CGJ/SP: Formal de partilha – Inventário – Incorreta qualificação de um dos herdeiros, na condição de “separado”, a quem foi atribuído 1/3 do imóvel em questão – Ação de divórcio ainda em trâmite -Inexistência de renúncia expressa da cônjuge quanto ao seu eventual direito (1/6) em relação ao imóvel cujo registro se pretende – Princípio da legalidade, disponibilidade e continuidade (artigo 1.784 do Código Civil e artigos 176, §1º, alínea 4-a, 195 e 237 da Lei 6.015/1976) – Exclusão do direito que deverá ser decidido na esfera própria – Dúvida procedente.


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1097628-75.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes REGINA CÉLIA BERTOLLA ALLOCCA, CLÁUDIO BERTOLLA e ANÍBAL BERTOLLA JÚNIOR, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O RELATOR, QUE FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO. ACÓRDÃO COM O DESEMBARGADOR RICARDO MAIR ANAFE. DECLARAM VOTOS OS DESEMBARGADORES JOSÉ RENATO NALINI E ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO.”

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, HAMILTON ELLIOT AKEL, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES E PINHEIRO FRANCO.

São Paulo, 7 de outubro de 2015.

RICARDO MAIR ANAFE

RELATOR DESIGNADO

Apelação Cível n. 1097628-75.2014.8.26.0100

Apelante: Regina Célia Bertolla Alocca e outros

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

TJSP – Voto nº 23.651

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

Registro de Imóveis.

Formal de partilha – Inventário – Incorreta qualificação de um dos herdeiros, na condição de “separado”, a quem foi atribuído 1/3 do imóvel em questão – Ação de divórcio ainda em trâmite -Inexistência de renúncia expressa da cônjuge quanto ao seu eventual direito (1/6) em relação ao imóvel cujo registro se pretende – Princípio da legalidade, disponibilidade e continuidade (artigo 1.784 do Código Civil e artigos 176, §1º, alínea 4-a, 195 e 237 da Lei 6.015/1976) – Exclusão do direito que deverá ser decidido na esfera própria – Dúvida procedente.

Recurso desprovido. 

1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que julgou procedente a dúvida suscitada.

A dúvida, em apertada síntese, consiste na possibilidade ou não de se registrar formal de partilha expedido nos autos do inventário de Annibal Bertolla e Rosa Mammocci Bertolla, em que não constou o correto estado civil de um dos herdeiros filhos. O herdeiro Claudio ainda é casado com Lúcia (fl. 247), mas constou como separado, exigindo o Oficial do Registro de Imóveis a qualificação completa da cônjuge e o regime de bens do casamento.

É o relatório.

2. Respeitado entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, o recurso não merece provimento.

Em primeiro lugar, interessante anotar que o próprio Eminente Relator, no último parágrafo de seu respeitável voto, acabou por admitir a necessidade da correta qualificação do herdeiro Cláudio, inclusive de sua cônjuge e o regime de bens do casamento, objeto da exigência que ensejou a nota de devolução questionada na presente Apelação. Nesse diapasão, data venia, seria o caso de se manter tal exigência e julgar procedente a dúvida, desprovendo o recurso.

Não compete ao juízo registrário, em sede de dúvida, afastar ou reconhecer direitos de terceiros. Portanto, não se há de reconhecer a existência de eventual direito da cônjuge à metade da parte cabente ao herdeiro, nem tampouco a exclusão desse direito, como pretendem os apelantes.

Não compete ao Juízo do Inventário, igualmente, excluir direitos de terceiros (vide artigo 1.001 do Código de Processo Civil), especialmente porque essa questão não foi sequer ventilada nos autos do inventário. A esse respeito, importante frisar o teor da sentença que homologou a partilha judicial (fl. 307): “em consequência, atribuo a cada um dos interessados o respectivo quinhão, ressalvados erros, omissões oudireitos de terceiros”.  (grifei)

Evidentemente, diante da sentença, não há como se presumir a exclusão dos direitos da cônjuge do herdeiro, o qual, frise-se, perante os Registros Públicos, continua casado em regime de comunhão universal de bens, com pacto antenupcial.

