Questão esclarece dúvida acerca da averbação de concessão de lavra

Concessão de lavra – averbação

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da averbação de concessão de lavra. Veja nosso posicionamento sobre o assunto:

Pergunta: A concessão de lavra pode ser averbada na matrícula imobiliária? Se possível, qual o título hábil para a prática do ato?

Resposta: Em que pese entendimentos contrários, parece-nos que a melhor orientação para o caso seria pelo deferimento do regular ingresso de instrumento de concessão de lavra na matrícula do imóvel, através de ato de averbação, com proveito, aí, do disposto no art. 246, da Lei 6.015/73, c.c. o em trato no art. 167, inc. II, item 5 (parte final), cujas bases, nas expressões que, respectivamente, estão a indicar “outras ocorrências” e “outras circunstâncias” apresentam-se com o necessário suporte para admitir averbações no sistema registral, as quais, a nosso ver, nos dão a devida abertura para que não se entenda como engessados para tais atos o que mais temos no citado inc. II, dando-se, assim, por justificada a defesa do regular ingresso no sistema registral de instrumento de concessão de lavra, através de averbação a ser feita na matrícula do imóvel a que estará ele a se reportar. Para uma análise mais célere do aqui exposto, faço seguir texto da citada base legal, a saber:

Lei 6.015/73     

Art. 246 – Além dos casos expressamente indicados no item II do artigo 167, serão averbados na matrícula as subrogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro.

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Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. 

I – …..

II – a averbação:

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5) – da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas;

Na direção da flexibilidade que temos para uma melhor aplicação da referida base legal, temos decisões do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, citando aqui uma delas, lançada em data de 28 de maio de 1990, nos autos de Apelação Cível de número 11.150-0/0, decorrente de procedimento de dúvida, suscitada pelo 1º. Registrador de Imóveis da comarca de São José do Rio Preto, da qual destacamos o seguinte:

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O M.M. Juiz Corregedor Permanente do Primeiro Cartório de Registro de Imóveis julgou improcedente a dúvida, determinando registro do mandado de registro de arrecadação de bem imóvel feita em procedimento falimentar, sob argumento de que a relação do artigo 167 da Lei de Registros Públicos exemplificativa e que interessa a publicidade do ato.

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Mas, dada a relevância do ato praticado na esfera jurisdicional, que limita a disponibilidade do bem imóvel arrecadado, convém ao sistema registrário, admiti-lo mediante ato averbatório. O registro visa, dentre outras finalidades, assegurar a validade e a normalidade dos negócios jurídicos, sendo de cautela dar publicidade do ato constritivo e dar a este garantia registral da apreensão (art. 167, II, n.º 12, Lei n.º 6.015/73).

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De importância também observar e respeitar o já decidido pelo Judiciário em duas oportunidades, como se vê disponibilizado no sitehttp://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=6232, sendo (i) uma da 1ª. Vara dos Registros Públicos de São Paulo, lançada em 16 de abril de 1982, nos autos de número 261/82, decorrente de procedimento de dúvida suscitada pelo 18º. Registrador de Imóveis da Capital; e (ii) a outra originária do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, lançada em 13 de junho de 1983, nos autos de Apelação Cível 1956-0, decorrente de procedimento de dúvida suscitada pelo 18º. Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que mostram entendimentos a impedir o acesso de concessões de lavra no Registro de Imóveis, (i) por falta de previsão legal na Lei dos Registros Públicos, por não ver o art. 167, da Lei dos Registros Públicos a contemplar, em momento algum, de forma específica, o regular ingresso desse tipo de instrumento no sistema registral, e também (ii) por ver que tais concessões têm seus registros dirigidos para livro próprio do Departamento Nacional de Proteção Mineral, citando como base para esse entendimento o art. 59, § 1º., do Regulamento do Código de Mineração, e não para o Registro de Imóveis, com observação final (iii) de que esse tipo de contrato também pode receber a devida publicidade por meio do Registro de Títulos e Documentos, caso o interessado venha a assim desejar.

Destaque da decisão da 1ª. Vara dos Registros Públicos:

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“O Regulamento ao Código de Mineração é expresso ao dispor que “Os atos de alienação ou oneração (da concessão) só terão validade depois de averbado à margem da transcrição do respectivo título de concessão, no Livro de ‘Registro dos Decretos de Lavra” (art. 59, § 1º).

