Tutela de evidência é o destaque do CPC 2015 em Direito das Sucessões

Medida antecipa resultado de inventário

O Código de Processo Civil 2015 trouxe também alterações em Direito Sucessório. As principais modificações, segundo a advogada Ana Luiza Nevares, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), são a alteração do critério para a colação, ou seja, para a conferência das doações realizadas em adiantamento de legítima, e a criação da hipótese de tutela de evidência no âmbito do inventário.

Ela explica que o CPC 2015 modifica o sistema da colação, reproduzindo, em seu artigo 639, o disposto no artigo 1.014 do Código de Processo Civil, de 1973. “Dessa forma, a regra da colação volta a ser a conferência em substância, com o retorno do bem doado para o acervo hereditário, só sendo prevista a colação in valorem quando o donatário não mais possuir o bem, restando determinado no parágrafo único do aludido art. 639 que o valor dos bens a serem colacionados será aquele que tiverem ao tempo da abertura da sucessão”, diz.

Para a advogada, a principal alteração é a criação da tutela de evidência no âmbito do inventário. Isso possibilita que determinado bem seja antecipado a herdeiro, por força de decisão fundamentada. Segundo ela, a medida privilegia vínculos específicos dos herdeiros com determinados bens que integram o acervo hereditário, em especial vínculos qualificados por moradia ou exercício profissional do sucessor, evitando diversos conflitos recorrentes no curso de um longo inventário, em virtude da antecipação de um resultado “certo” e “evidente”.

“O parágrafo único do artigo 647 do novo Código prevê a possibilidade de o juiz, em decisão fundamentada, deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de usufruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota do respectivo herdeiro, cabendo ao mesmo, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos. O Código 2015 também estabelece, em seu artigo 294, que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência, sendo a tutela de evidência aquela de natureza satisfativa, que tem por objetivo antecipar o resultado prático do processo, quando dito resultado decorre de forma evidente do caso sub judice. Trata-se de expediente em perfeita sintonia com o propósito de duração razoável do processo”, ressalta.

Ana Luiza Nevares destaca que, em relação à colação das doações, o Código poderia ter estipulado critério valorativo que, realmente, alcançasse o seu objetivo de igualar as legítimas dos herdeiros necessários.

Segundo ela, tanto o critério do valor da doação ao tempo da liberalidade quanto aquele que se reporta ao valor do bem à época da abertura da sucessão são falhos para a finalidade a que se propõem, em virtude da valorização ou desvalorização do bem doado, em especial quando o sucessor não mais o detém por ocasião da abertura da sucessão.

“Melhor seria se o CPC tivesse previsto critério valorativo consoante o benefício que, de fato, o herdeiro auferiu com a doação. Assim, se o herdeiro ainda possuir o bem por ocasião do falecimento do autor da herança, o valor a ser conferido deveria ser aquele da época da abertura da sucessão; se o herdeiro não mais possuir o bem, o valor de conferência deveria ser aquele do benefício efetivamente auferido pelo sucessor (ou seja, o valor da venda pelo sucessor do bem recebido em antecipação de legítima ou o valor do aludido bem quando foi doado pelo sucessor antes do falecimento do autor da herança), devidamente corrigido”, reflete.

Além disso, a advogada considera que o CPC 2015 foi tímido quanto à extensão do procedimento do arrolamento para os casos em que há herdeiros incapazes. “A existência de herdeiros incapazes não deveria impedir o processamento do inventário pelo rito do arrolamento sumário, quando há apenas um único herdeiro, bem como quando o monte é composto apenas por dinheiro, não havendo nenhuma questão complexa a ser dirimida, salvo a divisão aritmética entre os sucessores, mantendo-se a garantia da atuação do Ministério Público para resguardar os interesses dos incapazes”, diz.

Fonte: IBDFAM | 03/03/2016.

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TJRS: Usucapião. Coproprietário – direito de aquisição – ausência

Não detém o direito à aquisição da propriedade originária por usucapião aquele que se diz coproprietário, por aquisição conjunta, e que mantinha relação de união estável no momento da aquisição

A Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou a Apelação Cível nº 70066833120, onde se decidiu que não detém o direito à aquisição da propriedade originária por usucapião aquele que se diz coproprietário, por aquisição conjunta, e que mantinha relação de união estável no momento da aquisição. O acórdão teve como Relator o Desembargador Pedro Celso Dal Prá e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.