Embora se alegue a separação de fato do casal na época do falecimento dos pais de Claudio, o que, de acordo com a jurisprudência dominante excluiria o direito à meação, essa exclusão ainda não foi expressamente determinada por decisão judicial alguma. A interessada também não a reconheceu expressamente.

Não se está, de modo algum, pretendendo adentrar o mérito da sentença de partilha, mas apenas realizando-se um juízo de legalidade formal: a correta qualificação de um dos herdeiros, que não é separado como constou do plano de partilha homologado (fl. 212 e 307), mas casado em comunhão universal de bens com pacto antenupcial (fl. 247). Essa correta qualificação é exigida expressamente no artigo 176, §1º, alínea 4-a, da Lei 6.015/76.

Pelo princípio de saisine, desde o falecimento do proprietário os direitos sobre o imóvel foram transferidos aos herdeiros (artigo 1.784 do Código Civil: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”).

De acordo com o plano de partilha, o imóvel em questão (matrícula n. 82 do 1º Registro de Imóveis da Capital) foi atribuído aos  três herdeiros filhos.

Porém, da partilha em questão, homologada judicialmente (fl. 307), nada constou sobre o quinhão hereditário (1/6) da cônjuge de Claudio (vide fl. 212), nem tampouco houve renúncia expressa desta.

Ora, neste cenário, ex vi do disposto no artigo 1.784 do Código Civil, lícito concluir que a quota parte da cônjuge Lúcia não foi objeto de partilha, de modo que Claudio não poderia transferir 1/3 do imóvel integralmente para o seu nome como pretendido.

Há necessariamente de ser resguardada a quota parte da co-herdeira enquanto a exclusão do seu direito não estiver cabalmente elucidada.

Essa cautela decorre dos princípios da legalidade, da disponibilidade e da continuidade.

O que se busca com os Registros Públicos desde os seus primórdios é a maior fidelidade possível à realidade existente no mundo jurídico.  Isso para evitar que alguém possa dispor de algo que não é seu, sempre como norte as máximas romanas do suum cuique tribuere e neminem laedere.

Consoante ensinamento de Afrânio de Carvalho:

“o princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transforma-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público. (…) A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha”. (grifei)[1].

Pois bem.

Se o formal de partilha for registrado sem que se esclareça o destino da quota parte da cônjuge-herdeira (1/6), plantar-se-á, indubitavelmente, uma lacuna no registro do imóvel em questão, ferindo o princípio de continuidade.

Não se trata, como se vê, de invadir o mérito da sentença de partilha, mas de resguardar os dispositivos legais que tratam dos direitos sucessórios e também da segurança dos registros públicos.

Por epítome, a recusa do Digno Oficial do Registro de Imóveis foi correta porque o herdeiro Claudio não tem disponibilidade, ainda, sobre a integralidade de 1/3 do imóvel, devendo ser resguardada, diante do princípio de saisine, a parte cabente à cônjuge, cuja parte ideal não fora objeto de partilha judicial nem expressa renúncia. Outrossim, o título a ser registrado contém erro na qualificação do herdeiro, que constou como separado, quando, na verdade, é casado em regime de comunhão universal de bens, embora haja processo de divórcio em curso.

3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

Ricardo Mair Anafe

Presidente da Seção de Direito Público

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

Voto nº 21.686

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

APELAÇÃO CÍVEL nº 1097628.75.2014.8.26.0100

Apelante: Regina Célia Bertolla Alocca, Cláudio Bertolla e Aníbal Bertolla Júnior

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo.

Os apelantes, Regina Célia Certolla Alocca, Cláudio Bertolla e Aníbal Bertolla Júnior recorrem da decisão que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis.

Suscitara o Registrador a dúvida, questionando a qualificação de um dos herdeiros – Cláudio – que figurava no formal como “separado de fato”. De acordo com o Oficial, era preciso mais que essa indicação para que o formal de partilha apresentado atendesse a todos os requisitos de inscrição.

Não obstante os fundamentos expostos pelo d. Relator, o Corregedor Geral da Justiça, ouso dele divergir quanto à posição esposada.

