Artigo: IRPF – Despesas dedutíveis – Não basta a escrituração dos dispêndios em livro Caixa. É imprescindível a “análise prévia preventiva” da qualidade e validade da comprovação – Por Antonio Herance Filho

*Antonio Herance Filho

Como é do conhecimento de todos nós, as despesas pagas no exercício das atividades tabelioas e registrais devem ser, em regra, escrituradas no Diário Auxiliar de que tratam o Provimento CNJ nº 45/2015 e as normas de serviço das Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados, mas nem todas são dedutíveis em livro Caixa fiscal para os fins de determinação da base de cálculo do IRPF “Carnê-Leão”, exação a que se sujeitam os profissionais do Direito referidos no artigo 236 da Constituição da República.

Destarte, somente as despesas dedutíveis, conforme estabelecem os artigos 75 e 76 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999[1], tema também disciplinado por norma complementar editada pela Receita Federal do Brasil (IN-RFB nº 1.500/2014, artigo 104)[2], é que podem produzir o importante efeito de reduzir a base de cálculo do imposto de competência da União, que incide sobre os emolumentos percebidos por Notários e Registradores.

Ser dedutível, contudo, não é garantia de que a despesa será aceita no cômputo do tributo, já que sem comprovação suficiente e hábil, por meio de documentos idôneos, não há falar-se na redução da base de cálculo de incidência do IRPF “Carnê-Leão”.

Noutro dizer: ainda que considerada dedutível por natureza, a despesa, apesar de seu perfeito enquadramento num dos incisos do artigo 75 do RIR/99, que não for apresentada devidamente comprovada[3], se usada no cálculo do IRPF “Carnê-Leão”, será glosada pela fiscalização do órgão fazendário da União.

Então, os comprovantes são muito mais importantes do que a própria escrituração. A forma de lançamento, embora se possa recomendar que a tarefa seja cumprida com clareza e objetividade, tem papel quase irrelevante se comparada com a pujança dos comprovantes.

Viu-se, recentemente, que titular de serviço extrajudicial, que foi visitado pela Corregedoria local, é alvo de procedimento administrativo disciplinar porque, entre outras infrações administrativas, lançou despesas que não possuíam lastro em notas fiscais e os documentos apresentados (recibos), não são dotados de valor fiscal.

Vale ressaltar que a comprovação suficiente da dedutibilidade de despesas depende de cada dispêndio, podendo ser feita com a apresentação de um, dois ou mais documentos.

Assim, há dispêndios que são plenamente comprovados com apenas um documento, como é o caso das contas de consumo de energia elétrica, água, gás, entre outras, ou de impostos como IPTU, ISSQN, que, em regra, exigem apenas a quitação dada pelo agente recebedor no correspondente documento de pagamento ou recolhimento, ou, ainda, as notas fiscais ou cupons fiscais em operações de consumo à vista, realizadas em pontos de comércio como supermercados, por exemplo, quando da aquisição de material de limpeza.

Há, todavia, as despesas que, além do documento que comprova o pagamento, requerem a demonstração que os serviços foram prestados ou as mercadorias foram entregues. É exemplo clássico dessa hipótese a aquisição de material de papelaria. Os produtos são entregues na sede da serventia e, obrigatoriamente, são acompanhados da nota fiscal ou de documento que, segundo dispuser a lei local, supra a sua falta, mas, para efetivação do pagamento é utilizado outro documento, o boleto, o recibo, a duplicata.

Nesse passo, podem, ainda, ocorrer eventos cuja comprovação exija mais. É o caso das prestações continuadas. Os serviços prestados com base em contratos entabulados com prazo indeterminado, por exemplo, os serviços de contabilidade, de assessoria técnica, de manutenção de equipamentos etc., serão comprovados por meio da apresentação do comprovante do pagamento (boleto, recibo, duplicata), do documento fiscal competente (nota fiscal, nota fiscal eletrônica, fatura), e do instrumento particular de contrato, que, entre outras informações relevantes (vigência, valor da prestação), revela o objeto do pacto, ou seja, a natureza da despesa paga por mensalidades.

Tudo com o objetivo de não restarem dúvidas quanto à natureza do dispêndio (dedutibilidade por natureza) e, tampouco, quando à veracidade de seu pagamento.

Fosse feita “análise prévia e preventiva” dos documentos, exigindo-se, em consequência e com rigor, a comprovação válida e suficiente das despesas e os problemas no relacionamento dos Notários e Registradores com o Fisco e com a Corregedoria não seriam sequer dignos de registro.

