

Consigne-se, por fim, que a inconstitucionalidade ou eventual não recepção de dispositivo legal não pode ser reconhecida nesta via administrativa. Esse é o posicionamento sedimentado da Corregedoria de São Paulo. Nesse sentido, parecer elaborado pela Juíza Assessora Ana Luiza Villa Nova aprovado pelo Corregedor-Geral da Justiça Hamilton Elliot Akel:

A recorrente defende a inconstitucionalidade desta Lei Federal, pelo fato de a União não ter competência para conceder isenção em relação a tributo que não é de sua competência instituir, porém, não é possível neste âmbito administrativo adentrar nesta questão (…) (Processo CG 127.850/2014).

Posto isso, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 12/05/2016.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Formal de partilha – Legalidade – Limites da qualificação do oficial registrador – Especialidade subjetiva que não é um fim em si mesmo – Ausência de quebra da continuidade – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1006527-23.2015.8.26.0196

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 1006527-23.2015.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que é apelante LUÍS ANTÔNIO GARCIA MARTINS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE FRANCA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:“DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores, PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRESIDENTE DA SESSÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRESIDENTE DA SESSÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRESIDENTE DA SESSÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 1006527-23.2015.8.26.0196

Apelante: Luís Antônio Garcia Martins

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Franca.

VOTO N° 29.105

Registro de imóveis – Formal de partilha – Legalidade – Limites da qualificação do oficial registrador – Especialidade subjetiva que não é um fim em si mesmo – Ausência de quebra da continuidade – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença de procedência de dúvida, suscitada pelo Oficial do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Franca, que se negou a registrar formal de partilha, por conta da quebra dos princípios da legalidade, especialidade subjetiva e continuidade.

Cuida-se do formal de partilha decorrente do inventário de Luiz de Paula Martins. É dos autos que o falecido casou-se, em primeiras núpcias, com Nilce Barcellos, com quem teve dois filhos, Luiz Antônio Garcia Martins e Márcia Lilia Martins; e, em segundas núpcias, com Maria Aparecida de Oliveira Martins, com quem teve a filha Patrícia Daniela Carvalho Martins.

No entanto, ao analisar os documentos que instruíram o formal, o Oficial verificou que, na verdade, o falecido não havia se divorciado da primeira esposa, mas, apenas, se separado judicialmente. Não obstante, em face de uma certidão equivocada – onde constou que seria divorciado –, acabou se casando novamente.

Logo, o Oficial entende que, antes do registro do formal, o estado civil do falecido e de sua primeira esposa – que constou como meeira na partilha – deve ser corrigido, pelas vias ordinárias, sob pena de quebra do princípio da especialidade subjetiva e risco da continuidade.

Verificou o Oficial, também, que, ao contrário do que fora dito no inventário, a primeira esposa do falecido, ora meeira, já havia recebido sua meação quando da separação judicial. É que, naquela oportunidade, fora feita a partilha de bens do casal. Logo, atribuir-se nova meação a ela feriria o princípio da legalidade.

A sentença albergou tais entendimentos.

O recorrente, porém, afirma que as questões postas pelo Oficial já foram resolvidas no processo de inventário, cuja sentença, que julgou boa a partilha, transitou em julgado. Diz, também, que não há risco de quebra da continuidade, pois o segundo casamento ocorreu sob o regime da separação total de bens.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

Analisemos os princípios que, segundo o Oficial, poderiam ser quebrados com o registro do formal.

Em primeiro lugar, a legalidade, pois a primeira esposa, ora tida como meeira, quando da separação judicial do casal, já recebera sua meação. Logo, a partilha já havia se ultimado. Se é assim, não poderia ser aquinhoada novamente, mesmo porque o falecido casou-se em segundas núpcias.

Ora, correta ou incorretamente, as questões foram objeto de análise no processo de inventário. Como se vê de fl. 104, ao apresentar as primeiras declarações, o inventariante, filho do casal, asseverou que houvera mera separação judicial, não divórcio. Defendeu que o segundo casamento era nulo, de pleno direito, pois apenas ocorreu porque fora expedida uma certidão equivocada, onde constou divórcio, ao invés de separação judicial. E, nessa oportunidade, não incluiu a mãe, primeira esposa, como meeira.