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Destaques da decisão do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo:

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Para finalizar, lembre-se que o elenco do art. 167, I, da Lei 6.015/73 é taxativo, não permitindo interpretação extensiva ou analógica.

Assim sendo, afastada a caracterização como arrendamento rural, o presente contrato deveria ser registrado no “Livro de Registros dos Decretos de Lavra” (art. 59, § 1°, do Código de Mineração – Dec. Lei n° 277/67) e não no Cartório de Registro de Imóveis.

4. Por derradeiro, cumpre destacar que eventual publicidade ao arrendamento ou a qualquer outro tipo de contrato poderá ser obtida com o registro no Cartório de Títulos e Documentos.

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Não obstante o entendimento das referidas decisões, podemos aproveitar da última delas, ou seja, da vista nos autos de Ap. Cível 1956-0, entendimento esposado pelo então 1º. vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Dr. Humberto de Andrade Junqueira, que, mesmo sendo voto vencido, defende a regular admissão desse tipo de instrumento na matrícula do imóvel, com   respeitados argumentos, que são também por nós aproveitados para a defesa de que devem as concessões de lavras serem regularmente averbadas nas matrículas dos imóveis a que estarão a se reportar, fazendo seguir parte desse r. voto, para melhor análise do aqui em trato, a saber:

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Certo, ainda, que esse contrato de exploração de jazida do subsolo tem indiscutível influência no registro do imóvel e mais ainda na pessoa do seu proprietário, pelo que é de aplicar a norma do número 5 do inciso II do citado art. 167, segundo o qual serão averbadas “quaisquer circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas”.

É evidente que, se alguém se interessa pela aquisição de um imóvel e, pela certidão extraída do Registro de Imóveis não consta o registro, ou averbação, de qualquer contrato de exploração de lavra nas terras, terá uma enorme surpresa se, adquirido o imóvel, verificar que em determinada parte dele há uma exploração de jazida a ocasionar, como geralmente acontece, um grande transtorno na vida de uma propriedade rural.

Além do mais, o contrato de arrendamento, que outro não é senão o de locação, contém, no caso dos autos, cláusula que prevê sua vigência em caso de alienação da coisa locada (13ª), cláusula esta que, por si só, justificaria o registro, não somente porque contemplada expressamente no inciso 3 do número I, do art. 167, como também porque constitui circunstância relevante e de grande repercussão no registro e nas pessoas nele interessadas.

Ora, se o Registro de Imóveis deve funcionar como “repositório de informações e centro para onde convergem todos os elementos referentes à propriedade imobiliária”, como ensina Silvio Rodrigues (Direito Civil, vol. 5/395), devendo ser “espelho e indicador dos contratos que se passam com relação à propriedade imobiliária, e nesta função está na dependência dos contratos celebrados; seu mister é trazê-los à publicidade, facilitar o meio de conhecê-los de pronto”, no ensinamento de Lacerda de Almeida, citado pelo prof. Walter Ceneviva (obra citada, pág. 339), por sem dúvida de que um contrato como o de exploração de lavra, com construção de edifícios, estrada e com cláusula de vigência na hipótese de alienação da coisa locada, não pode deixar de ser levado ao registro imobiliário, pois caso contrário, este já não será o espelho e indicador dos contratos que se passam com relação à propriedade imobiliária.

E, como já se observou, grande surpresa teria quem adquirisse uma propriedade gravada com esse contrato de lavra e no entanto das certidões atualizadas da Matrícula, dos Registros e das Averbações da propriedade nada constasse a respeito.

A arrendatária construirá uma estrada e uma linha de transmissão de energia elétrica até o local da jazida (cláusula 11, § 1°), uma verdadeira servidão de passagem pelo prazo do contrato, a onerar o imóvel, mesmo na hipótese de venda deste a terceiro (cláusula 13ª), pelo que inconcebível como deixar o contrato de ser registrado.