No caso em tela, a recorrente interpôs recurso de apelação contra a r. sentença que julgou improcedente ação de usucapião ajuizada em face do espólio de seu ex-companheiro. Sustentou, em suas razões, estarem presentes os requisitos para a aquisição da propriedade por usucapião e afirmou que o fato de o imóvel estar em nome de seu ex-companheiro não implica reconhecer a ausência dos requisitos, uma vez que, a seu ver, estaria, desde o óbito, na posse do imóvel.

Ao analisar o recurso, o Relator observou que a sentença não merece reparo, pois, segundo depoimento da própria recorrente, ela se encontrava na posse do imóvel em decorrência de sua condição de ex-companheira do proprietário registral, a quem atribui a aquisição conjunta do imóvel, já que contribuiu com metade dos valores necessários. Ademais, o Relator destacou que, de acordo com o referido depoimento, a recorrente tem conhecimento de que seu ex-companheiro tinha filhos, com quem, inclusive, não nutria boa relação de convivência. Desta forma, o Relator entendeu que, se o imóvel foi adquirido em conjunto pelo casal, na constância da união estável, a recorrente não possui os pressupostos da usucapião, diante da provável existência de direitos comuns entre ela e os filhos do falecido. Afirmou, ainda, “que descabe ajuizamento de ação de usucapião por quem se diz dono do imóvel, ou, ainda, por quem se identifica como titular de direitos sobre o bem usucapiendo, em face da saisine ou até mesmo de direitos decorrentes da relação de união estável.” Assim, para o Relator, “cabe, pois, à autora, promover sua habilitação no processo de inventário e lá demonstrar sua relação afetiva e duradoura havida com o falecido, para, assim, assegurar eventuais direitos que decorram da propalada união estável que diz ter mantido com o falecido proprietário registral, ou, até mesmo, eventual direito real de habitação.”

Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e veja na íntegra a decisão.

Fonte: IRIB | 08/03/2016.

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Academia Notarial Brasileira entrevista o Desembargador Ricardo Dip sobre a Usucapião Extrajudicial (Primeira Parte)

Iniciamos a publicação de entrevista concedida pelo Des. Ricardo Dip, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acerca da usucapião extrajudicial.

1. Qual sua expectativa acerca do novo instituto da “usucapião extrajudicial” que entrará em vigor no próximo dia 18 de março?

RD: Quero, inicialmente, deixar bem claro que encontro aspectos muito louváveis com a norma do art. 216-A da Lei de Registros Públicos, instituidora do que se vem designando por “usucapião extrajudicial”. Digo isto para não parecer que, criticando alguns de seus aspectos, esteja a desmerecê-la em seu todo ou no principal.
À partida, já os nomes “usucapião extrajudicial” ou “usucapião administrativa” são expressões figuradas. Toda usucapião é extrajudicial. O que há, isto sim, é um novo processo extrajudicial de reconhecimento da usucapião. O termo “usucapião administrativa” padece do mesmo traslado: o que há é um novo processo de “jurisdição” administrativa para reconhecer-se a usucapião.
Num plano panorâmico, o art. 216-A incluído agora na Lei de Registros Públicos instituiu uma modalidade de desjudiciarização que, por sua conclusão, merece aplauso, na medida em que relações consensuais não são próprias para a função judiciária.

Penso, todavia, que, em aspectos singulares, o dispositivo pode frustrar-se, além de incorrer, segundo me parece, em uma trasladação de funções, nisto que atribuiu ao registrador público a instrumentação do título usucapional, quando, em rigor, melhor seria que a formação documentária dirigida à matrícula se assinasse ao notário.
A frustração da norma, assim me aparenta, advirá em particular da falta de previsão legislativa de uma base econômico-financeira –que deveria provir do erário, a quem se impõe o custeio do benefício de gratuidade da justiça− para atrair ao campo extrajudicial um volume considerável de pleitos de usucapião.

