Protesto e os piratas da informação


  
 

Ou como ganhar (ou perder) a guerra da comunicação.

A FSP de hoje (9/10, A16) publica nota intitulada “Mudança em lei em SP pode afetar cadastro de devedores”, com destaque para a fala do diretor de uma dessas empresas.

O tema da reportagem é a obrigatoriedade, por lei (Lei Estadual 15.659/2015), do envio de carta com AR para incluir o inadimplente no cadastro de devedores.

A matéria é tendenciosa. Não ouviu os protestadores. Há uma minúscula citação da “Proteste“, para quem “o consumidor não pode ser penalizado com a inclusão de seus dados em cadastros de inadimplentes”. Nada mais correto.

O superintendente de uma dessas empresas diz candidamente à reportagem que a “lei acaba estimulando o credor a ir protestar no cartório, quando a AR não for assinada. Só que o consumidor, mesmo depois que quitar a dívida, terá de ir pessoalmente ao cartório, tirar seu nome do protesto e pagar taxas para isso”.

O argumento é cínico. Vejamos.

Ao credor interessa o protesto, afinal ele não paga pela inadimplência. O devedor sabe que deve pagar – e pagará para ver o seu nome livre das correntes representadas pelos sistemas de informação privada. Em relação ao protesto, pode promover o cancelamento sem maiores burocracias pagando tão-somente o que a própria lei diz que deve pagar. Nem mais, nem menos. É cediço que todas as taxas cobradas pelo cancelamento de protesto são definidas em lei – ao contrário das empresas de informação privilegiada, que cobram por todo e qualquer acesso a informações de caráter pessoal.

O sistema de crédito se torna mais e mais transparente na medida em que o acesso a dados que revelam a situação pessoal-patrimonial se dê de modo direto, sem intermediários, consultando-se, gratuitamente, por exemplo, a Central de Informação de Protesto.  Para se ter uma ideia, no dia de hoje a Central já prestou mais de 170 milhões de informações inteiramente gratuitas.

O protesto é o veículo natural e a garantia constitucional para proteção dos interesses envolvidos – de devedores e de credores. A intermediação de um órgão do Judiciário (órgãos da fé pública – art. 103-B EC 45/2004) dá transparência e segurança a todos os envolvidos.

Alguém lucra quando sou o produto

Penso que os protestadores deveriam contra-argumentar e buscar espaço na grande imprensa para mostrar que o nocivo, o verdadeiramente pernicioso aos interesses do consumidor e do cidadão, é cair nas malhas de empresas privadas de informação que os transformam em produtos (informação) – mesmo quando já deixou o estado de insolvência.

Seria interessante que cada cidadão pudesse receber uma contrapartida econômica toda vez que o seu nome e a sua situação jurídico-pessoal ou patrimonial fosse revelada por essas empresas privadas de informação privilegiada. Afinal, elas lucram com a publicização de atributos relacionados com a pessoa física ou jurídica, transformada em signos (avatares) nesses bancos de dados.

A pessoa, e seus atributos — os mais variados –, são o objeto da mercância nesse ambiente de transações eletrônicas. Se alguém ganha com as informações associadas ao meu número de CPF ou CNPJ eu devo participar dessas vantagens. Ou não? Afinal, o avatar de cada cidadão, criado, mantido e atualizado por complexos processos eletrônicos, podem proporcionar informações preciosas, obtidas por meio de sistemas tecnológicos de big data. 

É a sociedade da transparência e do mercado líquido.

Essas empresas (não por acaso, sempre as mesmas e alguma presidida por ex agente governamental) buscam deslegitimar o protesto para açambarcar, com suas bocarras insaciáveis, nacos de atribuições que dizem respeito à tutela de interesses privados e de proteção à privacidade, malferindo os direitos dos cidadãos.

Seria interessante que se fizesse um estudo que comprovasse que, além da garantia dos interesses dos consumidores e dos cidadãos comuns, o protesto (que é gratuito em São Paulo) é o veículo mais idôneo, seguro e barato para comprovar a situação de inadimplência. Trata-se de um serviço público que conta, ademais, com eficiente e rigoroso controle e fiscalização pelo Poder Judiciário.

É uma guerra suja

A batalha agora ocorre no âmbito federal. Depois de questionar a constitucionalidade da lei estadual por usurpação de competência da União (ADIN 2044447-20.2015.8.26.000) as entidades interessadas em explorar esse mercado milionário levaram o tema ao STF (ADIs nº 5224, 5252 e 5273). Pelo número de amicus curiae admitidos nas ações vê-se como o tema abala interesses muito preciosos. Do meu ponto de vista, nenhum deles coincidente com os interesses dos consumidores. Aguardemos o pronunciamento da corte.

Enfim, alguém, em sã consciência, apostaria na custódia de seus dados de caráter pessoal a empresas privadas cujo controle escapa à fiscalização direta e permanente dos órgãos do Judiciário?

Fonte: Observatório do Registro | 09/10/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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