Serpa Lopes, discorrendo sobre a publicidade resultante dos registros públicos, ensinou que “esta é de uma utilidade jurídico-social indenegável. A sua função no Direito consiste em tornar conhecidas certas situações jurídicas, precipuamente quando se refletem nos interesses de terceiros. Por outro lado, a sua finalidade caracteriza-se por essa dupla face: ao mesmo tempo que realiza uma defesa, serve de elemento de garantia. Relações jurídicas existem que exigem ser respeitadas por terceiros, sendo imperiosa a necessidade da criação de um órgão, de um sistema capaz de possibilitar esse conhecimento erga omnes” (Tratado dos Registros Públicos, vol. I/7, 2ª ed.).

Ora, um contrato de exploração de jazida onera uma propriedade imobiliária por anos e anos, de modo que os adquirentes dessa propriedade, ainda que por via de sucessão hereditária, ficarão vinculados ao cumprimento do contrato;sem o registro imobiliário, terceiros poderão ser prejudicados com a existência oculta desse contrato.

E, de mais a mais, qual o prejuízo que pode resultar do registro? Qual o inconveniente de tal contrato ficar constando do registro imobiliário?

Se ambas as partes expressamente concordaram em que o registro fosse feito (cláusula 14ª) e se a própria lei assim o determina, o indeferimento do pedido somente encontra explicação no exagerado amor a uma interpretação quase farisaica do texto legal, sem qualquer benefício para as partes e para a sociedade em geral.

O grande mestre Erich Danz ensinou que “esse culto do formalismo é uma averbação e nasce de uma falsa noção de Direito. A vida não está ao serviço dos conceitos, mas sim estes ao serviço da vida. É preciso atender, não ao que ordena a lógica, mas sim ao que exija a vida, a sociedade, o sentimento jurídico, tanto quando seja necessária segundo a lógica, como quando seja logicamente impossível” (A Interpretação dos Negócios Jurídicos, ed. Saraiva 1941, pág. 127). É o mestre ensinou, ainda, que essa orientação fascinadora da dialética jurídica tem sido fatal para a prática do Direito, pois nos afasta das verdadeiras fontes, “as únicas em que devemos ir procurar os fundamentos primários das normas jurídicas e a chave para a compreensão do Direito em geral” (obra citada, pág. 128).

Aliás, o próprio Cristo nos chamou a atenção para isso, ao afirmar que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado.

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Aliando a esse pensamento, temos vigendo hoje no sistema registral a Lei 13.097/2015, que, em seus artigos 54, 55 e 58, estão a cuidar do princípio da concentração registraria, que se apresenta de interesse para o caso aqui em tela, cuja base também deve ser aproveitada para a defesa da regularidade da averbação na matrícula do imóvel que venha a se envolver com instrumento de concessão de lavra, como aqui em estudos. Segue abaixo, para um exame mais célere do caso, texto dos referidos artigos, a saber:

Lei 13.097/2015

Dos Registros na Matrícula do Imóvel

Art. 54 –  Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:        

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Parágrafo único.  Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Art. 55.  A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.

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Art. 58.  O disposto nesta Lei não se aplica a imóveis que façam parte do patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas fundações e autarquias.       

Podemos, ainda, para o mesmo fim ditado pelo parágrafo anterior, também aproveitar da redação que temos no parágrafo único, do  art. 12, incisos I e II, do Decreto-lei 277/67 – Código de Mineração -, e também ao que temos no parágrafo único, do art. 90, incisos I e II, do Regulamento do citado Código de Mineração, aprovado pelo Decreto de número 62.934/68, sem pretender aqui avançar em comentários quanto a não mais aplicação de tais dispositivos legais, à vista do que temos hoje de forma especial a cuidar dos Registros Públicos – Lei 6.015/73 -, vendo assim tais bases como elementos de subsídio a acrescer ao que pensamos sobre o ora em análise. Para melhor entendimento do aqui em trato, fazemos seguir abaixo texto das referidas bases, a saber:

Decreto-lei  277/67 , de 28 de fevereiro de 1967 – Código de Mineração

Art. 12 – O direito de participação de que trata o artigo anterior não poderá ser objeto de transferência ou caução separadamente do imóvel a que corresponder, mas o proprietário deste poderá: 

transferir ou caucionar o direito ao recebimento de determinadas prestações futuras; 

II renunciar ao direito. 

