Artigo: A COMPETÊNCIA DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS – Por Marcelo Gonçalves Tiziani


  
 

*Marcelo Gonçalves Tiziani 

1. Introdução; 2. Competência Internacional no RCPN; 2.1. Competência em Razão da Pessoa; 2.2. Competência em Razão do Local; 2.3. Competência por Conexão; 3. Competência Interna no RCPN; 3.1. Competência em Razão do Local; 3.2. Competência por Conexão; 3.3. Competência em Razão da Matéria; 4. Regime Jurídico da Competência no RCPN; 5. Procedimentos para a Declaração de Nulidade por Incompetência no RCPN; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

O Registro Civil das Pessoas Naturais – RCPN – é a função jurídica estatal que tem por finalidade constatar e inscrever em livros próprios os fatos e atos que atingem o estado civil das pessoas naturais.
Dessa forma, uma vez ocorridos tais fatos e atos, é necessário saber, primeiramente, se interessa ao Estado brasileiro fazer os registros respectivos, para, num segundo momento, ser definido o Oficial de Registro que vai, efetivamente, lavrar o assento. Ou seja, observando-se que uma situação do estado civil tenha ocorrido, é necessário definir a competência do RCPN diante desses acontecimentos.
Em face de outros Estados, o interesse brasileiro é indicado pelo que se chama de competência geral, internacional ou externa. Na verdade, nessa primeira fase, não se estabelece o Oficial do caso concreto, mas apenas se devem aludidos fatos entrar no Sistema de Registro Civil das Pessoas Naturais do Brasil.
Por sua vez, o Oficial do caso concreto, dentre todos os habilitados, é definido pelo que se denomina competência interna, ou pelas também conhecidas regras de competência. Nessa segunda fase, define-se quem pode exercer a atribuição de registro.
Esse trabalho traça um esboço da competência no RCPN brasileiro.

2. Competência Internacional no RCPN

A atividade de Registro Civil das Pessoas Naturais é função pública oriunda da soberania do Estado brasileiro.
Dessa forma, pensada de forma puramente abstrata e genérica, a atuação do RCPN nacional poderia abranger quaisquer situações do estado civil, independentemente do local de sua ocorrência ou nacionalidade do envolvido, bastando sua provocação.
Entretanto, o exercício ilimitado da função registral leva a conflitos com outras Nações, além de dificultar o controle dos fatos inscritíveis.
Com efeito, o que a competência geral visa é limitar a atribuição do Registro Civil brasileiro em face de outros Estados. Em suma, a competência internacional não visa definir o Oficial do caso concreto, mas apenas identificar o interesse nacional na inscrição.
A fim de definir a competência internacional do Registro Civil brasileiro, três são os critérios possíveis: pessoal, territorial e de conexão.

2.1. Competência em Razão da Pessoa

A competência pelo critério pessoal leva em conta a nacionalidade do sujeito afetado. Por essa regra, todos os fatos e atos do estado civil que digam respeito a brasileiros devem constar do Registro Civil nacional, onde quer que ocorram[1].
Para se conhecer essa atribuição, é preciso se socorrer às normas definidoras da nacionalidade brasileira[2].
Percebe-se, pois, que basta ser brasileiro para que exista a competência do RCPN nacional.

2.2. Competência em Razão do Local

A competência territorial determina que devem ingressar no Registro Civil brasileiro todos os fatos e atos do estado civil que ocorram no território nacional[3], ainda que digam respeito a estrangeiros[4].
Esse critério é puramente territorial, independente da nacionalidade da pessoa afetada.
A ideia de inscrição de todos esses acontecimentos confirma o caráter expansivo do Registro Civil brasileiro, que permite a constância registral de qualquer fato que ocorra no Brasil, ainda que afete não nacional.

2.3. Competência por Conexão

Segundo a regra de competência por conexão, devem ser transcritos no Brasil os assentos de estado civil de estrangeiros, para que tais registros sirvam de base para inscrições acessórias, ou marginais, isto é, as que não abrem o fólio, mas que de alguma forma trazem novas informações sobre o assento já lavrado, exigidas pela legislação nacional.
Em tais hipóteses, a atribuição brasileira nasce com a necessidade de ser feita inscrição marginal relativa a um fato ocorrido no Brasil e que afeta estrangeiro. Nesses casos, primeiramente, é preciso transcrever o assento principal alienígena, para, posteriormente, ser feito o registro acessório.
Assim, a competência por conexão autoriza a prática de transcrição de assento principal de estrangeiro, para que seja suporte para a inscrição marginal ulterior e oriunda de fato sucedido no Brasil[5].