Foi somente por instância do Ministério Público, à fl. 177, que se determinou que ela fosse incluída, na condição de meeira. Vieram novas declarações, onde a primeira esposa, Nilce Barcellos Garcia Martins, separada judicialmente, foi incluída como meeira.

O Ministério Público, então, à fl. 252, postulou a homologação do plano de partilha, o que foi feito, por sentença, à fl. 254. Tal sentença transitou em julgado, operando-se os efeitos preclusivos que daí decorrem.

Vale dizer, o Juízo do Inventário conheceu da questão da existência de dois casamentos, da alegação de nulidade do segundo, da existência de separação judicial em face da primeira esposa e decidiu sua condição de meeira. Fazendo-o, afastou, por seu turno, a discussão sobre a existência de partilha quando da separação, valendo ressaltar que os herdeiros são concordes ao plano de partilha.

Portanto, não pode o Oficial, não obstante louvável demonstração de zelo, reapreciar tais questões, que não se ligam a aspectos extrínsecos ao título. Embora os títulos judiciais também possam ser objeto de qualificação, inclusive, negativa, o Oficial não pode ultrapassar a análise dos elementos extrínsecos.

Essa foi a posição externada por esse Conselho Superior da Magistratura, por exemplo, na apelação n. 0006128-03.2012.8.26.0362:

“Louvável embora o zelo do registrador, verifica-se que, no caso, desbordou ele de seu poder-dever de qualificação, namedida em que, na esfera administrativa, tentou reabrir discussão acerca do que já fora objeto de decisão judicial transitada em julgado.

Com efeito, se o Juízo da Família e das Sucessões adjudicou ao herdeiro Robson a totalidade dos bens, dentre eles, os dois imóveis objeto deste procedimento de dúvida, e se posteriormente, homologou a sobrepartilha, em conformidade com os termos da petição de fls. 115/119 destes autos, correspondente a de fls. 398/402 dos autos do arrolamento, pela qual o herdeiro Luiz Eduardo foi incluído e os bens adjudicados foram dela excluídos, conforme decisão de fls. 127 destes autos e que transitou em julgado (fls. 128), não cabe ao registrador, sobrepondo-se ao entendimento judicial, recusar o ingresso do título sob o fundamento de que há outro herdeiro a ser incluído na partilha dos bens adjudicados ao outro herdeiro, ou de que eventual renúncia deste deve ser comprovada.

O mínimo que se deve presumir é que, se o juiz assim decidiu, é porque entendeu de forma contrária ao Oficial de Registro, contudo, esta questão é de natureza jurisdicional e alheia ao exame formal que deve nortear a qualificação do título.

Assim, cabia ao registrador realizar o exame extrínseco do título e confrontá-lo aos princípios registrais e verificar se algum deles foi rompido. Ao questionar o fato de existir herdeiro não incluído na partilha de bens considerando a universalidade, ingressou no mérito e no acerto da sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.

Afrânio de Carvalho ensina:

“Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed., Pág. 300).

No mesmo sentido, decisão da 1ª Vara de Registros Públicos, de lavra do MM. Juiz Narciso Orlandi Neto, quando se anotou:

“Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não àsdisposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (art° 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.(Processo n° 973/81)

Precedente antigo deste Conselho Superior da Magistratura já apontava neste sentido:

“O estado de indivisão aberto com a morte de um dos cônjuges somente será solucionado com a decisão do juízo competente relativa à partilha, na qual se possa verificar quais os bens que a integraram e quais aqueles dela excluídos, questões de ordem fática e jurídica que somente podem ser resolvidas na via judicial, vedada qualquer análise probatória no campo administrativo. Essa decisão deverá, por fim, ingressar regularmente no fólio real, para que então sejam disponibilizados os imóveis, cabendo ao registrador apenas a regular qualificação do título para verificação do atendimento aos princípios registrários, sob o estrito ângulo da regularidade formal. Isso significa, em face da inviabilidade de que se venha a questionar, na via administrativa, matéria que envolve questão de mérito da decisão judicial precedente, que nos casos em que o bem objeto do ato de registro tenha sido excluído da partilha ou partilhado como próprio do autor da herança, deverá o registrador, quanto a este aspecto, apenas verificar se houve expressa referência ao imóvel e se no processo judicial houve a ciência ou participação do outro cônjuge ou de seus herdeiros, eventuais interessados no reconhecimento da comunhão de aquestos.” (Ap. Civ. n°51.124.0/4-00, rel. Des. Nigro Conceição, j. 29.11.99)

