Jurisprudência mineira – Ação rescisória – Violação literal a texto de lei – Ação de reintegração de posse – Citação da companheira – Composse e união estável


  
 

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO LITERAL A TEXTO DE LEI – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – CITAÇÃO DA COMPANHEIRA – COMPOSSE E UNIÃO ESTÁVEL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO

– Uma vez que a ação rescisória visa desconstituir a coisa julgada material que, a rigor, é intangível e imutável e, em última análise, representa a própria segurança jurídica, sua apreciação deve ocorrer de forma diferida pelo julgador.

– A ofensa literal ao texto de lei deve ser direta, expressa e incontroversa, não comportando rediscussão da justeza ou da interpretação aplicada à norma na decisão transitada em julgado.

– Existe controvérsia jurisprudencial acerca da necessidade da inclusão de companheiro na lide nos feitos possessórios, porquanto o art. 10, § 2º, do CPC apenas dispõe acerca da imperatividade da citação do cônjuge.

– Em ações possessórias, só há falar em litisconsórcio passivo necessário se efetivamente demonstrada a composse de todos os pretensos ocupantes do polo passivo.

Ação Rescisória nº 1.0000.12.112754-2/000 – Comarca de Santa Luzia – Autora: Efigênia Aparecida Pinto – Réu: Marco Antônio Azevedo – Interessado: Osmar Dionísio de Almeida – Relator: Des. Wagner Wilson Ferreira

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em julgar improcedente a ação rescisória.

Belo Horizonte, 6 de abril de 2016. – Wagner Wilson Ferreira – Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. WAGNER WILSON FERREIRA – Trata-se de ação rescisória ajuizada por Efigênia Aparecida Pinto, objetivando a rescisão do acórdão proferido nos autos de ação de reintegração de posse (f. 14/19) intentada por Marco Antônio Azevedo, que deu parcial provimento ao recurso manejado pela ré dos autos originários e confirmou a sentença no tocante à ordem de reintegração possessória.

A autora sustenta, em síntese, que a sentença foi proferida ao arrepio do art. 47 do CPC, uma vez que detém posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel objeto da ação de reintegração de posse e não foi citada para figurar no polo passivo da referida demanda juntamente com o seu companheiro, único demandado no feito correspondente ao acórdão transitado em julgado. Sustenta que o ato citatório é nulo, porquanto a ação possessória exige o litisconsórcio passivo necessário do copossuidor e, por isso, ocorreu também violação literal aos arts. 213 e 214 do CPC.

Pede a antecipação dos efeitos da tutela, a fim de impedir a execução do julgado rescindendo, sob pena de ter que desocupar injustamente o imóvel.

Requer a procedência da ação rescisória, com o reconhecimento da nulidade do acórdão rescindendo.

Na decisão de f. 78, foi indeferida a antecipação de tutela e deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.

O réu, espólio de Marco Antônio Azevedo, apresentou contestação às f. 83/91, aduzindo, em síntese, que a autora não logrou êxito em demonstrar sua suposta composse no imóvel ou a sua alegada união estável com o réu da ação originária. Pugna pela improcedência da ação, já que não estão comprovados os requisitos necessários para o pleito rescisório.

Impugnação à contestação às f. 110/115, em que o autor ventila preliminar de vício na representação processual.

Despacho determinando a regularização processual à f. 116, cumprido às f. 119/120.

Intimação para produção de provas à f. 121, em que a autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide (f. 128), e o réu acostou aos autos novos documentos (f. 124/126).

Encerrada a instrução processual, as partes apresentaram alegações finais (f. 136/140 e 143/148).

Parecer da douta Procuradoria opinando pela emenda à inicial e juntada de certidão de trânsito em julgado (f. 151/154).

Ordem de emenda à inicial à f. 156, devidamente cumprida às f. 159/161.

Parecer final da douta Procuradoria de Justiça às f. 163/166, opinando pela improcedência da ação rescisória.

Eis o relatório. Passo a decidir.

Preliminar de vício na representação processual do réu.

Conforme relatado na impugnação à contestação de f. 110/115, o autor arguiu preliminar de vício na representação processual da parte adversa, em decorrência da ausência de prova da legitimidade da Sr.ª Sônia Regina Martins para atuar como inventariante do espólio réu e, consequentemente, outorgar poderes ao causídico subscritor da peça contestatória.

Requereu a aplicação dos efeitos da revelia, desassistida de razão.

Nos termos do art. 13 do CPC, foi o autor intimado para sanar o vício, o que foi efetivamente cumprido às f. 119/120.