3. Competência Interna no RCPN

A competência interna visa preestabelecer os limites de atribuição de cada Oficial, definindo o âmbito no qual cada um deles pode exercer suas funções.
Assim, as regras de competência interna definem, diante do caso concreto, qual Oficial de Registro, dentre todos aqueles investidos na função registral, tem atribuição para constatar e inscrever o acontecimento do estado civil. Sob tal enfoque, a competência é o conjunto de atribuições dos Oficiais de Registro.
A determinação do Oficial competente para o ato de registro diante do caso concreto é feita segundo três critérios: local, de conexão e material.

3.1. Competência em Razão do Local

Segundo essa determinação, as inscrições principais, ou seja, as que abrem o fólio, devem ser feitas no local onde tenham ocorrido, ou, dependendo, no local da residência dos interessados[6].
A atribuição de competência por esse critério é a norma geral de acesso ao Registro Civil no Brasil.
De tão importante, essa regra ganhou status de princípio e é a razão pela qual, no Brasil, pode-se dizer, vigora o Sistema do Fólio Real para a registração do estado civil.

3.2. Competência por Conexão

Segundo a competência interna por conexão, as inscrições acessórias, ou marginais, devem ser feitas na Serventia em que consta a inscrição principal correspondente[7].
Esse concepção somente é possível nos Sistemas de Registro que reconhecem os denominados assentos marginais ou acessórios.
Dessa forma, a atualização de um assento é feito pelo mesmo Oficial que o lavrou originalmente.

3.3. Competência em Razão da Matéria

A matéria, de forma ampla, define, por si só, a própria competência do Registro Civil, pois somente atos e fatos que dizem respeito aos estado civil das pessoas naturais podem entrar no RCPN.
Porém, a matéria ainda é apta a indicar o livro certo para a registro, o que leva à definição do Oficial competente para o ato em concreto.
No que concerne ao livro, a matéria predetermina em qual deles a inscrição deve ser feita, já que no Brasil os assentos são esparsos, ou seja, não são feitos num único exemplar.
Quanto ao Oficial, a existência do Livro E [8] – para os demais atos de registro civil – leva à definição de sua competência. Tratando-se das matérias elencadas para o Livro E, é competente o RPCN da sede do domicílio da pessoa, ou do Distrito Federal, se ela não tiver residência no Brasil[9].

4. Regime Jurídico da Competência no RCPN

A competência para a lavratura de assento de estado civil é vista como requisito do ato administrativo registral[10]. Sendo assim, o regime jurídico da competência no RCPN, ou seja, o conjunto de normas que regem as atribuições do Registro Civil é de direito público administrativo.
Com efeito, no RCPN a competência decorre de lei, é inderrogável e não admite delegação ou avocação; logo, é exclusiva, cuja violação gera a nulidade do assento lavrado.
Não obstante, cabe ressaltar que, como o vício de incompetência diz respeito ao sujeito do ato, a doutrina [11] e a jurisprudência [12]  admitem, em algumas situações, seu saneamento, convalidando-se o assento.
Dessa forma, há situações em que os princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica devem se sobrepor às regras de competência. Nesses casos, o julgador, diante do interesse público do Registro Civil, deve solucionar a questão tendo em mente a estabilidade e a segurança das relações.
Assim, nas hipóteses em que a própria lei assim o declare, ou quando materialmente impossível de saneamento, o registro, feito em desacordo com as normas de competência, deve ser tido como nulo, repetindo-se o ato junto ao RCPN correto, quando for o caso. Por outro lado, nas situações em que possível sua sanação, a inscrição, feita por Oficial incompetente, pode ser convalidada.
Porém, é preciso ressaltar que, enquanto não cancelando o registro, ele continua produzindo todos os seus efeitos, especialmente no que concerne à segurança jurídica que dele se espera.

5. Procedimentos para a Declaração de Nulidade por Incompetência no RCPN

Por se tratar de nulidade de pleno direito, a declaração da irregularidade da competência do Oficial pode ser feita pela via administrativa ou jurisdicional.
Sob a perspectiva da via administrativa, as nulidades de pleno direito, como acontece nas situações de incompetência, independem de reconhecimento por ação direta. Assim, tal eiva pode ser reconhecida pelas Corregedorias Permanentes ou pelas Corregedorias Gerais  [13][14].
Ainda, eventual mácula de incompetência do Registrador pode ser declarada, também, em processo judicial, através das denominadas ações de registro, cujo objeto é o acerto ou o desacerto de uma ato de registro, em seus aspectos formais e extrínsecos, como a omissão, a inexistência jurídica, a nulidade ou o erro na elaboração[15].