Vale o axioma: o importante não é o livro, e sim os comprovantes!

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Notas:

[1] HERANCE FILHO, Antonio. Manual do Livro Caixa. INR – Informativo Notarial e Registral. São Paulo, 2016, pág. 153.

[2] Idem, pág. 214.

[3] idem, pág. 41

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*O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral e coordenador tributário da Consultoria mantida pelo INR. É, ainda, diretor do Grupo Serac.

Fonte: INR Publicações | 10/05/2016.

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Artigo: Usucapião Extrajudicial x Módulo Rural – Por Marla Camilo

*Marla Camilo

Seria possível usucapião extrajudicial de imóvel rural inferior ao módulo rural da região?

A usucapião extrajudicial foi instituída no Brasil por meio da Lei nº 11.977/2009, mas esta é aplicável somente no contexto de projetos de regularização fundiária de interesse social. Segundo o ilustre professor João Pedro Lamana Paiva a simplicidade do procedimento facilitará ao possuidor a aquisição da propriedade imobiliária.
O processo será fundamentado, por advogado, na posse prolongada, e mediante requerimento instruído com uma ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões negativas e outros documentos, e o pedido deverá ser ingressado no registro de imóveis onde deverá ser protocolado, autuado, tomando-se todas as providências necessárias ao reconhecimento da posse e de seu registro em nome do possuidor. Contudo, surge uma problemática: seria possível usucapião extrajudicial de imóvel rural inferior ao módulo rural da região?
De acordo com o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), no art. 4º, incisos III e II, entende-se por Módulo Rural como a área rural fixada a fim de ser diretamente explorada por uma família para lhes garantir a subsistência e viabilizar sua progressão socioeconômica. O módulo rural significa então a dimensão mínima de um imóvel rural caracterizado como propriedade familiar. Vê-se que o objetivo da lei é que a terra cumpra sua função social, evitando-se o minifúndio (inciso IV do artigo 4º da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964), ou seja, imóvel rural com área e possibilidades inferiores ao necessário para a sobrevivência de uma família e de seu progresso.
Ocorre que, o Estatuto da Terra, em seu artigo 65 apregoa o seguinte: “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”. Neste sentido também está a Lei nº 5.868/72 que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, pois determina a impossibilidade da divisibilidade do módulo rural, em seu artigo 8º:
Art. 8º. Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do artigo 65, da Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixada no parágrafo 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área”.

O Módulo Rural é fixado com base nos critérios determinados pelo artigo 11 do Decreto nº 55.891/65, que regulamenta o Estatuto da Terra, e deve considerar a localização e os meios de acesso do imóvel em relação aos grandes mercados, as características ecológicas das áreas em que se situam e os tipos de exploração predominantes na respectiva zona (hortigranjeira, cultura permanente, cultura temporária, exploração pecuária, exploração florestal ou exploração indefinida).
Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do art. 4º do Estatuto da Terra, tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.
Parágrafo único. A fixação do dimensionamento econômico do imóvel que, para cada zona de características ecológicas e econômicas homogêneas e para os diversos tipos de exploração, representará o módulo, será feita em função:
a) da localização e dos meios de acesso do imóvel em relação aos grandes mercados;
b) das características ecológicas das áreas em que se situam;
c) dos tipos de exploração predominante na respectiva zona.