Dessa feita, uma vez regularizada a tempo e modo a representação processual do réu, rejeito a preliminar ventilada.

DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA – De acordo com o Relator.

DES.ª APARECIDA GROSSI – De acordo com o Relator.

DES. PEDRO ALEIXO – De acordo com o Relator.

DES. OTÁVIO DE ABREU PORTES – De acordo com o Relator.

DES. WAGNER WILSON FERREIRA – Mérito.

A presente ação rescisória busca desconstituir acórdão proferido pela 12ª Câmara deste egrégio Tribunal de Justiça com supedâneo no art. 485, V, do CPC, ou seja, em suposta violação literal a texto de lei.

Referida decisão judicial transitada em julgado teria descumprido a literalidade dos arts. 47, 213 e 214 do Código de Processo Civil.

A questão de fundo cinge-se às alegações de que a autora, mesmo sendo copossuidora do imóvel objeto da ação originária de reintegração de posse, juntamente com o seu companheiro, único demandado no feito, não teria sido citada como litisconsorte passivo necessário para resistir à pretensão autoral.

Após detida análise dos autos, tenho que o pleito rescisório não merece ser acolhido.

Isso porque, como a ação rescisória visa desconstituir a coisa julgada material que, a rigor, é intangível e imutável e, em última análise, representa a própria segurança jurídica, sua apreciação deve ocorrer de forma diferida pelo julgador.

Não pode ser tratado o feito como se manejo recursal o fosse, com a mera reanálise de provas e a rediscussão dos fatos ocorridos antes e durante a marcha processual, salvo nas excepcionalíssimas hipóteses previstas no taxativo rol do art. 485 do CPC. São situações demasiadamente gravosas que realmente justificam a rescisão de decisão judicial acobertada pela coisa julgada.

Com efeito, a suscitada ofensa literal ao texto de lei deve ser direta, expressa e incontroversa, não comportando rediscussão da justeza ou da interpretação aplicada à norma na decisão transitada em julgado. Nesse sentido é entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, cristalizado sob o enunciado de Súmula nº 343:

“Súmula nº 343: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

Apreciando-se a verba legis do art. 47 do CPC, não vislumbro qualquer violação expressa e incontroversa que arrime a procedência da demanda. Eis a letra do dispositivo:

“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo”.

Segundo a autora, havia litisconsórcio passivo necessário na ação originária, de sorte que deveria ter sido proferida decisão de modo uniforme tanto em relação a ela quanto em relação ao seu companheiro, visto que ambos eram, desde longa data, copossuidores do imóvel. Dessa feita, restaria violado o parágrafo único do mencionado dispositivo, haja vista que em nenhum momento do feito foi determinada a sua citação.

Ocorre que, em ações possessórias, só há falar em litisconsórcio passivo necessário se efetivamente demonstrada a composse de todos os pretensos ocupantes do polo passivo. E, ainda assim, existe controvérsia jurisprudencial acerca da necessidade da inclusão de companheiro à lide, porquanto o art. 10, § 2º, do CPC apenas dispõe acerca da imperatividade da citação do cônjuge.

Nesse sentido, julgado que perfilha o entendimento de extensão do texto legal à união estável:

“Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Ausência de citação da companheira do réu. Nulidade não alegada em primeiro grau. Cerceamento de defesa. Indeferimento da prova pericial. Preclusão. Passagem forçada. Comprovação dos requisitos do art. 927 do CPC. Posse e esbulho. Procedência. Sentença mantida. 1) Nos termos do art. 10, § 2º, do CPC, nas ações possessórias, a citação do cônjuge ou do companheiro somente é necessária nos casos de composse ou de ato por ambos praticados. No entanto, demandando essa questão dilação probatória, e diante da não arguição da suposta nulidade na primeira instância, operou-se a preclusão. 2) Não tendo a parte se insurgido, a tempo e modo, contra a decisão que indeferiu o pedido de produção de prova pericial, perdeu o direito de rediscutir as questões, pois, da mesma forma, configurou-se a preclusão, nos termos do art. 473 do CPC. 3) Tendo o autor comprovado os requisitos previstos no art. 927 do CPC, notadamente a sua posse e o esbulho praticado, deve ser julgado procedente o pedido de reintegração de posse” (TJMG – Apelação Cível 10064110006083002/MG – Relator: Des. Marcos Lincoln – j. em 26.06.2014 – Câmaras Cíveis – 11ª Câmara Cível – p. em 07.07.2014).