Sustentam os recorrentes que a ex-esposa de Cláudio não tem nenhum direito sobre os bens herdados, uma vez que antes da morte dos autores da herança, o casal já estava separado de fato e, com o posterior desfazimento da sociedade conjugal, os efeitos da decisão retroagiriam para a data da separação de corpos.

Em assim sendo, era descabida a exigência de qualificação do herdeiro no formal de partilha. E, para além disso, ao se acolher a dúvida, promover-se-ia, de forma indireta, a revisão da decisão judicial.

É certo, porém, que mesmo os títulos judiciais submetem-se à qualificação registraria. Conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registraria, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Ap. Cível n°31881-0/1)”.

Portanto, não se dispensa o juízo de qualificação registral pela origem judicial do título: a conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral é imprescindível, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

É nesse sentido a doutrina de Afrânio de Carvalho:

Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. [2]

Nessa vertente, a conexão dos dados constantes do título com o registro é essencial para se garantir o cumprimento do princípio da qualificação. E o Oficial de Registro é independente para realizar a qualificação dos documentos a ele apresentados, garantindo a legalidade para o lançamento do título no Fólio Real.

A qualificação registral está fundada nos princípios da especialidade subjetiva e da continuidade registral – a exigirem ambas, no caso, a prévia retificação relativa à qualificação da esposa de Cláudio, incompleta no formal.

A bem da verdade, a própria indicação de “separado de fato”, que não corresponde a um estado civil, o que não satisfaz à exigência da completude dos dados do adquirente.

Note-se que não se trata aqui de revisão da decisão judicial. A sentença do formal é expressa ao ressalvar possíveis erros e omissões.

E, no caso houve omissão quanto ao quinhão que caberia à cônjuge de Cláudio. A ela caberia uma parte porque, quando do momento da partilha dos bens do casal, já se haviam transferido os direitos aos herdeiros sobre o imóvel. Essa conclusão é inafastável, porque a morte dos antigos proprietários precede ao desfazimento da sociedade conjugal de Cláudio.

Esse entendimento não destoa da decisão proferida nos autos 0001717-77.2013.8.26.0071. Diferentemente do caso em pauta, no acórdão indicado, o título judicial fez referência expressa à partilha do bem ao herdeiro JUDICIALMENTE SEPARADO. Nessa situação, que não se repete neste recurso, afastou-se a possibilidade de se rediscutir em sede administrativa a partilha levada a cabo no processo judicial.

Portanto, não se equiparam os casos. Não se questiona aqui a regularidade da partilha de bens a herdeiro JUDICIALMENTE SEPARADO. O que não se pode ter como regular é admitir-se a quebra de continuidade na transmissão do imóvel: se o herdeiro Cláudio recebeu o imóvel na condição de casado, a ex-esposa tem direito a uma parte e o formal, para ser registrado, a essa situação deve se reportar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Presidente do Tribunal de Justiça

Apelação Cível nº 1097628.75.2014.8.26.0100

Apelante: Regina Célia Bertolla Alocca, Cláudio Bertolla e Aníbal Bertolla Júnior

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de São Paulo

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

VOTO N. 31.331

1. Regina Célia Bertolla Alocca, Cláudio Bertolla e Aníbal Bertolla Júnior interpuseram apelação (fls. 436-442) contra a sentença (fls. 428-429) que deu por procedente a dúvida suscitada perante o Juízo Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de São Paulo.

A sentença manteve a exigência de que, para o registro stricto sensu da partilha dos bens deixados pelos pais dos apelantes, fosse retificado o formal, porque nele o herdeiro Cláudio fora erroneamente qualificado como separado de fato, e por isso não constaram quais fossem o seu cônjuge e o regime de bens do matrimônio.

Segundo os apelantes, o herdeiro Cláudio havia obtido ordem judicial de separação de corpos em 3 de março de 2011 (fls. 328). Os autores da herança só vieram a falecer depois dessa data, em 19 de setembro de 2011 e 13 de março de 2012, e é certo que os efeitos patrimoniais da futura dissolução do casamento retroagirão para a data da separação de corpos. Logo, o cônjuge de Cláudio não podia ter nenhum direito sobre os bens herdados, e por isso não havia motivo para que fosse ela qualificada por ocasião da partilha. Além disso, a questão já foi implicitamente decidida aquando da homologação da partilha, e o ofício de registro de imóveis não pode pretender rever o que já foi estabelecido na esfera jurisdicional. Por todas essas razões, a sentença deve ser reformada, para que, afastada a exigência, se proceda ao registro stricto sensu da partilha, como rogado.