Parágrafo único Os atos enumerados neste artigo somente valerão contra terceiros a partir da sua inscrição no Registro de Imóveis.

Regulamento do citado Código de Mineração, aprovado pelo Decreto de número 62.934/68, de 2 de julho de 1968:

Art. 90 – O direito de participação nos resultados da lavra não poderá ser objeto de transferência ou caução separadamente do imóvel; entretanto, é facultado ao proprietário do solo, após a concessão da lavra:

I – Transferir ou caucionar o direito ao recebimento do determinadas prestações;

II – Renunciar ao direito de participação.

Parágrafo único – Os atos enumerados neste artigo somente valerão contra terceiros a partir de sua inscrição no Registro de Imóveis.

Ainda como sustentação para a posição aqui demonstrada, temos também entendimento do Colégio Registral do Rio Grande do Sul, que se encontra disponibilizado no site  http://www.colegioregistralrs.org.br/perguntas/completa?id=918;filtro=;jumpMenu=5  (acesso em 18/12/2015),  com o seguinte texto:

“CONSULTA: RI – JAZIDA – CONCESSÃO DE LAVRA – AVERBAÇÃO

É possível averbar jazida em imóvel de particulares? Se afirmativo, quais são os documentos necessários?

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

§ 2º – É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

§ 3º – A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.

§ 4º – Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

Obrigada.

Resposta:

Prezada Associada

Inicialmente há que se estabelecer uma distinção: JAZIDAS são recursos minerais ainda não explorados e que existem, em melhor ou menor qualidade ou quantidade, em qualquer imóvel, urbano ou rural. Não parece relevante ao direito de propriedade saber que existem jazida de tal ou qual mineral sob o solo, porque todos imóveis tem jazidas (mais ou menos valiosas). MINAS são jazidas em exploração ou com direito de lavra concedido ou autorizado. Estas, as minas, são relevantes para o direito de propriedade.

O direito de exploração da jazida, ou seja, a MINA, o direito de lavra, pode e deve ser averbado na matrícula do imóvel, com base no Princípio da Concentração e de todos os dispositivos legais que o embasam. Uma “mina”, mesmo que seja profunda, necessita de acesso, instalações, escavações, poços, redes de luz e água etc., que atingem profundamente o direito de propriedade do solo.

Há que considerar que também existem as minas à flor da terra, cuja exploração deforma profundamente o aspecto físico do imóvel.

A averbação do termo de concessão ou autorização firmado pelo órgão da UNIÃO, com suas peculiaridades próprias, é fundamental para que se estabeleçam os limites do direito de propriedade do proprietário do imóvel, as prerrogativas do detentor do direito de lavra, a eventual participação de ambos no produto final etc.

É fundamental para conhecimento de terceiros, de que determinado imóvel tem direito de lavra concedido e que, por consequência, submete-se a um regime jurídico com regras muito específicas. O conhecimento da existência de concessão ou autorização de lavra da jazida é fundamental para credores, por exemplo, que nem sempre visitam o imóvel antes de aceitá-lo em hipoteca.

Comprovada a participação do proprietário do imóvel no procedimento administrativo, qualquer interessado, munido do termo administrativo, poderá requerer a averbação.

Saudações,

Colégio Registral do Rio Grande do Sul.

De importância também observar que, não obstante estarmos aqui a defender a necessidade da referida concessão de lavra fazer parte dos assentos registrários, através de ato de averbação, com base no que reza o art. 167, inc. II, item 5 (parte final), da Lei 6.015/73, c.c. o em trato no art. 246, da mesma base legal, e proveito do disposto na Lei federal 13.097/2015, temos também que reconhecer que, mesmo que isso não venha a acontecer, eventual adquirente ou credor de direitos, ficará obrigado a respeitá-la, uma vez que, de acordo com o disposto no art. 176, §§ 1º., 2º. e 3º., da Constituição Federal, e aqui já reproduzidos, temos como de propriedade da União, as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais, a constituírem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, devendo a autorização que for concedida para tal fim ser sempre por prazo determinado, sem permissão para sua cessão ou transferência, total ou parcial, sem prévia anuência do poder concedente, ficando assegurado ao proprietário do bem participação nos resultados da lavra, no valor que dispuser a lei; razão pela qual deve eventual adquirente ou credor de direitos de um imóvel ter que sempre respeitar tal concessão, independentemente de estar ela lançada ou não na respectiva matrícula, o que nos leva a propor que todo negócio jurídico a envolver um imóvel, quer rural, quer urbano, deve o outorgado, de forma prévia, buscar informações do citado Departamento Nacional de Produto Mineral – DNPM -, quanto a existência ou não de alguma concessão de lavra, para que em momento futuro não seja surpreendido com a execução dos trabalhos que a mesma vai exigir, os quais, normalmente, apresentam-se de consideráveis proporções, com enormes danos ao solo que, se do conhecimento do outorgado, com certeza, não teria consumado suposta compra do bem.