Mais recentemente, em julgamento do qual participei, este Conselho, sob a relatoria do ilustre Desembargador que me antecedeu na Corregedoria, ratificou a impossibilidade de o registrador examinar o mérito da decisão judicial:

“No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente.

Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.” (Ap. Cível n° 0001717-77.2013.8.26.0071, Rel. José Renato Nalini).

Neste mesmo sentido foi decidido em julgamento do qual fui relator, na Apelação Cível n° 1025290-06.2014.8.26.0100.

Em caso de eventual desacerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, poderá o interessado valer-se dos recursos e ações previstos no ordenamento jurídico, inclusive, neste sentido se manifestou neste procedimento (fls. 137/138). O que não se permite é que a qualificação registrária reveja o mérito da sentença judicial que já transitou em julgado.

Restam os princípios da especialidade subjetiva e da continuidade. Não há dúvida de que a situação sui generis do caso leva a alguma insegurança e a algum equívoco quanto ao estado civil do falecido e de sua primeira esposa.

Porém, o fato é que não há qualquer abalo ao princípio da continuidade. Isso porque o segundo casamento – que poderia ser extinto por ação de nulidade, mas acabou o sendo, de qualquer maneira, pela morte do cônjuge – foi celebrado pelo regime da separação total de bens. A segunda esposa não foi aquinhoada e não é coproprietária de quaisquer dos imóveis inventariados. Os filhos, herdeiros, receberam sua cota parte e estão de acordo com a partilha. E a primeira esposa, meeira, recebeu sua metade sobre a fração atinente ao falecido.

Especialidade subjetiva e continuidade são princípios intimamente ligados. É por meio da preservação da especialidade subjetiva que se assegura que a continuidade não será quebrada, transmitindo-se a propriedade apenas através daquele que possuir, de fato, tal direito. Vale dizer, garante-se que a pessoa que transmite um direito dele figure como titular no registro imobiliário, seja a transmissão decorrente de ato voluntário ou não.

Sobre o significado do princípio da continuidade, ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed. Forense, 1998, pág. 253).

Desta noção não se afasta Narciso Orlandi Neto, para quem:

“Existe uma inteiração dos princípios da especialidade e da continuidade na formação da corrente filiatória. Quando se exige a observância da continuidade dos registros, exige-se que ela diga respeito a um determinado imóvel. O titular inscrito, e só ele, transmite um direito sobre um bem específico, perfeitamente individualizado, inconfundível, sobre o qual, de acordo com o registro, exerce o direto transmitido. É por este corolário dos princípios da continuidade e da especialidade, reunidos, que o §2° do art. 225 da Lei n. 6.015/73 dispõe: ‘Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.” (Retificação do registro de imóveis, Ed. Juarez de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 67/68).

Contudo, tem entendido o Conselho Superior da Magistratura que o princípio da especialidade subjetiva não pode ser levado às últimas consequências e, acima de tudo, não pode ser tido como um fim em si mesmo.

Ao contrário, ainda que em circunstâncias excepcionais, a especialidade subjetiva deve ser temperada pelo princípio da razoabilidade, de modo a que não se impossibilitem os registros.

Ora, se, malgrado o pequeno ferimento da especialidade subjetiva, isso não afeta a continuidade, afasta-se do razoável submeter os interessados ao ajuizamento de ação de nulidade do segundo casamento, apenas com vistas à regularização do estado civil do falecido e de sua primeira esposa. Isso significaria considerar a especialidade subjetiva um fim em si mesmo, e não um meio para preservação da continuidade.

Somadas todas as razões acima, portanto, não se verifica óbice relevante ao registro do formal, adotando-se a qualificação – do estado civil do falecido e de sua primeira esposa – que lá foi aposta.

Nesses termos, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações – DJE/SP | 12/05/2016.

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