2. Respeitado o entendimento do eminente Desembargador Relator, a apelação não deve ser provida.

Ao tratar dos requisitos dos registros stricto sensu, a LRP/1973, art. 176, § 1º, III, 2, exige que o adquirente (aqui, o herdeiro e apelante Cláudio) seja qualificado com seu estado civil. Por conseguinte, os títulos formais (notariais, privados, judiciais ou administrativos, não importa) que não preencherem essa exigência não cumprem todos os requisitos de inscrição, e ao ofício de registro de imóveis não resta outra solução, a não ser denegar o registro, enquanto o defeito não for sanado (LRP/1973, art. 198).

É exatamente esse o caso destes autos: o título (um formal de partilha) não traz a qualificação completa de todos os adquirentes, pois o herdeiro Cláudio foi qualificado como “separado de fato”, o que não é estado civil. Portanto, o registro stricto sensu tinha mesmo de ser recusado.

Não favorece os apelantes as alegações de que o título tenha origem judicial e de que a questão acerca do estado civil de Cláudio tenha sido resolvida no ato de homologação de partilha. De um lado, a origem do título formal, qualquer que seja, nunca impede o exame dos requisitos do registro, o que é dever do ofício de registro de imóveis. De outro lado, não está correto afirmar que o problema tenha sido objeto de provimento jurisdicional, pois tanto o juízo não disse nada a respeito (e a partilha, note-se, foi homologada com ressalva de erros e omissões – cf. fls. 307), que os próprios apelantes, mais de uma vez, ressalvaram que a decisão a respeito haveria sido “implícita” (fls. 421 e fls. 441, item 22).

Também não justifica que se afaste a exigência da correta qualificação de Cláudio o fato de que, aquando da futura dissolução do casamento, os efeitos da sociedade conjugal se possam considerar cessados desde a data da separação de corpos. Ainda que assim venha a ocorrer, é certo que, de qualquer forma, Cláudio era casado na data da abertura de ambas as sucessões, e é isso que tem de constar do registro stricto sensu,para que não se dê violação ao princípio da continuidade (LRP/1973, arts. 195 e 237): o registro, sem se permitir dispensar exigência legal por força de mero prognóstico, tem de retratar o que havia no momento da transmissão, e naquela data o herdeiro Cláudio ainda estava casado no regime da comunhão universal (fls. 247-248).

3. Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Presidente da Seção de Direito Privado

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

Apelação Cível nº 1097628-75.2014.8.26.0100

Apelantes: Regina Célia Bertolla Alocca e Outros

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Voto nº 34.224

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a exigência decorrente do exame do formal de partilha apresentado, referente ao imóvel matriculado sob número 82, deixado pelo falecimento de Annibal Bertolla e de Rosa Mammocci Bertolla, em razão da necessidade de complementação dos dados do herdeiro Cláudio Bertolla, qualificado “com medida cautelar de separação de corpos em vigor”, para fins de inserção do nome e qualificação de sua esposa, sob o fundamento de que a qualificação do título foi correta, restrita ao aspecto formal, e que  matéria acerca de direito sucessório deve ser resolvida na via jurisdicional.

Os apelantes afirmam, em síntese, que o estado civil do herdeiro Cláudio consta do formal e que a conclusão pela ausência do direito à herança da ex-esposa e sua consequente exclusão da partilha, já foram objeto de decisão judicial previamente à expedição do formal de partilha, o que impede a propositura de outra ação para discutir questão já tratada pelo juiz competente.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Tramitou na 10ª Vara da Família e Sucessões Central o inventário dos bens deixados por Annibal Bertolla e Rosa Mammocci Bertolla (autos nº 0050030-50.2011.8.26.0100).

Ao cabo do referido processo, o MM. Juiz homologou a partilha de bens, nos termos da qual o imóvel descrito na matrícula nº 82 do 1º Registro de Imóveis da Comarca da Capital, foi partilhado ao herdeiro Cláudio Bertolla, na proporção de 1/3 (um terço) correspondente à sua quota-parte, excluída a cônjuge Lúcia de Araújo Bertolla.