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, já decidiu permitindo a usucapião especial rural de área inferior ao módulo rural estabelecido para a região – REsp 1.040.296, em recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que não reconheceu o direito à usucapião porque o artigo 65 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) proíbe o parcelamento rural em áreas inferiores ao módulo da região.
Um casal de agricultores desde janeiro de 1996 tinha a posse ininterrupta e não contestada de uma área de 2.435 metros quadrados, na qual residem e trabalham. Na região, o módulo rural — área tida como necessária para a subsistência do pequeno agricultor e de sua família — é estabelecido em 30 mil metros quadrados.
A turma, que seguiu o voto do ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que “não há impedimento para que imóvel de área inferior ao módulo rural possa ser objeto da modalidade de usucapião prevista no artigo 191 da Constituição Federal e no artigo 1.239 do Código Civil.” O ministro defendeu em sua decisão que a usucapião especial rural é instrumento de aperfeiçoamento da política agrícola do país tendo como objetivo a função social e o incentivo à produtividade da terra. Além disso, é uma forma de proteção aos agricultores.
Segundo o ministro, o artigo 191 da Constituição, reproduzido no artigo 1.239 do Código Civil, ao permitir a usucapião de área não superior a 50 hectares, estabelece apenas o limite máximo possível, não a área mínima. “Mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a esse, ou seja, o trabalho pelo possuidor e sua família, que torne a terra produtiva, dando à mesma função social”, afirmou.
Ele disse ainda que, como não há na Constituição nem na legislação ordinária regra que determine área mínima sobre a qual o possuidor deve exercer a posse para que seja possível a usucapião especial rural, “a conclusão natural será pela impossibilidade de o intérprete discriminar onde o legislador não discriminou”.
O ministro lembrou também que esse tipo de usucapião só é cabível na posse marcada pelo trabalho. Por isso, “se o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possui área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e de sua família, mediante exploração direta e pessoal, parece menos relevante o fato de aquela área não coincidir com o módulo rural da região ou ser até mesmo inferior”. Ainda em seu voto, destacou “permitir a usucapião de imóvel cuja área seja inferior ao módulo rural da região é otimizar a distribuição de terras destinadas aos programas governamentais para o apoio à atividade agrícola familiar”.
Portanto, também não vislumbro motivo para o impedimento da usucapião extrajudicial em caso análogo ao apresentado porquanto a família pretende usucapir um imóvel rural inferior ao módulo rural, pois nele desenvolve seu sustento através do trabalho com a terra e garante a função social desta. Além disso, o objetivo do Estatuto da Terra definido em seu artigo 1º é regular os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.
Outra possibilidade que julgo também ser viável, porém, trabalhosa, seria fundamentar a possibilidade da usucapião extrajudicial de área menor que o módulo rural com o próprio artigo 65 do Estatuto da Terra em seu parágrafo 5º que apregoa o seguinte: “não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano”.
Dispõe ainda o artigo 6º, do Estatuto da Terra e seu parágrafo 1º:
6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão unir seus esforços e recursos, mediante acordos, convênios ou contratos para a solução de problemas de interesse rural, principalmente os relacionados com a aplicação da presente Lei, visando a implantação da Reforma Agrária e à unidade de critérios na execução desta.
§ 1o Para os efeitos da Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA representará a União nos acordos, convênios ou contratos multilaterais referidos neste artigo.

Assim, Sindicatos de Agricultores e o Poder Público também poderiam se unir para facilitar o acesso documental que permita o ingresso com a usucapião extrajudicial de imóveis rurais com área inferior ao módulo rural da região àqueles agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano e realmente têm cumprido a função social da terra por intermédio da atividade agrícola familiar.

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 06 maio 2016.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 06 maio 2016.

_______. ECO. O que são módulos rurais? Disponível em: http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/27444-o-que-sao-modulos-rurais/. Acesso em: 06 maio 2016._______. STJ. É possível usucapião especial em propriedade menor que o módulo rural da região. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/%C3%89-poss%C3%ADvel-usucapi%C3%A3o-especial-em-propriedade-menor-que-o-m%C3%B3dulo-rural-da-regi%C3%A3o. Acesso em 06 maio 2016.

PAIVA. João Pedro Lamana. Novo CPC introduz a usucapião extrajudicial no país. Disponível em: http://www.irib.org.br/file/obra/Versa771o_correta_Artigo_Lamana_Paiva_Usucapiao.pdf. Acesso em 06 maio 2016.

Fonte: Notariado | 09/05/2016.

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Seminários sobre “O IRPF – Livro Caixa – Escrituração de Receitas e Despesas” serão realizados pelas Publicações INR, em parceria com eGlifos e AnSata, no próximo mês de junho.

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As regras de dedutibilidade e de escrituração de receitas e despesas para os fins específicos de apuração do IRPF “Carnê-Leão” serão, cuidadosamente, examinadas em duas oportunidades próximas.

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Objetivo: transmitir aos participantes as regras atuais de escrituração de receitas e de dedução de despesas em livro Caixa, para os fins de apurar o IRPF “Carnê-Leão”. Será feita, ainda e de início, a devida distinção entre o livro Caixa (Legislação tributária), e o Diário Auxiliar (Provimento CNJ nº 45/2015 e normas de serviços locais das corregedorias estaduais).

Expositor: o treinamento estará a cargo de Antonio Herance Filho – Advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor dasPublicações INR – Informativo Notarial e Registral, coordenador daConsultoria tributária mantida pelo INR e, ainda, diretor do Grupo Serac.

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Fonte: INR Publicações | 11/05/2016.

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