Artigo: Vicissitudes do Registro Civil – Por Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli

Uma vez habilitado o referido casamento, é extraído certificado de habilitação, obtendo as partes autorização para celebrá-lo na própria serventia em questão.

Outra pérola do Estatuto do Deficiente está na nova redação dada ao artigo 1.550 do Código Civil, que transformou o parágrafo único em parágrafos 1º e 2º. Passa a ser a seguinte redação:

É anulável o casamento:

§ 2º A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio do seu responsável ou curador.

Comentando o dispositivo legal esclarece o professo Simão a atrocidade que é o adjetivo “núbia”. O referido vocábulo deriva do latim nubile1que significa o atingimento de idade legal mínima para contrair núpcias, ou seja, estra pronto para casar-se, ter aptidão para o casamento (art. 1.517/CC). Não sofre flexão por gênero, sendo por conseguinte uma atrocidade falar, como fez nosso onomaturgo2 platônico, ao mencionar a “idade núbia”.

Se o equívoco fosse apenas ao que toca à língua portuguesa, nenhum mal haveria. Porém, as implicações jurídicas são de arrepiar! O dispositivo garante o amplo poder matrimonial do deficiente mental e intelectual. Nessa mesma linha de raciocínio, operou-se a revogação expressa do artigo em seu inciso I, de forma que não será mais nulo casamento contraído pelo “enfermo mental”, sem o necessário discernimento para os atos da vida civil.

Para garantir a efetividade do disposto a comento, somos obrigados a transcrever o artigo 6º do Estatuto que afirma não ser a deficiência mental óbice à plena capacidade civil para:

a) constituir casamento e união estável;

b) exercer direito à guarda;

c) exercer direito à tutela e curatela;

d) ter amplos poderes de adotar.

Tomamos a liberdade de apresentar apenas alguns direitos sob o aspecto familiar. A grande questão a mesma de sempre, como pode alguém com nenhum poder de autodeterminação exercer todos esses direitos?

Aqui é bom recorrermos à literatura técnica para informarmos os graus de deficiência mental e o que cada um propicia ao titular, já que há retardo mental leve (F70), moderado (F71), grave (F72), profundo (F73), não especificado (F79), dentre outros, com subdivisões em cada nível3.

O problema não está propriamente em exercer todos esses direitos acima elencados. O problema está em como proteger essa pessoa sujeita à condição de incapaz, bem como ao tutelado, curatelado e adotado que dependem dessa pessoa para o pleno desenvolvimento harmônico determinado pelo artigo 227, caput da Constituição Federal.

É bom lembrar que a criança, o adolescente e o jovem devem ser protegidos com absoluta prioridade. Como um magistrado poderá outorgar guarda, tutela, curatela e adoção para alguém que precisa desses institutos para si próprio? Como é possível que a lei determine que deficiência mental não afeta a plena capacidade civil, se de fato afeta? Como alguém, cujo grau de cognição é equiparado ao de uma criança de 10 anos de idade, pode vir a adotar um adolescente de 16 e lhe propiciar tudo o que a Constituição determina?

Porém, voltemos ao dispositivo legal criado pelo Estatuto do Deficiente e que estabelece que a deficiência mental ou intelectual não impede a pessoa em idade núbil de contrair matrimônio, podendo tal vontade ser expressa pelo próprio sujeito, por meio de responsável ou até de curador (lembrando que o limite de curatela é de relativamente incapaz).

Vamos à situação prática: casal comparece perante Oficial de Registro Civil para habilitar o casamento. O Oficial verifica que se trata de um jovem, de trinta e poucos anos, interditado, acompanhado de seu curador e de uma outra pessoa, no caso, uma jovem com vinte e poucos anos de idade. O Oficial, ao receber os documentos4, verifica que na certidão de nascimento está anotada uma interdição, transcrita no livro E, em que o juiz reconhece a absoluta incapacidade do sujeito (antes do Estatuto entrar em vigor). O Oficial recepciona todos os documentos e antes de lançar no protocolo do Registro Civil, entrevista as partes. Verifica que o pretendente não consegue se manifestar e questiona se realmente quer casar, ocasião em que o curador responde que sim, visto que o jovem não consegue falar.

O Oficial se recorda que o Estatuto do Deficiente possui o artigo 83 o qual determina:

Art.83 “Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade”.

Lembra o Oficial, ainda, que o descumprimento implica em crime discriminação, consoante artigo 88 do Estatuto:

Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 3º Na hipótese do § 2o deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I – recolhimento ou busca e apreensão dos exemplares do material discriminatório;

II – interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na internet.

§ 4º Na hipótese do § 2o deste artigo, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

Passa então o Oficial de Registro Civil a esclarecer as partes a respeito dos impedimento e do regime de casamento5. Ao tratar dos regimes, o Oficial verifica que o contraente não tem o menor discernimento do que está sendo dito. Seu curador apresenta um pacto antenupcial lavrado em um Tabelionato de Notas, no qual as partes optaram pelo regime da comunhão universal de bens.

O Oficial de Registro Civil, atônito, prenota, ou seja, lança no seu Livro Protocolo e qualifica positivamente, expede os proclamas e edital6, não enviando o procedimento ao Ministério Público, lembrando dos consectários já mencionados de referido artigo.

O mais aterrorizante ainda virá. Uma vez habilitado o referido casamento, é extraído certificado de habilitação7, obtendo as partes autorização para celebrá-lo na própria serventia em questão.

As partes peticionam ao juiz de casamento, e designa-se data para celebração, observadas as solenidades do artigo 1534 do Código Civil.