2. Parece-lhe, pois, que se poderia ter proposto mais atuação notarial quanto a esta usucapião?

RD: As justificações, classicamente, ou são judiciais ou são notariais. Desjudiciarizou-se, embora de modo facultativo, com este novo art. 216-A da Lei de Registros Públicos, o reconhecimento da usucapião. Instituiu-se um processo registrário, com uma documentação antecedente de origem notarial, cifrada, no texto legislativo, a uma, aliás controversa, “atestação” do tempo de posse.
Essa “atestação” só seria possível, a meu ver e ainda assim destituída da eficácia de fé pública, se nós tivéssemos adotado o modelo ortodoxo da justificação notarial.
Em vez disto, instituímos o paradoxo de um processo de morfologia pré-registrária que tem curso no próprio registro… ou seja, uma espécie de autogestação do registro.
Mas, veja-se este ponto, os documentos que se registram no ofício predial devem ser formados, em rigor, fora dele. Ao registro não compete formar os títulos que deve ele próprio registrar. A documentação registral propriamente dita é só a de seus livros, não a que lhes é externa, embora sejam registrárias, por força de lei, certificações de títulos arquivados. A documentação externa ao registro deve produzir-se por fontes diversas do registro destinatário, entre elas a notarial.

Vale dizer que ao notário se deveria ter assinado a tarefa de justificação do processo aquisitivo imobiliário, com audiência do legitimado tabular e dos confrontantes do prédio prescribendo, audição de testemunhas, vista de documentos etc. E ao registrador competiria, no fim e ao cabo, a tarefa de receber o título para praticar o ato que lhe cabe ordinariamente: qualificá-lo e inscrevê-lo com caráter de formal eficácia erga omnes.
Fez-se de modo diverso com o art. 216-A, trasladando-se para o registro uma tarefa morfológica pré-registral.

3. Como o Sr. vê o tema da “atestação do tempo de posse” pelo notário?

RD: Ainda que se dê ao termo “atestação” um sentido menos próprio, alargado, o que se exige para bem entender os contornos desta “atestação do tempo de posse” é distinguir, de um lado, a fé pública notarial, e, de outro, a atividade do notário enquanto jurista privado.
A fé pública notarial é tributária exclusivamente do quanto captado pelos órgãos dos sentidos externos, mais exatamente pela vista e a audição, e percepcionado pelos órgãos dos sentidos internos, especialmente a memória e o senso comum. Ou seja, a fé pública do notário é uma potestas que opera no âmbito do conhecimento sensível. Nec plus ultra.

O que refoge deste domínio não recebe o selo da fé pública, por mais possa produzir, na esfera probatória, uma eficácia indiciária.

O tempo é um acidente que não pode mais do que ser captado sensivelmente em sua presencialidade. O passado já não há, o futuro ainda não há. Aquele, o passado, pode ser apreendido intelectualmente, e o futuro pode ser conjecturado pelo entendimento e adivinhado até pela imaginação, mas um e outro, futuro e passado, não podem ser captados pelos órgãos dos sentidos externos.  Por isso, não são suscetíveis de atrair a fé pública.

4. Significa que não tem valor probatório essa atestação notarial do tempo de posse?

RD: Não é bem isto. Ela tem valor indiciário, como é próprio de todas as provas que se produzem, tal o caso, fora de um processo e à margem do contraditório. Tem valor privado, particular, mas não de documento público.

Quer dizer, essa “atestação”, seja pela audiência de testemunhas, seja pela vista de documentos (de posse-encargo, p.ex.), valerá como um indício a considerar para a confirmação processual posterior. É só no processo e depois de instaurada a via defensiva e contraditória que poderá pôr-se “a prova à prova”. É com a potencialidade de reproduzir essa prova da “atestação” que ela adquire sua valia, de modo que não pode ser uma potencialidade frustrânea.

5. De maneira que o Sr. distingue entre efeitos de fé pública e de indícios na ata notarial para a usucapião?

RD: Exatamente isto.
Veja este exemplo que me parece esclarecedor: o notário exercita com atração de fé pública a afirmação da identidade das testemunhas ouvidas acerca da posse do prescribente. Se o notário diz que identificou ser “Tício di Peruggia” uma dada testemunha por ele ouvida em audiência e narra o que dele diz ter ouvido, isso não pode ser impugnado fora da via jurisdicional; ou seja, é matéria que escapa da qualificação do registrador.

Mas a veracidade do conteúdo da declaração não se acoberta com a fé pública do notário. Fica a salvo para impugnações extrajudiciais, do registrador inclusive. Porque a afirmação dessa veracidade é mero juízo interpretativo do notário, juízo relevante e que possui caráter indiciário; todavia, proposição intelectual, não atrativa da fé pública. É um juízo que poderá selar-se da autoridade do notário, em sua condição de jurista privado, mas não da potestas pública da fé notarial. 

Fonte: Notariado | 08/03/2016.

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