Apresentado o formal a registro, sobreveio a recusa do 1º Oficial do Registro de Imóveis, ao argumento de que é necessário indicar o nome da esposa de Cláudio Bertolla, os números do RG e CPF, nacionalidade, profissão, regime de bens e época do casamento, e, se adotado regime diverso do legal, o número do registro da escritura de pacto antenupcial e o cartório em que foi registrado, em observância às Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e Lei de Registros Públicos. Argumentou ainda o Oficial que a sentença homologatória da partilha não apreciou expressamente essa questão atinente à participação da cônjuge na herança, se for a hipótese por força do regime de bens, e que somente decisão judicial poderia afastá-la.

Louvável embora o zelo do registrador, verifica-se que, no caso, desbordou ele de seu poder-dever de qualificação, na medida em que, na esfera administrativa, tentou reabrir discussão acerca do que já fora objeto de decisão judicial transitada em julgado.

Com efeito, se o Juízo da Família e das Sucessões partilhou os bens, dentre eles o imóvel objeto deste procedimento de dúvida, de maneira a excluir a cônjuge do herdeiro Cláudio, pois homologou o plano de partilha tal como apresentado, e se essa decisão transitou em julgado, não cabe ao registrador, sobrepondo-se ao entendimento judicial, recusar o ingresso do título sob o fundamento de que pelo fato de se tratar de herdeiro casado, dependendo do regime de bens do casamento deveria receber a mulher a aludida fração.

O mínimo que se deve presumir é que, se o juiz assim decidiu, é porque entendeu de forma contrária ao Oficial de Registro.

Assim, cabia ao registrador realizar o exame extrínseco do título e confrontá-lo aos princípios registrais e verificar se algum deles foi rompido. Ao questionar o fato de um dos cônjuges ser casado e exigir os dados da mulher para se for o caso incluí-la na partilha dos bens, ingressou no mérito e no acerto da sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.

Afrânio de Carvalho ensina:

Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e àformalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed. , pág. 300).

No mesmo sentido, decisão da 1ª Vara de Registros Públicos, de lavra do MM. Juiz Narciso Orlandi Neto, quando se anotou:

Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (artº 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo nº 973/81)

Mais recentemente, em julgamento do qual participei, este Conselho, sob a relatoria do ilustre Desembargador José Rernato Nalini, que me antecedeu na Corregedoria, ratificou a impossibilidade de o registrador examinar o mérito da decisão judicial:

No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional. (Ap. Cível nº 0001717-77.2013.8.26.0071, Rel. José Renato Nalini).

Em caso de eventual desacerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, poderá a interessada valer-se dos recursos e ações previstos no ordenamento jurídico. O que não se permite é que a qualificação registrária reveja o mérito da sentença judicial que já transitou em julgado.

Não se confunda o presente caso com aqueles em que o Oficial de Registro de Imóveis devolve o título por conter vício de ordem formal (extrínseca), e o MM. Juízo que o gerou, em sede jurisdicional e de forma específica, examina e afasta a exigência que era pertinente porquanto restrita aos aspectos formais do título judicial.

Aqui, diferentemente, a qualificação do Oficial recaiu sobre o mérito do título judicial, questionando o fato de a mulher de um dos herdeiros não ter sido qualificada e não ter sido incluída na partilha dos bens, se fosse o caso, de acordo com o regime de bens adotado.

Assim, a recusa do Oficial de Registro de Imóveis deve ser afastada porque o título encontra-se formalmente em ordem, com a observação de que por ocasião do registro, deverá constar na qualificação do herdeiro Cláudio os dados comprovados pelos documentos instruídos com o título, dentre eles, a certidão de casamento e o pacto antenupcial decorrente do regime de bens vigente (fls.247 e 249).

Tais as razões pelas quais por meu voto dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida com a observação supra.

 HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator, vencido.

__________________

[1] Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1.982, p. 304/305.

[2] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis, Rio, Forense, 3a ed., pág. 300.

Fonte: TJ/SP | Data da Inclusão: 30/11/2015.

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