Para que o princípio da concentração seja prestigiado, principalmente neste caso, deveria referido DNPM só dar tal concessão como efetivamente outorgada depois que o beneficiado por ela demonstrasse sua regular averbação junto ao Oficial Imobiliário competente, para que terceiros adquirentes ou credores de algum direito sobre o imóvel envolvido com ela, não sejam surpreendidos com negócios que, pelos lançamentos feitos na matrícula do bem em questão, encontrava-se sem qualquer ônus, quando, na verdade, podia já estar com autorização para serviços de lavra, sem, no entanto, ter ocorrido a devida publicidade da mesma na respectiva peça matricial.

A averbação aqui em trato deve ser feita à vista de requerimento do interessado, nos moldes do ditado pelo art. 246, § 1º., da Lei dos Registros Públicos, acompanhado do respectivo Termo de Concessão ou de Autorização firmado pelo referido Departamento Nacional de Proteção Mineral – DNPM -, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, proceda aos ditames das referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB | 11/02/2016.

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STJ: Cédula de Crédito Bancário – alienação fiduciária – possibilidade. SFI – vinculação – ausência

É possível a constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não relacionada ao Sistema Financeiro Imobiliário

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 1.542.275 – MS (REsp), onde se decidiu pela possibilidade de constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não relacionada ao Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), ou seja, desprovida da finalidade de aquisição, construção ou reforma do imóvel oferecido em garantia. O acórdão teve como Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e o recurso foi, por unanimidade, julgado provido.

Os recorridos interpuseram, na origem, ação anulatória buscando a nulidade de cédula de crédito bancário com cláusula de garantia fiduciária sobre bens imóveis, cumulada com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, com o objetivo de determinar a suspensão do procedimento de execução extrajudicial previstos nos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997, sob o argumento de desvio de finalidade da referida lei, uma vez que, o crédito adquirido não teve como objetivo o financiamento imobiliário com vistas ao cumprimento do direito social de moradia. Ao julgar a ação, o magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, por entender que a tese dos recorridos contraria o disposto no art. 22, § 1º da Lei nº 9.514/97. Interposto o recurso perante o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, o mesmo foi julgado provido e deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, determinando a suspensão do procedimento extrajudicial de expropriação dos bens dados em garantia, concluindo que a alienação fiduciária de bens imóveis somente pode ser utilizada em crédito destinado à aquisição, edificações ou reformas do imóvel oferecido em garantia. Inconformado, o recorrente interpôs recurso especial, apontando violação aos arts. 22, § 1º da Lei nº 9.514/97 e 51 da Lei nº 10.931/2004. Afirmou, ainda, que, por expressa determinação legal, a contratação da alienação fiduciária de coisa imóvel não pode ser qualificada como privativa das entidades que operam no SFI, bem como se autoriza a instituição de garantia de obrigação materializada em cédula de crédito bancário por alienação fiduciária de imóvel, importando na continuidade do procedimento expropriatório ante a inexistência de vícios em seu transcorrer.

Ao julgar o REsp, o Relator entendeu que, a lei não exige que o contrato de alienação fiduciária de imóvel se vincule ao financiamento do próprio imóvel, sendo legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária, podendo inclusive ser prestada por terceiros. Ao final, concluiu que, embora a alienação fiduciária de imóveis tenha sido introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 9.514/97, seu alcance ultrapassa os limites das transações relacionadas à aquisição de imóvel e que, “resta indubitável, portanto, que a finalidade do instituto é o de fomentar o sistema de garantias do direito brasileiro, dotando o ordenamento jurídico de instrumento que permite sejam as situações de mora, tanto nos financiamentos imobiliários, como nas operações de créditos com garantia imobiliária, recompostas em prazos compatíveis com as necessidades da economia moderna.”