Por ocasião do ato, estão presentes os contraentes, as testemunhas e o juiz de paz. Porém, impossível o cumprimento do artigo 1535 do Código Civil8, já que o nubente não pode afirmar a sua livre e espontânea vontade. Entretanto, o curador, valendo-se do disposto no art. 1.550, § 2º, expressa vontade do deficiente mental de casar, dizendo ser livre e espontânea a vontade e obriga o juiz de casamento a proclamar “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.

Neste momento, está destruída toda o histórico do casamento, do Concílio Tridentino, passando pelas Ordenações, pelo Código de 1916, até hoje. São mais de 500 anos de história jogados ralo abaixo, inaugurando uma fase em que passa a ser possível casar sem vontade, ou melhor, com a vontade ficta do curador.

Nesse nosso pequeno conto, o Oficial de Registro Civil assenta o casamento no livro B, entrega a certidão ao casal, dá por encerrado o ato e arquiva o procedimento.

Dias após, valendo-se da Emenda Constitucional 66/10, a agora contraente intenta ação de divórcio direto pleiteando 50% dos bens do varão e, por que não florearmos nossa pequena história: conluiada com o curador, a jovem reparte parcela considerável do patrimônio do deficiente alçado a capaz.

Acho que nada mais precisa ser dito. Boa leitura e até a próxima coluna!

Bibliografia

STRECK, Lênio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, 4. ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

__________

1 Nubilis, -E, adjetivo biforme da segunda classe, declinado pela terceira declinação, o qual significa “habilitado para casar”.

2 L. L. Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, 4.ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, p. 113.

3 Datasus [Acesso em 3/9/2015]

4 “CC/02. Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:

I – certidão de nascimento ou documento equivalente;

II – autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;

III – declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;

IV – declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;

V – certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.”

5 “CC/02. Art. 1.528. É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens.”

6 “CC/02. Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver.

Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação.”

7 “CC/02. Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado.”

8 “CC/02. Art. 1.535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.”

__________

* Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.

* Bruno de Ávila Borgarelli é estudante de Direito da USP e pesquisador jurídico.

Fonte: Migalhas | 08/09/2015.

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Câmara rejeita projeto que dispensa georreferenciamento de registro de imóvel rural

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania rejeitou, na quarta-feira (3), projeto do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT) que dispensa o georreferenciamento para registro de imóvel rural arrematado ou cuja posse tenha sido obtida por sentença judicial (adjudicação).O georreferenciamento é um procedimento em que são feitas medições do imóvel, utilizando inclusive vistas aéreas, de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro, conforme parâmetros estabelecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Como o parecer do colegiado é terminativo, a proposta (PL 3027/11) será arquivada, a menos que haja recurso para sua análise pelo Plenário.

O relator na comissão, deputado Padre João (PT-MG), apresentou parecer pela rejeição da proposta. Ele defendeu que a definição dos limites do imóvel é importante, pois garante segurança jurídica na delimitação da área objeto da transferência do imóvel rural.

“O georreferenciamento é uma garantia para o registrador de que não haverá contestação sobre o seu procedimento”, afirmou o parlamentar.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA: PL-3027/2011.

Fonte: Agência Câmara Notícias | 08/09/2015.

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Certidões imobiliárias

Existem várias certidões que poderão ser emitidas pelo cartório em que se encontra depositado o registro do imóvel, que permitirão ao comprador e vendedor, uma maior segurança jurídica e documental, na transferência imobiliária.

O custo de uma certidão varia a partir de R$ 28,97, em média, conforme o conteúdo do que se pede.

As certidões mais frequentemente solicitadas são as seguintes:

a) Certidão de inteiro teor (também chamada de “certidão de matrícula” ou “certidão de registro”): é a certidão que traz o texto integral da matrícula do imóvel, ou seja, tudo o que consta no histórico do imóvel. Poderão ser visualizados e comprovados todos os atos de registro ou averbação praticados na matrícula. Esta certidão é exigida para a lavratura de escrituras ou contratos bancários, pois é por meio dela que se sabe seguramente a identificação do imóvel e do seu atual proprietário.

b) Certidão de ônus e ações reais ou pessoas reipersecutórias: é a certidão que relata diretamente se há ônus ou ações judiciais constantes na matrícula do imóvel. Esta certidão também é exigida para a lavratura de escrituras ou contratos bancários, pois é por meio dela que se sabe específica e seguramente se há algum ônus incidindo sobre o imóvel (ex: hipoteca, penhora), se há alguma indisponibilidade determinada, ou se há alguma pendência judicial capaz de atingir o futuro adquirente. Pode ser Negativa ou Positiva, conforme o caso.

c) Certidão de Transcrição: Quando o imóvel ainda está registrado no sistema anterior (da Transcrição), ou seja, não foi praticado nenhum ato relativo a ele após o ano de 1976 (quando entrou em vigência a Lei n. 6.015/73). Caso o imóvel esteja nesta situação, esta será a certidão que substituirá a certidão de inteiro teor da matrícula mencionada na alínea “a” acima.

d) Certidão Negativa de Propriedade: é a certidão que relata se determinada pessoa é proprietária de imóvel registrado na serventia.

e) Certidão Quinzenária ou Vintenária: é a certidão que mostra o histórico do imóvel por, respectivamente, quinze ou vinte anos. Por meio desta certidão se sabe toda a cadeia dominial do imóvel e suas vicissitudes durante o período solicitado. Assim, caso neste período o imóvel tenha sido objeto de uma matrícula já encerrada, deve-se expedir certidões de inteiro teor de cada matrícula até se chegar à última, pois assim o interessado terá em suas mãos toda a cadeia dominial daquele imóvel no período solicitado.

Fonte: Anoreg/BR – Jus Brasil – Online | 09/09/2015.

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