No mesmo sentido:

“Processual civil. Ação de imissão na posse. Citação da companheira para os termos da ação. Inocorrência de participação na transação. Desnecessidade. Benfeitorias e acessões. Indenização e direito de retenção do imóvel. Possuidor de boa-fé. Cabimento. Inteligência do art. 1.219 do novo Código Civil. – Havendo sociedade de fato ou relação concubinária, não há necessidade de autorização do sócio ou companheiro para o ajuizamento da ação real, porquanto o art. 10 do CPC refere-se apenas ao cônjuge. – O possuidor de boa-fé tem direito de indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como as voluptuárias, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis” (TJMG – Apelação Cível 105670201368810011/MG – 1.0567.02.013688-1/001(1) – Relator: Des. Antônio de Pádua – j. em 12.11.2008 – p. em 10.02.2009).

Com efeito, a inclusão da autora no polo passivo, a teor do art. 47 do CPC, demandaria, a princípio, interpretação do que se configura como litisconsórcio passivo necessário no caso de ações possessórias. Assim, a desconstituição do acórdão já encontraria óbice na mencionada Súmula nº 343 do STF.

De toda forma, mesmo se assim não fosse, inexiste qualquer prova acerca da suposta união estável vivida entre a autora e o Sr. Osmar Dionísio de Almeida, bem como de sua alegada composse do imóvel, que justificaria a sua inclusão no polo passivo.

A extensa documentação carreada aos autos pela autora às f. 32/71 tão somente demonstra o pagamento de encargos domésticos (luz, IPTU e financiamento habitacional) – em sua grande maioria, inclusive, em nome do réu desta ação rescisória -, sendo certo que, isso, por si só, não demonstra posse. É plenamente possível que se suporte mencionados encargos sem exercer qualquer tipo de posse fática sobre um imóvel e, além do que, no caso em espeque nem sequer é possível verificar quem efetivamente realizou tais pagamentos.

Lado outro, a união estável não é demonstrável de plano como o é o casamento. Trata-se de situação fática que se comprova por meio de ação própria e se demonstra por meio da ostentabilidade, da afetividade e da estabilidade. A autora não cuidou de prová-la, e, ainda que o fizesse, isso por si só tampouco gera a presunção da composse, visto que a coabitação não é requisito para a configuração da união estável.

A propósito, a jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça:

“Ação de reintegração de posse. Réu. Citação da companheira. Desnecessidade. Ausência de prova da composse ou da prática de atos possessórios. – Dispensa-se a citação da companheira do réu na ação de reintegração de posse quando não comprovado que praticou atos possessórios ou que existiu composse, nos termos do art. 10, § 2º, do Código de Processo Civil. Recurso não provido” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.03.039122-1/001 – Relator: Des. Alvimar de Ávila – 12ª Câmara Cível – j. em 15.02.2012 – p. em 27.02.2012).

“Processual. Ação possessória. Citação de companheira. Desnecessidade. Ausência de composse ou atos possessórios. Existência. Posse. Descabimento. Súmula 7/STJ. I – Se o artigo 10, § 2º, do Código de Processo Civil dispensa a citação do cônjuge do requerido nas ações possessórias, quando não praticou atos possessórios ou não existe composse, mutatis mutandis, em igual situação, não será necessário o litisconsórcio quando há apenas união estável. II – Para aferir a inexistência de posse dos autores da ação, ou a posse do requerido e, em consequência, a composse de sua companheira, ou, ainda, a prática de atos possessórios praticados por esta, haveria necessidade de incursão no campo fático-probatório, o que esbarra no óbice da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Recurso não conhecido” (REsp 596.276/SC – Relator: Ministro Castro Filho – Terceira Turma – j. em 03.05.2005 – DJ de 23.05.2005 – p. 274).

Dessa feita, em não havendo falar em litisconsórcio passivo necessário, o ato citatório na ação originária não padece de qualquer vício e, via de consequência, também não ocorreu qualquer violação literal ao art. 214, caput, do CPC e muito menos do dispositivo anterior, art. 213, que é norma meramente explicativa.

Deve, portanto, prevalecer imutável e intangível o acórdão transitado em julgado.

Conclusão.

Mediante todo o exposto, firme nos fundamentos aqui expostos, julgo improcedente o pleito rescisório.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que ora arbitro em R$2.000,00 (dois mil reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50, por litigar sob o pálio da justiça gratuita.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Marcos Rodrigues Vieira, Aparecida Grossi, Pedro Aleixo e Otávio de Abreu Portes.

Súmula – JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA.

Fonte: Recivil – DJE/MG  | 29/04/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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