Diante do exposto, o Relator votou pelo provimento do recurso.

Clique aqui e leia a íntegra da decisão.

Fonte: IRIB | 11/02/2016.

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Artigo: É o fim da interdição? – Por Pablo Stolze

*Pablo Stolze

1. Introdução

Ainda será sentido o profundo impacto da Lei 13.146 de 06 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência -, a partir, especialmente, da jurisprudência que se formará ao longo dos próximos anos.

Esta Lei, como já tive a oportunidade de observar[1], nos termos do parágrafo único do seu art. 1º, tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3o do art. 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno.

Pela amplitude do alcance de suas normas, o Estatuto traduziu uma verdadeira conquista social, ao inaugurar um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis.

A partir de sua entrada em vigor, a pessoa com deficiência – aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do seu art. 2º – não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa.

Ainda que, para atuar no cenário social, precise se valer de institutos assistenciais e protetivos como a tomada de decisão apoiada ou a curatela, a pessoa deve ser tratada, em perspectiva isonômica, como legalmente capaz.

Por óbvio, uma mudança desta magnitude – verdadeira “desconstrução ideológica” – não se opera sem efeitos colaterais, os quais exigirão um intenso esforço de adaptação hermenêutica[2].

Mas, certamente, na perspectiva do Princípio da Vedação ao Retrocesso, lembrando Canotilho, a melhor solução será alcançada.

O que não aceito é desistir desta empreitada, condenando o Estatuto ao cadafalso da indiferença em virtude de futuras dificuldades interpretativas.

2. O Estatuto e a Capacidade Civil

Como salientei, com a entrada em vigor do Estatuto, a pessoa com deficiência – aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do art. 2º – não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa:

Art. 6o  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive[3] para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84.  A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Esse último dispositivo é de clareza meridiana: a pessoa com deficiência é legalmente capaz, ainda que pessoalmente não exerça os direitos postos à sua disposição.

Poder-se-ia afirmar, então, que o Estatuto inaugura um novo conceito de capacidade, paralelo àquele previsto no art. 2º do Código Civil[4]?

Em meu sentir, não há um novo conceito, voltado às pessoas com deficiência, paralelo ao conceito geral do Código Civil.

Se assim o fosse, haveria um viés discriminatório que a nova Lei exatamente pretende acabar.

Em verdade, o conceito de capacidade civil foi reconstruído e ampliado.

Com efeito, dois artigos matriciais do Código Civil foram reestruturados.

O art. 3º do Código Civil, que dispõe sobre os absolutamente incapazes, teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos).

O art. 4º, por sua vez, que cuida da incapacidade relativa, também sofreu modificação. No inciso I, permaneceu a previsão dos menores púberes (entre 16 anos completos e 18 anos incompletos); o inciso II, por sua vez, suprimiu a menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”; o inciso III, que albergava “o excepcional sem desenvolvimento mental completo”, passou a tratar, apenas, das pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade”; por fim, permaneceu a previsão da incapacidade do pródigo.

Nesse contexto, faço uma breve reflexão.

Não convence inserir as pessoas sujeitas a uma causa temporária ou permanente, impeditiva da manifestação da vontade (como aquela que esteja em estado de coma), no rol dos relativamente incapazes.

Se não podem exprimir vontade alguma, a incapacidade não poderia ser considerada meramente relativa.

A impressão que tenho é a de que o legislador não soube onde situar a norma.

Melhor seria, caso não optasse por inseri-lo no próprio artigo art. 3º (que cuida dos absolutamente incapazes), consagrar-lhe dispositivo legal autônomo.

Considerando-se o sistema jurídico tradicional, vigente por décadas,  no Brasil, que sempre tratou a incapacidade como um consectário quase inafastável da deficiência, pode parecer complicado, em uma leitura superficial, a compreensão da recente alteração legislativa.

Mas uma reflexão mais detida é esclarecedora.

Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada” como incapaz, para ser considerada – em uma perspectiva constitucional isonômica – dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada[5] e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil.

3. O Estatuto e a Curatela

De acordo com este novo diploma, a curatela, restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, passa a ser uma medida extraordinária (art. 85):

Art. 85.  A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1o  A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§ 2o  A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

§ 3o  No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. (grifei)

Note-se que a lei não diz que se trata de uma medida “especial”, mas sim, “extraordinária”, o que reforça a sua excepcionalidade.

E, se é uma medida extraordinária, é porque existe uma outra via assistencial de que pode se valer a pessoa com deficiência – livre do estigma da incapacidade – para que possa atuar na vida social: a “tomada de decisão apoiada”, processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

Pessoas com deficiência e que sejam dotadas de grau de discernimento que permita a indicação dos seus apoiadores, até então sujeitas a uma inafastável interdição e curatela geral, poderão se valer de um instituto menos invasivo em sua esfera existencial.

Note-se que, com isso, a autonomia privada projeta as suas luzes em recantos até então inacessíveis.

4. É o Fim da Interdição?

Afinal, o Estatuto pôs fim à interdição?

É preciso muito cuidado no enfrentamento desta questão.

O Prof. Paulo Lôbo, em excelente artigo[6], sustenta que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, “não há que se falar mais de ‘interdição’, que, em nosso direito, sempre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos”.

Esta afirmação deve ser adequadamente compreendida.

Explico o meu ponto de vista.

Na medida em que o Estatuto é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparece a figura da “interdição completa” e do “curador todo-poderoso e com poderes indefinidos, gerais e ilimitados”.

Mas, por óbvio, o procedimento de interdição (ou de curatela)[7] continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial, como bem acentuou Rodrigo da Cunha Pereira. [8]

É o fim, portanto, não do “procedimento de interdição”, mas sim, do standard tradicional da interdição, em virtude do fenômeno da “flexibilização da curatela”, anunciado por Célia Barbosa Abreu[9].

Vale dizer, a curatela estará mais “personalizada”, ajustada à efetiva necessidade daquele que se pretende proteger.

Aliás, fixada a premissa de que o procedimento de interdição subsiste, ainda que em uma nova perspectiva, algumas considerações merecem ser feitas, tendo em vista a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.

Flávio Tartuce[10], com propriedade, ressalta a necessidade de se interpretar adequadamente o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o CPC-15, para se tentar amenizar os efeitos de um verdadeiro “atropelamento legislativo”.

E a tarefa não será fácil, na medida em que o novo CPC já surgirá com muitos dispositivos atingidos pelo Estatuto.

Dou como exemplo o artigo do Código Civil que trata da legitimidade para promover a interdição (art. 1.768), revogado pelo art. 747 do CPC-15.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, por seu turno, ignorando a revogação do dispositivo pelo novo CPC – observou Fredie Didier Jr.[11] – acrescentou-lhe um novo inciso (art. 1.768, IV, CC), para permitir que a própria pessoa instaure o procedimento de curatela.

Certamente, a conclusão a se chegar é no sentido de que o art. 747 do CPC vigorará com este novo inciso.

Será um intenso exercício de hermenêutica que deverá ser guiado sempre pelo bom senso.

5. O Estatuto e as Interdições em Curso

Para bem compreendermos este ponto, é necessária uma incursão na Teoria Geral do Direito Civil.

Isso porque o Estatuto alterou normas que dizem respeito ao “status” da pessoa natural, tema sobre o qual já tivemos a oportunidade de escrever:

O estado da pessoa natural indica sua situação jurídica nos contextos político, familiar e individual.

Com propriedade, ensina ORLANDO GOMES que estado (status), em direito privado, é noção técnica destinada a caracterizar a posição jurídica da pessoa no meio social.