6. Conclusão

Não existe na legislação brasileira de Registro Civil uma sistematização da competência no RCPN. Mas, isso não quer dizer que não se possa classificar e ordenar esse instituto jurídico pelo enfoque registral.
Assim, no RCPN, a competência pode ser destinada a estabelecer a própria jurisdição brasileira para os registros em geral, ou pode servir para definir o Oficial do caso concreto. No primeiro caso, trata-se da denominada competência geral do Registro Civil, ao passo que, na segunda situação, há a chamada competência interna.
Logo, todos os atos de estado civil que atinjam brasileiros, ainda que fora do Brasil, ou que ocorram em território brasileiro, ainda que digam respeito a estrangeiro, devem ingressar nos livros de registro do Brasil.
Outrossim, para a definição do Oficial do caso concreto, no Brasil existem três critérios para tanto: territorial, material e por conexão. Pelo critério territorial, os fatos e atos do estado civil devem ser inscritos no local da ocorrência, ou, dependendo, no local da residência dos interessados. A competência interna por conexão estabelece que a atribuição para a lavratura dos atos acessórios é do local onde já consta o assento a ser alterado, enquanto o critério material estabelece a competência para os livros de registro.
Concluindo, a competência no RCPN visa estabelecer os limites da soberania brasileira diante dos acontecimentos que digam respeito ao estado civil, assim como definir o Oficial que deve lavrar o ato registral em concreto, após sua provocação.

7. Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição de República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 24/092015

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SANTOS, Reinaldo Veloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2006.
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Notas de rodapé

[1]Exemplo: LRP, art. 32, § 1º. Os assentos de que trata este artigo – nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiroserão, porém, transladados nos cartórios de 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal ….
[2] Cf. CRFB/88, art. 12.
[3]Exemplo: LRP, art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais…
[4]Exemplo: CNJ, Resolução 155, art.15: Os registros de nascimento de nascidos no território nacional em que ambos os genitores sejam estrangeiros e em que pelo menos um deles esteja a serviço de seu país no Brasil deverão ser efetuado no Livro “E”….”. CNJ. Provimento 155. Disponível em: . Acesso em 24/09/2015.
[5]Exemplo: NSCGJ/SP, Cap. XVII, item 167. O Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Comarca procederá no Livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de nascimento de pessoa filha de pai e mãe estrangeiros, cujo nascimento tenha ocorrido no exterior. A certidão devera ser traduzida por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira, para em ato subseqüente, proceder às necessárias averbações de mandados judiciais, cujas ordens e dispositivos abordem assuntos relativos aos direitos da personalidade, às questões de estado, à capacidade e ao direito de família; ou, ainda, às hipóteses de reconhecimento da filiação pela via administrativa ou judicial, à perda e suspensão do poder familiar, guarda, tutela, investigação de paternidade ou maternidade, negatória de paternidade ou maternidade e demais atos que constituírem nova relação familiar.
[6]Exemplo: LRP, art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido oparto ou no lugar da residência dos pais ….
[7]Exemplo: LRP, art. 97. A averbação será feita pelo oficial do cartório em que constar o assento ….
[8] Exemplo: LRP, art. 89. No cartório do 1° Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária de cada comarca serão registrados, em livro especial, as sentenças de emancipação, bem como os atos dos pais que a concederem, em relação aos menores nela domiciliados.
[9]Exemplo: LRP, art. 32, § 1º. Os assentos de que trata este artigo – nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiroserão, porém, transladados … no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido
[10]A parte formal do direito registrário – ou direito administrativo registral – corresponde a questões de direito organizatório e procedimental, compreendendo os temas relativos … (c) à competência. DIP, Ricardo.  Direito Administrativo Registral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 30
[11]A lavratura de assento de nascimento com violação da regra de competência não acarreta a invalidade do registro, gerando apenas consequências no âmbito disciplinar para o Oficial de Registro. Assim, a violação da regra de competência para o registro de nascimento deverá ter apenas implicação no âmbito disciplinar. SANTOS, Reinaldo Veloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2006.  p. 40-41.
[12]Cf. CGJ/SP. Processo 7655/1998, Relator Marcelo Fortes Barbosa Filho. Disponível em . Acesso em: 24/092015.
[13]Cf. CGJ/SP. Processo 215/91, Relator Ricardo Mair Anafe. Disponível em . Acesso em: 24/092015.
[14]Cf. CGJ/SP. Processo 150/88, Relator Kioitsi Chicuta. Disponível em . Acesso em: 24/092015.
[15]Não se deve confundir ação de registro com ação de estado. Como falam Micia e Serrano: Se o registo está bem feito, se corresponde à verdade ao tempo da sua feitura e se se pretende alterar o estado que ele reflecte, então só por meio de acção própria – acção de estado – se pode conseguir a modificação. In MICIA, Filomena Maria B. Máximo; SERRANO, Maria de Ludes M. Código do Registo Civil Anotado. Lisboa: Rei dos Livros, 2011. p. 98.

*Marcelo Gonçalves Tiziani é Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas de Tuiuti/SP.

Fonte: Arpen/SP | 05/10/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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