Seguindo a diretriz traçada pelo mestre baiano, três são as espé­cies de estado:

a) estado político categoria que interessa ao Direito Constitucional, e que classifica as pessoas em nacionais e estrangeiros. Para tanto, leva-se em conta a posição do indivíduo em face do Estado;

b) estado familiar categoria que interessa ao Direito de Família, considerando as situações do cônjuge e do parente. A pessoa poderá ser casada, solteira, viúva, divorciada ou judicialmente separada, sob o prisma do direito matrimonial. Quanto ao parentesco, vinculam-se umas às outras, por con­sanguinidade ou afinidade, nas linhas reta ou colateral. O estado familiar leva em conta a posição do indivíduo no seio da família. Note-se que, a despeito de a união estável também ser considerada entidade familiar, desconhece-se o estado civil de concubino ou convivente, razão pela qual não se deve inserir essa condição na presente categoria;

c) estado individual essa categoria baseia-se na condição física do indivíduo influente em seu poder de agir. Considera-se, portanto, a idade, o sexo e a saúde. Partindo-se de tal estado, fala-se em menor ou maior, capaz ou incapaz, homem ou mulher.[12]

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, como dito, alterou normas reguladoras de um aspecto fundamental do “estado individual” da pessoa natural: a sua capacidade.

E, tais normas, por incidirem na dimensão existencial da pessoa física, têm eficácia e aplicabilidade imediatas.

Com efeito, estando em curso um procedimento de interdição – ou mesmo findo – o interditando (ou interditado) passa a ser considerado, a partir da entrada em vigor do Estatuto, pessoa legalmente capaz.

Mas, como analisamos linhas acima, é importante observar que a interdição e a curatela  – enquanto “procedimento” e “instituto assistencial”, respectivamente – não desapareceram, havendo, em verdade, experimentado uma flexibilização.

Vale dizer, não sendo o caso de se converter o procedimento de interdição em rito de tomada de decisão apoiada, a interdição em curso poderá seguir o seu caminho, observados os limites impostos pelo Estatuto, especialmente no que toca ao termo de curatela, que deverá expressamente consignar os limites de atuação do curador, o qual  auxiliará a pessoa com deficiência apenas no que toca à prática de atos com conteúdo negocial ou econômico.

O mesmo raciocínio é aplicado no caso das interdições já concluídas.

Não sendo o caso de se intentar o levantamento da interdição ou se ingressar com novo pedido de tomada de decisão apoiada, os termos de curatela já lavrados e expedidos continuam válidos, embora a sua eficácia esteja limitada aos termos do Estatuto, ou seja, deverão ser interpretados em nova perspectiva, para justificar a legitimidade e autorizar o curador apenas quanto à prática de atos patrimoniais.

Seria temerário, com sério risco à segurança jurídica e social, considerar, a partir do Estatuto, “automaticamente” inválidos e ineficazes os milhares – ou milhões – de termos de curatela existentes no Brasil.

Até porque, como já salientei, mesmo após o Estatuto, a curatela não deixa de existir.

Finalmente, merece especial referência a previsão da denominada “curatela compartilhada”, constante no art. 1.775-A do Código Civil, alterado pelo novo diploma estatutário: Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.

Trata-se de uma previsão normativa muito interessante que, em verdade, tornará oficial uma prática comum.

Por vezes, no seio de uma família, mais de um parente, além do próprio curador, conduz a vida da pessoa com deficiência, dispensando-lhe os necessários cuidados.

Pois bem.

O novo instituto permitirá, no interesse do próprio curatelado, a nomeação de mais de um curador, e, caso haja divergência entre eles, caberá ao juiz decidir, como ocorre na guarda compartilhada.

_________

*Pablo Stolze é Bacharel em Direito – Universidade Federal da Bahia (1998), tendo recebido o diploma de honra ao mérito (láurea), pela obtenção das maiores notas ao longo do bacharelado. Pós-graduado em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, tendo obtido nota dez em monografia de conclusão. Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, tendo obtido nota dez em todos os créditos cursados, nota dez na dissertação, com louvor, e dispensa de todos os créditos para o doutorado. Aprovado em primeiro lugar em concursos para as carreiras de professor substituto e professor do quadro permanente da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, e também em primeiro lugar no concurso para Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia (1999). Autor e coautor de várias obras jurídicas, incluindo o “Novo Curso de Direito Civil” (Saraiva). Professor da Universidade Federal da Bahia, e da Rede Jurídica LFG. Já ministrou aulas, cursos e palestras em diversos tribunais do país, inclusive no Supremo Tribunal Federal.

Fonte: JUS Navigandi | 12/02/2016.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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